sábado, outubro 17, 2020

FRANCISCO CONSTANTINO CROCOMO

 

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de outubro de 2020.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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ENTREVISTADO: FRANCISCO CONSTANTINO CROCOMO



NA FOTO O QUADRO DE FUNDO É UMA PINTURA  DE MINHA ESPOSA !  

GOSTO MUITO DOS QUADROS DELA ! 

A ELA, FARIDI, DEVO MUITO EM MINHA VIDA! 

 

bacia hidrográfica do rio Piracicaba estende-se por uma área de 12.531 km². Foi utilizado como rota fluvial de acesso ao Mato Grosso e Paraná no século XVIII. Ao longo dos séculos XIX e XX, o rio foi utilizado como rota de navegação de pequenos vapores e como fonte de abastecimento para engenhos e fazendas de cana-de-açúcar e café. Por volta de 1960, o governo paulista decide reforçar o abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo e constrói diversas represas nas nascentes da bacia hidrográfica do Piracicaba, formando assim o Sistema Cantareira, maior responsável pelo abastecimento de água de São Paulo que capta e desvia águas dos formadores do rio Piracicaba, reduzindo assim o nível de água do rio e de seus afluentes. Muitas famílias tiravam o seu sustento do Rio Piracicaba, com a pesca abundante de peixes de grande porte como o pintado, o dourado, o cascudo. mandi e outros.

 

Francisco Constantino Crocomo nasceu em Piracicaba no dia 01 de setembro de 1954, em Piracicaba. Filho de Francisco Crocomo e Immaculada De Jayme (Immaculada com dois “emmes) e seria Di Giaimo o seu nome original. Eles tiveram 10 filhos: Celso, Celia, Magali, Eny (falecida), Francisco, João, Geraldo, Tarcísio, Paulo e Fernando. Todos nascidos em Piracicaba.

Qual era a profissão do seu pai?

Ele tinha uma funilaria, sua especialidade eram calhas, encanamentos e parte hidráulica. Depois de um bom tempo ele trabalhou com cobre e aço, fazendo tachos, cuscuzeiros, os cuscuzeiros da Rua do Porto foram feitos por ele. Meu irmão agora está fazendo também. O meu pai passou a trabalhar com cobre depois que se aposentou. Esse trabalho em cobre ele já tinha feito anteriormente com o pai dele, Giovanni Crocomo, aqui nos sítios da região. Na época havia muitos alambiques de pinga espalhados pela região.

Seus avós são originários de qual país?

Todos vieram da Itália Meridional e do Sul da Itália. Os avós paternos: Giovanni Crocomo veio de Rivello (Região de Basilicata) casado com Teresa Vidili que veio de Santa Domenica de Talao, região da Calábria. Os avós maternos são: Costabile Di Giaimo veio de Castelabatte na região de Campania, casado com Carmela Di Sapia a Di Giaimo sua origem é de Corigliano Calabro, região da Calábria.

Eles vieram do porto em Santos para Piracicaba?

Acredito que sim. Meu avô paterno foi um dos fundadores quando a colônia italiana de Piracicaba fundou o Clube Cristóvão Colombo em 1917, quando foi denominado como “Circolo Italiano Cristoforo Colombo”. Foi sócio da Societá Italiana di Mutuo Socorros di Piracicaba – Sociedade Italiana de Ajuda Mútua de Piracicaba. O Costabile era pescador na Itália, ele estava sozinho no Brasil, meu bisavô disse: “Vou mandar a minha filha vira para o Brasil! ”. Depois que eles se casaram ela perguntou o nome dele! Ela só sabia falar italiano, eles tiveram 16 filhos, que ele criou pescando no Rio Piracicaba. O Largo do Pescador, onde é a Igreja do Divino Espirito Santo, até a Rua Antonio Corrêa Barbosa antigamente chamada Rua do Sabão, aquela esquina até o Largo dos Pescadores era o casarão deles. Aí ele vendeu, o local onde estão o Largo e a Igreja, ficou com aquela parte em frente ao Clube de Regatas de Piracicaba. Minha mãe dizia que naquela época as terras eram baratas. Foi gravado um depoimento em uma entrevista feita por Haldumont Nobre Ferraz (Tiquinho) e filmada por Thimoteo Jardim, com duas filhas de Costabile, isso ocorreu há uns 20 anos. Na época a filha mais velha tinha 92 anos, presume-se que estamos mencionando fatos de 120 anos atrás. A minha mãe contava que as terras onde mais tarde foi construído o Clube de Regatas de Piracicaba chegaram a pertencer ao meu avô, que as vendeu baratinho. Há de se lembrar que o Rio Piracicaba era caudaloso e as enchentes eram de maiores proporções.

Além de pescar o seu avô exercia outra atividade?

Havia a extração de areia do Rio Piracicaba, utilizava nas construções. Ele subia a Rua Moraes Barros com a carroça puxada por mulas ou burros, carregada de areia. Eram destinadas a construção civil. Os peixes eram vendidos no Mercado Municipal, havia uma senhora que tinha banca de peixes, na época era muito conhecida, ela atendia pelo nome de Colaca. A minha avó costurava, ajudava na casa. A Irmã mais velha da minha mãe era chamada de madrinha, foi quem pediu para que o Tiquinho e o Thimoteo fizessem a gravação do seu depoimento, isso porque o meu avô foi pintar um casarão que funcionava em parte como escola, acima do Largo dos Pescadores, e ao raspar a pintura que estava se soltando apareceu embaixo, uma pintura anterior onde dizia: “Escritório de Navegação”.

O seu avô paterno, Giovanni Crocomo trabalhou em que setor?

A história dele é bonita! Ele fazia os alambiques de pinga, tachos para rapadura, nos sítios da região! Era uma atividade disseminada na região rural de Piracicaba. O meu pai e o meu tio Dudu que tinha a oficina e loja Caldeirão de Ouro, na Rua do Rosário, na Paulista aprenderam o oficio com o meu avô. Depois eles vieram a trabalhar também com inox.

Segundo a Professora e artista premiada, Clemencia Pizzigatti, já falecida, em depoimento ela disse que considerava seu avô um verdadeiro artista!

Foi um artista! E o meu pai também! Antes do meu tio montar a sua loja o “Caldeirão de Ouro” era na Rua Rangel Pestana, no centro. Tinha uma loja lá, “O Caldeirão de Ouro” era lá. Depois meu pai montou uma loja na Rua Benjamin Constant esquina com a Avenida do Café, depois ele montou na Avenida Armando Salles de Oliveira, na verdade quando eu nasci ele tinha a oficina na Rua Floriano Peixoto, eu nasci naquela casa. Nos fundos tinha a oficina do meu pai, ele tinha uma bicicleta. Veículos era para poucos. Os renomados professores da ESALQ utilizavam o bonde. Automóveis só existiam os importados.

Você iniciou o curso primário no Grupo Escolar Barão do Rio Branco?

Todos em casa iniciaram no Barãp. Ficava a duas quadras e meia de casa, íamos a pé. Minha primeira professora foi Dona Maria, depois acho que foi Dona Neusa Corazza, o Diretor era o Nizar.

De lá você foi estudar o ginásio no Colégio Estadual Dr. Jorge Coury?

Fui. Lá fiz o ginásio e o colégio. Inicialmente era na Rua Aferes José Caetano e depois foi construído o prédio novo. Os professores que lecionaram ali marcaram a nossa história. O nível de ensino na esnoba publica era extremamente rigoroso. Os alunos sa8iam com conhecimento, concorriam nas universidades de primeira linha. E entravam. Usávamos uniformes impecáveis: camisa branca, com o brasão da escola bordado no bolso da camisa, do lado esquerdo do peito, calça cinza-chumbo, meias cinza-chumbo, sapatos pretos, engraxados, das marcas Passo Doble ou Vulcabrás. Cabelos aparados. As meninas eram inspecionadas uma a uma pela Dona Margarida Ritter, uma senhora de estatura miúda, dedos pequenos e finos, as saias não podiam estar mais do que dois dedos acima do joelho. Os meninos passavam um a um pela inspeção rigorosa de Miguel Salles.  O professor era respeitadíssimo. Na entrada do professor na sala de aula os alunos levantavam-se até que o professor mandasse sentarem. As datas cívicas eram comemoradas com solenidades. Tudo isso nos uniu e deixou uma saudade maravilhosa.

Sua mãe como fazia?

Imagine, com 10 filhos! Ela tinha que se desdobrar para manter isso tudo na linha. Já tinha filho fazendo o Tiro de Guerra, onde o nível de exigência é maior ainda. A farda tinha que estar impecável, passada, o coturno reluzente, ela dava conta de tudo sozinha! Uma vez ou outra que teve alguém que ajudou! Hoje com um ou dois filhos as vezes reclamamos, imagine ela com 10! Tudo bem que os mais velhos ajudavam a olhar os menores, mas não é fácil!

Outro fator que passa desapercebido, mas que é real, é a questão da alimentação, as diferentes faixas etárias, horários, também exigem alguns diferenciais, além do fator financeiro, que nessa escala pesa muito.

Meu pai sempre foi extremamente zeloso nesse aspecto. Ele literalmente trabalhava para a família. A gente se ajudava. Tinha que ajudar em casa. Tínhamos um bom quintal, haviam galinhas, ovos, frutas.

Na época não tínhamos televisão!

Quando começou a transmissão de televisão eu ia na Rua Moraes Barros, eu tinha minhas tias que moravam lá. Uma delas tinha adquirido uma televisão. Sentávamos em frente a televisão. Lembro-me de que a gente se aprontava, penteava o cabelo para ir até lá. Ficávamos sentados no chão, e tinha que nos aprontai porque o homem do outro lado da tela estava vendo-nos! Tinha que ter uma disciplina! Minha tia falava e acreditávamos: “ Olha lá o homem está vendo! ”. E nós acreditávamos. Tinha que se portar em frente a televisão.

Houve em sua família um fato muito importante tendo como referência a queda do COMURBA?

Morávamos na Rua Floriano Peixoto, três dos meus irmãos saíram para ver o Museu de Cera, o mais velho foi tomando conta dos dois mais novos. Eu fiquei estudando com a minha irmã. Ficava nas proximidades do Edifício Luiz de Queiros, em construção. O Edifício Luiz de Queiroz, conhecido popularmente como COMURBA, foi um prédio que começou a ser construído em 1950 e em 1964, estava em fase de acabamento, época em que desabou parcialmente. Minha tia Luzia (Seu nome correto na Itália é Lucia), casada com o meu tio Augusto, morava ali na Rua Moraes Barros, ela fazia um bolo, um café que era uma delícia. Eu estava escutando o rádio com a minha mãe, deram a notícia de que tinha caído o COMURBA. Lembro-me daquela poeira. Minha mãe, minha irmã e eu ficamos desesperados. Não deu um minuto e eles ligaram da casa da madrinha, irmã da minha mãe e disseram: “Avisa a mãe que viemos comer um bolo aqui! Depois nós vamos no museu”. Esse museu ficava na Rua Moraes Barros, perto da Pinacoteca. Costumo falar que o bolo da madrinha salvou os três!

Teve um período em que você foi coroinha?

Teve sim! Fui coroinha na Igreja dos Frades. Eu tinha por volta de 10 anos. Fui Presidente dos Coroinhas, Cordigero. As dependências da igreja englobavam uma área grande, tinha até um cafezal, um campo de futebol onde jogávamos. E também por conta do meu irmão mais velho ter estudado no Seminário Seráfico São Fidélis, éramos muito próximos, íamos jogar futebol no Seminário.

Lembra-se dos dias de casamento?

Muito! Havia uma passadeira enorme em uma espécie de carretel, o tapete ia da entrada da igreja até o altar, desenrolar e enrolar dava um bom trabalho. Mas tinha também as peraltices próprias da idade, após a cerimônia, os noivos iam ao salão de festas, que ficava em frente a igreja. O normal eram dois coroinhas auxiliarem o celebrante. Era relativamente comum ir quase uma dezena de coroinhas na festa, entravam como se tivessem ajudado na cerimônia. Havia uma tolerância por se tratar de crianças e eram integrados aos festejos e comilanças. As famosas quermesses realizadas em um amplo espaço ao lado da Igreja dos frades, as festas juninas. Com o passar do tempo, já, adolescentes havia a paquera, nas festas havia o tradicional “Correio Elegante”, mas aos domingos após a missa de vez em quando ia tomar um sorvete na Padaria INCA ou de vez em quando ia ao cinema.

Quem fazia as hóstias eram a irmãs do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe. Você chegou a ir buscar?

Fui! Elas sempre davam retalhos que adorávamos. Essas pequenas coisas tinham um significado muito importante em nossas vidas.

Os apitos de trem!

Eu morei na Avenida Independência, ao lado passava a linha do trem da Estrada de Ferro Sorocabana, teve muitos acidentes ali, chegamos a socorrer pessoas acidentadas. Na Avenida 31 de Março. Onde hoje tem um hipermercado sempre tinha circos, parques. Ali havia uma bica, chamada Olho da Nhá Rita.

 

Francisco Constantino Crocomo após o concluir o curso colegial na Escola Estadual Dr. Jorge Coury. Você prosseguiu seus estudos em que área?

Entrei na UNIMEP, entrei em 1973 na ECA – Economia, Contabilidade e Administração. Logo passei a dar aulas na UNIMEO, foi quando fiz o Mestrado em Economia e Sociologia Rural da ESALQ. Me formei Mestre em Economia Rural. A seguir lá mesmo fiz o Doutorado em Economia Aplicada.

Você tem uma veia artística voltada para a escultura em madeira?

Tenho muita facilidade em trabalhar com madeira. Faço isso como lazer. Tive a agradável surpresa em ser premiado no Salão Internacional de Humor com uma escultura em madeira que provocava a reflexão.

 

 

 

 

sexta-feira, outubro 09, 2020

FRANCISCO CARLOS MODESTO

 

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 10 de outubro de 2020.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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ENTREVISTADO: FRANCISCO CARLOS MODESTO


Disciplina, Ordem e Hierarquia são cláusulas pétreas do Exército Brasileiro. Os generais podem ser: General de Brigada; General de Divisão e General de Exército, sendo este o posto máximo do generalato. O General de Exército Francisco Carlos Modesto nasceu na cidade de São Pedro em 27 de janeiro de 1952. Filho de Wilson Modesto e Denice Dias Modesto que tiveram ainda as filhas Ana Luiza e Lucia Helena. 




No dia 30 de agosto realizou-se no Batalhão da Guarda Presidencial - "Batalhão Duque de Caxias" uma formatura com a finalidade de oferecer as despedidas do serviço ativo ao General de Exército Francisco Carlos Modesto, Chefe do Estado-Maior do Exército. O General de Divisão Caixeta, Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, fez uso da palavra enaltecendo a vida militar do General Modesto, por meio da leitura de sua biografia. Na oportunidade, o General Modesto foi agraciado com a Medalha Mérito Granadeiro, recebida das mãos do General Leme, Comandante Militar do Planalto. Em suas palavras, o Chefe do Estado-Maior do Exército destacou a igualdade de oportunidades que a vida de soldado oferece a todos, independentemente de classe social. Em seguida, a tropa do BGP realizou um magnífico desfile em continência ao General Modesto, o último de sua brilhante jornada pelo serviço ativo. Compareceram à solenidade diversos oficiais generais da ativa e da reserva, incluindo 6 atuais integrantes do Alto Comando do Exército.





                      






Qual era a atividade profissional do pai do senhor?

Mecânico de automóveis em Águas de São Pedro. Ele era muito hábil com maquinas, era mecânico de automóveis mas consertava trator, caminhão, máquina de piscina, máquina de elevador, ele tinha uma habilidade manual muito grande, hoje as coisas estão mais fáceis, com aparelhos o mecânico identifica a falha e troca a peça com defeito. Antigamente a pessoa tinha que entender o funcionamento da peça, para “fabricar” uma semelhante! Os carros eram importados e não tinha peças disponíveis a qualquer momento. Ou seja, além da habilidade, tinha que ser criativo. Ele trabalhou com a família que fundou Águas de São Pedro, a família Moura Andrade. Tudo que era máquina, era com ele.

O senhor lembra-se do nome do fundador de Águas de São Pedro?

Foi Octávio Moura Andrade.

Águas de São Pedro foi fundada em decorrência de uma prospecção de petróleo em seu subsolo?

Existe, segundo foi visto, através de estudos e análises, um lençol petrolífero que vai daqui até a região de Piracicaba oi até mais, quando estavam pesquisando, foi perfurado um poço aqui, tem até a estrutura. Dize, que saiu gás, e o petróleo não é economicamente explorável. Mas nessas andanças por aqui, descobriram aquela água malcheirosa. Tinha um senhor, Ângelo Franzin, que era o dono da fazenda, ele tinha feito um balneário, era uma casa de banhos com duas portas. Ou seja, dois banheiros, para tonar banho, isso porque ele estava meio entrevado, com os banhos começou a melhorar cada dia mais. Isso despertou a curiosidade popular, que ficou sabendo dos seus banhos com aquela água. A água passou por uma pesquisa, foi feita a descoberta de que era água sulfurosa. Isso foi por volta de 1930. O Dr. Octavio, que foi o fundador, tinha um irmão mais velho do que ele, que trabalhava em Santos, com exportação de café. Esse irmão veio até Águas de São Pedro. Essa água foi analisada por mais de um ano na Universidade de São Paulo, os irmãos Moura Andrade adquiriram três ou quatro fazendas, tanto que a cidade de Águas de São Pedro não tem área rural! Só tem área urbana! Fundaram a cidade com a construção do Grande Hotel. Isso deve ter sido por volta de 1950. Não tinha estrada, De Águas de São Pedro à Piracicaba deveria levar uma eternidade! Ele chegou, por volta de 1959, a ter uma pista de pouso de aviões, entre Águas e a cidade de São Pedro. Essa pista fica em São Pedro, já outro município.

Ou seja, naquela época o meio de transporte aéreo era relevante em Águas de São Pedro?

Teve, naquela época, uma revoada de mais de 250 aviões! Aviões “Paulistinha”. Hoje já é difícil imaginar uma coisa dessas, imagine há 70 anos atrás! Ele fez isso para divulgar a cidade, depois ele chegou a comprar um avião que deveria levar umas vinte pessoas, para trazer hóspedes para o Grande Hotel. Águas de São Pedro nasceu em torno desse hotel! Para construir o hotel ele fez uma olaria, não tinha nada aqui! Fez uma serraria. Fez a mecânica. O meu pai trabalhava na manutenção disso tudo. Dos equipamentos todos. Após construído o hotel, ele arrendou por algum tempo. Na época Águas de São Pedro foi emancipada do Município de São Pedra, tornou-se Estancia Hidromineral. O que alavancou no início da cidade foram os cassinos. Na época só eram permitidos cassinos em estâncias, essa separação foi para que como estância Águas de São Pedro comportasse cassinos. Em vez da pessoa ir para o exterior, vinha para cá. Os brasileiros, pessoas que gostam de jogos, eram os frequentadores. O hotel é um espetáculo. Onde era o cassino hoje funciona um salão para teatro ou coisa semelhante. Em torno do hotel era um pasto. Hoje o hotel está no centro de um belíssimo bosque, esse bosque foi plantado! Trouxeram muitas mudas de diversas espécies de eucalipto. Era uma árvore que crescia rápido e permitia que outras espécies de árvores que foram plantadas lá, crescessem.

A cidade também foi projetada?

Na época no Brasil existia um escritório de engenharia, o Escritório Técnico  Saturnino de Brito, sediado no Rio de Janeiro, era um dos mais famosos e conceituados.(Francisco Saturnino Rodrigues de Britto, mais conhecido como Saturnino de Brito, foi um engenheiro sanitarista brasileiro que realizou alguns dos mais importantes estudos de saneamento básico e urbanismo em mais de 50 cidades do país, sendo considerado o "pioneiro da Engenharia Sanitária e Ambiental no Brasil".).Ele  fez não só o paisagismo da cidade como também o tratamento de água, esgoto. Octávio Moura Andrade foi uma pessoa visionária, muito além do tempo dele, faleceu muito cedo, com 68 anos.

Existia mais algum cassino ou só o do Grande Hotel?

Só existia esse cassino. O Hotel era referência para tudo, a única piscina que existia aqui na área era essa do Grande Hotel. Só tinha uma piscina, semiolímpica de 25 metros. Em Águas não havia o ensino médio, antigo ginásio, tinha que estudar em São Pedro, eu tive a sorte de ter um professor, o nome dele é José Maria, ele era de Rio Claro, eu valorizo muito os professores. Ele foi até o Hotel, conversou com as pessoas do Grande Hotel, conseguiu dar aulas para alunos da escola pública, na piscina do Hotel. Nós tínhamos aulas de natação. Eu aprendi a nadar na piscina do Grande Hotel, graças a esse professor e a ao Grande Hotel que cedeu as instalações. Em Águas tinha uma escola primária, acabei estudando nela no quinto ano, no ano seguinte passou a ter o exame para admissão, antigamente fazíamos o quinto ano e fazíamos o exame de admissão. Com a mudança do currículo, fazia até o quarto ano, não me lembro se fazia o exame de admissão ou ele foi abolido. Assim entrava no primeiro ano do antigo ginásio.

O ginásio p senhor fez em qual escola?

Comecei a estudar em São Pedro, morava lá, depois meus pais mudaram para Águas, o Grupo escolar terminei em Águas. Estudei três anos em São Pedro no Grupo Escolar Gustavo Teixeira e dois anos em Águas no Grupo Escolar Ângelo Franzin. O ginásio estudei em São Pedro na Escola Estadual José Abílio de Paula.

Nesse período o senhor só estudava?

Só estudava. Quando eu cheguei no oitavo ano do ginásio era o período do dilema: se queria fazer Direito, matérias voltadas para a área de Ciências Humanas, fazia o Clássico. Se fosse estuda Engenharia, área de Ciências Exatas, fazia o Curso científico. Era uma decisão muito importante. Na escola em São Pedro, eu tinha dois grandes amigos: João Francisco e Toninho Possobon, formávamos três grandes amigos. Estudávamos juntos, o João Francisco era muito estudioso, primeiro aluno em sala de aula. O pai dele foi expedicionário de 32, e queria muito que o filho fosse militar. Lá pelas tantas, o João Francisco, convidou-nos, eu e o Toninho para irmos juntos fazer o exame. O pai do Toninho era representante de Antárctica em São Pedro, o Toninho disse que iria ser engenheiro, de fato, acabou sendo engenheiro, trabalhou na siderúrgica em Volta Redonda, depois trabalhou na Embraer, teve muito sucesso o Antonio Carlos Possobon. O João Francisco de Aguiar também teve uma carreira de muito sucesso na área de economia. Aposentou-se no Banespa e hoje é professor nona Universidade Mackenzie em São Paulo. Quando o João Francisco nos convidou para ir fazer o exame para ingressar nas Força Armadas, ele ficou chateio com a resposta do Toninho, àquela resposta “na lata”, ou seja, direta. Quando ele me disse: “E você? ” Eu estava vendo a sua dificuldade em aceitar a determinação do pai. Era uma situação delicada. Respondi: “-Vou lá contigo! ”. Decidimos isso no final de 1966. Estava na sétima série, indo para a oitava do ginásio.

Para a época era uma aventura!

Pois é. Em 1967, no início do ano, em janeiro, fevereiro, deu uma enchente grande em São Paulo. Inundou tudo, inclusive as editoras que faziam os livros didáticos. O livro didático chegou só no meio do ano. Principalmente português e matemática, a prova era sobre português, matemática, ciências, história e geografia. Os livros chegaram mais ou menos em junho, estudamos metade do livro. Tínhamos uma escola pública excepcional. Fizemos a inscrição, João Francisco como era sempre o primeiro aluno da sala, disse: “Eu não vou fazer porque não vai dar para passar. Eu tinha ido até lá mais pela nossa amizade, na hora pensei o que eu iria fazer. Narrei para o meu pai o que tinha acontecido. Nessa hora é que valorizamos a sapiência de uma pessoa que só estudou o curso primário. O meu pai disse-me: “Você começou, vá até o final! Vai ver o que que é! Preste o exame não significa que você vai passar, mas não desiste mão! ” Eu fui.

O exame foi em que lugar?

Foi em Campinas, no Bairro do Castelo, ali tem uma escola rosada, é uma escola grande, é a entrada para quem quer tornar-se oficial. É a Escola Preparatória de Cadetes do Exército. Depois vai para a AMAN - Academia Miliar das Agulhas Negras, em Resende, ele começa ali. Na minha época eram três anos, hoje é um ano só. Ali fazíamos o Científico.

Como foi o exame?

O primeiro exame tinha 50 questões de matemática, umas 30 ou pouco mais, eu sabia, era prova de múltiplas escolhas, com 5 opções, nunca gostei de “chutar” a resposta. As outras, cerca de 20 questões, eu não tinha nem ideia, era da parte do livro que eu não tinha estudado. Todas elas, ou quase tidas, tinha um desenho geométrico: arcos, esferas. Para não “chutar” aleatoriamente, comecei a resolver por desenho, eu tinha tido um professor muito bom de desenho, algumas coisas até encontrei solução. Saí de lá desanimado, quando eu estava na fila, ela seguiu a ordem A, B. C, e assim por diante, sempre pelo primeiro nome, estávamos todos em um pátio interno, repleto de candidatos, o pessoal que tinha feito cursinho, falando fórmulas matemáticas, teoremas, mostrando um saber que chamava a atenção de qualquer um. Na hora pensei: “-Meu Deus do céu aonde é que eu estou! ”. Sentia-me completa e absolutamente perdido! Eu ali, caipira, a primeira vez que tinha saído de casa em direção a outra cidade, saímos daqui quatro e pouco da manhã, tinha que estar em Campinas as sete horas. Fomos com um fusquinha que o meu pai tinha. Depois houve outras provas. No final um coronel disse: “ Você tem o telefone tal, vocês ligam para cá para saber o resultado. Se não puderem ligar (Naquela época não era todo mundo que tinha telefone, isso em 1967), e quem não tiver telefone pode comprar o jornal de Campinas. Quem não tiver nenhuma dessas opções, aguardem que irão receber um telegrama”.

A expectativa era grande?

Aí tem um detalhe, quando fiz a primeira prova, eu falei para o meu pai: “ Não deu, vinte questões eu “chutei” e expliquei-lhe o que tinha ocorrido. Eu disse a ele: “Não vou continuar fazendo as demais provas! ”. Novamente ele disse: “Você começou, agora vai até o final, se for aprovado não é obrigado a ficar. Você vai, continua se você quiser, mas aprenda a ir até o final”. Fui, fiz as outras provas. Chegando em casa transmiti aquilo que o coronel tinha dito. Ele perguntou-me se eu tinha anotado o telefone, eu disse-lhe que nem tinha anotado.

O senhor seguiu sua rotina?

Já tinha feito a minha matrícula para cursar o curso científico em São Pedro. Estava pensando em fazer um curso técnico que estava começando aqui, era na área de hotelaria, no SENAC. Com o curso técnico eu teria condições de trabalhar e estudar. E ia fazer um concurso para a Escoa Sud Mennucci que era a melhor escola que havia na região de Piracicaba. Um belo dia, cheguei em casa, tinha um telegrama. Eu não queria acreditar. Estavam me chamando para fazer exame médico, exame físico, eu tinha sido aprovado no exame intelectual. Em 1968 comecei na Escola Preparatória em 1968, sai de lá em 1970. Nessa época eu tinha 15 anos de idade quando comecei lá.

De lá o senhor foi para a Academia de Agulhas Negras?

Na Academia fiquei de 1971 a 1974. Concluído o curso o aluno sai como Aspirante. Na Academia você tem o ensino universitário e o ensino profissional. Equivale a um curso superior. Nos 1° e 2° anos o mais forte é o ensino universitário. O aluno permanece em regime de internato, período integral. No 3° e 4° anos ele equilibra, metade universitário e metade profissional. No ensino universitário você estuda matemática, desenho, física, química, psicologia, filosofia, direito, administração, cálculo integral, diferencial, trigonometria, topografia, é uma miscelânea de assuntos para dar um embasamento que é fundamental inclusive para a parte militar.

E a parte militar?

Depende das armas, o 1° e 2° anos é o curso básico, ensina a ser soldado, depois de acordo com a classificação, na minha época, hoje no 1° ano de Resende que escolhe, antigamente era no 2° ano você escolhe uma das sete armas: Cavalaria; Artilharia; Infantaria; Engenharia; Comunicações; Material Bélico e Intendência. O aluno escolhe uma dessas armas e vai fazer os dois últimos anos nessa arma que ele escolheu. A parte universitária continua. Os dois últimos anos é meio a meio. Metade da semana com atividades universitária e a outra metade da semana com atividades profissional.

O senhor escolheu qual arma?

Infantaria! Como todas as profissões tem seus encantos e suas dificuldades. No caso do militar tem um aspecto: você está sempre mudando. Quem sofre muito com isso é a família. Principalmente o oficial, você está dois ou três anos em um lugar, depois vai para uma sucessão de outros lugares. Você não sabe para onde vai. O Exército vai determinar. A não ser que seja convidado para um curso, ou ministrar um curso. São as coisas que você pode escolher. Essas mudanças trazem também algumas vantagens para os filhos, tem que se virar e aprender. Adaptarem-se a cada dois ou três anos em um local diferente. E tem a desvantagem de deixar os amigos. Sempre recomeçando.

Em 1974 o senhor formou-se em Agulhas Negras?

Fiquei lá até ser 1° Tenente. Antigamente quando você era promovido, você mandava um rádio, rádio é como se fosse um telegrama, para a diretoria de movimentação, è um departamento que transfere as pessoas, dizendo três locais para os quais você gostaria de ser movimentado, você era promovido, fazia isso, o Exército tentava conciliar o seu interesse com a necessidade do Exército. Sempre que possível acontecia. Eu sempre quis fazer o Curso de Guerra na Selva, por dois anos mandei requerimentos, aí vinha a resposta: Indeferido por dar preferência a oficiais na área. Tinha um major que tinha sido comandante de Itaituba, no Pará, ele veio falando mil maravilhas de Itaituba, dizia: “ Estou precisando de você, vamos para lá! ” Tinha um outro tenente que tinha ido para Marabá, veio falando maravilhas, dizendo: “Modesto, vamos para lá! ” Coloquei no requerimento: 1ª Opção Itaituba, 2ª Opção Marabá, 3ª Opção Manaus, que era onde eu queria fazer o Curso de Guerra na Selva. Em agosto de 1977 fui promovido, tinha me casado em julho de 1977, me casei em São Pedro. Minha esposa estudou na UNIMEP é formada em português e inglês. Nessa época estava em Caçapava. Em dezembro de 1977 eu estava de férias, me ligaram de Caçapava dizendo: “Modesto, você foi transferido! ”. Vai para Tabatinga. Procurei no mapa, não tinha nem estrada! Fronteira com a Colômbia. Fronteira com Leticia. Letícia é uma cidade da Colômbia, capital do departamento de Amazonas. Letícia é como se fosse a nossa Manaus.

E o senhor foi para lá?

Foi a melhor coisa que me aconteceu! Eu tinha seis meses de casado.

A sua esposa o acompanhou?

Lógico! Aí vem as dificuldades. Ela tinha passado em um concurso, em Caçapava, para ser professora do Estado. O dilema: assume o cargo de professora, ou abandona e me acompanha? A decisão foi abandonar e acompanhar. Fomos para lá. Isso foi em janeiro de 1978. Naquela ocasião, a visão do Exército sobre a Amazônia não priorizava um efetivo com alta qualificação. Tinha muita gente boa servindo, sob condições não prioritárias. As condições de comunicações eram precárias. Para fazer uma ligação telefônica de Tabatinga tinha que ligar para Tefé, de Tefé para Manaus, de Manaus para São Paulo de São Paulo para Piracicaba, de Piracicaba para São Pedro. Era um sacrifício, se caísse uma das linhas você não iria conseguir se comunicar. A comunicação era mais por carta. Ninguém gostava de ir para lá.

Quem ia para lá?

Percebi isso quando cheguei. Eu tinha um subcomandante, Coronel Chagas, era uma pessoa muito ponderada, ele começou a me perguntar: “Você é casado? ”. Disse-lhe que sim. Que havia me casado fazia seis meses. Ele era muito calmo, perguntou-me: “Você é bem casado? ”  “Vive bem com a sua esposa? ” Respondi: “ Vivo muito bem sim! Estamos em lua-de-mel”. Com toda calma ele entabula conversas, até que me perguntou: “ Você tem algum problema financeiro? ” Disse-lhe que não, tinha ficado dois anos solteiro, consegui ter minhas economias. Comprei tudo que era necessário para mobiliar a casa. Minha esposa, Márcia Modesto, formou-se na UNIMEP. Deu aulas em Capivari. Conseguimos fazer a lua-de-mel e ainda sobrou dinheiro para comprar um aparelho de som 3 em 1, esse aparelho era o sonho da época. Ai o Coronel perguntou-me: “-Você foi punido? ” Respondi-lhe que não. Naquela época eram pouquíssimos os voluntários que iam para a Amazônia. Eu tinha o interesse em conhecer e em fazer o curso, tinha dois interesses, o gosto pelo desafio. Tabatinga tem 1.000 militares, eles têm pelotões de fronteira, um pelotão de fronteira são 40 homens. Um tenente, um médico, um dentista, uns dois ou três sargentos, o resto soldados. Ficam no meio da selva. O Coronel disse-me “Você é o mais antigo”. Mais antigo em nosso meio significa o que se formou antes. Então disse-me: “ Você pode escolher, tem uma vaga aqui na sede e uma no pelotão”. Disse-lhe: “Quero ir para o pelotão! ” Eu estava querendo desafio, queria conhecer o pelotão. Com aquela calma toda, ele disse-me: Ah! Já percebi o seu problema! ”. Intrigado perguntei-lhe: Qual é o meu problema Coronel?!”. Ele disse-me vagarosamente: “ Você é loucooooo!”. (Risos). Ele disse-me: “ Imagine ir para o pelotão, você podendo ficar aqui! Na sede tem mais recursos! ”. Foi a melhor decisão da minha vida! Foi fantástico! Na época sintonizava a Rádio Nacional de Brasília até umas cinco horas da tarde. Depois sumia. Aí entrava a BBC de Londres, a Havana de Cuba, entrava forte, 5 por 5 que costumamos chamar, claro e alto. Olha o sonho, as pessoas ali, boa parte índios, filhos de soldados, mestiços, queriam aprender inglês para entender o que a BBC de Londres falava! A minha esposa dava aula na escola e começou a noite ensinar coisinhas simples. Lógico que não iriam aprender inglês. Os índios, as pessoas mais humildes têm sonhos. Não querem viver em uma redoma, como se fosse um zoológico. Eles têm os mesmos sonhos que temos, querem progredir, querem saber, entender.

De que tribo eles eram?

Na minha área Ticona.

A esposa do senhor encontrou inspiração para escrever um livro?

Minha esposa Márcia Modesto escreveu um livro. Nós tivemos muita sorte, só encontramos pessoas boas no caminho. Desde o ensino, ela estudou em Piracicaba, gostou muito da UNIMEP, até durante a vida militar. Com o olhar dela e sua expressão ela descreveu toda a nossa vida. Nós que vivemos em centros urbanos, com recursos, não podemos nem imaginarmos como é a vida deles, e o quanto eles nos ensinam.

Em convívio com eles aprendemos valores que a humanidade esqueceu?

Aprendemos muito com eles. Um fato que mostra o nível de igualdade existente no meio deles. No pelotão não existia carnes. O pelotão ficava a mais ou menos uma hora de voo de Catalina, é um avião que não existe mais. É hidroavião e pode pousar em pista também, no pelotão tinha pista de pouso. O pelotão hoje se chama Vila Bitencourt, Fica no comecinho do Rio Japurá, ele é formado pelo Rio Apapós, que é brasileiro e Caquetá que é colombiano. Na frente do pelotão tem uma ilha que é colombiana, e um soldado colombiano criava gado, solto. Ele abatia e vendia para nós. A fonte de renda dele era essa. Um dia um soldado do batalhão perguntou-me: “Tenente, o senhor quer carne? ” Disse-lhe que queria sim, um quilo de picanha, outro quilo de alcatra, e fui dizendo o que desejava, O soldado disse-me: “Aqui fazemos o seguinte, perguntamos para todo mundo que quer carne e depois pegamos o boi, vemos o seu peso e dividimos com todos igualmente”. Se tivesse 10 quilos de carne de primeira e 10 pessoas para dividir era um quilo para cada um.  A carne de segunda se for 20 quilos, são 2 quilos para cada um. Olhe o ensinamento que eu recebi de uma pessoa ali da área, uma pessoa com pouco estudo, nunca me esqueci desse ensinamento. Que é repartir! Não interessa se você tem dinheiro ou não. O bem está ali para ser repartido com todo mundo. Não interessa se você é o comandante ou o soldado. O direito é igual para todo mundo.

Tinha energia elétrica?

Tinha, era energia gerada por óleo diesel, e felizmente não precisava desligar.      

O Rio Japurá era grande?

Para você ter uma ideia, ele tinha mais de dois quilômetros de largura! Em janeiro, fevereiro, chove pouco lá. O rio ficava baixo, formando banco de areia, pegávamos uma voadora (embarcação movida a motor com estrutura e casco de metal, geralmente alumínio, a maioria composta com motor de popa. É largamente utilizada no transporte fluvial sendo um meio de transporte bastante comum na Amazônia). Íamos do pelotão até o meio do rio, para fazer uma educação física diferente jogávamos bola no meio do rio, no banco de areia. Uma festa lá se faz com uma tartaruga, para 80 pessoas! Nós fiscalizávamos, havia a presença de muitos colombianos, eles traziam as tartarugas da Colômbia.

É boa a carne dela?

Talvez pela forma como era feita, ficava agradável.

O “rancho” que era mandado para lá era suficiente?

Era suficiente, só que dependia do Catalina. Se não tivesse avião, atrasava a comida. Mentíamos o estoque, tínhamos a padaria que fazia pão. O rancho era o não organizado. Os gêneros vinham, eram repartidos pela quantidade que o militar tem direito. Se chama de quantidade tabelar, tantas gramas de arroz por dia, vezes 30 dias, dá X. O mesmo era feito com feijão, e demais gêneros alimentícios, assim distribuía com o pessoal, cada um fazia na sua casa. As vezes o Catalina atrasava, aí tinha que sair à caça. Tinha que se virar. Felizmente nunca tive grandes problemas nessa área.

E o Curso na Selva o senhor fez?

Fiz! Como eu já havia mandado o requerimento, um belo dia chegou um rádio, perguntando quem era o voluntário para fazer o curso. Tinha teste de natação antes de começar o curso. Na Amazônia vive-se muito na água, É muito risco. Não precisa ser um grande nadador, mas tem que se virar bem na água. Realizei o curso, foi muito bom. Eram 12 semanas de curso, além de aprender a trabalhar em equipe, sabe que depende de todo mundo, você aprende a lidar com a selva, não pode enfrentar a selva de peito aberto, tem que respeitá-la.

Alguém disse esses dias, que se houver uma invasão na Selva Amazônica, até que entram, mas dificilmente saem.

Para explicar a selva, só vivendo lá. Sob o ponto de vista militar, de grandes campanhas, você tem que dominar os grandes rios, os rios são as estradas. E os aeroportos. Dominar, entrar na selva, é muito difícil! Até para o próprio brasileiro. Você tem que estar aclimatado. É um local úmido, com o sol, aquilo fica um calor muito forte. De noite é um frio terrível. Na ocasião nós incorporamos um grupo de índios Ticunas. A ordem era dada e o chefe deles é que dava a ordem para eles. Não era o tenente dando a ordem diretamente.

Há uma polêmica muito grande sobre uma grande presença estrangeira na Amazônia. Isso é folclore ou tem um fundo de verdade?

Pode estar havendo algum exagero, mas tem um fundo de verdade. A biodiversidade que existe lá é fantástica, as riquezas minerais existentes na Amazônia são muito além da nossa imaginação. Apenas um exemplo, o petróleo. A Venezuela, considerada uma das maiores reservas de petróleo do mundo, se não for a maior. Ela está na nossa fronteira. Será que o lençol chega na fronteira com o Brasil e não vem para o lado de cá? Há interesses internacionais ali! Muitas reservas indígenas estão demarcadas exatamente em regiões riquíssimas. Não estou querendo dizer com isso que devemos explorar e destruir a Amazônia! Ao contrário! São 20 milhões de pessoas que vivem ali, temos que dar-lhes dignidade. Fazendo tudo de forma racional, fiscalizada e sustentada. É uma situação complexa, tem gente que com exageros querem tornarem as coisas piores do que são. Mas, há muita verdade nisso! Uma das pessoas que conhece muito é o General Mourão. Serviu ali, comandou São Gabriel da Cachoeira, foi adido na Venezuela, ele conhece bem essa área de selva, ele é o Presidente do Conselho da Amazônia que está lidando com isso e está funcionando. Temos que preservar, manter o que tem ali. Isso é um trabalho para 20 a 30 anos. Temos que preservar o que tem ali, para os nossos filhos, netos, bisnetos, temos uma riqueza enorme. Isso desperta a cobiça internacional. Em todo o mundo. Esses missionários todos nessas áreas indígenas é uma coisa complexa. Muito complexa! A sociedade brasileira tem que ser educada, preparada para separar os radicalismos, mas para ver a verdade!

Nós estamos muito concentrados no Sul, Sudeste, e na faixa costeira.

Na verdade, a gente padece de um mal que o nosso pais é um continente! Quantos países da Europa não cabem aqui no Brasil? Quantos países da Europa não cabem na própria Amazônia? Falo do pouco que conheci. Eu conheço muito pouco. O povo de lá, o indígena de lá, eles querem progredirem. Não querem ficar em uma redoma! Eles falam diferente, tem uma cultura diferente, mas dentro das aspirações deles, eles têm as mesmas aspirações que nós temos. Eles no seu ambiente e nós em nosso ambiente.

O que são marcos trigonométricos existentes na selva?

Uma das operações que tínhamos chamava-se Operação Abraço. Nós tínhamos em Tabatinga, que fica no começo do Rio Solimões quando ele entra no Brasil, para o Norte tínhamos o Pelotão do Ipiranga e o Pelotão Japurá, hoje Vila Bitencourt. Cada um mais ou menos a 100 quilômetros um do outro. Para o Sul tinha mais outros dois: Estirão do Equador e Palmeira dos Índios. Mais ou menos a 100 quilômetros uns dos outros. E no meio desses trajetos, havia rios, igarapés pequenos. Saia uma patrulha com direção ao Sul, outra patrulha saia com direção ao Norte, encontravam-se no meio, onde eram resgatados por um barco. A orientação era feita por bussola, e batia no marco. Íamos olhando nos marcos, limpávamos, prosseguíamos até encontrar o outro pelotão. Todos esses marcos de pedra, tem a data gravada, foi na época de Pedro Teixeira, por volta de 1620 a 1640. Pedro Teixeira é um ícone da Amazônia, ele foi um militar, que subiu e tomou posse da Amazônia. Após o Tratado de Tordesilhas, quando Portugal se uniu a Espanha, nós devemos muito aos portugueses, os portugueses subiram, Pedro Teixeira estabeleceu os marcos, estabeleceu a sede dos pelotões, todos eles em pontos estratégicos, a Amazônia é nossa graças a esse grande militar Pedro Teixeira.

O senhor de Tabatinga foi para qual localidade?

Após ter feito o Curso de Guerra na Selva, não pude mais voltar para o pelotão. Voltei para Tabatinga. Permaneci na Amazônia por dois anos. Até que pedi transferência, vim para Campinas. Ali nasceu o meu primeiro filho, Felipe, trabalha na área de informática. O segundo filho, também nasceu em Campinas, é o Guilherme, seguiu a carreira militar é Major. Eu vim para o 28º Batalhão de Infantaria Blindado em Campinas. Pouco tempo depois fui promovido para Capitão. Em Campinas permaneci por três anos. Em seguida fui fazer, como se fosse um mestrado, chama-se Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais- EsAO, fica no Rio de Janeiro. É um ano de curso. Depois fui para Caçapava, onde só fiquei um ano. Fui convidado para ser instrutor da EsAO onde fiquei dois anos como instrutor. Eu era Major. O Capitão no último ano, ou o Major pode fazer um vestibular para a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, fica na Praia Vermelha. Se passar e estiver dentro do número de vagas, irá fazer esse curso na Praia Vermelha. Esse curso dá direito a comandar uma Unidade, um Batalhão, um Grupo de Artilharia, ou outra Arma.

Do Rio de Janeiro p senhor foi para qual cidade?

Fui para Cascavel, onde passei dois anos. De Cascavel fui convidado para ser Comandante do Curso de Infantaria da AMAN- Academia Militar de Agulhas Negras em Resende. Passei dois anos lá. A seguir fui convidado para ser Comandante do Corpo de Alunos da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) de Campinas. Fui um ano só. Nessa época o Comandante era o General Heleno. Os alunos gostavam muito dele. O General Heleno é uma pessoa diferente. Extremamente inteligente, extremamente informal e extremamente objetivo. Ele reúne essas qualidades todas, é uma pessoa de fácil trato. Ele é firme. Dali fui comandar o 28° BIB- Batalhão de Infantaria Blindado. Onde permaneci por dois anos. De lá fui para o Centro de Inteligência do Exército, fiquei por dois anos e meio lá, na época estavam sendo implantados os Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM). De lá fui designado para ser o oficial de ligação junto ao Exército Americano, junto ao Comando de Treinamento e Doutrina do Exército dos Estados Unidos da América (TRADOC) É o coração do Exército Americano. Todas as novidades aparecem nesse TRADOC. Passei dois anos ali. É uma posição muito relevante. Foi concedida porque o Brasil participou da Segunda Guerra. Na minha época eram 15 oficiais de ligação. O único da América Latina era o Brasil. Esses oficiais convidados eram do Brasil, Canadá, Inglaterra, Coréia, Israel, Grécia, Turquia, Espanha. Fiquei lá de setembro de 2000 a setembro de 2002 em Hampton na Virginia. O primeiro dia do meu segundo ano foi 11 de setembro de 2001 quando houve os ataques ou atentados terroristas. Conhecemos o EUA, principalmente a área militar, antes e após o atentado. De lá voltei e fui para o Estado-Maior do Exército, em Brasília. Servi muito tempo em Brasília. Em 2004 fui promovido a General. Fui comandar a Aviação do Exército, em Taubaté, uma experiência fantástica, fiquei dois anos no comando. Passei um ano e meio em Campinas no Comando da Brigada Anhanguera. De Campinas, fui promovido a General de Divisão, voltei para Brasília, para o Estado-Maior do Exército, na área de Pessoal. Do Estado-Maior fui para o Ministério da Defesa, onde fiquei dois anos e meio, ali fui promovido a General de Exército. Fui comandar o Rio de Janeiro, que é o Comando Militar do Leste que abrange Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, onde permaneci dois anos e sete meses. Em seguida fui ao Departamento Geral de Pessoal, em Brasília, onde fiquei um ano e meio mais ou menos. Aí fui para a reserva.

O senhor no Comando Militar do Leste-CML pegou um período agitado em termos de eventos populares de massa?

A equipe toda trabalhou muito. O Rio de Janeiro é a menina dos olhos que todo estrangeiro quer conhecer. As tropas viviam em emprego. Tivemos a visita do Papa, Copa das Confederações, Copa do Mundo. Depois a operação na Maré que estava passando por um problema sério.





A questão social é muito acentuada no Rio de Janeiro?

O caso do Rio e das favelas, eu tenho experiência da Maré. O Exército ficou um ano e dois meses, fiquei no comando um ano ali. Tinha um general abaixo de mim. Eu dava as orientações gerais, eu ia no mínimo três vezes por semana, até para não atrapalhar o outro general. Eu fazia questão de pelo menos três vezes por semana estar presente. Nas mais diversas horas. Sempre pegava um final de semana, durante a semana duas vezes, procurava ir à noite, durante o dia, é muito importante estar presente. Você passa a conhecer bem a comunidade. Na Maré tínhamos a estimativa de 135.000 pessoas, se tivesse 1,000 bandidos já seria muito. E se desses se tirasse 100 que de fato eram bandidos, era o que tinha. Só que esse pessoal se misturava no meio do povo, como o Estado não estava presente eles dominavam tudo. A gente queria que eles respeitassem a polícia como nos respeitavam. Tem bons quadros na polícia do Rio, principalmente jovens. Idealistas. O Rio de Janeiro tem que receber a atenção de todos nós, dos ministérios, secretarias, quando o Estado se ausenta alguém ocupa o espaço. Depois que passei para a reserva o General Villas Bôas que é muito meu amigo, ele que me passou o Curso de Infantaria, servimos juntos como capitão, sentíamos a necessidade de melhorar algumas coisas da área médica, pensamos em fazer uma faculdade de medicina. Ele me pediu que estudasse esse assunto, eu fiquei em São Paulo, estudando esse assunto por uns dois anos, chegamos à conclusão de que poderíamos fazer uma escola de medicina, mas não no padrão das nossas escolas. Teríamos algumas etapas para resolver. Fizemos o relatório, deixamos esse projeto adiado.


sábado, setembro 26, 2020

NATAL BOMBEIRO

 

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de setembro de 2020

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/

http://www.tribunatp.com.br/

http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: NATAL ANTONIO DE OLIVEIRA

                        (NATAL BOMBEIRO)

 

                                                 

                                                                                             Natal (Arquivo pessoal)                                                           



Natal Antonio de Oliveira é conhecido pela população como Natal Bombeiro, quem não o conhece pessoalmente pelo menos já ouviu mencionarem o seu nome. Um soldado da paz, Natal salvou inúmeras vidas, conviveu com situações quase sobre-humanas, destemido, nunca mediu esforços para fazer aquilo que mais gosta: salvar vidas. Sempre de bom humor, prestativo, já vivenciou cenas que poucos seres humanos suportariam ver. Após sua narrativa, perguntei a esse herói se a coleção de medalhas que ele recebeu por mérito é grande. Ele sorri, e com aspecto franco diz: ganhei uma medalhinha por fazer um salvamento quando eu estava na hora da minha folga. Para ele as medalhas são as vidas que ele salvou.

Você nasceu em qual cidade?

Nasci aqui em Piracicaba, em 24 de dezembro de 1954, no final da Rua do Porto, 2.197 se não me engano, próximo as olarias que existiam na época, próximo ao Bar do Lelé. Hoje lá onde eu morava funciona o Restaurante Vila Porto. São seus pais Luiz Antonio de Oliveira e Carmen Granado, que tiveram nove filhos, sendo que um deles, o mais velho de todos, faleceu precocemente… São seus filhos: Margarida, Neide, Luiz, Izabel, Carmen, Pedro, Zelita e Natal. Meu pai era pescador, nasceu ali na beira do Rio Piracicaba, na época era uma profissão como outra qualquer, ele aposentou-se pela Marinha do Brasil, o Piracicaba era um rio piscoso: tinha inúmeras espécies de peixes, os mais famosos eram os pintados, dourados, cascudos, mandis, e muitos outros. Lembro-me de que para conservar o peixe meu pai deixava os pinados amarrados no bote, imersos na água do rio, a espera de comprador. Como a abundância de peixe era grande, ficava difícil vender!

Toda essa família vivia em função da pesca?

Todos! Meu pai nos criou com pesca, após certo tempo a minha mãe mudou-se para a Rua XV de Novembro, 264, próximo à Rua do Porto, ali a minha mãe montou uma lojinha de roupas, armarinhos em geral, ela ia adquirir em São Paulo e trazia para vender aqui.

Ali você estava pertinho do Clube de Regatas de Piracicaba (Fundado em 12 de outubro de 1907)?

Eu só fui frequentar o Regatas com 14 a 15 anos. Estudava na Escola Estadual Francisca Elisa da Silva que ficava na Rua XV de Novembro, o prédio existe até hoje, a escola foi transferida para o Jardim Monumento. Ali fiz o curso primário. Minha primeira professora foi Dona Justina. Naquele tempo íamos descalço para a escola, com o bornal, que chamávamos de “borné” uma sacola de tecido onde levávamos o material escolar, que era pouco, um caderno, um livrinho chamado “Caminho Suave”, um lápis, a caneta só usava a partir do segundo ano escolar, era caneta tinteiro, a esferográfica surgiu quando estava no terceiro ano. Toda carteira escolar tinha um orifício largo o suficiente para colocar o vidro com tinta “Azul Royal”, tinha que levar penas de reserva, era comum quebrar ou entortar a pena da caneta, por onde saia a tinta. Isso me faz lembrar dos antigos barbeadores, onde o aparelho era sempre o mesmo, trocávamos a lamina, a gilete. Era extremamente importante ter o “mata-borrão” Papel mata-borrão é um tipo de papel muito absorvente. É usado para absorver o excesso tinta. Lembro-me do caderno de caligrafia.

A carteira escolar era feita para comportar dois alunos?

A nossa escola era mista, tinha meninas e meninos. Ao meu lado sentava uma menina.

Com essa idade você já trabalhava?

Perto de casa, ali na Rua XV de Novembro, o Virgílio fabricava pequenos automóveis de brinquedo em madeira, com 10 a 11 anos eu já trabalhava ali. Ficava na Rua do Vergueiro, fabricava-se muitos caminhõezinhos de madeira. O Virgílio era famoso no seu ramo de negócio. Com 11 anos fui trabalhar na Sapataria Santana, na Rua XV de Novembro, na área central de Piracicaba. O proprietário era o Mário Malusá. O dono da Relojoaria Rubi, o Seu Rui era o proprietário e me levou para trabalhar lá. Era uma relojoaria muito fina, frequentada por pessoas chiques, ficava no coração comercial da principal rua de comércio, a Rua Governador Pedro de Toledo.

Qual era o seu trabalho lá?

Eu trabalhava junto com o Seu Pizzani, ele fazia alianças e nós dois políamos. Ele me ensinou a utilizar umas pedras, borrachas, era uma arte. Ele fabricava manualmente anéis, alianças. (Era muito comum cada profissional ter um anel simbólico da sua profissão). O sonho de muitos é ter em seu dedo um desses anéis.



Você trabalhou depois em que lugar?

Fui Guarda Mirim por seis anos, no tempo do Comandante Frederico Ciappina Neto. Através da Guarda Mirim fui trabalhar no Banco de Minas Gerais. O banco me efetivou como contínuo. Saí da Guarda Mirim e passei a ser funcionário do banco.


                     Frederico Ciapina, comandou a Guarda Mirim de Piracicaba

Você permaneceu no banco?

Piracicaba por um período viveu uma “febre” de tobogãs (Pista ondulada e, geralmente, inclinada que pode ser usada para deslizar ou escorregar). O gerente desse empreendimento era um amigo meu, no banco eu já trabalhava com valores, esse meu amigo precisa de alguém com experiência e responsabilidade. Convidou-me para trabalhar na bilheteria, na época pelas mais diversas razões, o Tobogã passou a ser o centro de atenção da cidade. O afluxo de pessoas era enorme. Trabalhei ali onde funcionou o antigo Pronto Socorro, na Avenida 31 de Março, próximo a Avenida Independência. A seguir montamos na Vila Rezende e em seguida fomos para Santa Bárbara D`Oeste. Ir de Piracicaba para Santa Bárbara D`Oeste naquele tempo era uma viagem. Era pista de uma via só, cheia de curvas fechadas, a velocidade era baixa, ia com ônibus da AVA – Auto Viação Americana.

Quando você ingressou no Corpo de Bombeiros?

Foi depois disso. Aos vinte anos.

O que levou você a ingressar no Corpo de Bombeiros?

Sempre tive vontade de ingressar no Corpo de Bombeiros. Como eu morava na Rua do Porto eu estava acostumado a nadar no Rio Piracicaba, eu nadava muito bem, conhecia bem o Rio Piracicaba. Uma vez o Mariano, meu amigo que era bombeiro disse-me: “Vai fazer o curso de bombeiro! ” Acendeu uma luzinha! Meu cunhado, hoje major aposentado, casado com a minha irmã, disse-me: “-Vai fazer o exame para admissão! ”. Fui em Campinas fazer o exame. Passei! Aí fui fazer a escola em Santos, fiquei um bom tempo em Santos, São Paulo, Campinas e voltei para Piracicaba.


                                               10 caminhões diferentes

No tempo em que você era criança, era comum atravessar o Rio Piracicaba nadando?

Para nós era a maior moleza! Quando tinha a Festa do Peixe, havia uma brincadeira chamada “Caça ao pato”. Nós conseguíamos pegar o pato dentro da água, veja se nadávamos bem! Soltavam os patos dentro da água, nós íamos nadando, éramos grupos de cinco ou seis moleques em cada grupo. Hoje seria até proibido deixar uma criança entrar no rio, naquela época isso era um fato normal. Mergulhávamos, víamos mais ou menos onde estava a ondinha que ele deixava, ía em cima dele e pegava.

Você saltava do trampolim que existia no Rio Piracicaba, ao lado do Clube de Regatas?

Saltava muito! Do piso mais alto. Nadava muito no Mirante! Saltava lá também! Nós conhecíamos tudo, cada pedra do Rio Piracicaba. Ia no Salto do Rio Piracicaba, de manhã, levava sal, óleo, pescava o peixe, limpava, aquele grupo de crianças, fritávamos ali mesmo.

A Rua do Porto tinha saída lá em cima, perto de onde hoje é o Museu da Água?

Tinha, mas era uma estradinha de terra. Era um lugar onde os caminhões de cana-de-açúcar subiam, para irem descarregarem no Engenho Central, nós puxávamos algumas canas para fazer garapa, isso com o caminhão andando, devagar, mas em movimento.

Geralmente a molecada não nadava com roupa, deixavam na margem do rio. Tinha quem escondia essas roupas?

Nadar ali era proibido, o Juizado de Menores que vinha pegar as nossas roupas. Às vezes era a Guarda Municipal, mais conhecida na época como Guarda Noturno, que fazia isso. Com isso faziam com que fossemos até onde eles tinham a sede e fossemos obrigados a chamar nossos pais, na presença dos quais eles devolviam as nossas roupas, com as advertências sobre os perigos que corríamos. De fato, era perigoso, só que éramos acostumados com o rio.



E as pedras do Salto do Rio Piracicaba são extremamente lisas?

Muito lisas! Na época usávamos Alpargatas Roda para pode andar lá, cor de mosaico, popularmente chamada de “enxuga-pocinha”. Era uma lona por cima e corda como solado. Quem ia andar no Salto tinha que usar aquilo ali. Só quendo pisava em um mandi o ferrão atravessava. Tinha que tirar a alpargatas, para arrancar o ferrão do mandi que estava no pé. Na hora era muito dolorido.






Você chegou a pegar cascudo?

Muito! Pegava cascudo na toca. Inclusive eu ajudava o Trovão e o Jair na rede para pegar cascudo. Acima de onde hoje está a Ponte do Lar dos Velhinhos, lá em cima. Arrastava a tarrafa e a rede para pegar cascudo. Eles viviam disso aí. O Leo Trovão era fiscal aposentado, a pesca era o complemento do salário dele. O Leo Trovão foi Rei Momo do Carnaval de Piracicaba, isso foi por volta de 1965. O Jair matou o Leo Trovão, seu próprio pai. O Leo Trovão era conhecidíssimo na Rua do Porto. Até hoje tem muita gente que o conheceu.

Você desfilou em algum carnaval?

Eu saí na Equyperalta. Fazia ensaio no Clube de Regatas, sai nos dois ou três anos logo que eles montaram, depois não saí mais.

No Clube de Regatas você usava os sandolins?

Andava de sandolim, de catraia, remo com patrão, o Seu Celso tomava conta dos barcos, era também treinador de quem usava os barcos. O Seu Júlio, pai do jornalista Carlos Nascimento fabricava os barcos.

E as Festas do Divino como eram?

Eu participava de todas! Desde criança eu gostava. Cheguei a ser festeiro do Divino também em 2015. Existe um cerimonial muito respeitoso, o agradecimento para quem conseguiu um milagre.

Voltando um pouco em sua trajetória de vida, o ginásio você fez aonde?

Fiz em São Paulo, naquele tempo havia o Curso de Madureza. Continuava morando em Piracicaba. Quando fiquei em São Paulo trabalhando, morava no quartel mesmo. Naquele tempo para entrar para o Corpo de Bombeiros era exigido só o curso primário. Depois fiz o ginásio. Na época eu já tinha habilitação para ser motorista. Para dirigir viaturas precisa ter cursos especial. Fiz diversos cursos, de bomba, de auto em bomba, caminhões com escadas específicas. São meses de treinamento para aprender o mecanismo de cada viatura.

Você foi operador da escada Magirus?

Fui, em Piracicaba fui. Apesar das viaturas serem importadas, um dos bombeiros ia fazer os cursos no exterior, vinha um instrutor do fabricante para dar cursos, aqui íamos repassando os conhecimentos. Se eu fosse a São Paulo aprender sobre determinado equipamento, repassava os conhecimentos para o pessoal de Piracicaba.

Na época qual era o alcance de uma escada Magirus?

A que veio para Piracicaba tem o alcance até 60 metros. Tem a menor que alcança 18 metros. A que eu dirigia já tinha o elevador que levava o bombeiro lá em cima. Antes tinha escada que precisava subir pelo degrau.

                                                                            Natal (Arquivo pessoal)


Em Piracicaba você combateu grandes incêndios?

O incêndio na Casa Moniz foi de grandes proporções. Era uma grande loja na Rua do Rosário, em frente a então Brivest outra loja de muita fama.

Em sua juventude você jogava futebol?

Joguei em vários times na Rua do Porto: no Beira Rio, União Porto, no McLaren. Nunca fui bom de bola.

A turminha da Rua do Porto era respeitada na época!

Os moradores da Rua do Porto eram sempre os mesmos, quando vinha alguns de fora do bairro poderia sair alguma confusão. Isso ocorria em vários bairros da cidade. Assim como o pessoal da Vila Rezende também tinha alguma dificuldade de aceitar gente estranha no bairro. Quem morava na Rua do Porto era pacato, bom, era uma família. Até hoje, os moradores ficam em suas casinhas, só que as vezes aparece um pessoal fazendo bagunça.

Um nome famoso era o Tangará.

Tangará foi muito famoso pelos peixes que dispunha, na frente ficava o Seu João Garcia. Hoje é o Restaurante Petisco e Cia. Quem tinha em outro local a Peixaria Garcia era o Paco Garcia. A casinha do Paco Garcia existe até hoje ao lado do Mercadinho do Porto. Seu filho continuou o negócio do pai, já em uma escala empresarial, hoje um nome que está espalhado em muitas localidades, o Bom Peixe. Uma característica da época era que as famílias em média tinham oito, nove, dez filhos.

As famosas enchentes do Rio Piracicaba chegavam até a sua casa?

Uma época morei na Rua XV de Novembro 67, as águas do Piracicaba chegaram lá! Na verdade, o pessoal já está acostumado, fica precavido, então não era novidade, já sabíamos que tinha que erguer as coisas, tinha que sair da casa, ia até a casa de um parente, sem descuidar da casa, para evitar furtos, a turma que morava na Rua do Porto sabia todos como se virarem. Na época de safra o meu pai fazia bico: atravessava de barco o pessoal que ia trabalhar no Engenho Central. Na época só existia a Ponte do Mirante como é popularmente chamada a Ponte Irmãos Rebouças. Lembro-me da Chacara do Morato, com a entrada, uma alameda de eucaliptos. Ao fundo uma mansão. Na época não existia a Avenida Dr. Paulo de Moraes, era tudo Chácara Nazareth. Não existia nem a Rua Ipiranga que sai hoje na área de lazer. Onde é o SESC havia uma plantação de eucalipto e uma britadeira de pedras, era a pedreira do Adamoli. Quando éramos crianças íamos pegar eucalipto para fazer pau de sebo do Judas. No final da Rua Rangel Pestana tem uma enorme saída de esgoto, era comum jogar a criançada que subia no pau de sebo e jogar no poço de fezes, esgoto, tudo misturado. Era um ritual todo ano. Eram 20, 30 a 40 crianças, ninguém ficava sem cair no poço de fezes.

M\as e o risco de uma contaminação?

Então! Ninguém ficava doente! Quando jogava bola no nosso campinho na beira do rio, bebia água do Rio Piracicaba! Entre a Rua XV de Novembro e a Rua Rangel Pestana, o então prefeito Nélio Ferraz de Arruda fez um campinho de areia.

O Rio Piracicaba também não era tão poluído?

Não era, de jeito nenhum. Hoje, o bombeiro para mergulhar tem que ter uma roupa própria para não ter muito contato com a água.



                                                                              Natal (Arquivo pessoal)

Você passou um período morando em Santos, quando chegou lá qual foi a sua reação?

Naquele tempo era comum fazer excursões para Santos. Eu tinha ido duas vezes para lá. Quando cheguei para morar a emoção foi grande. O quartel ficava próximo a Rua Conselheiro Nébias. O treinamento nosso incluia subir e descer correndo o Monte Serrat. Votava colocava roupa de praia e dava a volta na ilha nadando, voltava para o quartel correndo. Só depois disso o comandante nos dispensava. Por dois anos fui salva-vidas na praia.

Qual é a pior coisa que um salva vidas enfrentava?

Sujeito bêbado! A época era outra, havia o respeito do cidadão civil para com o militar. Mas as vezes tinha que ter alguma atuação física se a pessoa estive muito alterada.



Quantos homens tinha no seu destacamento?

Por dia na ordem de 120 homens. Naquele tempo o bombeiro ia em pé em cima de um estribo atrás da viatura. Era bonito de se ver. Hoje é proibido. As viaturas eram de fabricação nacional. Hoje temos muitas importadas, com recursos sofisticados. De manhã, ao tomar posse do posto o condutor tem que revisar todos os detalhes da viatura. Desde uma lâmpada queimada, fluidos, calibragem de pneus, tudo que existir na viatura é da inteira responsabilidade de quem está assumindo o posto.





Quanto tempo você ficou em Santos?

Foram dois anos, a seguir fui removido para São Paulo. Até então, eu não era considerado bombeiro e sim policial militar da infantaria. Fui fazer um Curso de Infantaria e Equipamentos para Bombeiros no Barro Branco. Vim para Campinas, Depois voltei diversas vezes para São Paulo para fazer cursos de salvamento, de mergulho, sempre fazendo aperfeiçoamento. O curso de mergulho é dado em rio, mar, noturno.




Você veio para Piracicaba como bombeiro em que ano?

Foi por volta de 1979 a 1980, dei baixa em 2008. Hoje há muito cuidado com a prevenção de incêndios. A cada cinco anos é exigido o AVCB Atestado de Vistoria do Corpo de Bombeiros de edifícios, empresas, comércio. Há uma vistoria prévia do projeto.


                                           PRIMEIRA AMBULÂNCIA DO BRASIL

O que proporciona maior número de ocorrências em Piracicaba?

Acidentes de motocicletas. Todos os dias ocorrem. Hoje trabalham os bombeiros e o SAMU. Diminuiu um pouco a sobrecarga dos bombeiros. O SAMU trabalha bastante.



Após um dia com ocorrências chocantes, como é o estado psicológico do bombeiro?

Bombeiro não é super-homem, não é machão. Quando começa tem bombeiro que tem medo até de cadáver! Ele não tem muita pré-disposição para mergulhar e trazer a tona um cadáver, ir buscar um cadáver no meio do mato. O dia a dia vai fazendo com que ele se acostume, ninguém entra nesse serviço insensível, isso é do ser humano. Com o passar do tempo ele passa a encarar com mais coragem, disposição. Eu ia no Tanquã, buscar o corpo de afogados, são cinco horas de barco, trazia até o Clube Regatas. Na época a viatura da polícia tinha dificuldades em chegar lá. Não tinha viatura geralmente trabalhávamos em dupla. Na época os recursos eram escassos. Colocávamos pó de café no nosso nariz, para disfarçar o odor. Geralmente eu era o piloto do barco, todo aquele cheiro forte ficava impregnado em mim. Era uma semana para sair. Diluia creolina e dava uma borrifada no meu próprio corpo.

Era muito rustico!

Demais! Não tinha equipamento, nem proteção, hoje usa-se luvas descartáveis, na época eram luvas de borracha, usava, deixava no quartel de molho em uma solução e depois lavava e usava novamente. Graças a Deus isso não existe mais. Cada um tem seu pacote de luvas descartáveis. Máscaras de proteção.








                                                                                Natal ( Arquivo Pessoal) 



Você salvou um cavalo?

Foi em Tupi, um cavalo caiu dentro de um poço com a pata para cima. Desci, passei uma corda, com muito cuidado para não quebrar nada dele. Ele movimentou-se, desceu muita terra em cima de mim, quase morri ali dentro. Subi, puxamos ele, ele permaneceu um tempinho deitado, dali a pouco levanta o cavalo, firme. O dono chorava, era a única coisa que ele tinha. Teve um caso que deu muita repercussão (Natal mostra os recortes de jornais da época, com matérias detalhadas). Foi um caso de uma mulher em Rafard, ela permaneceu por 25 horas dentro do rio, todo mundo já dava ela como morta, nós a resgatamos com vida. Ela tinha cinco filhos, foi apanhar cambuquira na beira do rio, ela caiu, colocamos o barco no rio e fomos descendo pela correnteza, dali a pouco ela se meche no meio de uns entulhos. O Marido estava procurando ela, só nos chamaram após muitas horas.

Você tem filhos?

Tenho três: Natalia, Jader e Marcelo.



Você tem alguma religião?

Sou católico, frequento, faço parte do Terço dos Homens, do Salão do Divino na Rua do Porto, toda terça-feira.

Natal, você salvou muitas vidas, prestou socorro, e fez um trabalho muito difícil, que é o resgate de corpos. Alguns casos transcuremos, outros preservamos.  Qual é a principal característica do bombeiro?

Tem que ter amor a profissão! Se não gostar não consegue suportar, encontramos coisas muito difíceis de ver, sentir ou aceitar.

 

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