domingo, junho 12, 2011

MARIA ZILÁ ARGENTINO E MARIA JOANA TONCZAK

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 11 de junho de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

Da esquerda para a direita Maria Zilá e Maria Joana
ENTREVISTADAS: MARIA ZILÁ ARGENTINO E MARIA JOANA TONCZAK
Maria Zilá é paulistana, Maria Joana catarinense, elas partilham o teto em um elegante e funcional flat existente na Primeira Cidade Geriátrica do Brasil, uma verdadeira cidade encravada na área nobre da cidade de Piracicaba. Muito bem articuladas, narram fatos que vivenciaram individualmente ou de forma partilhada. Maria Zilá revela sua origem pelo ligeiro sotaque paulistano, enquanto Maria Joana praticamente se identifica com sua maneira de falar, característica dos estados do sul do Brasil. Ambas são mulheres determinadas, decididas. Maria Zilá foi professora de geometria descritiva, lecionou em bairros longínquos de São Paulo até aparecer a inovadora política educacional que determinou a acomodação intelectual dos alunos, brindando-os com estudos mais amigáveis. Maria Joana lutou com muita garra e determinação para superar todos os obstáculos que encontrou, narra-os de forma natural. Aos sete anos ganhou de presente uma enxada, que conserva com ela até os dias atuais, estudou em Paranaguá, vencendo com seu valente Fusca (“Fuque” como o pessoal do sul gosta de chamar) a neblina da serra entre Curitiba e Paranaguá, passava batom feminino nas lentes dos faróis do carro deixando um pequeno circulo no centro, para dar um foco melhor na escuridão da noite da serra. Comeu lingüiça com Café Filho, jogou cartas com João Goulart e Maria Thereza, conheceu Juscelino Kubistchek e sua animada troupe que em campanha política cantava a famosa musica “Peixe Vivo” até a exaustão dos presentes. È possível que alguns torcedores argentinos de um conhecido time de basquete ainda se lembrem da famosa atleta “argentina” Juanita, aquela que pouco ou nada falava, apenas dava um show de bola, nunca souberam que a fenomenal atleta era a brasileira Maria Joana. Ela foi vereadora em Cambé. Mudou-se para Foz de Iguaçu quando essa progressista cidade tinha apenas uma rua. Zilá e Joana estabeleceram uma grande amizade, dessas que transpõem datas e lugares, por diversas circunstâncias e fatos passaram a dividir o espaço onde moram, com direito a cultivarem horta e flores. Contrastando com uma sociedade cada dia mais individualista as duas amigas são exemplos da força e importância de uma amizade verdadeira. Zilá nasceu no bairro Belém em São Paulo, a 11 de maio de 1941, é descendente de eslovenos, filha de José Argentino e Maria de Lourdes Macedo Argentino, Maria Joana nasceu em Buitázinho, Mafra, Santa Catarina, á 20 de abril de 1928, é descendente de poloneses, filha de José Tonczac e Maria Otacília Tonczac.

Zilá você estudou em que escolas?

Estudei no Instituto Nossa Senhora Auxiliadora, no Belém, fiz a Faculdade de Desenho e Artes Plásticas, na Faculdade Santa Marcelina, na Rua Cardoso de Almeida, em Perdizes. Na realidade eu pretendia estudar geometria, um curso que era dado junto com matemática, eu tenho paixão por geometria, estudei no curso geometria descritiva, desenho geométrico, desenho técnico e desenho arquitetônico. Após concluir a faculdade fui lecionar na rede estadual de ensino e em escolas particulares. A primeira escola onde lecionei situava-se no Jardim Japão, lá pelos lados da Vila Maria. Lecionei até o advento da famosa lei 5692 de 1971, que impedia a reprovação do aluno, além de ser eliminada do vestibular a matéria geometria descritiva. Os alunos deram graças a Deus, porque para estudar geometria descritiva exige dedicação. Houve o desinteresse total pela minha aula por parte dos alunos, com a aprovação assegurada, manter a disciplina da classe passou a ser muito difícil. Decidi deixar o ensino. Em 1976 ingressei na Cervejaria Brahma, fui trabalhar na cidade de Curitiba.
Qual foi a sua impressão de Curitiba?

Achei o povo muito reservado, a cidade é maravilhosa. Em São Paulo eu tinha uma vida extrovertida, freqüentava locais que ofereciam atrações noturnas, como teatros, shows. Fiquei chocada quando determinado dia ao sair do meu trabalho no escritório da Brahma, trajando minha roupa social, dirigi-me a um dos muitos café e bares da Rua das Flores, isso às cinco horas da tarde de um dia muito quente, pedi uma cerveja e fui literalmente expulsa do bar! Simplesmente se negaram a servir cerveja a uma mulher desacompanhada! Isso foi em 1976! Permaneci por 12 anos em Curitiba, morando no Centro Cívico, lá aprendi a ter hábitos caseiros.
Maria Joana você estudou onde?

Estudei o ginásio em Mafra, através de uma bolsa de estudo fiz o magistério em Curitiba. Naquele tempo quem tinha cursado a escola normal só tinha como opção fazer a faculdade de letras, eu ingressei na faculdade em Paranaguá, a noite embarcava no meu fusquinha com mais duas ou três pessoas e íamos á Paranaguá, passava batom no vidro do farol do carro, com isso obtinha um foco direcionado ao centro, para andar na neblina a noite, era um fusca azul..

A senhora era muito corajosa!
Tinha que ser, eu não tinha dinheiro para ser valente!

A senhora é uma das pioneiras de Foz de Iguaçu?

Após me formar lecionei em Mafra. Dei aula em Foz de Iguaçu, fui nomeada inspetora de ensino, isso quando a cidade era formada apenas pela Avenida Brasil, em chão de terra. Na época em Foz de Iguaçu havia dois carros na cidade, o da prefeitura e o meu, tive que fazer um curso de mecânica de automóveis para dar manutenção no meu fusca. O meu carro era taxi, ambulância, enfim fazia tudo que necessitavam.

A senhora pescava?

Maria Zilá e Maria Joana na horta que cultivam
(Detalhe: Observe que este cnteiro está suspenso, para não ter que se abaixar para trabalhar, uma inovação da dupla Maria Zilá e Maria José)
Pescava no Rio Iguaçu de um lado e no Rio Paraná de outro. Quando eu era criança pescava e caçava passarinho para poder me alimentar. Quando cresci pescava por prazer. Geralmente pescava de barranco, para pescar dourado ia de canoa, tinha que pescar com um facão na mão, pois o dourado é um peixe inteligentíssimo, quando ele via que estava preso não saia simplesmente puxando a canoa, ele passava por debaixo da canoa envolvendo-a na própria linha e virando-a. Com uma mão segurava o facão, assim que ele pulasse sobre a canoa tinha que cortar a linha com o facão. O Rio Paraná era abundante em Pacu, na época de pesca ia quase metade da cidade até o rio para beneficiar-se da pesca, havia peixes de 80 quilos, que eram retalhados e distribuídos. Nessa época as professoras eram mandadas as mais remotas localidades, elas tinham que saber fazer de tudo. Vivi em Foz de Iguaçu uma experiência única, maravilhosa. A prefeitura adquiriu uma casa onde eu morava e onde foram morar seis ou sete professoras que iam para se formarem professoras regionalistas.

 

Após Foz de Iguaçu, para qual cidade a senhora se mudou?

Fui para Cambé, onde fui eleita vereadora com a maior votação da cidade, sempre fui política, no sentido de ter liderança. Exerci o mandato no período do regime militar, havia apenas dois partidos políticos, a ARENA e o MDB. Eu tinha a necessidade de provar que um cargo político poderia ser exercido sem desvios de conduta, honrando a causa, eu tinha a necessidade de provar para mim mesma de que o político pode ser honesto. E pode, eu fui!

Ocorreram situações onde a senhora poderia desviar-se dessa conduta?

Muitas, e a cada uma que recusei ganhei um inimigo. Se quando criança eu necessitei pescar e caçar passarinho para matar a fome, porque iria ter uma conduta desonesta agora? Por mais simples que seja um trabalho ele propicia condições de vida. Pode não ser uma vida de ostentação. Quando um político cede á tentação ele não sairá mais. A ambição é natural ao ser humano, sem ela não se vive, o que deve ficar muito claro é qual é o tipo de ambição que acomete o indivíduo. O homem sempre pensou que era Deus, ele quer mandar, hoje não há mais partidos políticos, há conveniências pessoais. Se o país está melhor, tem mais dinheiro, a ambição também aumenta. Ninguém quer ser menor do que o outro, não se luta para ser o menor.

A senhora conheceu algum político de expressão nacional?

Sentei em um degrau de escada, comendo lingüiça, com o então Presidente da República Café Filho. Isso ocorreu em uma chácara onde foi oferecido a ele um almoço. Era uma pessoa simples, maravilhosa. Fui comunicada por um assessor de que Café Filho não comia carne de aves, mas havia umas lingüiças dependuradas em cima do fogão, que eram do gosto do presidente, apanhei couve no quintal, fizemos arroz, feijão, lingüiça e couve, foi isso que ele comeu. Todas as pessoas presentes queriam comer aquela comida. Café Filhos sentou-se em uma escada, conversando, tomando chimarrão, disse: “- Eu não gosto, mas a minha mulher gosta muito de leitoa assada”. E de fato havia leitoa assada sobre a mesa, eu avisei o prefeito, foi então providenciado um leitão para ele levar á mulher dele. Isso ocorreu em Cambé.

Algum outro político que a senhora conheceu?

João Goulart e sua esposa Maria Thereza passaram a lua de mel em Foz do Iguaçu, ficaram hospedados no hotel local. Ela era muito bonita, ele também era bonito, formavam um casal maravilhoso. Maria Thereza ficou conosco, na cidade, enquanto João Goulart foi caçar. Conversamos muito, ela adorava criança. Tomávamos chimarrão, jogávamos cartas: buraco, truco, canastra. Conheci Juscelino Kubitschek, na época era candidato, ele estava sempre acompanhado de uma rapaziada da sua comitiva que vivia cantando á exaustão do ouvinte a música tema da sua campanha: Como pode o peixe vivo/Viver fora da água fria/Como pode o peixe vivo/Viver fora da água fria/Como poderei viver/Como poderei viver/Sem a tua, sem a tua/Sem a tua companhia/Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia. Ele era muito vaidoso.

A senhora praticou esportes?

Joguei profissionalmente em um time argentino de basquete, o “14 De Julio” eu era conhecida como Juanita, isso em Porto Iguaçu, alguns alunos meus e eu atravessávamos o Rio Iguaçu, de canoa, remando. Joguei nesse time por uns dois anos. Joguei vôlei, tênis. Em Foz de Iguaçu , junto com dois amigos, o prefeito e o dono do cartório tivemos cavalo na raia. Tínhamos uma éguinha, a Diana, que nunca perdeu nenhuma corrida, até que não tinha mais nenhum animal que pudesse competir à altura. Vimos-nos forçados a vender a égua, quem a comprou pintou-a de cinza, a cor original era branca. No hotel da cidade, onde inicialmente me hospedei, havia uma quadra de tênis, eu jogava com o garçom, uma arara mansinha ficava em cima de um galho gritando: “- Muy Bien Juanita!”

A senhora tem livros publicados?

Escrevi “ Crepúsculo”, “Lindolf Bell e a Catequese Poética”, Lindolf é um poeta catarinense, muito bonito, que lançou uma forma de literatura poética, juntamente com mais dois colegas pararam a cidade de São Paulo. Lançaram o livro na Boate Cravo e Canela, imagine uma boate fervendo, tudo escuro, e de repente ele falando parou tudo. Eu o conheci quando fui fazer especialização de letras. A minha monografia foi sobre a catequese poética. Lindolf Bell ganhou projeção nacional ao declamar poemas no Viaduto do Chá e em praças, boates, escolas e fábricas de São Paulo e do Rio, no movimento que passou a ser denominado de Catequese Poética. Além dos laços afetivos, o poeta conquistou o coração de multidões de anônimos pelas ruas. Estudantes sedentos de cultura puderam vibrar com as apresentações do poeta, cujo principal objetivo era levar a poesia, por meio do próprio autor, para o povo. Essa foi a origem da Catequese Poética.

Fome
MARIA JOANA TOMCZAK
 ( do seu livro Crepúsculo)


Parada para Café!

Dez minutos!

E os passageiros,

Apressados, acorreram

Ao balcão já preparado,

Menos por fome

Que para mudar de posição.
- Uma média, sim?

- Uma empada, por favor!

Quanto é o sandwiche?

E os pensamentos

Só tinham um endereço:

Escolher o que comer.

 

Todos de pé

indiferentes,

isolados, no aperto
do barzinho acanhado,

preocupados em engolir

mesmo sem a fome

que justificasse tal apetite
 


















sábado, junho 04, 2011

Geraldo Ometto

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de maio de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADO: Geraldo Ometto
Para dar esta entrevista Geraldo Ometto teve que adiar um compromisso assumido anteriormente, ele iria podar uma quaresmeira que já estava com seus galhos muito altos. Na garagem da sua casa uma pick-up compacta, muito moderninha, com lona na caçamba, objeto de desejo de muitos jovens, sugere que ali mora alguém que dirige. Geraldo Ometto foi lavrador, pedreiro, motorista de taxi, poceiro (que fabrica poços de água), comerciante, carpinteiro, exímio fabricante de cachaça, atividade que ainda pratica, produzindo em um pequeno alambique, cachaça artesanal, destilada “gota a gota”, sem nenhuma pressa, como ele mesmo afirma, “- Só para o gasto”! No quintal da sua casa cultiva uma horta com boa variedade de verduras, que abastece a cozinha de cinco famílias. Com um torno elétrico faz peças de madeira, fabrica, conserta, cria objetos, móveis. Ele acabou de voltar de uma viagem á passeio em Recife, onde permaneceu por vários dias. Passear é com ele mesmo, regularmente ele assume com muita segurança o volante da sua reluzente pick-up e acompanhado da sua animada esposa vai até Santa Maria da Serra, cerca de 80 quilômetros de estrada, um motorista que deveria servir de modelo, caso os órgãos de trânsito o descobrisse, afinal em aproximadamente 60 anos dirigindo ele nunca levou uma única multa de trânsito. Geraldo Ometto tem quase 91 anos! Em determinado instante ele confidencia: “- Nem eu acredito que tenho essa idade!” Nascido no bairro rural Floresta, em Piracicaba, a 12 de janeiro de 1921, filho primogênito dos 10 filhos do casal Jorge Ometto e Assunta Scarpari Ometto.

Que atividade rural era exercida na propriedade dos pais do senhor?

Era a lavoura, com plantação de milho, arroz, feijão algodão. Depois passaram a cultivar a cana de açúcar, passando a produzir pinga. Foi lá que aprendi a fazer cachaça. O sitio da nossa família era no Bairro da Floresta, ficava distante de 18 a 20 quilômetros de Piracicaba, quando chovia para vir à cidade só a cavalo, as carroças não passavam pelas estradas, o barro era tanto que em alguns lugares ao andar atolava até o joelho. Escola tinha apenas no Bairro do Serrote. Quando eu tinha 12 anos meu pai contraiu uma pneumonia muito forte, tive que deixar de ir á escola para ajudar na roça. Fui arar a terra, os vizinhos participavam de mutirão para se ajudarem. Eu não podia nem com o peso do arado.
Como o arado era puxado?
Arava com tração animal, lembro-me de dois animais com os quais trabalhei, a Calçada e a Estrela, enquanto eles puxavam o arado eu ia andando atrás, dirigindo onde ia passar a ferramenta. Até me casar aos 26 anos fiz essa vida. O meu avô barganhou o sítio da Floresta por outro na Fazenda da Glória, localizado no então Distrito de Charqueada, lá que aos 24 anos conheci a minha futura esposa, Maria Simonaggio Ometto nascida no Distrito de Charqueada, no dia 17 de janeiro de 1927, filha de Antonio Simonaggio e Judith Precoma Simonaggio O nosso casamento foi na casa do meu pai, tanto o Padre Luiz Perroni, como o escrivão foram até lá para celebrar o nosso casamento, isso no dia 26 de abril de 1947. Permanecemos residindo no sítio do meu pai. Alguns anos depois tive que deixar de trabalhar na roça, por ordem médica. Passei a exercer a atividade de comerciante. Comprei um armazém vizinho ao nosso sítio, nesse armazém permaneci por cinco anos. Em seguida adquiri um armazém na Usina Tamandupá, tinha de tudo, roupa, papelaria. Permaneci lá por uns cinco ou seis anos. A Usina Tamandupá era de Pedro Meneguel. Situav-s logo adiante da Usina Costa Pinto.
Quem fornecia as mercadorias para serem vendidas no armazém?
Itens de menor porte eram fornecidos por vendedores que iam oferecer seus produtos em nosso estabelecimento. Compras maiores eram feitas junto ao estabelecimento de Valentim Valério, situado na Vila Rezende. Da família Valério trabalhava no armazém a Alzira, Celeste, Neide, o prédio existe até hoje. As compras eram feitas uma vez por mês, eu vinha de trem da Estrada de Ferro Sorocabana, outras vezes eu vinha de ônibus. Eu tomava o trem pela manhã, na parada que existia no Recreio, fazia as compres e a tarde tomava outro trem de volta. As compras eram entregues pelo caminhão do Valério. Nós tínhamos cerca de 200 clientes que pagavam através de cadernetas. Alguns compravam durante o ano todo e o pagamento era feito uma vez por ano. Isso foi por volta de 1954.
O senhor teve quantos filhos?
Tivemos cinco filhos: Elza, Lúcia, Antonio, José Geraldo e Ângela Judith.
Em que ano o senhor mudou-se para Piracicaba?
Foi em 1956, viemos morar em frente a Igreja dos Frades, por seis anos fomos proprietários do bar existente na esquina da Rua Alferes José Caetano com Rua São Francisco de Assis, conhecido como “Bar dos Frades”. Foi uma época em que vinha muita romaria de outras cidades á procura de Frei Paulino. Íamos á missa todos os domingos. O prédio era de Mario Bressan.
Dona Maria, quando tinha casamento a senhora dava uma espiadinha para ver se a noiva estava bonita?
Claro que olhava!
Seu Geraldo, de lá o senhor mudou-se para onde?
Eu soube que iam construir uma nova igreja, a Igreja São José. Em frente na esquina, havia uma quitanda acanhada, pertencia a um senhor de nome Porfírio, era uma casinha baixa, simples, em volta não existia mais nada. A água era de poço. Na Rua Sud Mennucci entre a Avenida Dona Jane Conceição e Dr. Edgar Conceição havia uma santa cruz. O Cônego Luiz Juliani era bem jovem quando assumiu a Igreja São José, nem portas existiam nela! As ruas eram de pedregulho. Conheci a Paulista quando não havia quase nada aqui, a atual Rua Madre Maria Teodora era conhecida como Morro do Enxofre, para quem subia do lado esquerdo tinha valetas ao lado da rua, dava até medo, tinha bananal, cafezal isso em 1930. Meu avô Pedro Ometto e meu pai tinham 4 carroças, eles trabalharam no aterro da Cia Paulista aquela terra foi transportada em carroça, onde hoje estão construindo um viaduto.
Nesse local o senhor montou um comércio?
Montei um bar, com caldo de cana, sorvete. Hoje mesmo uma pessoa me perguntou se me lembrava do sorvete que eu inventei, o sorvete de cana! Era um sorvete muito bonito, feito com a garapa, eu não dava conta de produzir, de tão grande que era a procura. Foi um sucesso! Eu ia buscar a cana de açúcar pra fazer garapa com uma caminhonete Ford 1929, ia até o Bairro do Serrote.
Há quanto tempo o senhor é habilitado para dirigir veículos?
A minha carteira de habilitação é de 1956, nunca fui multado. Nunca perdi um ponto na carteira. Fui taxista por 15 anos, o meu ponto era na rodoviária, fui trabalhar com um Dodge ano 1945. Tive um Aero Willys branco, fazia muitos casamentos, inclusive os de sítios. Em um determinado dia levei um passageiro até o consultório do Dr. Samuel Neves, na Rua Prudente de Moraes, situado ao lado do famoso prédio Comurba, que estava em construção. Após deixar o passageiro segui na direção da Rua Governador Pedro de Toledo. Escutei um barulho ensurdecedor, uma enorme nuvem de poeira levantou-se, era o prédio que desabava, logo atrás de mim. Fiquei com muito medo, só fui parar na rodoviária, onde era o meu ponto de taxi. Naquela época não se via quase ninguém pelas ruas nas madrugadas. O pronto socorro, na época denominado de SAMDU - Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência funcionava no mesmo prédio da rodoviária. Lembro-me do nome de alguns dos antigos colegas de taxi: Antonio Viana conhecido como Bigode, Osvaldo Regonha, Pancho, Paco, éramos em 10 motoristas, uma turma muito unida.
Qual atividade o senhor exerceu após deixar de trabalhar com taxi?
Fui proprietário do Supermercado Paulista, na Rua do Rosário esquina com a Avenida do Café, onde hoje funciona a Paulistinha Cosméticos. De dois a três anos depois vendi e adquiri uma chácara, passei a trabalhar como pedreiro, carpinteiro, marceneiro.
Atualmente o senhor tem uma horta em sua casa?
Tenho, com boa variedade de verduras, existem dois canteiros grandes, gosto muito de comer verduras.
O senhor dirige até hoje?
Dirijo! Temos uma chácara em Santa Maria da Serra, distante uns 75 quilômetros de Piracicaba, vou e volto, dirigindo, na cidade dirijo regularmente.
Qual é a receita para chegar a idade do senhor com essa disposição?
Acredito que seja comer na hora certa, tudo natural, nada de produtos enlatados, não abusar de bebidas alcoólicas, uma pinguinha pode tomar que não faz mal, desde meus 14 anos que trabalho com cana de açúcar, até hoje produzo pinga para o gasto. Ao levantar tomo apenas café com leite, às 11 horas eu almoço arroz, feijão, carne de frango, a carne bovina quase não como, salada e fruta o que vier eu como. Pão eu gosto de comer torrado, que eu me lembre nunca comi manteiga. Gosto de queijo meia cura. Às seis horas eu janto, geralmente uma sopa. As 9 ou 10 horas da noite vou dormir, acordo ás cinco da manhã.
Como se produz uma boa pinga?
A cana de açúcar deve ser cortada na hora de produzir a pinga, tem que estar no ponto certo de ser cortada, a fermentação natural deve ser respeitada, alambicar com a maior calma do Brasil, tem que sair aos pingos, sem garapa ou restilo. É uma cachaça com custo de produção alto, não tem como competir com os produtos industrializados. Meus amigos provam e gostam. Corto a cana, alambico, faço tudo sem auxilio de ninguém.
O senhor toma um aperitivo?
Só na hora do almoço ou se ficar encharcado de chuva, tomo uma pequena dose, apenas uma, não repito. De vez em quando tomo uma lata de cerveja, mas não gosto muito não. Faz 66 anos que convivo com a minha esposa, ela nunca me viu sequer ligeiramente “alto” por ter ingerido bebida alcoólica, e olha que sempre tive contato com bebida alcoólica, quer seja na produção da pinga ou na comercialização nos bares em que fui proprietário. Aprecio um bom vinho, faço o meu próprio vinho, atualmente não tenho uva plantada na minha chácara, em minha casa tenho dois pés de uva, nesse ano que passou fiz seis litros de vinho, sem conservantes, um vinho puro. Os tiroleses de Santana iam buscar pinga em nossa fazenda, fazíamos mil litros por dia, fornecíamos para indústrias como Tatuzinho, Cavalinho, Del Nero. Cem litros de garapa rendem vinte litros de pinga.
Seu Geraldo, o senhor gosta de bailes?
Quando eu era solteiro parecia um cachorro veadeiro, descobria bailes em todos os cantos, depois que me casei nunca mais freqüentei bailes. Morava no sítio, encilhava o cavalo e ia.
O senhor ainda sobe em árvore para apanhar frutos?
Subo! Agora mesmo vou sair para podar uma quaresmeira na casa de um amigo. Há pouco tempo tive que cortar uma árvore bem alta, com uma serra do tipo que eletricista usa, eu vim cortando a árvore de galho em galho.
O senhor toma algum remédio?
Nenhum! Até a minha pressão arterial é perfeita.
Gerolamo Ometto foi um comerciante muito expressivo em Piracicaba, qual era o parentesco com o senhor?
Era irmão do meu nono (avô), ele tinha agência de venda de veículos e outros negócios em Piracicaba. Pedro Ometto da Usina Costa Pinto era primo do meu avô, vieram como imigrantes da Itália para o Brasil.
Como se constrói um poço de água?
Marca-se no chão a medida da largura do poço, geralmente um metro, um metro e dez centímetros, dois metros, conforme a vontade do dono do poço cava-se, até chegar onde dá água. Se for local de terra mole tem que revestir com tijolo por dentro. Na minha chácara construí um poço com 21 metros de profundidade, sendo que revesti internamente por 10 metros. Ao cavar um poço se encontrar uma camada de rocha muito grande é necessário usar o auxílio de explosivos. Com uma broca é feito um buraco, coloca-se pólvora grossa, na ponta põe-se um pavio. Após a explosão com um feixe de ramos grandes retira-se a fumaça, basta subir e descer com uma corda esse feixe por duas ou três vezes. Uma pessoa cava o poço, outra fica em cima puxando a terra pela corda. O poceiro desce com uma corda amarrada em um ponto firme na superfície, outra corda enrolada na carretilha tem um pedaço de madeira amarrado na ponta, é onde o poceiro senta-se, segurando na primeira corda ele movimenta-se entrando e saindo do poço. Após a profundidade de vinte metros o ar já começa a ficar mais difícil de respirar.
O senhor já construiu chaminé?
Em dois meses construí na Fazenda Matão, de propriedade da nossa família, uma chaminé com 50 metros de altura, o segredo da construção de uma chaminé é trabalhar com o prumo, ele é “prumado” por dentro, por fora tem outro prumo com o desconto, em uma chaminé com 50 metros de altura pode sair de baixo com parede de dois metros de largura e vai afunilando até chegar ao topo com 50 centímetros de cada lado e um metro de boca. O miolo nunca se estreita, se tiver um metro em baixo, no topo terá também um metro. O material sobe por fora da chaminé.







ANTONIO MACIENTE

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS

JOÃO UMBERTO NASSIF

Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com

Sábado 28 de maio de 2011

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana

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NTREVISTADO: ANTONIO MACIENTE
Em 1970 no Estado de São Paulo houve a fusão da Força Pública com a Guarda Civil e a adoção do nome Polícia Militar. Todas as datas comemorativas da Polícia Militar e até mesmo seu hino mantêm ainda hoje a menção e a memória da antiga Força Pública, pois no processo de junção com a Guarda Civil prevaleceu na corporação a cultura da Força Pública. Antonio Maciente nasceu 21 de maio de 1920 no distrito de Charqueada, filho de Vitório Maciente e Ana da Encarnacion Sota Maciente aos 91 anos conserva as lembranças dos nove anos em que trabalhou como soldado da Força Pública. Com uma memória prodigiosa, lembra-se dos nomes completos de personagens de outrora. Ainda menino, aos 12 anos, já iniciou a lide como tropeiro, conduzindo animais de um lado para outro. Ingressou na Força Pública servindo em diversas localidades do Estado de São Paulo, permanecendo por alguns anos em Piracicaba nos tempos em que a Força Pública mantinha nesta cidade pouco mais do que uma dezena de homens. Sem nenhuma consulta apenas recorrendo a memória ele narra fatos curiosos, cita locais, personalidades alguns até pitorescos como o conhecido João da Curva, pessoa que narrava seus feitos irreais com muita naturalidade. Após desligar-se da vida de soldado ingressou como um dos primeiros funcionários da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, onde permaneceu até aposentar-se. Antonio Maciente e sua esposa tiveram seus dias de Romeu e Julieta, apaixonados lutaram muito para permanecerem juntos, na época tiveram que transpor obstáculos impostos aos enamorados. Embora seja muito ligado a família, Antonio atualmente viúvo, conserva sua vida própria, independente, mora sozinho, dando-se ao prazer de ir de ônibus da sua casa situada no centro até um conhecido supermercado localizado na Praça Takaki, não se esquecendo de passar em uma loja de variedades onde adquire as guloseimas das netas e bisnetas. Uma rotina que completa com a visita ás casas dos seus filhos aos fins de semana.

Quando o senhor nasceu a sua família morava em que local?

Morava em uma fazenda de propriedade de Acácio Ferreira, situada no então Distrito de Charqueada, era lavoura de café. São meus irmãos: Osório Benedito, Rosa, Belmira, Sebastião, Aparecida, Maria, Clementina, Benedita, João Batista, todos nós nascemos nas proximidades de Charqueada.

O senhor trabalhou na lavoura?

Até os 12 anos de idade trabalhei na cultura de café, milho, algodão, o meu pai era colono de café.

A partir dos 12 anos que trabalho o senhor passou a fazer?

Fui viajar com tropa, os tropeiros eram Alfredo Rodrigues de Moraes, Domingos Chiaramelo, João Sebe. Mais tarde em Piracicaba trabalhei com o famoso tropeiro José Pretel, que construiu a casa situada na Rua São José esquina com a Rua do Rosário, onde veio a ser gabinete do Prefeito Municipal (Adilson Benedito Maluf) e onde funcionou o Samdu (Serviço de Atendimento Médico de Urgência), e até pouco tempo foi sede da Uniodonto de Piracicaba. Trabalhei como tropeiro até os meus 22 anos. Eu era bom cavaleiro, um tropeiro se interessou pelo meu desempenho e me colocou como “madrinheiro de tropa” que é o cavaleiro cujo cavalo tem um sino dependurado no pescoço e é seguido pelos demais animais da tropa (cavalos, éguas, mulas, burros).

Como era composta a tropa?

Geralmente viajávamos em três tropeiros levando um número variável de animais, 20, 30, 50. Andávamos o dia todo, parávamos em lugares pré-determinados, os proprietários desses locais, chamados de pousos, alugavam os pastos para deixarmos os animais. Dormíamos onde dava até mesmo ao relento, tínhamos o pelego que fazíamos de colchão e o poncho era o nosso cobertor. Viajávamos pela região de Piracicaba: Rio Claro, Botucatu e outras localidades próximas.

O senhor foi jóquei?

Em São Pedro havia uma raia, onde havia as corridas de cavalo, lá eu disputei muitas corridas, tenho 1,60 de altura e sempre pesei 60 quilos.

Quando foi seu ingresso na Força Pública?

Foi nessa época, achei que deveria trabalhar na polícia, havia um decreto recrutando candidatos á soldados da Força Publica, uma comissão veio até Piracicaba onde cadastrou os interessados, nas instalações existentes até hoje na Rua São José esquina com Luiz de Queiroz foi feito o cadastro de mais de uma centena de candidatos. Dormíamos lá, e fazíamos os exames na Rua do Porto, um médico acompanhava as provas de resistência, corridas de 100 metros com pés descalços, 1000 metros calçado com botina ou sapatão, o chão era de terra. De 300 candidatos apenas 106 seguiram para São Paulo, para realizarem exames mais detalhados. Fomos de trem com passagem fornecida pelo Governo do Estado. Dessa centena de candidatos foi escolhida uma dezena, os demais foram dispensados.
Chegando a São Paulo para onde os candidatos se dirigiram?
Fomos para a Avenida Tiradentes esquina com Jorge Miranda, junto ao Primeiro BC (Batalhão de Cavalaria) e o Primeiro BG. (Batalhão de Guarda) na esquina havia a escola de polícia. Após seis meses de estudos, em 1942, eu “passei a pronto”, pedi para trabalhar em Campinas, pois era o batalhão que destacava em Piracicaba.

Como soldado da Força Publica qual foi seu primeiro trabalho em Piracicaba?

Nos tempos da Segunda Guerra Mundial, as usinas de força eram guarnecidas, na região tínhamos diversas usinas de energia em Piracicaba, Carioba, Joaquim Egidio, Salto Grande. Em Piracicaba ainda existe os prédios onde funcionava a usina de força, próxima á Fábrica de Tecidos Boyes. Quando vim trabalhar pela primeira vez em Piracicaba vim para a guarda da usina, eu morava no quartel situado na esquina da Rua São José com Luiz de Queiroz, o prédio permanece ainda lá, em cima funcionava a Força Pública, embaixo no porão era o quartel da Guarda Noturna. Por muito tempo fiz as refeições na pensão do João Buriol, ele era negro, sua esposa chamava-se Escolástica, situava-se na Rua Boa Morte entre a XV de Novembro e Rangel Pestana, aonde mais tarde veio a funcionar o Hotel Brasil. Na esquina da Rua Boa Morte com D.Pedro II havia um posto de gasolina, era o Posto São João, de propriedade do Nathan, e arrendado ao Benedito Rocha, o prédio existe ainda. Por um período de tempo tomei as refeições no Bar São Benedito de propriedade de João Zaia, ao lado da catedral e junto onde hoje existe um supermercado, entre Rua XV de Novembro e Moraes Barros. Naquele local existiam os chamados “expressinhos”, de propriedade da família Gianetti, era automóveis Ford 1941 que faziam viagens de Piracicaba á São Paulo, era o único meio de transporte rodoviário para São Paulo, não existia linha de ônibus.

Como era o leito das ruas de Piracicaba nessa época?

Era chão de terra com pedregulho, um determinado vereador não dizia “pedregulhar a cidade” e sim “apedrejar a cidade”.

Quando o senhor se casou?

Casei em 1 de dezembro de 1946 com Zoraide Conceição, como na época a catedral estava em reforma o meu casamento foi celebrado na Igreja São Benedito, tive como padrinhos Antonio Oswaldo e Serafim Tricânico proprietário de dois ônibus que faziam a linha de Piracicaba a Torrinha. Fomos residir na Rua D.Pedro II próximo a Rua Boa Morte, em frente ao Externato São José. É anterior a minha época, mas diziam que ali havia carrinhos de tração animal que transportavam quem os contratasse, á semelhança dos carros que servem como taxi. Contava-se na época que Nhô Felix tinha ali um carrinho de aluguel, era um carrinho muito bonito, puxado por um cavalo também muito bonito, com isso todo mundo dava preferência ao carrinho de Nhô Felix. Por esse motivo o cavalo trabalhava demais. Isso gerou uma referência, quando a pessoa sentia que estava trabalhando demais ela dizia: “- Você está pensando que eu sou cavalo de Nhô Felix?”

Nessa época o senhor era soldado, como era a farda?

Usava-se sapatão onde era encaixada a perneira, usava-se culote, que era uma calça sem barra, era amarrada embaixo, em seguida tinha a túnica e o quepe. A túnica tinha sete botões, o quepe tinha a figura de dois fuzis cruzados. Na cintura tinha um revolver Colt Cavalinho calibre 38, tambor de seis tiros, oxidado. Levava também um fuzil que tinha um pente com 5 balas. Durante todo o tempo em que estive no Oitavo BC em Campinas eu tive um fuzil, para onde eu fosse como destacado ou em diligencia eu levava esse mesmo fuzil. Aos 23 anos fui destacado como soldado em Santa Maria da Serra, na época uma pequena vila, havia um cidadão de nome Antonio Ribas, trabalhador de roça, que respondia pela segurança da localidade, fazia as vezes de delegado, eu era a única força policial local.

Em que local o senhor se hospedava?

Eu morava na cadeia. Na pensão de Olimpio de Campos eu tomava minhas refeições. Eu preferia dormir na cadeia onde tinha mais conforto e segurança. Não havia ninguém preso. Naquele tempo ninguém tinha chuveiro quente, tomava-se banho em uma bacia. Quando estive no quartel em São Paulo existia o banho de chuveiro, porém com água fria. Na cidade de Piracicaba não existia chuveiro elétrico, a energia elétrica distribuída não suportava a instalação de chuveiro.
O senhor trabalhou em Limeira?

No tempo da Segunda Guerra trabalhei na Machina S.Paulo em Limeira, dizia-se que era indústria de material bélico, de propriedade do Dr. Trajano de Barros Camargo, a empresa era guardada por 10 soldados, as refeições eram feitas em uma pensão da cidade, foi adaptado um quarto para os soldados dentro da própria indústria.

O senhor estava aquartelado em Campinas?

Estava, até que veio uma comissão para selecionar soldados para completar o batalhão de São Paulo. Pela ficha sanitária dos 1800 soldados existentes em Campinas, Geraldo Arruda que era da cidade de Rio das Pedras e eu, fomos os selecionados para integrar o Primeiro BC, em São Paulo.

Qual foi o local em que o senhor passou a trabalhar?

Fui prestar serviços no Carandiru, no bairro Santana., ficava na muralha vigiando os presos, com o fuzil embalado. Permaneci trabalhando lá por uns três anos. Dormia no quartel na Avenida Tiradentes. Todos os dias um grupo de 30 soldados saia do quartel e ia até o Carandiru, a pé.

O senhor conheceu Meneghetti?

Cheguei a ver o famoso ladrão Gino Amleto Meneghetti, era um homem de estatura pequena, mas muito esperto.

O senhor trabalhou em Pirassununga?

Em Pirassununga havia uma escola voltada ao ensino agrícola, a grama dos jardins dessa escola foi plantada por presos de guerra. Éramos em 14 soldados para cuidar de pouco mais de duas dezenas de presos italianos, eles foram aprisionados quando estavam no navio SS Conte Grande. Foi feito um cercado eles não podiam fugir de lá. Tinha um alojamento de presos e outro menor para os soldados. Eram presos que não ofereciam nenhum perigo, tinhamos uma relação muito cordial, havia um soldado que era o nosso cozinheiro e um preso italiano que era cozinheiro dos presos, muitas vezes fui comer no alojamento dos presos, a comida era bem melhor. Isso foi no tempo em que Fernando de Souza Costa era o interventor no Estado de São Paulo.

Em que ano o senhor voltou á Piracicaba?

Fui destacado para Piracicaba em 1944, fiquei alojado no quartel situado na esquina da Rua Luiz de Queiroz com São José. Nessa época a cidade não tinha calçamento, só havia pedregulho na cidade. Como soldado trabalhava a pé. Por muito tempo trabalhei na Caça e Pesca, os fiscais eram Geraldo Pinto de Almeida e Nonô, ambos civis.

O senhor conheceu João da Curva?

Conheci-o e o irmão dele o Titi. João da Curva morava na Rua Alferes José Caetano, entre as Ruas D. Pedro I e Rua Ipiranga, era proprietário de um rancho de pescaria, Estive no rancho dele varias vezes, era um bom cozinheiro. Entre as muitas histórias que ele contou, uma delas foi a seguinte: “Ele foi fazer uma necessidade orgânica, tirou o relógio do pulso e colocou em uma pequena árvore, após satisfazer a necessidade, saiu e esqueceu o relógio. Passados 10 anos ele lembrou-se, voltou ao local, a árvore estava crescida, grande, foi quando ele viu lá no alto o relógio, escutou tic...tic...tic....o relógio trabalhando!”. Ele passou a ser chamado de João da Curva pelo causo que ele contou para muita gente, inclusive para mim, dizia que queriam matar um veado, na hora em iam atirar o veado fazia uma curva e erravam o tiro. O que ele fez? Entortou o cano da espingarda, quando o veado fez a curva ele atirou, acertando o veado. Isso ele contou para mim!

O que o senhor disse á ele?

Apenas dei risada! Não queria perder o amigo. Ele contava tudo isso muito sério.

Quanto tempo o senhor permaneceu na Força Pública?

Trabalhei por nove anos, dei policiamento quando Getúlio Vargas, Brigadeiro Eduardo Gomes, Luis Carlos Prestes estiveram em Piracicaba. Quando o Partido Comunista foi fechado em Piracicaba eu tomei posse do prédio em nome da lei, localizava-se em uma rua existente onde mais tarde foi construído o Comurba e hoje abriga o Poupa Tempo. Conheci Adhemar de Barros, o primeiro delegado regional de Piracicaba Dr. Calmon de Brito foi até um rancho de pescaria, onde Adhemar estava pescando, sem camisa, chinelo, shorts, foi Dr. Calmon quem cuidou para preservar a privacidade de Adhemar, achei um gesto muito bonito.
O senhor fez muitas prisões em Piracicaba, pode citar algum nome em especial?

Prendi Pedro Lopes, um conhecido ladrão de cavalo, recebemos a denuncia de que ele estava em Pirassununga, tomei um carro de aluguel (taxi) e fui até aquela cidade onde dei voz de prisão a ele. Na noite de 29 a 30 de agosto de 1945 estavam presos Pedro Lopes, Mathias Gonçalves e Sérgio Bandido, três malfeitores que batiam, roubavam e matavam. Eu era responsável pela guarda, também chamado de “cabo de guarda”. Desconfiei do comportamento dos presos, alertei os dois soldados que estavam subordinados as minhas ordens. No dia seguinte Pedro Lopes teve a fuga facilitada por outro cabo de guarda, que foi expulso da polícia.

Em que ano o senhor deixou a polícia?

Foi em 1949. Fiz uma abordagem á um marginal armado de revólver que apontava a mesma á cabeça de um refém, com um golpe só desarmei-o. Ele foi ferido, correu um processo, onde por interferências políticas fui afastado da Força Publica. Mais tarde tive reconhecido meu perfeito desempenho na ação, e poderia ser reintegrado, mas já estava trabalhando em melhores condições na Faculdade de Odontologia de Piracicaba, onde permaneci por 26 anos, como responsável pela manutenção e almoxarifado. Na FOP convivi com grandes nomes como Prof. Liberalli, Prof. Antonio Carlos Nedeer, Profa. Clotildes Fernandes, Prof. Miguel Morano Júnior, Prof. Eduardo Daruge, Prof Waldemar Romano e tantos outros.





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