PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 11 de junho de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
Da esquerda para a direita Maria Zilá e Maria Joana
ENTREVISTADAS: MARIA ZILÁ ARGENTINO E MARIA JOANA TONCZAK
Maria Zilá é paulistana, Maria Joana catarinense, elas partilham o teto em um elegante e funcional flat existente na Primeira Cidade Geriátrica do Brasil, uma verdadeira cidade encravada na área nobre da cidade de Piracicaba. Muito bem articuladas, narram fatos que vivenciaram individualmente ou de forma partilhada. Maria Zilá revela sua origem pelo ligeiro sotaque paulistano, enquanto Maria Joana praticamente se identifica com sua maneira de falar, característica dos estados do sul do Brasil. Ambas são mulheres determinadas, decididas. Maria Zilá foi professora de geometria descritiva, lecionou em bairros longínquos de São Paulo até aparecer a inovadora política educacional que determinou a acomodação intelectual dos alunos, brindando-os com estudos mais amigáveis. Maria Joana lutou com muita garra e determinação para superar todos os obstáculos que encontrou, narra-os de forma natural. Aos sete anos ganhou de presente uma enxada, que conserva com ela até os dias atuais, estudou em Paranaguá, vencendo com seu valente Fusca (“Fuque” como o pessoal do sul gosta de chamar) a neblina da serra entre Curitiba e Paranaguá, passava batom feminino nas lentes dos faróis do carro deixando um pequeno circulo no centro, para dar um foco melhor na escuridão da noite da serra. Comeu lingüiça com Café Filho, jogou cartas com João Goulart e Maria Thereza, conheceu Juscelino Kubistchek e sua animada troupe que em campanha política cantava a famosa musica “Peixe Vivo” até a exaustão dos presentes. È possível que alguns torcedores argentinos de um conhecido time de basquete ainda se lembrem da famosa atleta “argentina” Juanita, aquela que pouco ou nada falava, apenas dava um show de bola, nunca souberam que a fenomenal atleta era a brasileira Maria Joana. Ela foi vereadora em Cambé. Mudou-se para Foz de Iguaçu quando essa progressista cidade tinha apenas uma rua. Zilá e Joana estabeleceram uma grande amizade, dessas que transpõem datas e lugares, por diversas circunstâncias e fatos passaram a dividir o espaço onde moram, com direito a cultivarem horta e flores. Contrastando com uma sociedade cada dia mais individualista as duas amigas são exemplos da força e importância de uma amizade verdadeira. Zilá nasceu no bairro Belém em São Paulo, a 11 de maio de 1941, é descendente de eslovenos, filha de José Argentino e Maria de Lourdes Macedo Argentino, Maria Joana nasceu em Buitázinho, Mafra, Santa Catarina, á 20 de abril de 1928, é descendente de poloneses, filha de José Tonczac e Maria Otacília Tonczac.
Zilá você estudou em que escolas?
Estudei no Instituto Nossa Senhora Auxiliadora, no Belém, fiz a Faculdade de Desenho e Artes Plásticas, na Faculdade Santa Marcelina, na Rua Cardoso de Almeida, em Perdizes. Na realidade eu pretendia estudar geometria, um curso que era dado junto com matemática, eu tenho paixão por geometria, estudei no curso geometria descritiva, desenho geométrico, desenho técnico e desenho arquitetônico. Após concluir a faculdade fui lecionar na rede estadual de ensino e em escolas particulares. A primeira escola onde lecionei situava-se no Jardim Japão, lá pelos lados da Vila Maria. Lecionei até o advento da famosa lei 5692 de 1971, que impedia a reprovação do aluno, além de ser eliminada do vestibular a matéria geometria descritiva. Os alunos deram graças a Deus, porque para estudar geometria descritiva exige dedicação. Houve o desinteresse total pela minha aula por parte dos alunos, com a aprovação assegurada, manter a disciplina da classe passou a ser muito difícil. Decidi deixar o ensino. Em 1976 ingressei na Cervejaria Brahma, fui trabalhar na cidade de Curitiba.
Qual foi a sua impressão de Curitiba?
Achei o povo muito reservado, a cidade é maravilhosa. Em São Paulo eu tinha uma vida extrovertida, freqüentava locais que ofereciam atrações noturnas, como teatros, shows. Fiquei chocada quando determinado dia ao sair do meu trabalho no escritório da Brahma, trajando minha roupa social, dirigi-me a um dos muitos café e bares da Rua das Flores, isso às cinco horas da tarde de um dia muito quente, pedi uma cerveja e fui literalmente expulsa do bar! Simplesmente se negaram a servir cerveja a uma mulher desacompanhada! Isso foi em 1976! Permaneci por 12 anos em Curitiba, morando no Centro Cívico, lá aprendi a ter hábitos caseiros.
Maria Joana você estudou onde?
Estudei o ginásio em Mafra, através de uma bolsa de estudo fiz o magistério em Curitiba. Naquele tempo quem tinha cursado a escola normal só tinha como opção fazer a faculdade de letras, eu ingressei na faculdade em Paranaguá, a noite embarcava no meu fusquinha com mais duas ou três pessoas e íamos á Paranaguá, passava batom no vidro do farol do carro, com isso obtinha um foco direcionado ao centro, para andar na neblina a noite, era um fusca azul..
A senhora era muito corajosa!
Tinha que ser, eu não tinha dinheiro para ser valente!
A senhora é uma das pioneiras de Foz de Iguaçu?
Após me formar lecionei em Mafra. Dei aula em Foz de Iguaçu, fui nomeada inspetora de ensino, isso quando a cidade era formada apenas pela Avenida Brasil, em chão de terra. Na época em Foz de Iguaçu havia dois carros na cidade, o da prefeitura e o meu, tive que fazer um curso de mecânica de automóveis para dar manutenção no meu fusca. O meu carro era taxi, ambulância, enfim fazia tudo que necessitavam.
A senhora pescava?
Maria Zilá e Maria Joana na horta que cultivam
(Detalhe: Observe que este cnteiro está suspenso, para não ter que se abaixar para trabalhar, uma inovação da dupla Maria Zilá e Maria José)
Pescava no Rio Iguaçu de um lado e no Rio Paraná de outro. Quando eu era criança pescava e caçava passarinho para poder me alimentar. Quando cresci pescava por prazer. Geralmente pescava de barranco, para pescar dourado ia de canoa, tinha que pescar com um facão na mão, pois o dourado é um peixe inteligentíssimo, quando ele via que estava preso não saia simplesmente puxando a canoa, ele passava por debaixo da canoa envolvendo-a na própria linha e virando-a. Com uma mão segurava o facão, assim que ele pulasse sobre a canoa tinha que cortar a linha com o facão. O Rio Paraná era abundante em Pacu, na época de pesca ia quase metade da cidade até o rio para beneficiar-se da pesca, havia peixes de 80 quilos, que eram retalhados e distribuídos. Nessa época as professoras eram mandadas as mais remotas localidades, elas tinham que saber fazer de tudo. Vivi em Foz de Iguaçu uma experiência única, maravilhosa. A prefeitura adquiriu uma casa onde eu morava e onde foram morar seis ou sete professoras que iam para se formarem professoras regionalistas.Após Foz de Iguaçu, para qual cidade a senhora se mudou?
Fui para Cambé, onde fui eleita vereadora com a maior votação da cidade, sempre fui política, no sentido de ter liderança. Exerci o mandato no período do regime militar, havia apenas dois partidos políticos, a ARENA e o MDB. Eu tinha a necessidade de provar que um cargo político poderia ser exercido sem desvios de conduta, honrando a causa, eu tinha a necessidade de provar para mim mesma de que o político pode ser honesto. E pode, eu fui!
Ocorreram situações onde a senhora poderia desviar-se dessa conduta?
Muitas, e a cada uma que recusei ganhei um inimigo. Se quando criança eu necessitei pescar e caçar passarinho para matar a fome, porque iria ter uma conduta desonesta agora? Por mais simples que seja um trabalho ele propicia condições de vida. Pode não ser uma vida de ostentação. Quando um político cede á tentação ele não sairá mais. A ambição é natural ao ser humano, sem ela não se vive, o que deve ficar muito claro é qual é o tipo de ambição que acomete o indivíduo. O homem sempre pensou que era Deus, ele quer mandar, hoje não há mais partidos políticos, há conveniências pessoais. Se o país está melhor, tem mais dinheiro, a ambição também aumenta. Ninguém quer ser menor do que o outro, não se luta para ser o menor.
A senhora conheceu algum político de expressão nacional?
Sentei em um degrau de escada, comendo lingüiça, com o então Presidente da República Café Filho. Isso ocorreu em uma chácara onde foi oferecido a ele um almoço. Era uma pessoa simples, maravilhosa. Fui comunicada por um assessor de que Café Filho não comia carne de aves, mas havia umas lingüiças dependuradas em cima do fogão, que eram do gosto do presidente, apanhei couve no quintal, fizemos arroz, feijão, lingüiça e couve, foi isso que ele comeu. Todas as pessoas presentes queriam comer aquela comida. Café Filhos sentou-se em uma escada, conversando, tomando chimarrão, disse: “- Eu não gosto, mas a minha mulher gosta muito de leitoa assada”. E de fato havia leitoa assada sobre a mesa, eu avisei o prefeito, foi então providenciado um leitão para ele levar á mulher dele. Isso ocorreu em Cambé.
Algum outro político que a senhora conheceu?
João Goulart e sua esposa Maria Thereza passaram a lua de mel em Foz do Iguaçu, ficaram hospedados no hotel local. Ela era muito bonita, ele também era bonito, formavam um casal maravilhoso. Maria Thereza ficou conosco, na cidade, enquanto João Goulart foi caçar. Conversamos muito, ela adorava criança. Tomávamos chimarrão, jogávamos cartas: buraco, truco, canastra. Conheci Juscelino Kubitschek, na época era candidato, ele estava sempre acompanhado de uma rapaziada da sua comitiva que vivia cantando á exaustão do ouvinte a música tema da sua campanha: Como pode o peixe vivo/Viver fora da água fria/Como pode o peixe vivo/Viver fora da água fria/Como poderei viver/Como poderei viver/Sem a tua, sem a tua/Sem a tua companhia/Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia. Ele era muito vaidoso.
A senhora praticou esportes?
Joguei profissionalmente em um time argentino de basquete, o “14 De Julio” eu era conhecida como Juanita, isso em Porto Iguaçu, alguns alunos meus e eu atravessávamos o Rio Iguaçu, de canoa, remando. Joguei nesse time por uns dois anos. Joguei vôlei, tênis. Em Foz de Iguaçu , junto com dois amigos, o prefeito e o dono do cartório tivemos cavalo na raia. Tínhamos uma éguinha, a Diana, que nunca perdeu nenhuma corrida, até que não tinha mais nenhum animal que pudesse competir à altura. Vimos-nos forçados a vender a égua, quem a comprou pintou-a de cinza, a cor original era branca. No hotel da cidade, onde inicialmente me hospedei, havia uma quadra de tênis, eu jogava com o garçom, uma arara mansinha ficava em cima de um galho gritando: “- Muy Bien Juanita!”
A senhora tem livros publicados?
Escrevi “ Crepúsculo”, “Lindolf Bell e a Catequese Poética”, Lindolf é um poeta catarinense, muito bonito, que lançou uma forma de literatura poética, juntamente com mais dois colegas pararam a cidade de São Paulo. Lançaram o livro na Boate Cravo e Canela, imagine uma boate fervendo, tudo escuro, e de repente ele falando parou tudo. Eu o conheci quando fui fazer especialização de letras. A minha monografia foi sobre a catequese poética. Lindolf Bell ganhou projeção nacional ao declamar poemas no Viaduto do Chá e em praças, boates, escolas e fábricas de São Paulo e do Rio, no movimento que passou a ser denominado de Catequese Poética. Além dos laços afetivos, o poeta conquistou o coração de multidões de anônimos pelas ruas. Estudantes sedentos de cultura puderam vibrar com as apresentações do poeta, cujo principal objetivo era levar a poesia, por meio do próprio autor, para o povo. Essa foi a origem da Catequese Poética.
Fome
MARIA JOANA TOMCZAK
( do seu livro Crepúsculo)
Parada para Café!
Dez minutos!
E os passageiros,
Apressados, acorreram
Ao balcão já preparado,
Menos por fome
Que para mudar de posição.
- Uma média, sim?
- Uma empada, por favor!
Quanto é o sandwiche?
E os pensamentos
Só tinham um endereço:
Escolher o que comer.
Todos de pé
indiferentes,
isolados, no aperto
do barzinho acanhado,
preocupados em engolir
mesmo sem a fome
que justificasse tal apetite
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