domingo, junho 02, 2013

HÉLIO DE SOUZA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 25 de maio de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/


ENTREVISTADO: HÉLIO DE SOUZA




Hélio de Souza nasceu a 31 de março de 1940, no município de São Pedro. Filho de Oscar de Souza e Rosa Barganholo de Souza. O casal teve os filhos: João, Julia, Luzia, Irene, Hélio, Antonio, José, Maria Rosário. Tiveram ainda um filho falecido aos 11 anos de idade, em 1936. Oscar e Rosa eram lavradores trabalharam no plantio de arroz, feijão, milho para sua subsistência, e trabalhavam como meeiros de café. Havia muitas fazendas de café, como Santa Júlia, Capim Fino, Monte Roxo, Macuco. Hélio de Souza, agricultor, sindicalista, político, é uma referência de idoneidade e integridade em todo o seu percurso nessas áreas. Assumiu muito jovem a responsabilidade de arrimo de família.


O senhor começou a trabalhar muito jovem na lavoura?


Comecei a trabalhar na Fazenda Santa Maria das Pedreiras, hoje denominada Santa Maria da Ponte do Meio, na época propriedade de Ernesto Piedade. Da fazenda eu vinha até a escola onde estudei até terminar o quarto ano. A fazenda tinha como atividade principal a criação de gado, na época havia umas oito casas na fazenda, sendo que em cada uma havia uma família com no mínimo cinco pessoas. Comecei a estudar com sete anos, na Fazenda Suíça, região de Marília. Meu pai caiu na ilusão contada por um senhor que dizia que em Marília alface dava do tamanho de uma pedra grande, porte equivalente a um saco de arroz. Com essa história ele levou daqui para lá cinco famílias. A fazenda lá era bem estruturada, com terreiro de café, escola, armazém. Quando chegamos lá vimos que a história era bem diferente, o cultivo era só de café. O salário era destinado a fazer a compra do que se consumia em casa. Se o alimento fosse suficiente para passar o mês tudo bem, senão se virasse. Com isso o trabalhador estava sempre devendo, era uma escravidão. Para sairmos de lá tivemos que sair fugidos, meu pai deu uma desculpa de que tinha uma tia passando mal em Jaú, tinha que vir embora. Tomamos o ônibus que passava na fazenda, a famosa jardineira, até Garça. De lá seguimos de trem até Torrinha. Chegamos a Torrinha à uma hora da madrugada, minha mãe estava grávida de oito meses, não tinha onde posar, lembro-me de que havia um bar aberto ainda, arrumaram uns colchões para nós passarmos a noite no armazém da estação. No dia seguinte, às sete e meia voltamos para casa. Viemos morar em frente ao antigo armazém de Vitório Longhi, era a casa onde morava a minha tia, irmã do meu pai. Permanecemos ali por uns quinze dias, depois mudamos para uma casa situada na Rua Veríssimo Prado, onde hoje é o Posto Serrano.


Morando na cidade qual atividade o pai do senhor exercia?


Sempre lavrador. Saia ia até as fazendas, cortava lenha, trabalhava por dia. Sempre existia uma condução que passava e o levava até o trabalho.


Os filhos ajudavam?


Meu irmão mais velho aos 18 anos foi servir o exército, quando terminou foi embora para São Bernardo do Campo. Ficou a Julia que era empregada doméstica; a Luzia e a Irene trabalhavam com bordado.


O senhor reiniciou o primário em São Pedro?


Como tínhamos ficado apenas sete meses em Marília não cheguei a concluir o primeiro ano do curso primário. Comecei o primeiro ano no Grupo Escolar Gustavo Teixeira, minha primeira professora foi Dona Lili Capeletti, a segunda professora foi Dona Mirtes, a terceira foi Dona Lela, a quarta foi Dona Lurdinha. Nessa época eu saia da escola e ia trabalhar na roça. Tinha um caminhão que nos levava para colher algodão na hoje Fazenda São Pedro do antigo Berge, e na Fazenda Altão. Eu tinha uns treze ou quatorze anos, íamos bastantes crianças. Na época usava alpargatas. Em novembro de 1955 meu pai faleceu. Fiquei com três irmãos menores e com a minha mãe. Eu tinha treze anos, José com nove anos, o Antonio tinha onze anos e a menorzinha com sete anos. Costumo dizer que ampliei meus conhecimentos na USP – Usina São Pedro.


Como foi a sobrevivência de vocês?


Minha mãe lavava roupa para outras famílias, meu pai morreu em uma terça feira, fizemos seu enterro na quarta feira, na segunda-feira seguinte eu comecei a trabalhar na lavoura como diarista. Fui trabalhar na Várzea do Araquá, no plantio de arroz, alho e cebola. Eu ia com o caminhão de turma, era um Chevrolet V-8. Comecei a trabalhar no Fazendão, na turma de Luiz Albino, já na lavoura de cana-de-açúcar. Trabalhei em toda a região de São Pedro, plantando e colhendo cana.


O senhor era bom no corte de cana-de-açúcar?


Acredito que era, tinha que ser para sustentar meus irmãos e minha mãe.


Cana queimada ou sem queimar?


Cana queimada. Naquele tempo tinha que cortar, amarrar em feixes de 12, 15, 18 unidades conforme a cana. O Fazendão era da antiga Usina Paraíso.


Qual era a melhor marca de podão?


Era o Santa Bárbara, dava para fazer a barba de tão afiado. Na época havia a enxada Duas Caras, mas eu gostava da Dragão, e lima era a KF.


Que horas era o almoço?


Saia daqui às seis horas chegava cedo, antes da sete horas tinha que comer um pouquinho, almoçava ás nove horas da manhã, voltava ao serviço ás nove e meia, o almoço era composto por feijão, arroz, ovo e batatinha cozida. Não esquentava a marmita, por isso surgiu o nome “bóia-fria”. Cada um levava o seu corote ou garrafão de água. À uma hora da tarde tomava café, que era o resto da comida que sobrava do almoço, café. Tinha uma hora de descanso e parava às cinco horas da tarde, de segunda a sábado. Chegava em casa, tomava banho e ia dormir. Naquele tempo não tinha televisão, quem tinha posses adquiria um rádio.


Aos domingos quais eram as atividades?


Assistia a missa das sete e meia da manhã, aqui em São Pedro passaram muitos padres, um dos que lembro era o padre Floriano Colombi que permaneceu por muito tempo em São Pedro. Ele que celebrou o meu casamento. A devoção da cidade é São Pedro, mas sempre fui muito devoto de São Benedito. O Roque Ferraz era fiscal da turma do Seu Luiz Albino, além de ser o motorista que nos levava. Eu tinha 17 anos, estava cortando cana perto de Artemis, antigamente denominado de Porto João Alfredo, foi uma semana difícil, ruim de cortar cana, estava chovendo muito. Em São Pedro havia a festa de São Benedito, era uma festa bonita, vim até a festa, fui até a igreja, naquele tempo havia a reza, pedi com tanta devoção, que me desse um serviço melhor, naquela semana não havia ganhado para pagar o armazém do Chiquinho da Venda. Quando retornei para casa, isso foi em uma sexta feira, meu tio estava me esperando em casa. Naquele tempo havia o preço pago para homem, para mulher e para criança. Uma criança poderia trabalhar melhor do que um homem, o salário seria sempre o de uma criança. A mulher, era a mesma coisa, dava um ‘couro” em homem na enxada, mas não ganhava igual a ele. Meu tio disse que ia abrir um serviço na Fazenda São Pedro, segunda feira: “-Você começa a trabalhar conosco, irá ganhar o preço pago a um homem”. Eu tinha 17 anos. Não sai mais da fazenda. Lá plantamos a primeira cana. Meu tio José Marciliano era o fiscal. Pedi ao meu pai, que já tinha falecido, e à São Benedito, com tanta fé, ele me deu luz e me protegeu.


Qual é o nome da sua esposa?


Maria Alves Batista de Souza, ela era empregada doméstica, nos conhecemos no centro de São Pedro, quadrando jardim. Casamos em 24 de dezembro de 1960. Tivemos quatro filhos: Aparecida de Lourdes, Lazara Bernadete, Francisco Valentim e Cláudia Helena. Tenho os netos Alessandra Cristina, Hélio Neto, Rodrigo, Renan, Letícia e Renata, os bisnetos Kaik e Matheus. Com 17 anos entrei no Engenho São Pedro na beira do Rio Piracicaba. Quem construiu o engenho foram o Dr. Celso Silveira Mello e o Dr. Leo Silveira Mello. Da. Isaltina Silveira Mello era irmã deles. Na época havia a Fazenda Samambaia que era do grupo. Tinha seis casas de colonos na Fazenda Samambaia , e na Fazenda São Pedro dez casas Ali era produzida pinga que era vendida a granel. Naquela época o trabalhador rural não tinha décimo terceiro salário, trabalhava de segunda a sábado, não tinha férias. Foi quando surgiu o movimento sindical no Brasil. Isso foi em 1962. Posso afirmar que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Pedro nasceu no Engenho São Pedro. Participaram Adolfo Bonifácio Bragaia que era pequeno produtor rural, Sebastião Mengatto, eu participava, assim como outros, formando um grupo. Primeiro foi fundada a Associação Profissional dos Trabalhadores Rurais, em março de 1962, em um domingo de páscoa. Em junho do mesmo ano formamos o sindicato, não tinha sede, funcionava aos domingos a tarde na Câmara Municipal. Isso foi até a Revolução de 1964.


Mesmo em uma cidade pacata como São Pedro ser sindicalista em 1964 não era muito confortável?


Era perigoso. Na época o sindicato que tinha muita força era o dos ferroviários. Nós tínhamos um advogado, Dr. Pompilho Rafael Flores, naquele tempo não havia juntas trabalhistas as questões trabalhistas eram resolvidas no fórum pelo juiz de direito. Dr. Pedro Capellari foi um dos que nos ajudou muito na fundação e na continuidade de propósitos. Outro que nos ajudou muito foi João de Brito.


Em que ano o senhor assumiu como Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Pedro?


Foi em 1967. A partir de 1970, 1973 Dr. Winston Sebe nos deu uma grande força. Em 1973 me licenciei do Engenho São Pedro e vim para o sindicato.


O senhor atuou na política?


Em 1976 fui candidato a vereador, no meus dois primeiros mandatos não existia essa história de subsidio politico, vereador não tinha salário, era voluntário. Tinha que trabalhar para a cidade de São Pedro e ter mais força para lutar pela nossa categoria. Eu não tinha nem automóvel, tinha uma bicicleta Monark Barra Forte. No segundo mandato surgiu a aposentadoria do político. Em São Pedro o prefeito mandou para a Camara o projeto para que o político, prefeito ou vereador, com oito anos de mandato passaria a ter o benefício da aposentadoria. Eu e os companheiros do antigo MDB não aceitamos. Em 1973 o trabalhador rural aposentava-se com meio salário mínimo, foi o primeiro benefício que conseguimos para o trabalhador rural, além da assistência médica, dentária, hospitalar, através do sindicato. Eu achava um absurdo o trabalhador rural aposentar-se com 65 anos e receber meio salário mínimo. Não aprovamos a lei para o político se aposentar em São Pedro com oito anos de mandato.


Quando o senhor foi eleito pela primeira vez quem era o prefeito de São Pedro?


Era Walmy Modesto. No meu segundo mandato foi Antonieta Eliza Ghirotti Antonelli, fui presidente da câmara quatro vezes. Fui eleito cinco vezes como vereador. Fui uma vez vice-prefeito da Antonieta.


O que a política trouxe de ensinamentos para o senhor?


É gostoso ser político, embora sempre deixe algumas mágoas. Nem tudo sai da forma como se deseja. Tenho orgulho em dizer que fui vereador por cinco mandatos, vice-prefeito, Presidente da Assembléia Municipal Constituinte na mudança da Constituição de 1988. Sempre fui filiado ao MDB depois PMDB.


Quais são os projetos do sindicato atualmente?


Hoje são mais dedicados á agricultura familiar. Representamos quatro categorias: o corte de lenha, a lavoura diversificada, a cana-de-açúcar e a laranja. De uns quatro anos para cá até junto ao pé da serra tem eucalipto plantado. Uma parte do Alto da Serra de São Pedro pertence ao município de São Pedro, outras partes pertencem a Itirapina, Brotas, Torrinha.


Qual é a vocação do município de São Pedro?


Eu falo que a agricultura é a vocação, mas o turismo está muito forte. Há muitos loteamentos, muitas chácaras, aos finais de semana prolongados a cidade fica muito movimentada. No censo São Pedro tem pouco mais de 33.000 habitantes, nesses feriados a cidade passa a ter mais de 50.000 pessoas. O Alto da Serra era o celeiro do município, hoje está tomado pelo plantio de cana-de-açúcar. Ainda tem um pessoal que cultiva verduras e legumes. Temos a Feira do Produtor Rural, a qual fui idealizador, atualmente aos sábados a Feira do Produtor Rural é muito freqüentada, é a venda do produtor para o consumidor. O nosso sindicato tem 51 anos de existência. Damos assistência médica, hospitalar, jurídica e previdenciária.







quinta-feira, maio 30, 2013

IRMÃ LUIZA BERTAZZONI

IRMÃ: LUIZA BERTAZZONI
Faleceu na cidade de Piracicaba aos 68 anos de idade e era filha do Sr. Ferrucio Bertazzoni e da Sra. Angelina Chinelatto, ambos falecidos.
Falecimento: 29/5/2013  Velório: R. BOA MORTE - 1.955 - CENTRO
Sepultamento: 30/5/2013 - 15:00:00
Local: CEMITERIO DA SAUDADE

EM SUA HOMENAGEM PUBLICAMOS ENTREVISTA REALIZADA EM 2008 NOS ESTÚDIOS DA RÁDIO EDUCADORA DE PIRACICABA 1060 KHERTZ.




PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
Produção e apresentação Jornalista e Radialista JOÃO UMBERTO NASSIF
Transmitido pela RÁDIO EDUCADORA DE PIRACICABA AM 1060KHERTZ
aos sábados das 10:00 ás 11:00 horas da manhã.
Contato com João Umberto Nassif :e-mail:joao.nassif@ig.com.br
Este programa está também transcrito no site www.teleresponde.com.br
O Primeiro Setor corresponde à manifestação popular, que pelo voto confere poder ao governo. É o Estado. O Segundo Setor corresponde à livre iniciativa, que opera a agenda econômica, utilizando-se do lucro. É o mercado. O Terceiro Setor corresponde às instituições com preocupações e práticas sociais, sem fins lucrativos, que geram bens e serviços de caráter público, tais como: ONGs, instituições religiosas, entidades beneficentes etc.






ENTREVISTADA: IRMÃ LUIZA BERTAZZONI DA CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS FRANCISCANAS DO CORAÇÃO DE MARIA.


Nosso objetivo principal é dar uma pequena imagem de quem foi Irmã Cecília, que muitos piracicabanos conhecem como nome de rua, Rua Madre Cecília muitos sem saberem da importância dessa religiosa. Madre Cecília, ou Mamãe Cecília como é carinhosamente chamada, nasceu em Piracicaba aos 7 dias do mês de julho de 1852, filha de Pedro Liberato Macedo e Rosa Martins Bonilha, foi batizada com o nome de Antonia. No dia 11 de fevereiro de 1888, na presença do Padre Francisco Galvão Pais de Barros, por imposição paterna, casou-se com Francisco José Borges Ferreira, português, com quem teve três filhos: João, Antonio e Rosa. Seis anos após, ficou viúva e foi com seu trabalho de costureira que conseguiu criá-los. Piracicaba contava com 10.540 habitantes em 1888. Em 1895 ingressou na Ordem Terceira Franciscana, recebendo o nome de Irmã Cecília do Coração de Maria Aos 6 de janeiro de 1896, sentiu uma inspiração de Deus, que expressou às suas companheiras de trabalho e ao Diretor Espiritual da Ordem Terceira Franciscana - Frei Luiz Maria de São Tiago: “desejava arranjar uma casa, onde, junto com outras Irmãs Terceiras, pudéssemos viver a oração, o trabalho, ajudando os Capuchinhos em suas missões”. dizendo que essa casa seria “um asilo para as meninas órfãs”. As Irmãs Terceiras, confiantes no Coração de Maria, começaram a pedir ajuda ao povo para essa construção que foi inaugurada aos 2 de fevereiro de 1898. No dia 30 de setembro de 1900, sete Irmãs Terceiras por graça de Deus, davam início à Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. Madre Cecília era a superiora geral da nova Congregação. Transcrevemos na integra, texto publicado na época: “Estracto para publicação dos estatutos da Asylo de Nossa Mãe Artigo 1o – Com denominação de Asylo “de Nossa Mãe”, fica fundado com sede e estabelecimento na cidade de Piracicaba, um instituto destinado a educar e sustentar meninas desvalidas, orphams ou não,sem distinção de cor ou classe. Artigo 7o – O asylo será representado activa e passivamente em Juízo e em geral nas suas relações para com terceiros pela Directora, que poderá outhorgar mandato em delegação de poderes. Artigo 8o - A administração fica a cargo exclusivo da Directora, com as restrições expressamente consignadas nestes estatutos. (Essas restrições só dizem respeito à admissão ou retirada de algumma aluna,benfeitora ou mestra.) Artigo 3o – Os membros do Asylo não respondem subsidiáriamente pelas obrigações que os seus representantes comtrhirem expressa ou intencionalmente em nome della. Artigo 6o das disposições transitórias. Fica a directora auctorizada a fazer inscrever estes estatutos e a fazel-os publicar no jornal official do estado, na forma da legislação em vigor. Pelo Art. 9o das mesmas disposições foi declarada directora a sra. D. Antonia Martins de Macedo. Piracicaba, 27 de outubro de 1896 – Antonia Martins de Macedo”. A primeira pedra ficou bem embaixo de onde se vê , até hoje , o quadro de Coração de Maria. No dia 2 de fevereiro de 1898, mesmo sem estar feita a instalação da água, o Asilo foi inaugurado.


Existe um quadro do Coração de Maria exposto em uma das janelas, de tal forma que todo transeunte pode vê-lo?


Esse quadro tem um significado muito grande para nós. Frei Luiz Maria de São Tiago, no dia 21 de setembro, aos 22 anos de idade, recebeu o hábito dos capuchinhos, no noviciado da Província de Trento, Itália, no convento de Ala. Ele era colaborador de Irmã Cecília. Quando foi enviado da Itália para o Brasil, ao receber um quadro do Coração de Jesus do Papa Leão XIII , com a incumbência de propagar a devoção ao Coração de Jesus, por isso a Igreja dos Frades é Igreja do Sagrado Coração de Jesus, ele decidiu propagar também a devoção ao Coração de Maria. Quando foi construído o Lar Escola, foi ele quem esboçou aquele espaço para que um quadro sempre iluminasse a vida daqueles que passam à frente do Lar Escola. Na fachada lia-se: “Asilo Coração de Maria nossa Mãe” e um quadro do Coração de Maria, sempre iluminado ocupa a janela mais alta até os dias de hoje. Já são mais de 20 quadros utilizados nesses mais de 100 anos. De tempos em tempos temos que mudar por causa do efeito do sol que incide sobre o quadro. O sol queima a pintura.


Existe um espaço de relíquia da Mamãe Cecília no Lar Escola?


Costumamos dizer que é um espaço de relíquia. Tem as últimas coisas que ela usou, que pudemos guardar e conservar até hoje. Inclusive coisas que se desgastam rapidamente como tecidos por exemplo. Estamos conseguindo conservar um pouco.


Como é a história da construção do Asilo?


Mamãe Cecília, como sabemos, foi casada, e teve três filhos, sendo que a sua filha Rosa era portadora de deficiência múltipla, dando bastante trabalho. (Rosa era cega e deficiente mental). Viveu por 65 anos. Seu marido Francisco José Borges Ferreira faleceu no dia 7 de dezembro aos 43 anos de idade. Antoninha tinha 41. O pai de Antoninha Pedro Liberato de Macedo morreu aos 88 anos de idade e sua mãe Rosa Maria Bonilha faleceu três meses depois no dia 5 de março de 1894. Antonia completou 42 anos de idade em 7 de julho de 1894. No ano de 1895 os capuchinhos inauguraram a Igreja do Coração de Jesus em Piracicaba. A Ordem Terceira Franciscana é constituída de homens e mulheres que não deixam suas famílias nem seus trabalhos. Muitas fraternidades da Ordem Terceira do Brasil Imperial eram verdadeiros clubes que reuniam pessoas influentes e poderosas, como um sinal de prestígio e para garantir algumas vantagens como...jazigos em cemitérios! O Papa Leão XIII enfrentou uma corajosa reforma para que a Ordem Terceira voltasse à suas origens. Irmã Cecília foi nomeada conselheira da Ordem Terceira. Constam ainda como terceiras Dona Maria das Dores Morato (Da. Mariquinha) e Dona Luiza Josefina de Matos (Da. Luizinha). Um dia passando pela Rua Boa Morte com sua amiga, Da.Mariquinha Morato na altura onde ficava nesse tempo a casa provisória dos capuchinhos, Da. Antonia ficou encantada com uma bela paineira em flor, do outro lado da rua, e manifestou que aquele poderia ser um bom lugar para construir o Asilo. Disse então: - Eu gostaria tanto que a casa fosse construída no lugar dessa paineira. Mas aonde vamos arrumar o dinheiro necessário para adquirir esse terreno? Dona Mariquinha disse: Já é seu! Esse terreno é a minha herança de família! Foi a mais forte manifestação de que Deus queria que essa casa fosse erguida! Muitas crianças nesses mais de 100 anos já tiveram seu aconchego, seu descanso, seu alimento.


Como funciona hoje o Lar Escola?


Funciona como creche. Até a década de 1980 era internato, abrigo para meninas, ali eram abrigadas até 130 meninas abandonadas, órfãs, que não tinha com quem ficar. A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente veio a proposta do desinternamento. Foi um longo processo que fizemos para que nenhuma criança ficasse abandonada, na rua. A partir daí passou a funcionar como creche e educação complementar. Hoje temos cerca de 250 crianças de 2 a 11 anos. Nota do Jornalista: Em 20 de novembro de 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas, aprofundando a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, adotou a Convenção sobre os Direitos da Criança (uma carta magna para as crianças de todo o mundo). No ano seguinte, o documento foi oficializado como lei internacional. Hoje, a Convenção é ratificada por praticamente todos os países do mundo, excetuados Somália e Estados Unidos. No Brasil regulamentamos a CBO - Classificação Brasileira de Ocupações. 5198 :: Profissionais do sexo. Por questão de bom senso, deixo para os legisladores e estudiosos do assunto analisarem e detalharem a matéria.


Aonde a senhora acredita que estão as possíveis 130 meninas que poderiam estar abrigadas aqui no Lar?


Hoje, se olharmos tantas unidades da Febem com situações sérias, é possível que não teríamos o passo do desinternamento. Não seria uma Febem, mas seria um abrigo com crianças com encaminhamento, saem aos 18 anos já com emprego. Algumas das meninas bem adiantadas em seus estudos.


O mesmo acontece com o Lar Franciscano de Menores?


Também! Um dos serviços que eles prestavam à comunidade era o de encadernação. Um trabalho de muito boa qualidade.


Hoje o Lar dos Velhinhos de Piracicaba recebe uma importantíssima atuação das irmãs?


A partir de 1917 nossas irmãs começaram a trabalhar lá. São quase 90 anos de serviços prestados aos idosos. E de serviço à saúde. No ano passado completamos 90 anos cuidando de doentes na Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba.


O começo do Lar Escola foi difícil?


De 1898 a 1900 apenas era o Lar Escola. Cuidando de crianças. No dia 2 de fevereiro de 1898 , mesmo sem estar feita a instalação de água, o Asilo foi inaugurado. Era um edifício muito simples e pobre, que existe até hoje. Tinha três andares para economizar terreno. Naquele dia instalaram-se D. Antonia com quatro companheiras da Ordem Terceira Franciscana., seus três filhos, e as duas órfãs. Elas porém não eram freiras. Simplesmente moravam juntas, viviam uma vida religiosa. A casa era tão pobre que elas, quase sempre trabalhavam descalças. Alguém lhes doou doze latas de marmelada, abriam uma lata cada vez que entrava uma órfã: a lata vazia servia de prato. Até que Luiz de Toledo, um comerciante, visitou a casa e , e vendo aquela pobreza mandou um bom donativo de talhas, pratos, jarras e outros utensílios. Em 1900 foi fundada a Congregação. Com sete irmãs. Logo no início, ficando com sua filha Rosa, de oito anos de idade, mandou os filhos João, com sete anos e Antonio com cinco anos , para o Liceu Coração de Jesus, mantido pelos padres salesianos em São Paulo, sendo que as despesas correram por conta do Sr. José Estanislau do Amaral e segundo dizem, também Da. Tereza de Jesus Aguirre auxiliou. Mamãe (Madre) durante doze anos abriu novas casas, e cresceu o número de irmãs.


A senhora sente alguma diferença da criança de hoje com relação à criança de alguns anos passados?


Existem grande diferenças. Trabalho na educação há quase 40 anos. Os meios de comunicação toda à parte da mídia, liberam instintos, que não são bem direcionados. Hoje sentimos as crianças muito mais liberais, mais questionadoras, mais atrevidas. Não se conformam com certas coisas. São princípios da educação que tentamos passar mas encontramos resistência. Porque? Porque existe uma babá eletrônica, que é a televisão, aonde aprende a responder para o pai, para a mãe, para as autoridades.


Quanto à história do chalé?


Madre Cecília recebeu uma carta do Bispo Diocesano de Campinas, Dom João Batista Correa Nery, aonde dizia: “Madre,[...] cumprimentos. Se a senhora puder conservar os seus filhos do locutório para fora (Locutório é o compartimento separado por grades, donde falam as pessoas recolhidas em conventos, prisões etc. com as de fora que as procuram) poderá ficar em qualquer casa.; do contrário, ficará dispensada da Comunidade, em lugar onde possa recebe-los e cuidar deles”. Pouco tempo antes, uma sua benfeitora, tinha comprado para a Congregação uma casa vizinha ao Asilo, com um lote intermediário. Pertencia a uma tal de “Nhá Eva” e de lá vinha sempre muito barulho. Mamãe Cecília, brincando, chamava o lugar de “urupuca da cabocla”. Era um sobradinho a que as irmãs apelidaram de “o chalé”. Quando o bispo perguntou se não tinha aonde alojar a fundadora, essa foi à casa indicada. Teve de ir para lá, com sua filha Rosa, cada vez mais insuportável por causa dos seus gritos, e com a dedicada Irmã Maria do Carmo que lhe fez companhia até o fim. Esse chalé foi adquirido em nome do Asylo Coração de Maria em 1910, seus proprietários eram: Sr. Veridiano Rolim Barbosa e Sra. Maria Joaquina Barbosa, ficava na Rua Saldanha Marinho, 13 atual Rua São Francisco. Madre Cecília morou nessa casa por 31 anos. Esse chalé foi derrubado e foram construídas algumas casas para sustento do Lar.


O chalé está sendo reconstruído?


Hoje está sendo reconstruído não o chalé, mas um pequeno espaço de oração. Onde as pessoas podem ir lá, rezarem, se encontrarem, bem nas costas aonde era o chalé. Existe a maquete do chalé na sala de lembranças.


Tem uma fotografia mostrando religiosos ajoelhados na porta do chalé, simboliza o que?


Todos os anos, ela enfeitava a sacada do chalé, eram dois pavimentos, a parte de baixo com belas flores, e era um dos lugares aonde o Santíssimo parava e todo o povo rezava naquele momento de uma maneira especial. O chalé era mesmo a casa da Mamãe Cecília. Um lugar da Eucaristia. Mamãe Cecília tinha um amor muito grande por Jesus.E a noite quando ela acordava,ela visitava em pensamento todas as igrejas de Piracicaba. A gente sente em Mamãe Cecília uma pessoa muito envolvida com a comunidade, com a sociedade, com a pobreza, com os necessitados.


Quando a catedral sofreu um incêndio ela fez um apelo pelo jornal aos piracicabanos, dizendo que ela conhecia a generosidade deles e tinha a certeza de que todos iam doar se não me engano, 2 reais para a reconstrução da Catedral.


A documentação para a canonização de Madre Cecília foi reunida, tendo inclusive o Monsenhor Luiz Giuliani como secretário da causa. São aproximadamente trinta volumes que foram enviados a Roma. Acompanhei de perto. Hoje em Roma o processo já está se encaminhando, a questão das virtudes heróicas. Existe um sumário, onde se colocam as virtudes heróicas de Madre Cecília. São elas: a dedicação ao pobre, a disponibilidade, a obediência, o carinho e a dedicação para o doente, para o velhinho, para a criança. A fé que ela tinha. O cuidado com as crianças. Isso praticamente está pronto. Foi tudo traduzido para a língua italiana, hoje está se fazendo uma outra biografia documentada, Irmã Armanda Franco Gomes de Camargo é a responsável na Congregação pelo processo. Estamos já na fase dos milagres. Por isso todos aqueles que alcançam graças por interseção de Madre Cecília devem se comunicar com a Congregação descrevendo. Às vezes são verdadeiros milagres que acontecem, e não apenas pequenas graças. O telefone para comunicar-se é (19) 32329922 em Campinas, com a Irmã Cristina. Ou então escrevendo para a Rua Barão de Jaguara,140 Campinas. Ou ainda aqui em Piracicaba, a Rua Boa Morte 1955. Nós podemos ajudar na redação do texto. Pode ser encaminhado ao Lar Escola através do E-mail : larecmnm@terra.com.br. (É fácil guardar o endereço eletrônico são as iniciais de: lar escola coração Maria nossa mãe). Mamãe Cecília durante esse tempo em que ela ficou no chalé ela dava muitas bênçãos. Era chamada “Mulher das Bênçãos”. Essas bênçãos eram de acordo com a conversa que ela tinha com as pessoas. Hoje somos aproximadamente 200 irmãs, espalhadas em 8 estados do Brasil. Temos a Irmã Celina, missionária na África. Queremos no próximo ano se Deus quiser iniciar uma tramitação para que a força do carisma de Irmã Cecília também vá para a África. Esse carisma é ter o coração de mãe como Nossa Senhora. Nossas irmãs hoje trabalham na saúde, em hospitais, com crianças, em várias creches, na educação em colégios, com lares de velhinhos e na pastoral. Estamos abrindo também um novo ramo na Congregação, que é para os leigos Franciscanos do Coração de Maria. Pessoas casadas, que queiram ter esse coração como o de Nossa Senhora. Viver o carisma. Temos uma reunião por mês, de formação, e a expressão do carisma é onde você estiver, aonde você trabalha. O nosso encontra é todo segundo sábado do mês, a partir das 3 horas da tarde até as 4 horas aproximadamente. É um momento de formação para aquelas pessoas que querem viver como nós, que vivemos esse carisma de ter um coração como o de nossa senhora. Isso é para jovens, casados, solteiros, para todas as situações da vida. Todo ano no primeiro domingo de setembro fazemos uma peregrinação. Tem pessoas que vêm do Rio de Janeiro, do Paraná, da Bahia, Minas Gerais. Passam o dia em oração e reflexão, em convívio com Mamãe Cecília. Visitam o quarto, conhecem a sua história. O encontro se dá das oito e meia da manhã ás quatro horas da tarde. No próximo dia 3 de setembro a comunidade toda de Piracicaba e região está convidada. Entrem em contato conosco, dando sua adesão, para termos uma idéia se temos que colocar mais água no feijão! (risos). No último encontro participaram aproximadamente 450 pessoas. Pouco adianta as palavras. O exemplo arrasta. É marcante que fundada a Congregação em 1900, em 1904 ela vai para Descalvado, em 1905 em Descalvado mesmo ela inicia outra obra o Externato Imaculada Conceição.Logo depois em 1906 vem o Hospital de Jundiaí. Em 1914 a Santa Casa de Limeira. Mamãe Cecília tinha o coração voltado para quem sofria ! Hoje temos aproximadamente 34 casas. Mas se formos olhar quantas abrimos e saímos, porque o nosso carisma é de peregrinas, como São Francisco, esse número atinge cerca de 80 e poucas casas! Inclusive no Amazonas! Já estive lá várias vezes.








sábado, maio 18, 2013

RAUL HELLU

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de maio de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADO: RAUL HELLU



Raul Hellu é funcionário público aposentado, ingressou no Lions Clube Piracicaba-Leste em 1971 sendo seu presidente no ano Leonístico73/74, por vários anos foi diretor de comunicação do mesmo Lions. Foi diretor do Centro Cultural e Recreativo “Cristóvão Colombo” durante 23 anos. Por 10 anos foi diretor do Centro de Reabilitação de Piracicaba. Diretor da Guarda-Mirim de Piracicaba por 6 anos. Assessor do ex-prefeito Luciano Guidotti, ex-secretário municipal para assuntos extraordinários na administração José A. Borguese, Membro do Conselho Municipal do Idoso, durante anos foi redator esportivo nos jornais: “O Diário” e “Jornal de Piracicaba”, comentarista esportivo na Rádio Difusora de Piracicaba. É Presidente da Comissão de Sindicância da Sociedade Beneficente Sírio Libanesa, Diretor da Escola de Mães “Branca Motta de Toledo Sachs”, membro Emérito da loja maçônica Piracicaba. Raul Hellu nasceu a primeiro de março de 1921 em São José do Rio Preto. Filho de Elias Hellu e Bassima Hellu ambos imigrantes sírios. Elias Hellu, ainda aos 20 anos imigrou para os Estados Unidos onde permaneceu e trabalhou por cinco anos. Voltou para a Síria onde se casou.

Recém casados, Elias e Bassima, imigraram para o Brasil, desembarcaram em Santos e seguiram para São José do Rio Preto. Elias veio acompanhado de seu tio Azis e sua esposa.

Qual atividade o pai do senhor exerceu ao chegar ao Brasil?

Montou uma loja, progrediu muito, o primeiro automóvel de São José de Rio Preto foi adquirido por ele, era um Ford. No dia 24 de outubro de 1929, que ficou conhecida como Quinta-Feira Negra, ocorreu o crash (quebra) da bolsa de valores de Nova York, atingiu em cheio a economia do Brasil, muito dependente das exportações de um único produto, o café. Meu pai fornecia mercadoria para as famílias instaladas nas fazendas de café. Os volumes de mercadorias eram altos: um vagão de açúcar, um vagão de sal. Com a quebra dos fazendeiros, o comércio do meu pai também quebrou. Com o que sobrou, um restinho de loja, ele transferiu-se para Piracicaba, com ele vieram esposa e seis filhos.

Em Piracicaba ele passou a fazer o que?

Ele montou uma pequena loja na Rua Governador Pedro de Toledo, quase em frente a Casas Pernambucanas, o prédio existe até hoje. A tradução para Hellu em árabe é “doce, açucarado, ou belo”, depende de como é colocada a expressão na frase. Meu pai ao chegar ao Brasil queria mudar o nome para Elias de Mello, não deixaram. Ele queria abrasileirar o seu nome para facilitar a vida dele no Brasil.

Após instalar pequena loja na Rua Governador Pedro de Toledo como foi a vida comercial da família?

Meu pai sempre atuou como benemérito, principalmente com os imigrantes seus patrícios. Issa Antonio é um contemporâneo seu, que sempre afirmou isso. Ele dizia que meu pai tinha ajudado muitos patrícios. Meu pai era um homem generoso. Quando teve prejuízo nunca se mostrou alterado, não ofendeu ninguém. Era um homem pacífico. Era um homem com cultura, tinha instinto poético.

Qual foi a providência imediata que ele tomou para sanear as finanças?

Passamos a mascatear. Eu era um menino ainda, e ele me levava. Íamos com uma carroça cujo cavalo chamava-se “Patriota”. A rota de percurso era Formigueiro, Saltinho, Sete Barrocas. Levávamos tecidos, miudezas, trazíamos frutas, verduras, frangos, ovos. Era feita a permuta. E assim meu pai foi levando, com muita dificuldade. Cheguei a dormir em paiol, embaixo de pé de café. Comia bortoega, tomate, tudo que era planta rasteira produzida no sítio, ele levava sal e pimenta, mergulhávamos no sal e na pimenta e comíamos.

E os outros irmãos?

Ficavam em casa, naquele tempo mãe era a “maezona”, cuidava dos filhos, não terceirizava o filho como hoje. A educação está perdida porque os filhos estão terceirizados. A mãe e o pai vão trabalhar, os filhos são deixados com as babas, e creches, isso é um crime que está sendo feito, os filhos estão perdendo noção de família. Nossos filhos eram educados embaixo da saia da mãe.

A família continuou morando no mesmo local?

Mudamos para a esquina no Largo do Mercado em frente onde atualmente é a Loja Cybelar. Uma casinha, o pé direito da casa era um mourão de ferro. Um dia eu fiquei com uns trocados do meu pai, para ir ao Cine Iris, mais tarde Cine Broadway, era ainda tempo do cinema mudo. Uma orquestra tocava antes do início dos filmes. Meu pai ficou sabendo que eu tinha ficado com o dinheiro fruto da venda de um retrós de linha, para ir ao cinema. Deu-me uma surra muito bem aplicada. Nunca mais eu coloquei a mão em nada. A educação era severa. Hoje o jovem pode tudo! Sem dizer que na sua grande maioria não são educados pelo pai, pela mãe. Hoje da forma como é feita, entregar o filho para que terceiros eduquem é perigoso. Já falam que daqui a algumas décadas não haverá família. A sociedade está se esgarçando moralmente, isso é mundial.

O senhor tem alguma religião?

Sou Católico Apostólico Grego. Faço o sinal da cruz com três dedos. A missa é escrita em árabe e traduzida para o português.

Onde o senhor estudou o primário?

As primeiras letras estudei no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. O ginásio eu fiz na Escola Normal (Sud Mennucci). Tive que ajudar meu pai não prossegui os estudos. Aos 18 a 19 anos de idade entrei um pouco na política, fui integralista, fui fã de Plínio Salgado. A causa integralista tinha umas particularidades que me agradava muito. Diziam que era fascista. Não tinha nada de fascista. A palavra Anauê é um vocábulo de origem tupi, que servia como saudação entre os indígenas e de brado. É uma palavra com conteúdo afetivo que significa: "Você é meu irmão" O integralismo usava o sigma “Σ”. Os alemães usavam a suástica. Como havia alguma semelhança os americanos passaram a combater o integralismo.









O senhor chegou a ter farda?

Usava o uniforme verde que simbolizava a esperança, com o sigma. Quando os grandes matemáticos faziam cálculos avançados colocavam ao final o sigma como exatidão da operação. Lembro-me quando Plínio Salgado esteve em Piracicaba no Teatro Santo Estevão. Grandes nomes da cultura nacional pertenceram ao integralismo. Jorge Coury era integralista. Gustavo Barroso era integralista. Tínhamos uma estirpe de homens de valor que foram integralistas. Plínio Salgado queria criar o Homem Integral, por isso se chamava integralismo.

O senhor permaneceu no integralismo até quando?

Até ele ser extinto. Nós desafiamos a diplomacia americana, acabaram conosco. Enquanto existiu o integralismo eu participei, estimo uns oito ou nove anos. Nós reunimos em casas de membros do integralismo, não havia um local que funcionasse como sede. Isso foi nas décadas 30/40 período de Getulio Vargas.

Como Getúlio via o integralismo?

Atravessado! Era oposição. Considero que Getúlio só criou duas coisas boas: a Petrobrás e a CLT. Na Revolução Constitucionalista de 1932 eu era um menino ainda, mas vi a movimentação ocorrida.

O senhor entrou para o Clube Cristóvão Colombo com que idade?

Eu era menino já ajudava o Clube Cristóvão Colombo que funcionava na Rua São José esquina Com a Rua Governador Pedro de Toledo, em um prédio antigo que existe até hoje. Como estava sempre colaborando com o clube, acharam que eu deveria ser diretor, isso foi em 1956 o presidente era Telmo Otero. Comecei a pegar gosto pelo Cristóvão e fiquei, sou sócio Benemérito.

O senhor sempre foi bom orador?

Logo que entrei para o Clube Cristóvão Colombo fiz o curso de oratória com Frei Thimóteo. Em 1948 fui fazer um discurso, na Igreja Bom Jesus, eu ajudei a construir a Igreja do Bom Jesus. Quando era menino ajudava na construção do campo do Palmeiras (Piracicaba), eu era “pinante”, assim é como denominavam o menino que guiava o cavalo do carrinho. Levava os resíduos para a baixada onde hoje é o Supermercado Pão de Açúcar da Cidade Alta, ali era uma barroca. Fiz um discurso para Luiz Dias Gonzaga, foi em cima de um caminhão, não havia palanque. O Dr. Antonio Cera Sobrinho também era integralista, era uma espécie de padrinho para mim. Ele era chamado de médico dos pobres, quem não tinha dinheiro não pagava. Ele me encaminhou para essa área da política. Subi no caminhão e fiz um discurso. Eu era muito observador, vi o Cristo de braços abertos, disse no meu discurso: “-Imagine que até o Cristo está lá para receber Luiz Dias Gonzaga de braços abertos!”. A multidão ficou eufórica, aplaudiu muito. E Luiz Dias Gonzaga estava lá, foi um impulso na sua candidatura, ele foi eleito com uma boa margem. Paulo Negri, José Rodrigues Filho e eu prestamos um concurso, fomos trabalhar na prefeitura. Em 1948 começou a minha carreira.

O senhor entrou para qual função?

Fui escriturário, chefe de divisão, chefe de departamento, diretor administrativo, e acima de mim só tinha o prefeito. Na época não existia a categoria de secretário. A prefeitura funcionava na Rua São José esquina com a Rua Alferes José Caetano, onde foi o palacete do Barão de Serra Negra. Antigamente a prefeitura tinha uns livros enormes, peças altas, dorso largo, tinha que escrever tudo a mão, registrar o imóvel da pessoa. Depois entrou a mecanografia, era uma máquina já com teclado elétrico, formulário contínuo, os avisos que eram mandados aos contribuintes eram feitos e o formulário ia girando. Nós abandonamos o livrão velho. Por exemplo, chegava um homem rico como o José Guerra, antigo comerciante da cidade, ele tinha 20 a 30 prédios, dizia: “Quero pagar impostos desse, mais esse, esse. Esse aqui eu vendi, esse outro também vendi.” Tinha que somar com uma maquina de calcular Walter. Era complicado. A juventude hoje usa o computador, não tem o trabalho de pensar, não raciocina, não guarda, não imagina, não lê.
 


                                                  MÁQUINA DE CALCULAR WALTER




Até que ano o senhor permaneceu na prefeitura?

Até 1977, época do prefeito João Hermann Netto. Aconteceu comigo um fato inusitado. Aposentei-me, o prefeito mandou bater o decreto, desceu do seu gabinete, veio a minha mesa, no Departamento da Receita, aposentei-me como Diretor do Departamento, assinou o decreto na minha mesa, sentado na minha cadeira, eu tinha uma máquina escamoteável, virava e o fundo dela tornava-se uma mesa. Ele fechou, sobre aquela mesa assinou o decreto e me entregou. E me entregou uma carta onde me elogiava como cidadão Raul Hellu. Após ter sido aposentado, fui contratado pelo próprio João Hermann Netto. Ele fez uma revisão nos chamados valor venal dos imóveis. Fizemos uma revisão, tinha um engenheiro Francisco Cerignoni, ele tinha um automóvel Dodge, saíamos nas ruas com alguns coadjuvantes e fizemos um levantamento rua por rua, lembro-me que na Rua Curt Nimuendajú, tinha a rua, um terrreno plano e depois uma barroca. Antigamente coloríamos as ruas para determinar o valor: azul tinha um valor, verde outro e assim por diante. A área que era barroca não tinha o mesmo valor que a área plana, nós achuriávamos a àrea de menor valor. Tudo isso feito a mão, em cima do Dodge do Chico. Para fazer a revisão do valor venal era penoso, o funcionário ia de casa em casa, para ver qual era o valor pago pelo aluguel, usado como referência. Depois passamos a estimativa do valor venal.

Não era mais fácil fazer o levantamento por fotografia aérea?

Depois a VASP veio fazer esse trabalho. Contratamos a VASP para fazer fotografia aerofotogramétrica. Isso facilitou muito. Nós passamos por um período muito difícil, não havia recursos técnicos. A máquina de escrever, a mecanografia, tinha uma barra de seletores, tinha que montar a barra com seletor de acordo com o valor que você desejava no formulário contínuo.

Como contratado o senhor permaneceu na Prefeitura Municipal de Piracicaba até que ano?

Fiquei por cinco anos, até a segunda administração do ex-prefeito Adilson Benedito Maluf, em 82/83. Saimos juntos, eu e Florivaldo Coelho Prates, pessoa competente, humilde e de uma integridade moral muito rara.

O senhor entrou para a Sociedade Sírio Libanesa?

Houve uma mudança nos estatutos da entidade permitindo que naturais e descendentes também pudessem se candidatar a presidente da entidade. O Dr. Antonio Carlos Neder foi o primeiro presidente eleito após essa mudança de estatuto. Eu sempre fui orador da instituição. Eu gosto de oratória, fiz cursos de oratória.

O senhor passa a imagem de que gostaria de ter cursado Direito.

Eu me considero um advogado e um médico frustrado. Estudei muito ambas as atividades, como autodidata. Infelizmente meu pai não tinha recursos para me proporcionar o estudo em uma faculdade, naquela época era bem mais difícil do que hoje fazer uma faculdade.

Como o senhor começou a trabalhar em rádio?

Houve uma época em que a prefeitura ficou cinco meses sem pagar, quando recebia era referente a 15 dias do mês “x” anterior. Mais 15 dias do mês “y”. Nós funcionários fundamos uma associação, eu, Hélio Morato Kreaembhull, e demais companheiros. Hélio Morato Kreaembhull foi meu mestre no Departamento da Receita. Com dois filhos, na época eu morava na Rua Tiradentes, entre a Rua XV de Novembro e a Rua Moraes Barros, em uma casinha que pertencia ao Romagnoli, ele tinha muitas propriedades naquela região, nessa quadra as casas tinham um pequeno quintal, no quarteirão inteiro, a àrea restante era ocupada por ele, que tinha uma casa na Rua Tiradentes com todo esse quintal plantado. Pensei: “- Quer saber de uma coisa? Vou procurar outro serviço”. Fui para a Rádio Difusora de Piracicaba, conversei com a Dona Maria Conceição, o Hercoton era gerente na época. Expliquei a minha situação, como eu tinha boa oratória, recurss linguisticos, o Hercoton disse: “-Só se você fazer comentários, ajudar a equipe esportiva.” Assim comecei a dar os primeiros passos na equipe esportiva da Difusora, com Ulisses Michi, Ary de Camargo Pedroso, Rubens de Oliveira Bisson, Bouchardet, Atinilo José, Waldemar Billia. Ganhei até o Troféu Aristides Figueiredo como melhor comentarista na oportunidade. O primeiro presidente da Asssociação dos Cronistas Esportivos de Piracicaba foi Ludovico Silva. A sede era em cima do Cine Politeama, no local hoje é o estacionamento do Bradesco, no centro. Fui um dos fundadores junto com Ludovico. Comentei muitos jogos de Maria Helena, Heleninha, Waldemar Blatkauskas que dá seu nome ao nosso ginásio de esportes. Eu o conheci, era um gigante, ele faleceu na Via Anhanguera que na época estava sendo duplicada. Nas imediações de Campinas seu carro foi prensado por um caminhão contra um trator que trabalhava na rodovia. O Vlamir tinha ido para o Corinthians, ele foi cognominado como “Diabo Loiro” no Chile, a seleção brasileir ficou campeã do mundo, a Rússia na época se negou a participar por razões políticas.

Quantos anos o senhor permaneceu na Rádio Difusora?

Foi bastante tempo. Fiz um programa pela manhã, começava as cinco e meia da manhã, depois entrava o programa do Nhô Serra. Eu tinha um salário na rádio. E tinha no Jornal de Piracicaba no tempo de Losso Neto. Em “O Diário” trabalhei com Mauricio Cardoso no Departamento de Esportes. Trabalhei em “O Diário” tanto no período de Sebastião Ferraz como de Cecilio Elias Netto.

O senhor praticava algum esporte?

Pratiquei. Joguei futebol como centro-médio, hoje chamam de terceiro zagueiro, no Paulista Futebol Clube, ficava logo no início da Avenida São Paulo, ali havia um pasto meio brejo, nas imediações moravam membros da família Pompermayer onde tinham uma loja. Nas proximidades de onde hoje é o Posto de Combustível Irmãos Sabadin. O Pompermayer tinha um filho que era zagueiro, nós íamos treinar lá, jogaram lá Waldemar Dalpogetto, Tibério, pai do Dinival Tibério. Nosso treinador era um negro chamado Ferreira, chegou lá um japonês de chuteirinha, sentou e ficou esperando. Dali a pouco Waldemar Dalpogetto contundiu-se, não tinha outro para colocar no lugar, escalaram o japonês. Era Sato! Formou uma fila de jogadores correndo atrás dele, querendo tirar a bola dos seus pés. Ao terminar o jogo, colocamos ele no automóvel, levamos para a sede social do Paulista Futebol Clube que ficava em frente ao Teatro São José. Fizemos a inscrição do Sato no clube a noite, tinhamos o receio de que outro clube o levasse.

Quanto ele ganhava para jogar futebol?

Nada! Ele veio para estudar agronomia em Piracicaba. O time do XV de Novembro era formado por Tão, Elias, Ediarte e Aedo; Pedro Cardoso, Staruss e Adolfinho; Cardeal, Sato, De Maria, Picolino, Gatão e Rabeca. Era um timão!

Como o senhor vê o futebol hoje?

É uma enganação. Como dizia o Fiola quando ficou campeão: “-Vão lá e fazem o que sabem fazer!” Pronto! Hoje é tudo cheio de gráfico, 3-4-1; 4-2-2; 2-4-1. Hoje o Brasil não tem técnico, tem treinador. Não tem revelações, não tem mais futebol de várzea, só tem escolinha, é o que falei, terceirizam, o pai manda o filho lá porque a mãe está trabalhando. Não tem onde deixar o filho mandam terceirizar. A familia vai perdendo o vinculo.

O senhor trabalhou no XV com o Rípoli, como ele era?

Era um caboclo. De gestos caboclos. Falava meio acaipirado, meio puxado, sempre com cigarro de palha.

No futebol sempre houve superstições?

No tempo do Athie Jorge Coury no Santos Futebol Clube, havia uma mulher que benzia o time. Um dos presidentes do XV, não era o Rípoli, mandava chamar essa mulher de Santos para benzer o XV.

Funcionava?

Funcionava, os jogadores em sua maioria eram crédulos em benzimentos. Hoje quase todo jogador brasileiro faz o sinal da cruz ao entrar em campo, usam ramos de arruda. Eu até pergunto, e quando os dois times pedem a vitória ao poder divino com quem Ele fica?

Como um integralista vê o momento atual?

Há uma história interessante, uma conferência entre Hitler e o primeiro-ministro inglês Chamberlain. Hitler tirou o cinturão com sua arma e munição e depositou sobre a mesa, em uma atitude bélicosa. Chamberlain apenas tirou a sua caneta do bolso e depositou sobre a mesma mesa. Isso diz tudo.

O senhor se casou em que ano?

Casei-me no dia 9 de junho de 1951 em Franca, minha esposa é francana, sempre a chamamos de Leila, mas o correto é Laila Elias Hellu. Temos três filhos: Ivan Sérgio, Denise, engenheira agronoma, e Raul Hellu Júnior que é médico. Esse meu filho sempre me diz: “ Não brigue com duas coisas: com o tempo e nem com o travesseiro.” O tempo irá te vencer, aceite a velhice, sou um homem pacífico, estou com 93 anos, mas se eu morrer amanhã vou falecer gratificado, lúcido. Não brigar com o travesseiro é não fazer mal às pessoas, você terá dificuldade em dormir a noite, terá insonia. Isso mata.

O senhor acredita em Deus?

Li uma matéria onde o articulista diz: “ Reunam todos os melhores cientistas do mundo, todos os recursos científicos, criem um único ser humano e eu nego a existência de Deus”. Quem escreveu isso foi um ateu que se converteu ao cristianismo.

Qual é o segredo para chegar com essa saúde e disposição aos 93 anos?

Acho que fui beneficiado sem saber. Pratiquei remo no Clube de Regatas de Piracicaba, levantava as quatro horas da manhã, acordava Seu Antonio, que era o zelador, eu ia buscar a chave do clube. Lá estavam: Virgílio Lopes Fagundes, Dovílio Ometto, Franquesta. Quando enchia o Rio Piracicaba fazíamos campeonato de mergulhar e sair na mesma direção na outra margem. Franquesta fazia isso, não sei o nome completo dele, sei apenas que era funcionário da Caixa Economica Estadual. Ele mergulhava , atravessava debaixo da água e saia na mesma direção na outra margem. Antigamente eu nadava até o Porto João Alfredo (Artemis). Tetsuo Okamoto que foi campeão sul-americano nadou aqui conosco. Hercio Hoeppner era um nadador de primeira linha. Joguei basquete, Virgilio Fagundes era canhoteiro. Caminhei por 16 anos na Esalq, junto com Ermor Zambello, Dovilio Ometto.

O senhor pode falar algo sobre a Festa das Nações?

Essa não é a trigésima festa, e sim trigésima primeira. A primeira foi no campo do XV, Estádio Roberto Gomes Pedrosa, feita por nós do Lions, o presidente era Mário Sturion. A festa seguinte Adilson Maluf e sua esposa Rosa Maria fizeram a Festa das Nações no Lar Franciscano de Menores.

O senhor trabalhou com Luciano Guidotti?

Fui seu chefe de gabinete. O Luciano construiu muitas obras públicas, foi um grande empreendedor, há muitos que afirmam que Piracicaba tem como marco Antes de Luciano Guidotti e Depois de Luciano Guidotti. A Guarda Mirim foi criada por projeto de lei de Rubens Leite do Canto Braga e idealizada pelo Comandante Ciapina, formou muitos jovens, hoje adultos que ocupam altos postos nos mais variados campos de trabalho. Por muitas vezes em suas solenidades fui o orador da Guarda Mirim.
















sexta-feira, maio 10, 2013

SÉRGIO LUIS PICCOLI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de maio de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADO: SÉRGIO LUIS PICCOLI




Sérgio Luis Piccoli nasceu a oito de abril de 1948, em Rio Claro, é filho de Pedro Antonio Piccoli e Maria Yolanda Piccoli, ambos agricultores, donos de uma propriedade rural. Tiveram nove filhos: Laurides, Eurides, Gilberto, Ides, Carmem, Natalina, Sérgio, João e Luis. Aos nove anos Ségio já estava na roça, alimentava os animais. Nessa época estudava em Ipeúna, andava uns sete a oito quilômetros a pé, pisando descalço no barro, até chegar ao ponto onde o ônibus passava. Naquela época ia para a escola descalço. A família mudou-se para a cidade de Rio Claro, foram morar no Bairro Santana. Seu pai ia e voltava ao sítio todos os dias, o trajeto era feito em carroça com tração animal, uma distância de uns 12 quilômetros, o tempo de percurso era de aproximadamente uma hora. Às vezes alguns filhos iam com ele. Logo que mudou para Rio Claro já passou a trabalhar em jornal. Na época os jornais funcionavam com linotipos. (Linotipo é uma máquina inventada por Ottmar Mergenthaler em 1886, na Alemanha, que funde em bloco cada linha de caracteres tipográficos, composta de um teclado, como o da máquina de escrever. As matrizes que compõem a linha-bloco descem do magazine onde ficam armazenadas e, por ação do distribuidor, a ele voltam, depois de usadas, para aguardar nova utilização. As três partes distintas: composição, fundição e teclado ficam unidas em uma mesma máquina). Clichê: chapa metálica que traz gravada em relevo a reprodução de uma composição tipográfica ou de uma imagem destinada à impressão, através de prensa tipográfica.


Onde foi o seu primeiro emprego?


Com uns treze anos entrei no jornal “Jornal Cidade de Rio Claro”, ficava na Avenida 4, bem no centro da cidade, entrei pra fazer serviços gerais, trabalhava a noite, entrava umas oito horas e só saia quando terminava o jornal. Não havia horário fixo para sair, poderia ser uma, duas, três, quatro, horas da manhã. Quem me indicou para o jornal foi um primo que era linotipista no jornal. Havia em Rio Claro outro jornal “O Diário”.


O que era linotipista?


Era quem trabalhava com o linotipo. Linotipo funciona como uma máquina de escrever mais sofisticada funciona com matrizes, tem todas as letras, quando bate no teclado uma letra ela cai, como se tivesse datilografando. Quero escrever “para”, por exemplo, basta bater as letras no teclado e elas caem formando a palavra. O linotipo tem o componidor, que é onde se regula o tamanho da linha, dois furos, três furos. É usada uma linguagem técnica própria de gráfica. A matriz era de metal. O chumbo misturado com antimônio era um material que já vinha pronto do fornecedor. Ficava em uma caldeira, a temperatura ideal para trabalhar tinha que atingir 400 a 450 graus centígrados.


Para fazer uma página quanto tempo levava em média?


Demorava! Um balanço de uma empresa, para ser digitado levava de duas a três horas. A composição corrida em uma hora e meia, duas horas, dava para fazer uma página, geralmente com dois ou três linotipistas. Era feita a composição da matéria, tirada uma prova, ia para o revisor, o erro encontrado era só tirar linha e corrigir, em seguida a matéria era encaminhada para a paginação. Uma página composta através de linotipo pesava em média 35 a 40 quilos só de chumbo. Após pronta era rodada de duas ou quatro páginas. Fazia um lado do papel, depois fazia o outro. Se era um jornal de quatro páginas rodava primeiro as páginas 1 e 4 depois a 2 e 3. Não era jornal a cores. Antigamente havia o clichê feito pelas empresas especializadas nessa arte. Uma foto era feita no zinco, preparava-se o zinco, tirava o negativo da foto, colocava-se em cima, mergulhado em ácido havia o processo de corrosão para permanecer as imagens. Era um processo trabalhoso, demorado. Fazer um jornal naquela época era difícil. Após um período como ajudante geral, passei a aprender a trabalhar com o linotipo. Ajudava na paginação. Na distribuição.


Em que ano você mudou-se para Piracicaba?


Foi em 1969. Teve um período de 1967 a 1968 me afastei do jornal e fui para Pirassununga, fazer carreira na aeronáutica. Não deveria ter saído de lá nunca! Cheguei a trabalhar nos hangares, abastecer os aviões, controlar o combustível da aeronave. Eu decidi não continuar. Acho que o jornal estava no meu sangue, sai de lá e já entrei no jornal. Eu era muito novo ainda, pegava um jornal e já tinha o olhar crítico para os defeitos que via em algum jornal impresso.


Em Pirassununga você tinha soldo, no jornal o salário, onde você ganhava mais?


Em Pirassununga ganhava praticamente uma ajuda de custo, no jornal ganhava mais.


O que o trouxe para Piracicaba?


Naquela época, em 1969, eu tinha acabado o meu aprendizado de linotipista. Aprendia-se com os amigos, na raça. Só havia a escola de linotipista no Senai em São Paulo, mas era muito restrita. A maioria se formava trabalhando, na prática.


O seu primeiro emprego em Piracicaba foi aonde?


Foi em “O Diário”. Fiquei sabendo que precisavam de um linotipista, fiz um teste, na época o responsável por essa área era o Seu Novaes. Acertamos, trabalhei por 10 anos em “O Diário”. Em determinada época chegou a ter quatro linotipos. Trabalhei com Antonio Foratto, Messias, Sérgio “Bico Fino” de Santa Barbara, Gaita. Muita gente passou por lá. Tinha um equipamento que rodava a provas da matéria que foi digitada, e havia uma pessoa encarregada de levar essa prova impressa para o revisor, era o paginador, conhecido como “Rolha”. O revisor fazia as correções, voltava para o linotipo, fazia as emendas, o paginador ia lá, tirava o que estava errado e colocava o que tínhamos feito certo.


Esse processo todo começava a que horas?


Duas horas da tarde, ia até duas, três, quatro horas da manhã. Fazer um jornal de quatro páginas era um processo demorado. Nesse período tomávamos lanches, às vezes o Cecílio levava o jantar.


Dava sono?


Tinha que dormir bem durante o dia senão não agüentava. Antigamente trabalhávamos de segunda a sábado. O único dia em que não circulava o jornal era na segunda feira.


Uma das visitas constantes junto aos linotipistas era a do folclorista João Chiarini?


Ele chegava e já ia dizendo: Olha a água! Aconselhava muito que tomássemos água. Às vezes ele mesmo ia buscar. Ele era bastante exigente, queria que seu texto saísse certinho. Assim como Hugo Pedro, Professor Benedito Andrade.


“O Diário” ficou com o linotipo por muitos anos.


Acredito que foi o primeiro jornal do interior do Estado de São Paulo a ter o sistema off-set. Era um jornal que reuniu grandes nomes como Jago, Araken Martins, Mauricio de Souza com suas “Mini Notas”, Dr. Mário Terra que fazia a coluna social, Carlinhos Gonçalves, Manoel de Mattos Filho, João Maffeis. Houve uma época gloriosa em que o”O Diário” tinha a página “Recados”, cujo principal mentor era o Cerinha, junto com Alceu Marozzi Righetto, Caetano Rípoli, tinha uma linha próxima ao famoso “Pasquim” de quem esse pessoal era amigo. Um período em que falar de política era perigoso e escrever mais ainda.


Quando veio o sistema off-set vieram equipamentos novos que complementavam o sistema, como por exemplo a máquina tituladora.


Isso facilitou muito. Uma página impressa em chumbo que pesava 30 quilos passou a pesar 30 gramas, que é um filme.


Atualmente qual é o processo de confecção de um jornal?


É digitada a matéria, o diagramador monta a página, envia para a oficina onde é tirado o filme, é uma máquina especial vem o filme e um tamanho certo, em rolo, fotografa, tira as cores: preto, magenta, amarelo e azul, são as quatro cores básicas para sair a imagem colorida. Para fazer uma página tem que ter quatro filmes. Um de cada cor. Se são oito páginas, pega-se a página 1 e página 8, o montador a monta, azul nas duas páginas,, vai para o gravador de chapa,a máquina com raio laser em 15 segundos grava. O que está no filme passa para uma chapa de alumínio. Cada página usa quatro chapas, cada uma em uma cor. Quando leio escrito em preto é em função da chapa gravada em preto.


Após gravada, se houver algum erro tem como corrigir uma chapa?


Não, não tem. Dependendo do problema tem que ser feita outra.


Qual é o momento crítico dessa operação toda?


Tem que haver muita atenção, não pode ocorrer nenhuma falha. Funciona com gabaritos, se sair do gabarito, as cores não se justapõem uma sobre a outra.


Por isso que vemos algumas publicações, até mesmo revistas, onde se percebe que as corês estão desalinhadas.


Isso é falha na impressão. Alguém dormiu no ponto.


Quantas pessoas trabalham só nas oficinas da Tribuna?


Só na confecção do jornal umas 12 pessoas. Depois tem o pessoal do encarte. Por exemplo, um jornal com 16 páginas com dois cadernos de oito páginas, eles formam esses cadernos. No encarte há dias em que trabalham de 10 a 12 pessoas. O parque gráfico da Tribuna imprime muitos jornais para terceiros. Em qualidade técnica a Tribuna está em um patamar bem avançado.


Em sua opinião, a tendência do jornal é de ser mais um formador de opinião do que um veículo de notícia com a velocidade de outras mídias. Como a internet, por exemplo?


O famoso “furo” de reportagem praticamente terminou. Já fiz muitos furos de reportagem, às vezes ficávamos até as quatro, cinco horas da manhã esperando sair a noticia. Era aí que estava o sabor do jornalismo. Às oito horas da manhã o jornal já estava na rua com a notícia do que tinha acontecido as cinco. O Cecílio Elias Neto, João Maffeis, incentivavam muito isso.


Entre os inúmeros “furos” de reportagem, qual deles você se lembra que impactou muito?


Foi quando faleceu o Papa João Paulo I. Tínhamos uma máquina ligada a agência internacional de notícias chamada UPI, estávamos lá quando saiu a notícia do falecimento do Papa, “O Diário” publicou no dia seguinte. As redações de jornais mantinham máquinas de diversas agências de noticias como AP, UPI, ANSA, France Presse, DPA e Reuters.


Políticos gostavam de visitar oficinas de jornais?


Muitos sempre gostaram. Visitavam-nos muito.


Existe ainda linotipo?


Só em museu! O pessoal de hoje nem imagina como era. Aconselho ao pessoal de hoje: “- Vocês deveriam visitar um museu de jornal para conhecerem. Hoje vocês conhecem isso aqui, nem imaginam como era até a pouco tempo”. Duas chapas de jornal impresso pesam 300 gramas, antigamente eram 30 a 40 quilos.


Se alguma faculdade de jornalismo o convidar para uma palestra sobre o assunto, você tem essa disposição?


O que posso afirmar é que o volume de informações é muito grande. Peguei desde o começo até os dias atuais. Tem coisas que nem me lembro. Com o advento da informática, a diagramação tem tido grandes avanços e facilitado a vida de muitos. Imagine um jornal diário sendo diagramado no past-up. Hoje está tudo pronto no filme, 10 a 15 minutos e o jornal está pronto. Antes datilografávamos tudo. O próprio autor manda datilografado, e até mesmo a página montada. Com um computador, sentado na esquina, você monta um jornal. Antigamente, tinha que pegar a máquina de escrever, por a lauda, datilografar. Revisar para o linotipista não copiar errado. Edirley Rodrigues fazia bastante esporte, ele revisava tudo.


Eram mandados manuscritos para o jornal?


Muito pouco.


Tinha noticia que necessitava de autorização do editor ou diretor para ser publicada?


Tinha principalmente as que envolviam noticias policiais.


Com isso vocês eram as pessoas mais bem informadas da cidade?


Éramos os primeiros a saber!


Quais são as sessões mais lidas de um jornal?


No meu ponto de vista, pela ordem: noticias policiais, esportes e obituários.


Você deve ter visto coisas inimagináveis em termos jornalísticos.


Havia alguns clientes que gostavam de colocar anúncios de ponta cabeça! O Anúncio ficava virado ao contrário para chamar a atenção. Isso existia muito nos jornais antigos.


Sérgio, há quantos anos você trabalha na profissão?


Na Tribuna fui trabalhar com o Evaldo Vicente desde a sua fundação em 1974. No inicio funcionou na Rua Alferes José Caetano esquina com a Rua Voluntários de Piracicaba, foi para a Rua Rangel Pestana, próxima a Rua do Porto. Dali foi para onde está até hoje. Eu trabalhava no “O Diário” e dava uma mão na Tribuna. Terminava “O Diário” uma hora, duas horas da manhã ia para a Tribuna dar uma força se precisasse. A Tribuna sempre foi diária. Quando cheguei de Rio Claro fui morar na pensão da mãe do Evaldo, na Rua São José ,748, esquina com a Rua do Rosário. Dali saí só para casar.


Você se casou aonde?


Casei-me em Rio Caro com Elizabete Hohne Piccoli no dia 15 de abril de 1972. Temos três filhos: Claudia, Fabiano e Juliana.


Como é a relação familiar para um profissional que sempre trabalhou a noite?


É difícil. Aos finais de semana, se haver uma reunião na casa de algum parente, logo depois de chegar você já está dormindo. O cansaço vai acumulando, chega ao final de semana todo lugar que você vai logo está dormindo. Você está acordado quando todo mundo está dormindo e dormindo quando todos estão acordados.


A profissão tem insalubridade?


Tinha. Hoje já não é mais considerada insalubre.


Você praticava esporte?


Já cheguei a jogar até no antigo campo do XV de Novembro, o Roberto Gomes Pedrosa, “O Diário” tinha um time de futebol, eu jogava nesse time, o uniforme era lindo, com o Mapa Mundi na camisa. Nós fazíamoso “ Torneio da Imprensa” , o “Jornal de Piracicaba” tinha seu time, as rádios tinham seus times de futebol. Havia um grande espírito de confraternização.


Você conheceu Sebastião Ferraz?


Trabalhei com ele, ele chegou a ser sócio do Cecílio Elias Neto. Era um homem integro. Chegou um dia em que ele não tinha dinheiro para fazer o pagamento dos funcionários, foi na época em que saiu o Karmann Ghia, ele tinha um, vendeu, a noite pagou todos os funcionários. Foi um grande jornalista e excelente pessoa.


Você lembra-se de um jornal que era impresso em “O Diário” chamado Inter News?


Lembro-me sim, fiz muito esse jornal. Eu que compunha esse jornal, o proprietário era o Roberto Santos, era um jornal distribuido no interior de São Paulo todo. A tiragem era de 40.000 exemplares, isso na decada de 70. Ele comprou o linotipo e a matriz que ele queria e mandou a máquina para “O Diário”. Era um tablóide de oito páginas. “O Diário” funcionou por muitos anos na Rua Prudente de Moraes, sendo que parte de suas instalações hoje é ocupada pelo banco HSBC, depois mudou-se para um prédio na Rua São José, quese em frente ao Teatro São José.


Ao pegar um jornal feito por terceiros antes de ler a noticia você faz a análise técnica do mesmo?


Com certeza! Olho, vejo, e penso, o amarelo teria que ter vindo para cá. O azul tem que baixar. Na hora já vejo os defeitos. Isso em qualquer publicação, como revistas também.


Você já pensou em escrever sobre a imprensa em Piracicaba?


Já, só que sou péssimo para guardar nomes, quantas pessoas trabalharam comigo, conheço de fisionomia mas não me lembro do nome. Carlos Bonassi trabalhava no “O Diário”, Caxuxo, Araquem Martins, Mário Clicherista, Germinal, Adolpho Queiroz, Carlos Colonegsi, Caetano Ripoli foi um tempo romântico. Após terminar o jornal íamos tomar um lanche no Bar do Tanaka na Rua do Porto. Lá encontrava gente do Jornal de Piracicaba, da Tribuna, amanhecia nós íamos embora. A cidade era mais humanizada.


Linotipista financeiramente era uma profissão rentável?


Nos anos 70 e 80 era. Foi rentável, ganhava-se muito bem. Quando faltava alguém outro era chamado as pressas. Quantas vezes eu terminava “O Diário” o Maurício Cardoso me chamava: “ Sérgio você não quer vir terminar “O Dário de Limeira” ? O Ferraz foi sócio desse jornal por muito tempo também. Eles me pagavam o combustivel, a mão de obra e eu ia para lá, acabar o jornal, isso porque alguém tinha faltado. De algum lugar todo dia aparecia serviço extra. Eu também consertava máquina de linotipo. Não só trabalho com a máquina, conheço seu funcionamento, fiz muitas reformas de máquinas. Desmonto e monto qualquer linotipo. Eu conhecia a parte mecânica da máquina, quebrava uma máquina em Cerquilho a proprietária que era a Célia me chamava, eu tinha um Fusquinha 75, ia para lá. Nós só chamávamos o técnico quando tinha que trocar a resistência que ficava na caldeira e com o passar do tempo ela queimava.


Quantos modelos de tipos gráficos tinha um linotipo?


Eram 90 modelos, com numeração, virgula, ponto e virgula, letras maiusculas, minusculas, isso tudo ficava armazenado no magazine da própria máquina. Assim como os tamnanhos, se quizesse o corpo 10 mudava Magazine Corpo 10. Tinha máquinas com 4, 8, 10 corpos. O tipo de letra mais usado era o corpo 10. O Times New Roman sempre foi o modelo mais usado, padrão de jornal. Manchete era feita em corpo 72.


O fato de trabalhar em jornal trazia alguns privilégios?


Recebia muitos convites para ir a festas em clubes, não pagava ingresso para entrar em cinema.


Como você vê o futuro do jornal impresso?


Pela minha experiência e vivência, acredito que o jornal impresso em papel não acabará nunca, poderá mudar de formato, métodos de produção.








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