PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 25 de maio de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: HÉLIO DE SOUZA
Hélio de Souza nasceu a 31 de março de 1940, no município de São Pedro. Filho de Oscar de Souza e Rosa Barganholo de Souza. O casal teve os filhos: João, Julia, Luzia, Irene, Hélio, Antonio, José, Maria Rosário. Tiveram ainda um filho falecido aos 11 anos de idade, em 1936. Oscar e Rosa eram lavradores trabalharam no plantio de arroz, feijão, milho para sua subsistência, e trabalhavam como meeiros de café. Havia muitas fazendas de café, como Santa Júlia, Capim Fino, Monte Roxo, Macuco. Hélio de Souza, agricultor, sindicalista, político, é uma referência de idoneidade e integridade em todo o seu percurso nessas áreas. Assumiu muito jovem a responsabilidade de arrimo de família.
O senhor começou a trabalhar muito jovem na lavoura?
Comecei a trabalhar na Fazenda Santa Maria das Pedreiras, hoje denominada Santa Maria da Ponte do Meio, na época propriedade de Ernesto Piedade. Da fazenda eu vinha até a escola onde estudei até terminar o quarto ano. A fazenda tinha como atividade principal a criação de gado, na época havia umas oito casas na fazenda, sendo que em cada uma havia uma família com no mínimo cinco pessoas. Comecei a estudar com sete anos, na Fazenda Suíça, região de Marília. Meu pai caiu na ilusão contada por um senhor que dizia que em Marília alface dava do tamanho de uma pedra grande, porte equivalente a um saco de arroz. Com essa história ele levou daqui para lá cinco famílias. A fazenda lá era bem estruturada, com terreiro de café, escola, armazém. Quando chegamos lá vimos que a história era bem diferente, o cultivo era só de café. O salário era destinado a fazer a compra do que se consumia em casa. Se o alimento fosse suficiente para passar o mês tudo bem, senão se virasse. Com isso o trabalhador estava sempre devendo, era uma escravidão. Para sairmos de lá tivemos que sair fugidos, meu pai deu uma desculpa de que tinha uma tia passando mal em Jaú, tinha que vir embora. Tomamos o ônibus que passava na fazenda, a famosa jardineira, até Garça. De lá seguimos de trem até Torrinha. Chegamos a Torrinha à uma hora da madrugada, minha mãe estava grávida de oito meses, não tinha onde posar, lembro-me de que havia um bar aberto ainda, arrumaram uns colchões para nós passarmos a noite no armazém da estação. No dia seguinte, às sete e meia voltamos para casa. Viemos morar em frente ao antigo armazém de Vitório Longhi, era a casa onde morava a minha tia, irmã do meu pai. Permanecemos ali por uns quinze dias, depois mudamos para uma casa situada na Rua Veríssimo Prado, onde hoje é o Posto Serrano.
Morando na cidade qual atividade o pai do senhor exercia?
Sempre lavrador. Saia ia até as fazendas, cortava lenha, trabalhava por dia. Sempre existia uma condução que passava e o levava até o trabalho.
Os filhos ajudavam?
Meu irmão mais velho aos 18 anos foi servir o exército, quando terminou foi embora para São Bernardo do Campo. Ficou a Julia que era empregada doméstica; a Luzia e a Irene trabalhavam com bordado.
O senhor reiniciou o primário em São Pedro?
Como tínhamos ficado apenas sete meses em Marília não cheguei a concluir o primeiro ano do curso primário. Comecei o primeiro ano no Grupo Escolar Gustavo Teixeira, minha primeira professora foi Dona Lili Capeletti, a segunda professora foi Dona Mirtes, a terceira foi Dona Lela, a quarta foi Dona Lurdinha. Nessa época eu saia da escola e ia trabalhar na roça. Tinha um caminhão que nos levava para colher algodão na hoje Fazenda São Pedro do antigo Berge, e na Fazenda Altão. Eu tinha uns treze ou quatorze anos, íamos bastantes crianças. Na época usava alpargatas. Em novembro de 1955 meu pai faleceu. Fiquei com três irmãos menores e com a minha mãe. Eu tinha treze anos, José com nove anos, o Antonio tinha onze anos e a menorzinha com sete anos. Costumo dizer que ampliei meus conhecimentos na USP – Usina São Pedro.
Como foi a sobrevivência de vocês?
Minha mãe lavava roupa para outras famílias, meu pai morreu em uma terça feira, fizemos seu enterro na quarta feira, na segunda-feira seguinte eu comecei a trabalhar na lavoura como diarista. Fui trabalhar na Várzea do Araquá, no plantio de arroz, alho e cebola. Eu ia com o caminhão de turma, era um Chevrolet V-8. Comecei a trabalhar no Fazendão, na turma de Luiz Albino, já na lavoura de cana-de-açúcar. Trabalhei em toda a região de São Pedro, plantando e colhendo cana.
O senhor era bom no corte de cana-de-açúcar?
Acredito que era, tinha que ser para sustentar meus irmãos e minha mãe.
Cana queimada ou sem queimar?
Cana queimada. Naquele tempo tinha que cortar, amarrar em feixes de 12, 15, 18 unidades conforme a cana. O Fazendão era da antiga Usina Paraíso.
Qual era a melhor marca de podão?
Era o Santa Bárbara, dava para fazer a barba de tão afiado. Na época havia a enxada Duas Caras, mas eu gostava da Dragão, e lima era a KF.
Que horas era o almoço?
Saia daqui às seis horas chegava cedo, antes da sete horas tinha que comer um pouquinho, almoçava ás nove horas da manhã, voltava ao serviço ás nove e meia, o almoço era composto por feijão, arroz, ovo e batatinha cozida. Não esquentava a marmita, por isso surgiu o nome “bóia-fria”. Cada um levava o seu corote ou garrafão de água. À uma hora da tarde tomava café, que era o resto da comida que sobrava do almoço, café. Tinha uma hora de descanso e parava às cinco horas da tarde, de segunda a sábado. Chegava em casa, tomava banho e ia dormir. Naquele tempo não tinha televisão, quem tinha posses adquiria um rádio.
Aos domingos quais eram as atividades?
Assistia a missa das sete e meia da manhã, aqui em São Pedro passaram muitos padres, um dos que lembro era o padre Floriano Colombi que permaneceu por muito tempo em São Pedro. Ele que celebrou o meu casamento. A devoção da cidade é São Pedro, mas sempre fui muito devoto de São Benedito. O Roque Ferraz era fiscal da turma do Seu Luiz Albino, além de ser o motorista que nos levava. Eu tinha 17 anos, estava cortando cana perto de Artemis, antigamente denominado de Porto João Alfredo, foi uma semana difícil, ruim de cortar cana, estava chovendo muito. Em São Pedro havia a festa de São Benedito, era uma festa bonita, vim até a festa, fui até a igreja, naquele tempo havia a reza, pedi com tanta devoção, que me desse um serviço melhor, naquela semana não havia ganhado para pagar o armazém do Chiquinho da Venda. Quando retornei para casa, isso foi em uma sexta feira, meu tio estava me esperando em casa. Naquele tempo havia o preço pago para homem, para mulher e para criança. Uma criança poderia trabalhar melhor do que um homem, o salário seria sempre o de uma criança. A mulher, era a mesma coisa, dava um ‘couro” em homem na enxada, mas não ganhava igual a ele. Meu tio disse que ia abrir um serviço na Fazenda São Pedro, segunda feira: “-Você começa a trabalhar conosco, irá ganhar o preço pago a um homem”. Eu tinha 17 anos. Não sai mais da fazenda. Lá plantamos a primeira cana. Meu tio José Marciliano era o fiscal. Pedi ao meu pai, que já tinha falecido, e à São Benedito, com tanta fé, ele me deu luz e me protegeu.
Qual é o nome da sua esposa?
Maria Alves Batista de Souza, ela era empregada doméstica, nos conhecemos no centro de São Pedro, quadrando jardim. Casamos em 24 de dezembro de 1960. Tivemos quatro filhos: Aparecida de Lourdes, Lazara Bernadete, Francisco Valentim e Cláudia Helena. Tenho os netos Alessandra Cristina, Hélio Neto, Rodrigo, Renan, Letícia e Renata, os bisnetos Kaik e Matheus. Com 17 anos entrei no Engenho São Pedro na beira do Rio Piracicaba. Quem construiu o engenho foram o Dr. Celso Silveira Mello e o Dr. Leo Silveira Mello. Da. Isaltina Silveira Mello era irmã deles. Na época havia a Fazenda Samambaia que era do grupo. Tinha seis casas de colonos na Fazenda Samambaia , e na Fazenda São Pedro dez casas Ali era produzida pinga que era vendida a granel. Naquela época o trabalhador rural não tinha décimo terceiro salário, trabalhava de segunda a sábado, não tinha férias. Foi quando surgiu o movimento sindical no Brasil. Isso foi em 1962. Posso afirmar que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Pedro nasceu no Engenho São Pedro. Participaram Adolfo Bonifácio Bragaia que era pequeno produtor rural, Sebastião Mengatto, eu participava, assim como outros, formando um grupo. Primeiro foi fundada a Associação Profissional dos Trabalhadores Rurais, em março de 1962, em um domingo de páscoa. Em junho do mesmo ano formamos o sindicato, não tinha sede, funcionava aos domingos a tarde na Câmara Municipal. Isso foi até a Revolução de 1964.
Mesmo em uma cidade pacata como São Pedro ser sindicalista em 1964 não era muito confortável?
Era perigoso. Na época o sindicato que tinha muita força era o dos ferroviários. Nós tínhamos um advogado, Dr. Pompilho Rafael Flores, naquele tempo não havia juntas trabalhistas as questões trabalhistas eram resolvidas no fórum pelo juiz de direito. Dr. Pedro Capellari foi um dos que nos ajudou muito na fundação e na continuidade de propósitos. Outro que nos ajudou muito foi João de Brito.
Em que ano o senhor assumiu como Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Pedro?
Foi em 1967. A partir de 1970, 1973 Dr. Winston Sebe nos deu uma grande força. Em 1973 me licenciei do Engenho São Pedro e vim para o sindicato.
O senhor atuou na política?
Em 1976 fui candidato a vereador, no meus dois primeiros mandatos não existia essa história de subsidio politico, vereador não tinha salário, era voluntário. Tinha que trabalhar para a cidade de São Pedro e ter mais força para lutar pela nossa categoria. Eu não tinha nem automóvel, tinha uma bicicleta Monark Barra Forte. No segundo mandato surgiu a aposentadoria do político. Em São Pedro o prefeito mandou para a Camara o projeto para que o político, prefeito ou vereador, com oito anos de mandato passaria a ter o benefício da aposentadoria. Eu e os companheiros do antigo MDB não aceitamos. Em 1973 o trabalhador rural aposentava-se com meio salário mínimo, foi o primeiro benefício que conseguimos para o trabalhador rural, além da assistência médica, dentária, hospitalar, através do sindicato. Eu achava um absurdo o trabalhador rural aposentar-se com 65 anos e receber meio salário mínimo. Não aprovamos a lei para o político se aposentar em São Pedro com oito anos de mandato.
Quando o senhor foi eleito pela primeira vez quem era o prefeito de São Pedro?
Era Walmy Modesto. No meu segundo mandato foi Antonieta Eliza Ghirotti Antonelli, fui presidente da câmara quatro vezes. Fui eleito cinco vezes como vereador. Fui uma vez vice-prefeito da Antonieta.
O que a política trouxe de ensinamentos para o senhor?
É gostoso ser político, embora sempre deixe algumas mágoas. Nem tudo sai da forma como se deseja. Tenho orgulho em dizer que fui vereador por cinco mandatos, vice-prefeito, Presidente da Assembléia Municipal Constituinte na mudança da Constituição de 1988. Sempre fui filiado ao MDB depois PMDB.
Quais são os projetos do sindicato atualmente?
Hoje são mais dedicados á agricultura familiar. Representamos quatro categorias: o corte de lenha, a lavoura diversificada, a cana-de-açúcar e a laranja. De uns quatro anos para cá até junto ao pé da serra tem eucalipto plantado. Uma parte do Alto da Serra de São Pedro pertence ao município de São Pedro, outras partes pertencem a Itirapina, Brotas, Torrinha.
Qual é a vocação do município de São Pedro?
Eu falo que a agricultura é a vocação, mas o turismo está muito forte. Há muitos loteamentos, muitas chácaras, aos finais de semana prolongados a cidade fica muito movimentada. No censo São Pedro tem pouco mais de 33.000 habitantes, nesses feriados a cidade passa a ter mais de 50.000 pessoas. O Alto da Serra era o celeiro do município, hoje está tomado pelo plantio de cana-de-açúcar. Ainda tem um pessoal que cultiva verduras e legumes. Temos a Feira do Produtor Rural, a qual fui idealizador, atualmente aos sábados a Feira do Produtor Rural é muito freqüentada, é a venda do produtor para o consumidor. O nosso sindicato tem 51 anos de existência. Damos assistência médica, hospitalar, jurídica e previdenciária.
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