PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de janeiro de 2016.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de janeiro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
Luzia Pinto de Lima Gorga nasceu
em Piracicaba a 20 de março de 1937. Filha de Antonio Pinto de Lima e Angelina
Casarini que tiveram dez filhos: Airtom, Oswaldo, Antonio, Olga, Dirce, Dirceu,
Terezinha, Aparecida, José e Luzia. Seu
pai era caboclo e sua mãe filha de italianos. Casada em segundas núpcias com
Antonio Gorga Filho.
Quando a senhora era ainda criança, sua família morava em
que local?
Morávamos na Rua São João próximo
a Rua Marechal Deodoro. Aliás as ruas eram todas de terra a Avenida Carlos
Botelho era de terra com pedregulho. O bonde passava na frente da nossa casa, a
linha do bonde era próxima a calçada. Estudei no Grupo Escolar Moraes Barros,
na época eu tinha sete anos, tínhamos mudado para uma casa situada na
ESALQ. Para ir até o Grupo Escolar
Moraes Barros, íamos de bonde, comprávamos passe escolar na prefeitura, quem
vendia os passes chamava-se Mário Moreno, que nas horas vagas era sanfoneiro.
O que levou a família da senhora a residir
nas dependências da ESALQ?
O meu pai era funcionário da
ESALQ, motorista, ele nasceu na ESALQ e trabalhou por 54 anos na ESALQ. Meu avô paterno, Luciano Pinto de Lima, nasceu
em terras pertencentes a ESALQ, ele era do tempo de transportar angu para
escravos na Fazenda Morro Azul para onde tinha ido trabalhar. Mais tarde
trabalhou com aquela antiga carrocinha de lixo, varria a rua e colocava o lixo
na carrocinha conduzida a mão. Já com bastante tempo como funcionário da
prefeitura, minha avó faleceu, ele passou a morar com a minha tia que morava
próxima ao Aviário da ESALQ. O eu pai
nasceu onde hoje é a Colônia do Bananal. Ainda menino o meu pai levava água em
corote para as pessoas que trabalhavam na roça. Quando já tinha idade
apropriada tirou a habilitação como motorista e passou a ser motorista da
ESALQ. Transportava alunos na perua, na caminhonete, naquele tempo havia o
transporte de alunos no mesmo formato como eram transportados os bóias-frias.
Colocavam umas tábuas eles iam sentados. Era uma caminhonete aberta onde meu
pai levava os alunos para aulas na zona rural. Naquele tempo havia uma grande
preocupação com as formigas que existiam em grande quantidade. Lembro-me que
meu pai dizia: “Não fique andando como barboleutas pelo parque”. Ele usava esse
termo mesmo”barboleutas”.
Era o tempo em que havia muita saúva no
Brasil?
Havia muita saúva, elas eram
exterminadas com o uso de máquinas que enchiam os formigueiros e suas
ramificações com a fumaça de carvão em brasa e arsênico. Dr. Mariconi era professor da ESALQ nesse tempo.O
fato do meu pai ter que estar sempre a disposição da ESALQ permitiu que
morássemos nas casas que existiam próprias para funcionários. Ele ficava de
plantão.
Quantos funcionários moravam nas dependências
da ESALQ?
Havia as colônias de casas, a
ESALQ tinha quatro colônias, tinha a colônia da carpintaria, em frente ao atual
restaurante, havia a colônia que meu pai chamava de “pombal”, eram umas casas
ao lado da outra, todas pintadas de branco, essas ficavam próximas ao prédio
principal. Depois tinha a conhecida como “colônia das vacas” por estar próxima
ao gado leiteiro da escola. E tinha a colônia do Bananal, beirando o Rio
Piracicaba. Tinha ainda sete casas no pomar e mais sete casas no campo de
aviação. Os funcionários muitas vezes durante a noite tinham que dar
assistência as criações, como por exemplo, o parto de uma vaca.
Após concluir o Grupo Escolar Moraes Barros a
senhora foi estudar em qual escola?
A minha primeira professora no
Grupo Moraes Barros foi Dona Antonia Martins de Toledo, irmã do diretor José
Martins de Toledo. De lá fui para a Escola Industrial, sou da primeira turma da
Escola Industrial, o diretor era o Sr. Mario Boscolo. Naquele tempo a
denominação correta era Escola Técnica Fernado Febeliano da Costa. O bonde da
Vila Resende saia do lado da catedral, ao chegar próximo a atual Câmara
Municipal havia um desvio na linha, era onde um bonde prosseguia em direção ao
centro e outro em direção à Vila Rezende, até onde hoje existe um posto de
gasolina, no final da Avenida Rui Barbosa. Próximo havia a estação de trem da
Sorocabana que seguia até o Porto João Alfredo, hoje Artemis.
Quantos anos a senhora permaneceu na Escola
Técnica Fernando Febeliano da Costa, a Escola Industrial?
Foram quatro anos em período
integral. Nós almoçávamos na escola. Ensinavam além das matérias regulares
outras como corte e costura, desenho, pintura. entravamos as sete e meia da
manhã e saíamos às cinco horas da tarde. Tinha aulas de ginástica, era matéria
obrigatória. O professor José Vicente Caixeta dava aulas na Escola Industrial.
Tinha uma fanfarra famosa lá?
Naquele tempo chamava-se fanfarra
depois passou a ser chamada de Banda Marcial. Fiz parte da fanfarra, tocava
surdo. O professor Danilo
Sancinetti foi o primeiro a comandar a fanfarra depois veio o professor Henrique
Wolgemuth Miller. Todos os professores eram muito competentes, nós aprendíamos
muito com eles. A maioria eram professores que vinham de outras cidades e
ficavam em pensões em Piracicaba. O uniforme da fanfarra era uma saia preta,
uma blusa branca, gravata, sapato colegial, sendo que na gravata estavam a
iniciais FFC – Fernando Febeliano da Costa. Por uns dois anos joguei basquete
na quadra do XV. Teve um ano que a Escola Industrial fez ginástica rítmica no
antigo campo do XV, o “Roberto Gomes Pedrosa”, na Rua Regente Feijó. Uma aluna
ficava em um tablado, era tocada a música e toda a escola acompanhava os
movimentos rítmicos.
Havia uma
rivalidade muito grande entre o Industrial e o Colégio Dom Bosco para ver quem
tinha a melhor fanfarra?
Havia, mas era mais acirrada no desfile de 7 de Setembro.
Havia um grande entusiasmo popular em ouvir e ver a fanfarra desfilando.
Com que idade a senhora concluiu o curso na Escola
Industrial?
Eu tinha de 15 para 16 anos. Recebemos o diploma na Sociedade Italiana di Mútuo Socorro Aos 18 anos entrei na Décima Terceira
Ciretran, isso no tempo do Dr. Adir da Costa Romano, Zenon Batista Citrângulo.
Janio Quadros era o governador do Estado. A Ciretran era na Rua São José, junto
a delegacia. Isso foi por volta de 1958. Naquela época era tudo feito a
máquina, a carteira de habilitação era feita na máquina de escrever. Fazia aqui
mesmo, não ia para São Paulo. O exame para habilitação era feito por dois peritos
e pelo delegado. Eram exames teóricos e práticos. No Ciretran fiquei uns dois
anos e meio, fui trabalhar na fábrica de cordas do Dr. Virgilio Lopes Fagundes,
a Agave Industrial Limitada, o escritório era na Rua Treze de
Maio, perto do Museu Prudente de Moraes. O contador era o Pedro Natividade. O
Dr. Virgílio tinha uma mangueira no quintal, era dessa manga Tommy. Quando amadurecia, a esposa dele trazia em um
pratinho a manga picadas em pedaços para nós. Era muito atenciosa. A fábrica
ficava em Santa Terezinha, havia muitas mulheres que trabalhavam lá. Permaneci
na Agave uns dois anos e meio. Em 1960 eu casei-me. Tivemos um filho, Alaor
Pinazza Júnior, já falecido.
Após o casamento a senhora parou de
trabalhar fora de casa?
Depois e cinco anos de casada é que
entrei na Prefeitura Municipal. O prefeito era Luciano Guidotti. Fui trabalhar
na Secretaria de Finanças, na Contabilidade. No prédio da Rua São José. Isso
foi em 1966, em 1968 o prefeito Luciano Guidotti faleceu. Era um homem muito serio,
não gostava de funcionário vagabundo. Permaneci na prefeitura de 1966 até 30 de
dezembro de 1992. Quando comecei a trabalhar a prefeitura funcionava ainda na
casa que tinha pertencido ao Barão de Serra Negra, o prédio foi demolido e hoje
é um páteo.
Após a morte de Luciano quem assumiu a
prefeitura?
Foi o vice-prefeito Nélio Ferraz de Arruda. No nosso tempo era
tudo feito com máquinas de somar. A informática entrou quando eu estava saindo.
Um curso que fiz e foi muito útil foi o de datilografia com Dona Rosa Orlando
Canto, a Dona Rosinha, na Rua XV de Novembro quase esquina com a Rua Governador
Pedro de Toledo. Ela não queria alunas de unhas compridas, vinha coma
tesourinha cortando as unhas das alunas. Em cima do teclado da máquina havia
uma tábua, que permitia escrever sem ver as letras. O exame final era a cópia
de um texto, ela ficava com um cronometro marcando o tempo. Fiz o Curso Técnico
em Contabilidade na Escola de Comércio Cristovão Colombo. Trabalhei com Luiz Mattiazzo,
Florivaldo Coelho Prates, Joanin Bouchardet e Antonio Barrichello. Quando estudava
contabilidade na escola do Pedro Zanim e Dona Branca, eram marido e mulher, o
secretário era o Bertoco. Tinha aula de português com o professor Cotrin.
Quando entrei na Escola de Contabilidade, em 1970 tinha 34 anos, eu era a avó
da turma. Com esse jeito, logo essa diferença de idade desapareceu. Sou
considerada e condecorada como “Amigos dos Bombeiros”, uma condecoração da qual
tenho muito orgulho. Recebi das mãos da então prefeita de São Paulo, Luiza
Erundina.
Meu marido e eu fomos até São
Paulo, no Ibirapuera, para receber essa comenda. Teve uma demonstração dos
bombeiros, minha cunhada tinha ido junto, eu estava tão absorta com aqueles
malabarismos dos soldados, tinha alguém batendo no meu ombro, disse-lhe: “ –
Lindinha, pare de bater! Olhe lá que espetáculo!”. Era a prefeita Luiza Erundina
que queria me cumprimentar! Fui funcionária pública e tinha orgulho em poder
servir as pessoas que procuravam o serviço municipal. Por esse desempenho tenho o
reconhecimento da Guarda Civil, do Tiro de Guerra. Nunca fui de estabelecer
dificuldades para estabelecer a importância das minhas funções ou por vaidade
pessoal.
A senhora é
vaidosa?
Eu era muito elegante, até hoje com meus 79 anos sou
vaidosa. Mantenho minha agilidade. Acredito que tem muito a ver com
hereditariedade. . Meu marido é muito calmo, eu já sou mais agitada. Sempre
fui.
A seu ver, de forma geral, o funcionalismo publica mudou?
Mudou! Falta humanidade, solidariedade. Sempre tratei o
contribuinte com muita atenção e em particular os idosos eu sempre fiz o que
foi possível. Alguns secretários tinham um respeito muito profundo por mim,
diria até certo temor. Fiscalizei muitas casas de caridade. Sempre fui muito
rigorosa na análise da documentação, sem, no entanto deixar de usar o bom
senso. Quando encontrava alguma coisa polemica já tomava uma atitude enérgica.
Já ocorreu de em viagens, por descuido, o secretário apresentar as despesas e
incluir algum item que a legislação não admite como despesa. Eu fazia o
secretário restituir a despesa indevida. Quando houve períodos de contenção de
despesa na prefeitura, muitas vezes eu reduzia a quantidade dos itens que eram
requeridos.
A senhora lembra-se do tempo em que o pronto socorro era
na antiga rodoviária?
Lembro-me! Lembro-me também do Pronto Socorro que
funcionou na casa do Pretel, onde hoje é um cartório, na esquina da Rua São
José com a Rua do Rosário. Ali por um período funcionou a prefeitura, o
prefeito era João_Herrmann_Neto. Lá tinha a imagem de Nossa
Senhora Aparecida, eu tinha um carramanchão que dava umas flores azuis, eu
cortava e levava para colocar junto a imagem. O João Hermann dizia: “Já sei! A
Luzia esteve por aqui!”.
A seu
ver, como era o prefeito João Hermann Neto?
Eu gostava
dele, era uma pessoa muito expansiva. Sempre olhou muito pelos funcionários. Em
qualquer lugar ele abraçava, beijava. Eu sou do tempo em que o Tribunal de
Contas vinha para conferir as contas da prefeitura.
Lembro-me da Madalena, que freqüentava sempre a
prefeitura. Dia 27 de setembro ela faz aniversário, nós comprávamos uma champagne e oferecia para ela.
A senhora conheceu a vereadora Ditinha Pinezzi?
Conheci! Era muito extrovertida. Brigava com Luciano
Guidotti. Conheci o seu marido Vicente Pinezzi. Vereador não ganhava salário
nenhum. O prefeito Luciano Guidotti doava seu salário. Elias Sallun trabalhava
com Luciano Guidiotti. Conheci Haldumont Nobre Ferraz, o pai dele era
farmacêutico, quando eu tinha 10 anos de idade o pai do “Tiquinho”, como era
conhecido o Haldumont furou a minha orelha para colocar brincos. O Tiquinho foi
vereador. Trabalhei com João Maffeis Netto. Conheci Jamil Netto, Xilmar
Ulisses. Trabalhei com Lazaro Pinto Sampaio, Hide Maluf.
A senhora lembra-se quando foi criado o SEMAE?
Onde está a Câmara Municipal existia um local que eram
umas casinhas, ali era o SEMAE, depois foi para um local em frente ao Cine
Broadway. Lembro-me de uma funcionária que trabalhava lá, super competente, a
Maria Aida. Na esquina da Rua São José com
a Rua Alferes José Caetano ficava a Funerária do Libório. Na esquina oposta
ficava o Bar da Lola.
As instalações a prefeitura na antiga mansão do Barão de
Serra Negra estavam superadas?
Não tinha mais condições de comportar uma prefeitura,
estava tudo desgastado, só havia dois banheiros para todos os funcionários. Na
parte inferior do prédio funcionava a Cooperativa dos Funcionários Públicos de
Piracicaba. No dia 7 de julho
de 1968 em que Luciano Guidotti faleceu, o páteo da Câmara Municipal ficou com
muitos idosos do Lar dos Velhinhos de Piracicaba, do qual Luciano Guidotti foi
benfeitor por muitos anos. Seu corpo foi velado no prédio da Câmara Municipal.
Lá pelas quatro horas o corpo foi levado a pé até a Catedral de Santo Antonio,
depois é que foi levado em carro aberto do Corpo dos Bombeiros. Foram
necessários dois caminhões basculantes para levar todas as coroas de flores.
A senhora lembra-se da queda do Comurba?
Minha mãe estava em casa. Lazinho Capelari recolheu os
entulhos com o poder de pão com mortadela e café com leite.
A senhora conheceu “Nhô-Lica”?
Conheci, eu estava no grupo escolar. Ele andava com uma capa
preta, recolhia pedras da rua que dizia serem preciosas.
Como era a poesia que a senhora ouviu ainda criança?
O Meton Maranhão tinha um gato chamado Cazuza. O
Zambello,chefe da guarda matou o Cazuza. Naquela época tinha muita raposa, gato
do mato, cobra, meu irmão mandava cobra para o Butantã. Isso há 60 ou70 anos. O
Meton era meio poeta, ele fez uma música: “Zambello chefe da guarda/Só mata
raposa e coruja/Com um tiro da espingarda/ Matou o meu Cazuza”. Eu tinha uns
doze anos nessa época. Sou do tempo em que subíamos a caixa de água da ESALQ
para espantar as corujas. A caixa tem dois andares, lá em cima onde há uma bola
com água dentro e nós chamávamos de bola da água.
Do grupo escolar a senhora lembra-se de algum trecho de
música?
De José Martins de Toledo, Dona Antonia Martins de Toledo.
Nós cantávamos no recreio, de dois em dois para subir, tinha um Cristo na
parede, subíamos a escada cantando: “A escola querida do alegre recreio/ do
mais vivo anseio por muito estudar/ e vós amiguinhos que vós mocidade/ oh
quanta saudade irão nos levar/assim vamos hoje / de flores ou lentes/ de louros
de dentes / a fonte cingir/ jamais esse dia tão cheio de glória/ em nossa
memória irá de porvir/ aplausos e palmas aos mestres zelosos/ aos guias que a
infância conduz/ a eles louvores e nossos afetos” Outra música que me lembro,
sobre o “A” encarnado: “O “A” encarnado da Luiz de Queiroz/ o “A” encarnado
saúda todos nós/ Os universitários de todo interior/ Vieram mostrar sua pujança
e seu valor/Vamos ao esporte/ Vamos com amor/“. Isso ouvi quando era criança,
na época em que foi construído o ginásio da agronomia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário