segunda-feira, dezembro 21, 2015

ALICE DAS DORES DIAS CARMO ( CONTINUAÇÃO DA ENTREVISTA)

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 19 de dezembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: ALICE DAS DORES DIAS CARMO
                                    ( CONTINUAÇÃO DA ENTREVISTA)

Alice das Dores Dias Carmo nasceu a 19 de julho de 1918, tem 97 anos neste ano de 2015. Memória e disposição privilegiada a faz depositaria de parte da história recente. Continuando a narrar fatos da sua vida, transcritos no sábado passado, Da. Alice brinda os leitores com preciosas lembranças, aos que conheceram locais e fatos uma doce lembrança, aos que agora tomam conhecimento um enriquecimento cultural.
De que região de Portugal era a mãe da senhora?
Era de Macedo de Cavaleiros e o meu pai era de Bagueixe. Lá são denominadas aldeias o que no Brasil denominamos de bairros. Quando minha mãe chegou ao Brasil os bondes eram puxados por burros. Logo depois foram colocados os bondes elétricos. O bonde levava 22 minutos para fazer o trajeto. Saia do Largo do Correio. O ponto final era na Rua Formosa. O bonde dava a volta na Avenida São João, passava na porta do Correio, atravessava a Praça da Bandeira, subia a Rua Santo Antonio até a Rua Major Diogo, entrava a esquerda, na próxima rua entrava a direita na Rua São Domingos, na primeira a esquerda era a Rua Conselheiro Ramalho, ia até a esquina da Rua Brigadeiro Luiz Antonio. Lá ele subia dois quarteirões até a Rua Santa Madalena, vinha pela Rua Rui Barbosa, Rua Manoel Dutra, atravessava a Conselheiro Ramalho, entrava a esquerda na Rua Major Diogo, pegava a Rua Santo Antonio e já ia para a cidade outra vez. Às vezes a gente vinha dormindo, dependendo de onde estávamos já sabíamos que rua vinha a seguir.  Havia cinco bondes na Bela Vista. Era tão rápido esse percurso que quando um bonde vinha pela Rua Conselheiro Ramalho, esquina com a Rua Manoel Dutra, o condutor dava sinal para o motorneiro parar o bonde antes de chegar ao próximo ponto porque senão não dava tempo de cobrar. Alguns homens iam do outro lado do bonde para não pagar! 
A senhora tem vontade de voltar para Portugal?
Para passear sim. A casa da minha avó permanece como era antes. Lá as casas são feitas com cantaria, que aqui chamaríamos de pedra.
A senhora estudou no período em que morou em Portugal?
Estudei pouco, eu sempre gostei de ler, ler muito. Eu queria ir para a escola, mas não podia. Meu pai fez um banquinho com três pezinhos chamado tripeça. Fiz amizade com a professora Dona Elisa, eu pegava o meu banquinho embaixo do braço e ia junto com ela. Como não havia carteira escolar sobrando, ela colocava perto da escrivaninha dela. Eu ficava ali com ela. Eu tenho uma colcha de linho que me foi dada pela minha avó. Ela plantou o linho, é uma planta semelhante ao arroz, ela colheu o linho, dá muito trabalho, tem que lavar, esfregar, até que a minha avó fez um fio, usavam uma varinha, na cintura as mulheres usavam como se fosse um saquinho, para dar firmeza à varinha. O linho passa por um processo que fica semelhante a um algodão. Colocava-se um tubinho de fios e movimentava-se de um lado para outro. Aqui, tive uma irmã que com os pés mexia aquele tear. A roupa da casa da minha avó era toda feita em casa. A roupa dos homens, por dentro a capa era forrada com lã de carneiro. Minha mãe aos quarenta anos foi aprender a bordar a máquina. Antigamente vinha para o Brasil muita coisa da Argentina, dentro dos pneus de caminhões, os motoristas traziam e vendiam.
A senhora costura até hoje?
Costuro para mim!
A senhora usa máquina de costura?
Costuro a máquina.
E para colocar a linha na agulha da máquina a senhora aos 97 anos tem alguma dificuldade?
O meu médico Dr. Chakur fez essa mesma pergunta disse-lhe: “-Chamo os bombeiros!”. Às vezes peço ao meu filho, outras vezes pego algo branquinho, um pano ou papel, coloco ao fundo e com a claridade dá para ver perfeitamente o orifício da agulha por onde deve entrar a linha.
A senhora é bem saudável.
 Sou! Aos 92 anos eu fiz duas pontes e safena. Alimento-me bem, como de tudo, não sou de comer prato de trabalhador braçal, não tenho diabetes. De manhã levanto, como um pãozinho com manteiga ou uma fatia de queijo. Uma xícara de café com leite. Não repito. Entre o café da manhã e o almoço eu como uma fruta. Hoje comi duas ameixas vermelhas depois que almocei. Só duas coisas que não gosto: carne seca e dobradinha. Ao termino da refeição como uma fruta, uma fatia de mamão. Eu acho falta de doce e como doce, como uma fatia pequena, pode ser uma fatia de bolo.
A senhora cozinha?
Cozinho! Anteontem fiz bolo e patê de sardinha. Nunca bebi nem fumei. Meu marido fumava meus filhos também passaram a fumar. Em Portugal, todo o mundo tomava vinho tinto, sem que alguém se embriagasse. Lembro-me que na terra da minha mãe, Macedo de Cavaleiros, o que dava era castanha, noz, avelãs. O forte era a castanha.
A senhora acompanhava os movimentos musicais da época?
Tinha uma revista chamada “Carioca” que falava tudo sobre os músicos, as três irmãs: Linda, Dircinha e Odete Batista, sendo que eram estrelas consagradas, e as irmãs Linda e Dircinha faleceram vivendo muito tempo um quadro de extrema penúria. A Linda Batista tinha uma relação de amizade muito forte com Getulio Vargas assim como a vedete Virginia Lane.
A senhora lembra-se da época de Getúlio Vargas?
Lembro-me sim, do que passamos na época da Revolução de 1932. Não havia pão, o pão que comíamos era misturado com farinha de mandioca. Ia a meia-noite para a fila da padaria para pegar um pãozinho. Quando fomos à Portugal o reumatismo manifestou-se em minha mãe, no final do ano em Portugal é muito frio. Dezembro e janeiro eram os mêses em que comiam castanhas. Na casa da minha avó abatiam-se três porcos por ano, eles eram alimentados com castanhas. Primeiro dá a castanha crua, com casca e tudo. Com o passar do tempo eles ficavam enjoados, então se tirava a casca e cozinhava a castanha para dar aos porcos. A carne do porco é muito diferente da que temos aqui no nosso interior onde os porcos geralmente são alimentados inclusive com restos de comida. Na casa da minha avó tinha muitas castanheiras, uma árvore grande, forte, para colher apanha-se da árvore o ouriço, com uma luva, dentro tem duas a três castanhas. Um desses castanheiros caiu pero da casa da minha avó, todos os dias ela regava aquilo lá, dali é que saiam seis ou sete tipos de cogumelos.
E o bacalhau?
O bacalhau é mais encontrado nas cidades. O bacalhau do Porto é tradicional. Quem nasce no Porto chamam-se tripeiros. E quem nasce em Lisboa é conhecido como alfacinha. Porto é do mesmo tipo de São Paulo, trabalhadores, só pensam em trabalhar. E Lisboa é como o Rio de Janeiro, mais o movimento de turistas. Tenho uma prima que ainda tem uma casa em Macedo de Cavaleiros, terra da minha mãe, nos chamamos de “Casa das Avós”, todas as avós saíram dali. Os netos são criados ali. Reúnem-se lá. Esses dias ela me ligou dizendo que tinha adquirido um apartamento no Porto, no bairro chamado Gandra, isto porque no Porto não faz tanto frio como na aldeia. Popularmente, os tamancos têm as designações de socos. Lembro-me de meu pai ter comprado os socos (tamancos), brincarmos com as bolas de neve.
São Paulo teve bondes abertos e fechados, estes pintados de vermelho, que valeu o apelido dado pelo povo de “camarão”. A senhora lembra-se deles?
Lembro-me do bonde aberto. Pagava-se 200 réis! O “Cara Dura” era um tostão, era o bonde dos verdureiros, que tinham grandes hortas na Zona Leste, colocavam as verduras em sacos e vinham lá do fim da Zona Leste até a Penha, ali embarcavam no “Cara Dura” que era um bonde que só carregava verdureiros. Isso me faz lembrar de que os meninos gostavam de andar no “Cara Dura” para economizar. Quando fomos para Portugal não viajamos de primeira classe, mas tomávamos as refeições na primeira classe. Isso porque meu pai era barbeiro, andava com a malinha com as ferramentas necessárias ao ofício, ele subia ao primeiro andar, fazia a barba da tripulação, não cobrava nada. Na volta trazia a comida da primeira classe. Nós estávamos no convés do navio, os moleques lá embaixo, nadando, pedindo dinheiro, frutas. Isso eu vi fazerem, mostravam moedas para eles, iam do outro lado do navio e jogavam as moedas, os moleques iam por baixo do navio e iam pegar a moeda. A moeda demorava em afundar. Mergulhavam e passavam debaixo do casco do navio. Lembro-me de um dia em que veio um temporal muito forte, nós não tínhamos cabine. Antes de viajarmos, meu pai fez duas cadeiras espreguiçadeiras, dessas de praia, muita gente fazia isso, levamos no convés, meu pai e minha mãe iam deitados naquelas cadeiras. O navio mesmo emprestava cobertor para se cobrirem. No dia desse temporal mandaram todo o mundo que estava no convés deitar no chão. A água do mar entrava de um lado do navio e passava para o outro lado. Lembro-me muito bem da força que tem a água em alto mar. Atualmente existem muitos produtos para limpar o chão, na época só tinha a creolina. Um marinheiro jogava a creolina e esfregava, outro jogava a água. Caia em uma canaleta que jogava fora do navio.
A senhora lembra-se de algum fato muito marcante com algum passageiro?
Faleceu uma senhora, viajante, nossa amiga. Hoje há meios de conservar o corpo até a primeira cidade onde possa desembarcar, mas naquela época não havia meios apropriados para a conservação do corpo, eles fabricavam um caixão, de tal forma que entrasse água, na descida do caixão o navio quase parou, desceram com corda, devagarinho, até chegar à água. Colocavam materiais que fizesse o caixão ficar pesado, quando chegou à linha da água o navio apitou. O caixão afundou com o corpo da nossa amiga.
Havia certo conforto no navio?
A primeira vez em que vi um beliche foi no navio.
A senhora lembra-se de letras de músicas famosas?
Lembro-me da letra da musica “A Mulher Que Ficou Na Taça” com Francisco Alves, composição dele e de Orestes Barbosa: Fugindo da nostalgia/Vou procurar alegria/Na ilusão dos cabarés/Sinto beijos no meu rosto/E bebo por meu desgosto/Relembrando o que tu és/E quando bebendo espio/Uma taça que esvazio/Vejo uma visão qualquer/Não distingo bem o vulto/Mas deve ser do meu culto/O vulto dessa mulher.../Quanto mais ponho bebida/Mais a sombra colorida/Aparece ao meu olhar/Aumentando o sofrimento 
No cristal em que, sedento/Quero a paixão sufocar/E no anseio da desgraça/Encho mais a minha taça/Para afogar a visão/Quanto mais bebida eu ponho/Mais cresce a mulher no
sonho/Na taça, e no coração.
Como é bonita essa música, outro dia estava me lembrando. A melodia era linda, a letra. A gente acha que antigamente as letras tinham nexo. Gostava muito das musicas do Carlos Galhardo, musica que foi tocada quando casei. Onde hoje é chamada de Praça da Bandeira era chamado de Largo do Piques, ali enchia de água que era uma beleza!
Não existia ainda o túnel popularmente chamado de “Buraco do Adhemar”?
Isso veio depois de muitos anos. Na Avenida São João havia os corsos no carnaval. Como era bonito! A força do corso era na Avenida Celso Garcia, onde nós morávamos. 
Os carros enchiam tanto as rodas de serpentina que eles encostavam-se a uma travessa qualquer, para tirar, já tinha gente com sacos para pegar e vender o papel para reciclagem. Os carros eram quase todos de capota abaixada, o pessoal ia sentado na capota, iluminavam, era bonito! Meu pai tinha casa de móveis na Avenida Celso Garcia, aquele pessoal que morava nas ruas transversais onde não havia o corso ia até a minha casa, onde meu pai colocava uma tábua encostada na parede, para os amigos sentarem ali e ficarem assistindo o carnaval.
A família mudou-se para a Bela Vista?
Nós morávamos ao lado da Vila Pirani, próximo ao Pastifício João Caruso. Nós morávamos na Rua Rocha, eu estava no terraço costurando, três pontos de ônibus adiante já era a Praça da Bandeira. A cada pouco voava um papel meio queimado. Estranhei aquilo. A cada cinco minutos escutava a sirene de uma ambulância. Ali era a passagem das ambulâncias para a Rua Itapeva, Rua Pamplona. Fui até o quintal e vi o vento trazendo muito papel queimado. Fui até a frente de casa, a molecada toda correndo, fomos até a Avenida Nove de Julho. Ali dava aflição! Eu vi aquele pessoal lá em cima, no Edifício Joelma, nós embaixo gritávamos: Não! Não! Que não se jogassem. Eles se jogavam sim. Helicópteros pousavam em cima da Câmara Municipal de São Paulo, resgatavam a s pessoas e levavam para os hospitais.
Um parente da senhora destacou-se pela força física?
Meu avô, pai da minha mãe, levantava um sino de 25 arrobas, cada arroba tem 15 quilos, isso em Portugal. Na localidade já tinham feito uma igreja, iam colocar o sino, lá havia feiras uma vez por mês, e o sino exposto. Todos admirando –o. Meu avô suspendeu o sino por três vezes. Quando ele vinha do campo com o carro de boi carregando lenha ou mantimento, se por acaso entrasse uma roda em um buraco qualquer, ele com o ombro levantava o carro. Minha mãe mesmo era grandona, não eram gordos, mas eram fortes. Tanto que quando minha mãe casou o padre deu a aliança para minha mãe colocar no dedo do meu pai. Ele disse ao padre: “- Essa aliança não é minha, a minha é a pequena!”. Quando voltamos à Portugal levamos um gramofone.
A senhora lembra-se da Gazeta?     
Inicialmente ela ficava próxima a Rua Brigadeiro Tobias, depois que ela foi para a Avenida Paulista, ali ela tinha uma sirene que ao meio dia tocava, todos sabiam que horas eram. Nessa época eu morava na Rua Rocha. Quando mudamos a Rua Rocha era barro. Pegado onde era o Edifício Joelma, na Rua Santo Antonio, teve um crime pavoroso. Um dentista assassinou duas irmãs, a mãe e depois pôs fim a própria vida. Eu tinha uma amiga que trabalhava na Praça Patriarca na loja “A Exposição”, após o crime ter ocorrido, foi em uma manicure que passou a funcionar na casa. Ela disse-me: “– Alice, eu estava esperando para ser atendida, lembrei-me do crime que havia ocorrido ali, levantei-me e fui embora”. Lembro-me que na esquina da Avenida São João, em frente ao correio, havia um sinaleiro, ali ficava um guarda debaixo daquele sol de arrebentar, a cada duas horas era substituído, com uma manivela movimentavam o semáforo, dirigindo o trânsito.
Em 1954 foi comemorado o Quarto Centenário de São Paulo, a senhora lembra-se?
Foi uma festa linda! A famosa chuva de prata! (Ao cair da noite do dia 10 de julho de 1954, ocorreu a tão comentada “chuva de prata”, A idéia era jogar triângulos prateados ao povo.) Vieram os fuzileiros navais do Rio de Janeiro, tocando e cantando, nós ficávamos na boca do túnel da Avenida Nove de Julho assistindo. Era muito bonito. Eu gostava de ver as apresentações de fanfarras em 7 de setembro no Vale do Anhangabaú. Lembro-me que meu pai me levava para ver a chegada de navios em Santos. Quando chegou o navio  português “Santa Maria”, ele vinha vindo a noite, parecia uma cidade! Era lindo! Conheci o navio português “Serpa Pinto”. 

sábado, dezembro 05, 2015

ANTONIO CARLOS DA COSTA (CAIO)



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 05 de dezembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 




ENTREVISTADO: ANTONIO CARLOS DA COSTA (CAIO)
Antonio Carlos da Costa, mais conhecido como Caio, nasceu em Piracicaba, no Bairro Alto, próximo ao Grupo Escolar Dr. Alfredo Cardoso a 5 de novembro de 1954. Filho de Epaminondas Gomes da Costa e Waldete Maria de Jesus que tiveram ainda as filhas Isabel Aparecida da Costa e Sonia Regina da Costa. Antonio Carlos da Costa é Terapeuta Xamânico e Psicoterapeuta Reencarnacionista.
Seus primeiros anos de estudo foram em que escola?
Estudei no Grupo Escolar Dr. Alfredo Cardoso, a seguir fui para o Colégio Dom Bosco onde estudei o ginásio e o colégio.
Seu pai tinha qual atividade?
Ele era comerciante, tinha uma loja de móveis.
Você começou a trabalhar com que idade?
Aos nove anos comecei a trabalhar em uma oficina mecânica, varria o chão, lavava peças. Essa oficina situava-se a Rua Silva Jardim próxima a Avenida Independência.
Essa experiência, embora ainda muito jovem, trouxe algum benefício?
Acabei ganhando uma formação, criei uma visão da vida, adquiri o senso de responsabilidade. Foi muito importante, já naquela época me sentia constrangido em pedir dinheiro ao meu pai.
Como você arrumou esse serviço?
Eu disse à minha mãe que eu queria trabalhar. Minha mãe falou com uma amiga dela, cujo filho tinha uma oficina, como ele estava precisando de ajuda, contratou-me.
Quanto tempo você permaneceu trabalhando na oficina?
Uns dois anos. Era próxima a minha casa, ia a pé. Nessa época eu morava na Rua Manoel Ferraz de Arruda Campos, próximo a Santa Casa. Estudava de manhã e a tarde ia trabalhar. Quando sai da oficina fui trabalhar com o meu pai. Após algum tempo fui trabalhar em uma marcenaria na Travessa Almeida Júnior, no Bairro do Saibreiro, atualmente com o nome mais refinado de Nova América ou Jardim Elite. A fábrica ficava situada lá e a loja era na Rua Moraes Barros, era a Indústria de Moveis Estofados Monflex Ltda. eram móveis muito bem conceituados. Eu trabalhava na parte de produção, era um trabalho gostoso, divertido para mim. Eram móveis desmontáveis, eu conhecia todo o processo, Sempre estava com o patrão quando ia entregar os móveis, porque eu sabia desmontar e montar os móveis. Permaneci nessa empresa por uns anos. Decidi estudar durante o dia e o único lugar que tinha emprego a noite era a Fábrica Boyes. Por um período trabalhei lá. Quando entrei me colocaram na área da confecção dos tecidos, era muito barulho. Fui então trabalhar na “Sala do Pano”, que era uma sala silenciosa, onde era feita a inspeção de qualidade do que era produzido na fábrica. De lá eu fui para a Itelpa-Telas Metálicas, na época era uma grande empresa, tinha um dos melhores salários de Piracicaba. Da Itelpa prestei concurso na CPFL- Companhia Paulista de Força e Luz, passei e lá trabalhei uns 14 anos. Comecei como praticante de eletricista.
O que faz um praticante de eletricista?
Ele vai aprender tudo sobre eletricidade, sobre rede elétrica.
Trabalhava com alta tensão também?
Não. No setor de alta tensão tinha um grupo específico que se chama Linha Viva. Meu trabalho era na linha de 220 volts, que é a distribuição. Na época o prédio da CPFL ficava na Praça José Bonifácio, embora a CPFL tenha mudado de local o prédio existe até hoje. Anteriormente o páteo havia sido a garagem dos bondes. Com o tempo fui para a parte administrativa. Sai de lá por volta de 1990 ou 1991.
Na época o que havia de lazer?
Era o cinema, bailinhos. Um amigo que estudava Educação Física precisava formar um grupo de dança, convidou um pessoal do grupo de capoeira, inclusive eu. Na época não se conseguia bailarinos, há um preconceito com relação à dança, bailados. Isso foi na época da discoteca. Foi uma grande época também para o jazz, formamos um grupo de jazz com umas quarenta pessoas, homens e mulheres.
Você já tinha dançado jazz?
Nada! Aprendi, gostei tanto da dança que até hoje faço balé clássico, estou com 61 anos e ainda pratico o balé. Hoje faço mais para a manutenção do corpo mesmo. Todo ano participamos de apresentações de final de ano. Apresentamos alguns trechos do “Lago dos Cisnes” e da “Paquitas” que são balés clássicos. Selecionamos as partes onde se trabalha mais com o corpo de baile. Danço alguns trechos do “Lago dos Cisnes” interpreto o “Bruxo”, na verdade estou mais como ensaísta do que como bailarino.
Esse preconceito que existe com relação ao bailarino é uma característica local?
Ele é mundial. Esse preconceito existe na Rússia, Alemanha, Inglaterra, embora o europeu seja mais flexível, mais cultural. O que existe lá é um respeito e uma valorização pela arte.
O balé impõe uma disciplina extrema?
O balé é pura disciplina! Se não tiver disciplina, não dança. Ele é totalmente anti-anatômico. Temos que fazer coisas que a nossa anatomia por educação e cultura não faz. Por exemplo, andamos com os pés para frente, no balé eles ficam abertos, en dehors. Este é um dos passos essenciais no balé significa para fora, manter os calcanhares virados para fora. O movimento da perna é feito em direção circular da frente para trás. A linguagem do balé é em francês. Isso exige uma disciplina sem limites, é o que vai dar condicionamento e a força para você poder realizar os passos do balé clássico: muita abertura, muita sustentação de perna, muita postura.
Há alguma alimentação especial para quem dança o balé?
Não existe uma alimentação especial, apenas exige que você esteja bem nutrido, saudável. Procura-se nutrir bem, usar o carboidrato para ter certa massa, só que não pode ter muita massa, o bailado é estética, exige um corpo fino, forte. Hoje o fitness (palavra de origem inglesa e significa "estar em boa forma física") criou uma indústria em cima disso.
Nesse período em que você trabalhava na CPFL você investiu em uma nova profissão?
Fiz o curso de cabeleireiro, na época a escola mais famosa era a do Calazans. Eu queria ser independente, não queria mais trabalhar para ninguém. Abri o meu próprio salão. Nessa atividade descobri que o salão de cabeleireiro é também como um consultório de psicologia. É um local onde ouvimos muito. Percebi que para poder interagir com as pessoas tinha que ter um pouco desse conhecimento. A pessoa vem em sua frente e “abre o livro” e daí? O que eu digo? Comecei a me interessar mais pela questão humana, pela psicologia. Na época conheci a Teosofia. Sempre tive afinidade com as questões espirituais. A própria palavra Teo que significa Deus e Sofia significa conhecimento, portanto o termo significa conhecimento sobre Deus. A Teosofia está embasada nos antigos conhecimentos mais ocultos que vem caminhando com o homem, as tradições. Ela tem quatro pilares: artes, ciências, filosofia e religião. É muito ampla, olha para o homem como um todo: espírito, mente e emoção. Corpo energético, bactéria e história. Aprofundei-me bastante em Teosofia, fui um dos co-fundadores da Loja Teosófica de Piracicaba.
Existe uma Loja Teosófica em Piracicaba?
Existe. É freqüentada por intelectuais, estudiosos, que se interessam teosoficamente pela espiritualidade. Exige muita literatura, muita pesquisa.
Qual foi sua próxima iniciativa?
Acabei por me ver com conhecimentos acumulados, passei a dar palestras. Evoluiu para cursos de auto-ajuda. Senti que tinha que formalizar meus conhecimentos, fiz Psicoterapia Reencarnacionista em São Paulo, no Instituto de Pesquisas e Projeções Astrais. Fiz Humaniversidade, Técnicas de Regressão à Vidas Passadas,  Hipnose Ericksoniana, Terapêutica Xamânica.
Hipnose é um processo bastante delicado?
Na linha do pensamento Ericksoniano existe aquilo que chamamos de indução. Da maneira correta você pode induzir as pessoas a fazer coisas. Mudar uma forma de pensar, uma forma de agir, conscientemente. Tem pessoas que fazem desenvolvimento mental para magneticamente controlar a mente.
Você trabalha com o processo de regressão, qual é a técnica que você utiliza?
É a técnica de indução com a aquiescência da pessoa. A regressão dá recursos de você mesmo constatar a sua história e entender o processo de hoje. Dei muitas palestras em Piracicaba, fiz muitos cursos de auto-ajuda.
O que é Terapeuta Xamânico?
Xamã é aquele que encontrou Deus através da natureza. A origem é na Sibéria. Você se harmoniza com a natureza, volta a sua forma natural é onde o seu espírito, mente, emoção e matéria se reorganizam e você se harmoniza. 
Quem é Deus?
Existe a referência religiosa de Deus. Deus é a expressão maior do ser e da vida. Está no tudo e no todo. É uma energia consciente e auto-suficiente. Tudo é porque existe Deus, tudo é por Ele e através Dele. Tudo está no controle Dele. O homem está na situação que está por ter perdido a ligação com Deus. O homem começou a se achar no controle do poder. A humanidade está nesse sofrimento todo por causa dessa desconexão e falta de consciência de quem Ele é.
A humanidade foi empurrada para essa situação por causa de um materialismo exacerbado ou a humanidade nunca teve plena consciência do seu significado?
A humanidade sempre está no controle do poder. Todos dependem do poder. Depender do poder é uma coisa, deixar se manipular é outra. Essa desconexão com o sagrado perdeu a consciência de auto-poder e se entregou ao poder seja lá de quem for.
Essa é uma forma extremamente revolucionária de pensar?

Na verdade, estamos aqui de passagem, não somos daqui. O nosso futuro será exatamente aquele que decidirmos que vai ser. O planeta é uma escola de provação e expiação dos seus próprios limites. Só que nos identificamos com isso aqui, se compromete, envolve, prende-se nessa roda de karmas. Deus ao mesmo tempo em que é um grande arquiteto é um grande brincalhão. Existe um termo budista, “Leela” que diz que tudo isso aqui é uma grande brincadeira! Temos que perceber que estamos fazendo parte de uma brincadeira! O Xamanismo na realidade é o inicio das religiões. O homem primitivo em sua busca por alimentos observava como os animais se alimentavam. Se era bom para o animal, era bom para eles, o homem primitivo passou a pegar ervas e plantas e começou a perceber que cada tipo de planta provocava uma reação. Através da observação ele viu que cada planta tinha suas propriedades particulares. E suas reações. Além do ato de alimentar. O que essas plantas que tem o principio ativo sagrado fazem? Elas remetem aos reinos internos, ocultos. Existe a verdade, não existe evolução, que no sentido amplo da palavra significa envolver-se, nós temos que nos envolvermos com o ser, acontece que todo mundo está envolvido com o ter.


Isso significa que a Revolução Industrial trouxe mais do que conforto para a humanidade?

 Trouxe uma prisão! O homem se aprisionou na construção do poder ter.
Uma pessoa que tenha alguma doença crônica através do autoconhecimento pode alterar o seu quadro?
Com certeza! Cada um tem a sua formação, os seus conceitos, idéias e valores éticos, moral. Só que vivemos em um universo em que somos muito cobrados. Quem eu atendo? Eu ou não eu? A grande maioria, para poder conviver passa a se negar, chegando ao ponto de se auto-abandonar. Para atender todo um processo de harmonia de relações. Nesse processo de autonegação, auto-abandono, você irá provocar um processo físico, químico, que irá provocar a sua desarmonia. Todo mundo esquece que a pessoa mais importante da vida é ele mesmo! Existe o egoísmo e existe a consciência de estar e ser. A nossa vocação é deformada pelos interesses do poder vigente. Temos que nos lembrarmos que a pessoa mais importante da nossa vida somos nós mesmos. Eu tenho que me tratar muito bem e estar bem para que eu possa fazer tudo da melhor forma possível. Se eu não estou bem irei sentir o reflexo no meu interior. Todo mundo se esquece desse importante detalhe.
A sua formação foi feita em diversos cursos realizados em São Paulo?
Fiz muitos cursos voltados à minha formação em Biopsicometafísica. Hoje a medicina está considerando como uma área complementar da medicina. A própria Universidade de São Paulo – USP, já divulgou que a imposição da energia das mãos realiza curas.
Você é um dos responsáveis pela vinda do Pajé Tlaka da Tribo Fulni-Ô a Piracicaba?
Através de uma série de acontecimentos acabei tendo contato com esse pajé. Temos mantido contato já há algum tempo, ele pertence a uma tribo situada em Pernambuco. Ele vai ficar dois dias em Piracicaba, para falar sobre a cultura indígena, a parte da cura, do sagrado, como é. Esse evento será no Hangar Céu Azul, no Aeroporto. O inicio do evento será dia 12 de dezembro de 2015, sábado, ás 9:00 horas da manhã e vai até o domingo as 18:00 horas, a pessoa irá pernoitar lá. O Ritual da Jurema Sagrada é na noite do sábado para o domingo. É aberto a homens e mulheres que estejam voltados para a cultura espiritualista ligada a Mãe Natureza,um publico que busca o conhecimento do ser.  A alimentação será a base de frutas. Para dormir cada um irá levar o seu colchonete ou o que achar adequado. Tem infra estrutura para higiene pessoal, banheiros com chuveiros.
Haverá algum tipo de separação por grupos?
Partimos do principio de que todos que estão ali estarão voltados para o sagrado, iniciamos com uma meditação para elevar a energia, fazer uma preparação.
Se alguém estiver impedido de ingerir a Jurema ela pode participar?
A pessoa pode ir, participar das palestras, não irá participar do Ritual da Jurema onde ele vê a sua própria história. Depende de cada um, como ele se permitir a participar do processo. 
Há um aspecto comercial praticado por algumas pessoas que se dizem realizar a regressão e onde o paciente ao retornar a vidas passadas ele sempre foi alguém importante, dificilmente irá escutar que foi um serviçal.
A realidade não é essa. Quando você entra em um processo de regressão isso tudo vai por terra. Na verdade cada um tem sua própria história.
Quando é feita a regressão a pessoa fica consciente ou inconsciente?
A pessoa permanece consciente. Escolhi esse método para respeitar o paciente. Assim como o paciente pode interromper o processo no momento em que desejar.
Qual é o tempo determinado para que o paciente entre em regressão?
Cada indivíduo tem uma característica. Há os que assim que chegam, deitam-se na mesa e já iniciam a regressão. Outros exigem uma preparação maior. Assim como há pacientes que não se permitem, não se soltam e não conseguem entrar no processo de regressão.
Qual é o benefício que a regressão traz?
É a constatação, a tomada de consciência.
Toda doença é gerada pelo próprio individuo?
A origem da doença está no próprio indivíduo, há o fator da herança genética, através da psicossomática pode fazer um tratamento.
Você é um Xamã?
Hoje sou um Xamã.


FRANCISCO AJUDARTE LOPES ( LELO)



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de novembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO:FRANCISCO AJUDARTE LOPES ( LELO)
Francisco Ajudarte Lopes é mais conhecido como Lelo, um apelido que recebeu ainda na infância. Nascido a 16 de fevereiro de 1948,em Piracicaba, filho de Antonio Ajudarte Lopes e Maria Encarnação Baiestero, são brasileiros de ascendência espanhola. Tiveram oito filhos: João, Pedro, Antonio, José, Benedito, Terezinha, Francisco e Domingos. Seu pai trabalhava na lavoura no bairro rural Pau Queimado. Plantava cebola, alho, vassoura. Francisco Ajudarte Lopes casou-se em 1994 na Igreja dos Frades, dessa união nasceu seu filho Francisco Ajudarte Lopes Junior. Acometido de deficiência visual total, em decorrência da diabetes, Lelo é uma pessoa de bem com a vida, muito estimado por todos que o conhece, tem como fiel companheiro o seu rádio. Ouve televisão, mas dá preferência ao rádio.
Quando sua família mudou-se para a cidade qual era a sua idade?
Eu deveria ter uns três a quatro anos. Moramos inicialmente na Rua Baroneza de Rezende, travessa da Avenida Madre Maria Teodora, depois fomos para a Rua Botucatu, em seguida fomos morar na Avenida Edgar Conceição, entre as Ruas Santos e Rua Campinas, em uma casa onde mais tarde foi construído nos fundos um boche, conhecido como “Boche do Espanhol”, nós moramos na casa que mais tarde veio a ser a residência desse espanhol, dono do boche. Em seguida fomos residir na Rua da Palma, em uma casa aonde mais tarde vieram a residir a família da Maria José, casada com Zico Detoni, fundadores da Loja Detoni. Um dos rapazes, o Paulo, irmão da Mazé (Maria José), na época foi cadete da Academia de Agulhas Negras, seguindo a carreira militar com grande êxito. Mudamos novamente, para a Rua Conselheiro Costa Pinto. Em seguida fomos residir próximo ao barracão da MAUSA, no bairro Higienópolis.
Quando vocês foram residir no bairro Higienópolis não havia ainda a Avenida 31 de Março?
Era tudo chão de terra, tempo da nascente Olho da Nhá Rita, íamos pegar guaruzinho no Ribeirão Itapeva. Passávamos pela linha do trem, por cima do pontilhão. Lembro-me da Bica do Morlet, que ficava junto a linha do trem.
Naquele tempo era comum existir na Paulista água de poço?
Era comum a água de poço no bairro da Paulista. Enchia o reservatório de água usando uma bomba no poço e uma mangueira. As ruas eram todas de terra.
Você estudou em qual escola?
Estudei até o quarto ano primário no Grupo Escolar Dr. João Conceição, na Rua Alferes José Caetano, ao lado da Igreja dos Frades. Era escola mista. Entravamos em fila. Em 1959 conclui o quarto ano. Lembro-me que na Rua São Francisco de Assis, esquina com a Rua Alferes José Caetano, havia um prédio pequeno antes de construírem o prédio de vários andares onde funciona a Assistência Social Mariana. Em frente a Igreja dos Frades existe uma praça, do lado esquerdo há um salão onde eram projetados filmes. Fui cordigero. Uma vez por mês tinha uma procissão que dava a volta no quarteirão. Tinha a procissão de Santo Antonio, a banda ia tocando. Cheguei a conhecer Frei Liberato, Frei Crispin. Ao lado da Igreja dos Frades,havia um local onde eram realizadas as quermesses. Havia o campo dos cordigeros, a trave ficava próxima ao muro da Rua Alferes José Caetano. Havia um bambuzeiro no fundo. Na Avenida Dr. João Conceição existia a Madeireira do Galesi, que pegou fogo.  O Morro do Enxofre (Atual Avenida Madre Maria Teodora) era terra, demorou em asfaltarem. Ali subiam os caminhões carregados de cana-de-açúcar, a molecada fazia uma festa. Onde hoje é a Avenida Nove de Julho também subiam caminhões carregados com cana. Subia pelo campo do Jaraguá Futebol Clube, passavam pela casa do Lovadini, lembro-me bem de um Ford 1946 que sempre fazia esse caminho. De vez em quando o motorista parava e saia correndo atrás da criançada, mas não conseguia pegá-los. Ele voltava ao caminhão. Para sair era difícil. Nós corríamos atrás do caminhão, chegávamos até a subir sobre a carga para tirar feixes de cana. Era fácil tirar a cana, ela escorregava, nós íamos tirando e jogando, quando o caminhão chegava à Rua da Palma nós descíamos do caminhão e íamos coletando as canas. Lembro-me dos irmãos Alcides, Hélio e José Saipp. A família Saipp até hoje é proprietária da tradicional Casa dos Presentes, na Rua do Rosário, entre a Avenida Dr. Edgar Conceição e Avenida do Café. O Hélio Saipp iniciou suas atividades comerciais com uma casa de ferragens na Rua do Rosário esquina com a Avenida Edgard Conceição. Na esquina oposta havia a beneficiadora de arroz de propriedade de Augusto Grella e João Sabino Barbosa. Na esquina da Rua do Rosário com a Avenida do Café havia o armazém do Gasparotti, atravessando a rua havia o moinho de fubá e beneficiamento de arroz, era de propriedade de Ernesto e Antonio Grella. Onde hoje é a Loja do Italiano era um comércio de propriedade do Vecchini que faleceu de forma trágica sob as rodas de um caminhão. Na esquina da Avenida do Café com a Rua do Rosário existia o açougue do Rubens Zillio, pais do Tite, da Rosinha, Valmir e um filho mais novo. Na Paulista tinha tanta figura! Lembro-me do Geep, dono de um bar, fabricava sorvetes. Na esquina da Avenida Dona Jane Conceição, esquina com a Rua do Rosário, havia um terreno, onde mais tarde foi a Angemar, hoje é uma série de lojas. Naquele local era colocado o pau de sebo com o Judas na ponta. Era uma tradição no bairro. Era também onde se armavam os circos e parques que vinham para o bairro.  Na esquina oposta, onde hoje é a farmácia Drogal havia o Bar Serenata, de propriedade de Miguel Fernandes. Antes o bar dele era no sobrado que fica em frente a Estação da Paulista, existe até hoje, é uma escola de inglês.Uma quadra abaixo na esquina da Rua Boa Morte com Rua Joaquim André havia o Hotel Paulista. O Miguel havia sido motorista de jardineira. Entre as figuras folclóricas do bairro, havia o mecânico Miltinho Novello. Ele teve um acidente, perdeu quatro dedos de uma das mãos. Havia um japonês que tinha uma quitanda onde atualmente é a Padaria Takaki. Era muito cuidadoso com o produtos que vendia, tinham que ter uma excelente qualidade. O Miltinho colocou a mão que tinha os dedos amputados sobre um mamão e disse ao proprietário: “ Eh Seu João! Este mamão está podre!”. O japonês ficou muito bravo com ele, imaginou que o mesmo havia enfiado os dedos dentro do mamão. Foi quando o Miltinho mostrou-lhe a mão sem os dedos, acompanhado de uma sonora gargalhada. O Miltinho era um tremendo brincalhão. Na Rua do Rosário, quase em frente a atual Original Calçados, havia a Farmácia Nossa Senhora da Penha. O proprietário era Miguel Victória Sobrinho, que tinha um pequeno problema de audição. Era um homem alto, magro, ágil. O Miltinho arrumou uma boneca grande, do tamanho de um bebê. Vestiu a boneca, colocou um xale na mesma, tinha todas as características de um recém-nascido. O Miltinho disse ao farmacêutico: “Miguel! Miguel! A criança está com febre!”. A princípio pelo tom de voz de Miltinho, falando baixo, o farmacêutico estava tentando entender o que se passava com a criança. Aproximou-se da mesma para poder vê-la melhor. Miltinho propositalmente soltou a boneca dos braços. Em um salto olímpico Miguel tentou segurar a “criança” que foi ao chão. Desesperado, achou que a “criança” poderia sofrer danos irreversíveis. Miltinho ria a não poder mais da cena inusitada. São fatos que os moradores mais antigos do bairro até hoje lembram.
Com que idade você começou a trabalhar?
Comecei a trabalhar em 1960, aos doze anos. Trabalhei um pouquinho também na fábrica de doces do Natalin Stenico. Lembro-me dele, dos seus irmãos: Aurélio, Agapito, Sabino. Lá eu fazia doces como paçoquinha, pé-de-moleque, doce de leite, fazia umas chupetinhas de açúcar, O Natalin inventou e fez uma máquina de descascar amendoim, era um rolete com aqueles pregos de prender arame, jogava o amendoim em casca e ia girando uma manivela. A casca ia quebrando, depois passava em uma peneira. Para moer o amendoim e fazer paçoquinha era socado no pilão. Mais tarde é que apareceu uma maquininha de moer. Eles faziam muitos tipos de doces, um deles eram as “velas” de doce. Toda colorida. Dali fui trabalhar em um armazém em frente ao Colégio Assunção, ao lado do Bazar do Tola, era uma espécie de filial da Casa Munhoz. Ali fiquei uns três meses. Na Avenida Dr. Paulo de Moraes, em frente a casa onde morou o advogado Dr. Jacob Dhiel Neto, havia uma enorme bebedouro de água, próprio para cavalos, com um cano curvo jorrando água continuamente. Havia um furo na parte superior desse cano, de tal forma que se tampando com a mão a saída da água pelo cano a mesma saia pelo furo, permitindo que as pessoas matassem sua sede. Ao lado passava o bonde. Nós esperávamos o bonde passar, apertavamos a ponta do cano e a água saia pelo furo molhando os passageiros. Fazíamos isso e saiamos correndo. Coisas de moleque. A criançada passava pelo pontilhão do trem sobre a Rua Benjamin Constant, bem mais na frente havia outro pontilhão, perto da hoje Avenida 31 de Março, embaixo passava a Estrada de Ferro Sorocabana.
Você andou muito de bonde?
Andei muito! Andava no estribo, subia ali próximo a Igreja dos Frades, quando chegava próximo ao centro pulava do bonde. Tive um tio, o Zuza Morato que trabalhava no bonde. Era vizinho do Neco Cardoso, pedreiro famoso.
Após o armazém você foi trabalhar com o que?
Fui trabalhar em uma serralheria de propriedade de Alfredo Matiussi e Rodolfo Hoff. Isso foi em 1960. Lembro-me que o primeiro serviço que eu fiz foi um vitrô pequeno. Com o tempo fui aprendendo. Quando ia soldar usava a mascara de proteção. Naquela época não havia a policorte, cortava com um tesourão, eu mesmo ia cortar um ferro redondo de 5 e 1/8 nem conseguia balançar. Tinha que fazer muita força.
Em que local ficava a serralheria?
Onde hoje existe a Casa de Calçados Annabella, o Hélio Saipp tinha a oficina, ele vendeu para o Hoff e para o Alfredinho, dividiu o prédio pela metade e montou a casa de ferragens em uma das metades do prédio. Posteriormente essa oficina mudou para o Aliberti, na esquina da Rua do Rosário com a Avenida Madre Maria Teodora. Ali era o armazém do Silvio e do Domingos Aliberti, tinha um boche. Eles pararam com o boche, acertaram o piso e alugaram para o Alfredinho.
Ao lado havia uma sorveteria?
Era o Bar da China. O proprietário era o Seu Zico. Era o melhor sorvete da Paulista, em muitos lugares da cidade não achava um sorvete como aquele. O sorvete de coco branco era feito com leite.
Trabalhei em serralheria com o Jacob Forti e o outro parceiro dele, o Romanini. O Antonio Forti trabalhava na ESALQ, era irmão do Jacob.A sobrinha do Jacob casou-se com o Nazareno Filizolla, mais conhecido como “Sonrisal”.  Lá fiquei de 1967 até 1974, de lá fui trabalhar com Antonio Capputo, conhecido como “Italiano”. O Alfredo Matiussi era meio sócio. O Italiano fazia peças mais elaboradas, tudo martelado, eram peças artísticas. Permaneci por uns quatro ou cinco anos trabalhando lá. Voltei a trabalhar com o Jacob que tinha mudado para o bairro Caxambu. Sai de lá e fui trabalhar com o filho do Augusto Grella, o José Augusto Grella.   
O ramo de serralheria mudou?
Hoje está mais pesada, antigamente faziam grades baixas. Hoje fazem portões enormes, basculantes. Há mais ferramentas, quem tiver a prensa faz muitos tipos de serviço, uma porta de aço, por exemplo, basta levar a medida que fornecem tudo cortado.
Dentro da sua realidade, quando teve a noticia da deficiência visual total, foi um choque muito intenso?
Foi tudo muito rápido. No inicio encarei com muita coragem, depois que a poeira abaixou, senti bem. Busquei todos os recursos possíveis, aqui e em outras cidades. Quando recebi a noticia de que a minha doença era irreversível já fazia algum tempo que não enxergava mais nada.
Você conseguiu ter forças para superar?
Não tive nenhuma reação de revolta. É obvio que gostaria de voltar a enxergar.
Em algum momento você pensou em alguma medida extrema?
Jamais isso passou pela minha cabeça. Continuei a ser a mesma pessoa que sempre fui. Tive muito apoio da minha família.
Você sonha quando dorme?
Sonho! E geralmente comigo mesmo trabalhando na oficina! Tem tanta coisa boa para sonhar eu só sonho com serralheria!
Você era bom de futebol?
Não! Quando jogava no juvenil era meio-esquerda. O uniforme do Jaraguá Futebol Clube era verde e branco. Nosso maior adversário era o Atlético da Vila Rezende. O Palmeirinha era um time bom também. O Náutico. Tinha time bom, a bola era de capotão, um peso danado. Meu pai não deixou fazer duas coisas: subir em pau de sebo para tirar o Judas e nem deixou que eu engraxasse sapatos, mesmo eu tendo feito uma caixa.
Você conheceu a família Canale?
O João Canele era meu padrinho de batismo.
Você freqüentou  Cine Paulistinha, situado na Rua Benjamin Constant, aonde hoje funciona a Freio Tec?
Quantas vezes fui ao Paulistinha! Teve um dia que passou o filme “Marcelino Pão e Vinho”, teve uma hora em que o barco pegava fogo, nesse exato momento, o aviso de saída de emergência do cinema deu um curto circuito, foi uma correria naquele cinema! Do lado do Cine Broadway havia uma casa, na esquina, nós abríamos o portão e pulávamos o muro saindo no banheiro do cinema. Entrava no cinema sem pagar ingresso.
Você conheceu a Padaria Cruzeiro na Avenida Dr.Paulo de Moraes?
Quando morei no bairro Higienópolis continuava a sair com a minha turminha da Praça Takaki. Ia para o centro, para o cinema, depois voltava, eu ia para casa sozinho, para ir até o bairro Higienópolis atravessava o pontilhão. Passava na Padaria Cruzeiro, comprava uma bengala, duas bengalas e ia comendo. A Avenida Dr. Paulo de Moraes terminava na Rua do Rosário, onde havia dois barracões, um era sede do Jaraguá, com mesa de snooker, e no outro havia um salão grande, eles mexiam com café ali.  Onde hoje está tudo construído tinha mangueiras, pés de abacate manteiga, aqueles abacatinhos pequenos. Tinha um tal de “Segundinho” que arrendava a parte que tinha frutas.
Você desfilou em carnaval alguma vez?
Não. Mas tem uma música “Quando Eu Me Chamar Saudade” retrata bem a realidade. Gosto dessa música.

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