sexta-feira, dezembro 07, 2012

MONSENHOR LUIZ GONZAGA JULIANI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 9 de dezembro de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/




                                                                                                                                  Foto by J.U..Nassif

ENTREVISTADO: MONSENHOR LUIZ GONZAGA JULIANI
Monsenhor Luiz Gonzaga Juliani nasceu em Capivari, a 2 de junho de 1927, filho de Thomaz Juliani e Maria Maschietto Juliani. Seu pai cuidava do sítio situado a uns quatro quilômetros de Capivari de propriedade do seu avô, Miguel Juliani e da sua avó Luiza Armelim Juliani pais de seis filhos, sendo que um deles era filho adotivo. Miguel Juliani, irmão mais velho também se ordenou padre claretiano. Ainda menino, Luiz Gonzaga permanecia a maior parte do tempo na casa de seu avô, em Capivari. Fez a primeira comunhão, foi coroinha na Igreja Matriz São João Batista. O curso primário e o curso preparatório para ingressar no ginásio foram realizados em Capivari na Escola Municipal Augusto Castanho, sua primeira professora foi Dona Judith.


Após fazer o curso preparatório qual foi a etapa seguinte dos estudos do senhor?


Fui fazer o chamado Seminário Menor da Imaculada Conceição de Campinas, diocesano. Aos 13 anos ingressei no seminário.


O que o senhor sentiu ao deixar sua casa e ingressar no seminário?


Fui coroinha, ajudava na igreja, meu irmão mais velho já era padre, incentivado pelos padres da paróquia, meu ingresso no seminário deu-se com naturalidade. Sem dúvidas que sentia saudades de casa, a vida no seminário era de dedicação total. Aos finais de ano tinha férias para passar junto a família. No seminário encontrei colegas, muito trabalho, e com isso acabei me acostumando.


Havia a prática de futebol?


Joguei futebol, geralmente como goleiro.


No seminário menor eram realizados quais cursos?


Eram feitos o ginásio e o colegial. Naquele tempo o estudante do seminário menor não era dispensado de servir o Tiro de Guerra. Tive que fazer o Tiro de Guerra com cursos voltados a ir combater na guerra isso foi em 1945. Estudava, fazia o Tiro de Guerra e Exército juntos. O Brasil estava em guerra, novos contingentes estavam sendo preparados. Os que se encontravam na frente de batalha voltariam e nós íamos ser mandados à frente de combate. Morávamos no seminário em Campinas, no bairro Cambuí e íamos para o quartel, na saída para São Paulo. Sexta feira a noite íamos a um treinamento no mato onde permanecíamos até domingo.


Como religioso qual era seu sentimento em ter que enfrentar uma guerra?


Estávamos sendo preparados para isso.


Havia um conflito de quem passava o dia estudando para amar o próximo e a noite tinha treinamento para matar o próximo?


Éramos muito jovens, estávamos mais preocupados com nossos estudos, nossa vocação. Sequer imaginávamos em combater de fato. Alguns seminaristas mais adiantados e padres já estavam na guerra como capelães. Em 1945 formei-me como atirador. No ano seguinte entrei para o seminário maior onde estudei filosofia e teologia em São Pulo, no bairro Ipiranga. Lá permaneci estudando por sete anos: três de filosofia e quatro de teologia. Fazia apostolado, o Ipiranga era um bairro considerado pobre, ensinávamos catecismo para as crianças de bairros carentes. Assim íamos treinando o exercício de catequese com as crianças da Vila Nair, Vila Gumercindo, Vila Carioca.


Em que ano o senhor ordenou-se padre?


Foi a 8 de dezembro de 1952, na Catedral de Piracicaba pelo primeiro bispo de Piracicaba, Dom Ernesto de Paula No próximo dia 8 de dezembro completarei 60 anos de sacerdócio. Trabalhei com todos os bispos que estiveram em nossa cidade. Após ser ordenado, fiquei um tempo auxiliando monsenhor Rosa (Monsenhor Manoel Francisco Rosa). Santa Bárbara D`Oeste era uma paróquia só, estava crescendo muito, o padre Francisco Michele que estava lá já estava meio cansado, o bispo disse-me que eu iria auxiliá-lo, permaneci lá até o final do ano, quando houve a festa do padroeiro. Trabalhamos em dobro, a paróquia estava crescendo bastante, era uma paróquia só. Trabalhamos muito. O bispo estava providenciando a fundação do seminário menor em Piracicaba, o padre Francisco Michele estava recuperado, ele veio embora eu fiquei sozinho na Paróquia de Santa Bárbara. A primeira construção que administrei foi a construção da Casa Paroquial, até então não existia. Ao concluir as obras da casa paroquial, só faltava a pintura, o bispo mandou-me de volta para o seminário e também ser coadjutor da Igreja Imaculada Conceição, na Vila Rezende. O pároco era monsenhor Romário Pazzianoto. Lá funcionava o seminário, o movimento era muito grande, lecionei quando iniciou em 25 de março de 1954. No início tínhamos uns doze seminaristas, quando deixei o seminário tinha 83 seminaristas residentes. Ficava onde hoje funciona o Centro Pastoral, na esquina. No seminário fui professor, diretor espiritual, reitor, sempre ajudando na paróquia. A Vila Rezende tinha uma única paróquia, era muito grande. Tinha muitas capelas na área rural.


Qual era o meio de transporte utilizado pelo senhor na época?


Usava muito o bonde.


O senhor pagava o bonde ou tinha alguma cortesia?


Naturalmente que pagava. Eu era capelão das Irmãs de Jesus Crucificado, do Dispensário dos Pobres, antigamente elas ficavam na Rua Tiradentes, em uma casa velha, depois foram para o prédio que fica na Rua do Rosário, hoje propriedade da Renovação Carismática; Logo pela manhã, cedinho, eu ia rezar a missa para as irmãs; Depois voltava e ficava na paróquia ajudando o padre, atendendo os fiéis.


Até que ano o senhor permaneceu na Paróquia da Vila Rezende?


Em 1957 o pároco estava cansado, afastou-se e eu fiquei cuidando da paróquia da Vila Rezende. Permaneci lá até 1963. Em 1958 passei a ser reitor do seminário, permaneci por cinco anos e meio como reitor. Coordenei a construção do seminário novo do Bairro Nova Suiça. Foi uma correria danada para levantar aquele prédio. Eu usava uma caminhonete 1946, andava mais no céu do que na terra! Aprendi a dirigir devagarzinho. Era o famoso “queixo-duro”. (sem direção hidráulica).


Quanto tempo demorou a construção do seminário?


Uns dois anos e meio. Não tínhamos recursos, precisei falar com o bispo para realizar um empréstimo na Caixa Econômica Estadual (depois Nossa Caixa Nosso Banco). Foi um belo “nos acuda” para conseguir o empréstimo, na época era aplicada a Tabela Price (A aplicação da Tabela Price impõe excessiva onerosidade). A Caixa Econômica tinha um prédio com 14 andares em São Paulo, o processo tinha que andar nos 14 andares para conseguir o emprestimo.Uma vez por semana ou mais, eu pegava o onibus das 9 horas, chegava ao meio dia, se não atrazasse, Ao meio dia tomva um lanche e ficava na Caixa Econômica até as seis horas da tarde. Empurrando o processo para ver se andava. Adhemar de Barros era o governador, foi um período em que alguns funcionários assinavam o ponto e iam embora. Ensineio-os a trabalhar! Eu cheguei a dizer: “Viajo quase oito horas entre vir e voltar de Piraicaba a São Paulo, e o senhor aqui a assinar o ponto e ir embora! Não senhor! Não sai daqui enquanto não assinar!”


Como o bispo via o seu trabalho?


Dom Aniger Francisco Maria Melillo era o bispo diocesano. Ele via que eu estava trabalhando na construção do seminário, na pastoral vocacional como reitor e ainda cuidava de duas capelas rurais: Tanquinho e Usina Costa Pinto além da quase paróquia da Usina Monte Alegre. Infelizmente quando venderam a usina deram a capela também. (Seu interior é decorado com afrescos pintado por Alfredo Volpi ). Foi uma injustiça muito grande o fato da capela ter sido vendida. Onde foi construído o seminário anteriormente havia apenas uma casa, que era utilizada no período de férias dos alunos que estudavam no seminário da Vila Rezende. Era uma região rural, sem energia elétrica, era utilizado lampião, não havia agua encanada como é hoje, ela era puxada de um córrego que passava perto, com um motor a gasolina trazia água para o seminário. Para providenciar a luz elétrica fui até a empresa responsável, era a Light, ficava em Campinas, São Paulo. Tive também uma ajuda de Dom Ernesto de Paula, que nessa época tinha renunciado e estava em São Paulo. A eletrificação rural deve-se a diocese e ao seminário. Naquele tempo além de não ter eletricidade na área rural, ela estava racionada nas indústrias, elas paravam as cinco horas da tarde. Imagine como foi difícil conseguir a eletrificação rural. Dom Ernesto tinha consagrado a chacara a São José, tudo foi conseguido com muito poder da oração. O dinheiro destinado a construção tive que gastar para levar a luz até o seminário. Os vizinhos ajudaram muito. A eletrificação rural não foi levada pela prefeitura, foi o seminário que levou. Isso foi em 1962. O tronco que fornecia energia era do seminário da diocese. Os políticos me procuraravam, a prefeitura não tinha licença para levar energia elétrica aos sítios. Na ocasião eu assinei como responsável junto a empresa de energia elétrica. A diocese estava sem bispo, depois que Dom Aniger foi eleito. A prefeitura precisava da minha autorização para levar a luz aos sítios por onde passava a rede. Quando pedi ajuda para levar a energia tive muita dificuldade, depois muitos queriam partilhar da energia. Fiz um contrato com a prefeitura, na condição de que colocassem telefone automático, pedi uma estrada para entrar no seminário, tinha que dar uma volta enorme, em dias de chuva era muito difícil chegar ao seminário. O vizinho da frente, cujo terreno foi cedido para a entrada ao seminário, era o Dito Gica, pai do Frei Tito. Coloquei no contrato que a preeitura deveria zelar pela conservação da estrada. A água resolvi montando uma estação de tratamento de água. O Dr. Serra fez o projeto para nós. Puxava água do córrego, mandei fazer dois tanques com capacidade para 10.000 litros cada um, coloquei filtro e tinha que fazer tratamento. Nos últimos anos a prefeitura ligou a água da cidade.


Para ir a esses locais como o senhor fazia?


Ia de onibus, quando chovia ficava na estrada, era tudo terra.


Em que ano o senhor assumiu a Paróquia São José?


Foi no dia primeiro de janeiro de 1964. Aqui era como um sítio, subia da barroca vaca, cabrito, as cabras tinham uma predileção pelas toalhas da igreja, que na época era composta pelas paredes e cobertura. Porta de madeira de construção com cadeado. Cada vez que dava uma ventania arrancava a porta. Era tudo terra, inclusive ao redor da igreja. O mato crescia bastante, a terra é roxa, de boa qualidade, só que não precisava mandar cortar, as cabras e vacas comiam tudo.


Foi o bispo que pediu para que o senhor assumise a paróquia?


Ele que pediu o sacrifício de assumir mais esse desafio.


Ao chegar aqui, ver o estado das coisas, qual foi a sua reação?


Eu estava acostumado a trabalhar, em Santa Bárbara trabalhei bastante, não havia casa paroquial, morava no asilo de idosos. A escola no tempo do seminario foi muito boa para aprender a viver na pobreza como em uma situação melhor. Quando vim para Igreeja São José não tinha um lugar para morar. Fiquei seis meses na casa do padre Jorge. Aluguei uma casa na Rua Sud Mennucci esquina com Avenida Dr. Edgar Conceição, onde permaneci por quatro anos e meio. Nesse período, no início eu tinha uma Kombi, velha, caindo aos pedaços.


Como era a religiosidade do povo do bairro?


A população frequentava a Igreja dos Frades. Após instalar aqui a devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, incluindo a instalação de um quadro vindo da Espanha, começou a haver uma mudança de comportamento dos paroquianos. Esse quadro foi instalado em setembro de 1964. Com a devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, aumentou a frequencia de fiéis. O povo da paróquia é muito bom, muito religioso. Logo que assumi a Paróquia de São José, o Comurba caiu, em 6 de novembro de 1964, da maioria dos que faleceram 47 eram da paróquia, tive que socorrer as famílias dando-lhes conforto espiritual e providenciando alimentos, muitos tinham perdido o provedor do seu sustento. Foi feita uma cooérativa, todo o mundo ajudou, da paróquia, da cidade. Foi triste, trabalhoso e preocupante.


O senhor realizou muitas ações para atrair fiéis, inclusive apreentando um programa em uma emissora de rádio?


Até hoje mantenho a participação na programação da Rádio Difusora. O CESAC - Centro Social de Assistência e Cultura foi uma forma de enfrentar a pobreza que era muito grande. Antigamente onde é a Vila Cristina era mais conhecido como Risca-Faca, uma enorme pobreza, casas feitas de tábua. Para aquele povo todo tinha apenas um bico de luz e uma torneira de água, a prefeitura tentou instalar um poço artesiano, não deu certo, deixaram a torneira para fornecer água ao povo daquela região.


No alto da Avenida Raposo Tavares existe uma cruz que é vista de longe.


É um marco em homenagem as missões realizadas pelos missionários redentoristas, eu os trouxe para dar uma mexida em toda a paróquia. Sozinho eu não estava dando conta, a paróquia tinha se tornado muito grande. Além da Igreja São José eu tinha 26 a 27 capelas. A paróquia ia até o Rio Tietê, vizinho a Anhembi. Era quase uma mini diocese. Consgui que os missionários redentoristas realizassem um trabalho muito bom por três meses. O encerramento das missões foi com essa cruz, que eu pedi no Dedini. Foi uma cruz tão pesada que os homens que subiram com ela no morro tiveram dificuldade em caregá-la. Foi instalada em 19 de março de 1979. Dia de São José. Todo ano, como penitência na via sacra vamos até lá. Nunca medi a distância, deve ser de uns dois quilômetros, tem uma subida bem acentuada. Para evangelizar o povo, consegui com os missionários estigmatinos que a cada ano eles ficassem uma semana em cada capela. A capela situada no Barreiro Rico era muito longe, pertencia ao municipio de Anhembi, a divisão da diocese não era por municipio e sim por acidente geográfico. Pedimos a Santa Sé que estabelecesse o limite por municipio, o que foi autorizado. Essa capela passou para a diocese de Botucatu, isso depois de eu ter assistido por mais de vinte anos aquela localidade, a estrada era de terra.


O senhor esteve com o Papa?


Estive com o Papa João Paulo II várias vezes. Em uma dessas ocasiões concelebrei a missa com ele em sua capela particular. Toda quarta feira o Papa dá audiência pública. Em algumas dessas ocasiões pude comprimentá-lo. No jubileu, 50 anos de sacerdócio, em 2002, viajei para Roma e também estive com o Papa. Ele me acolheu, abençoou.


Como ele o chamava?


Dizia: “ Brasiliano! Brasiliano!”; sempre dava um terço como presente. Com Bento XVI estive apenas próximo dele, na Itália.


O senhor está completando 60 anos de sacerdócio, como é denominado esse marco histórico?


É o Jubileu de Diamante. A comemoração maior foi no Jubileu de Ouro, com uma semana vocacional, chamando os jovens para a vocação sacerdotal. Agora teremos o Tríduo vocacional preparatório do Jubileu,nos dias 5,6 e 7 na nossa matriz. São tres dias preparatórios vocacional. Dia 8 de dezembro de 2012 será a festa de Jubileu de Diamante, com missa festiva, as 10 horas da manhã. O bispo estará presente, assim como os padres da diocese os amigos e familiares.










domingo, dezembro 02, 2012

Ana Marly de Oliveira Jacobino

Escrevi uma carta para agraciar a coluna em que João Umberto Nassif me presenteia toda semana, através da Tribuna Piracicabana (eu, uma ávida leitora). Está no anexo e gostaria muito que vocês a publicassem. Obrigada!
Ana Marly de Oliveira Jacobino



Carta para João Umberto Nassif



Ler é uma fonte de prazer! Boas leituras, então, abrem portas para o discernimento, além de... nos fazer viajar na máquina do tempo da nossa memória. Fui convidada a prefaciar o livro de uma escritora, eu, a conheci num momento inusitado, enquanto, descascava maçãs para um evento solidário. Ela, ali quieta, e, eu, ao seu lado descascando caixas de maçãs. Silêncio! Perguntei o seu nome. Ela me responde em castelhano. Para que, a conversa fluísse, questiono se nasceu na Argentina. Delicada me conta que é nicaragüense. Confesso para ela a minha grande admiração por um poeta da sua terra Ernesto Cardenal Martinez, pela sua participação junto à resistência à ditadura feroz de Somoza. Conversa vem, conversa vai ... o mundo literário nos envolvendo... declaro amor a outros poetas da sua terra... Ruben Dario, leitor de Machado de Assis, a quem Dario conheceu pessoalmente, e, por conseqüência, escreveu um lindo poema-homenagem ao nosso Bruxo do Cosme Velho. Enfim, conto de como, muito jovem tomei uma forte admiração pelo “Movimento Revolucionário da Nicarágua”. A coragem dos seus membros de lutar contra uma ditadura sangrenta explorava o meu ideal juvenil.

Bem! Abri o boneco do seu livro... impactante! Não parei de ler! Ali estava a história moderna da Nicarágua, desde a ocupação britânica até as ditaduras que mancharam o seu solo, com o sangue do seu povo, marcado a ferro e fogo e catástrofes... as mortes aumentaram com o terremoto de 1970... Eu tinha uma preciosidade diante dos meus olhos... um livro pronto para tornar-se um filme cinematográfico. E, a escritora, agora, uma grande amiga foi personagem de toda essa história.

Na Tribuna de 01 de Dezembro de 2012 (sábado) encontro um pouco desta história escrita por João Umberto Nassif, e, como ele foi feliz ao contá-la. Detalhes preciosos da vida de uma mulher de coragem, abraçada a causa solidária do seu povo, massacrado por ditadores... “Lágrimas e Risos”, o seu livro foi marcado na sua coluna com competência de quem sabe a importância da história da América Latina forjada por Golpes e Ditaduras ferozes, alimentadas muitas vezes pelas mãos da CIA (Serviço Secreto Americano). Parabéns, João Umberto pela sua entrevista com Minia de Los Angeles Reyes Ramires, a nossa Angelita, uma heroína de carne e osso... nos dando a honra de residir aqui na nossa Piracicaba! Parabéns, a Tribuna Piracicabana por publicar a cada semana as histórias desses heróis da modernidade, que vivem tão perto de nós. Parabéns, João Nassif e Tribuna por estes valiosos resgates históricos!





ANGELA REYES

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 01 de dezembro de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/


ENTREVISTADA : ANGELA REYES
Minia de Los Angeles Reyes Ramirez sempre foi conhecida como Ângela ou Angelita. Uma forma carinhosa de tratá-la bem como mais prática do que a chamar pelo seu nome civil completo. Angela Reyes escreveu a obra “Lágrimas e Risos”, um livro que prende a atenção do leitor do começo ao fim. O que aparenta ficção foi parte da sua realidade. Com habilidade descreve fatos, lugares e pessoas algumas vezes preservando a identidade com a simples troca de nome ou localização. Angela Reyes foi interna em um colégio de freiras até sua mocidade, quando desafiou conceitos ultraconservadores, enraizados na sociedade de então. Foi combatente na linha de frente contra o regime ditatorial de Anastasio (Tacho) Somoza García presidente do seu país, Nicaraguá. Uma luta sangrenta, onde Angela prestou serviços voluntários na Cruz Vermelha Internacional. Foi colaboradora ativa do grupo contrário a Somoza. Considerada de grande importância para a guerrilha que lutou e depôs o regime de Somoza. Nascida a 2 de agosto de 1938 em Acoiapa (município) , no departamnto (esatado) de Chontales na Nicaragua. Filha de João Dolores Reyes e Gregoriana Ramirez. João Dolores Reyes contraiu o seu primeiro matimônio com Gregoriana, tiveram quatorze filhos, sendo que cinco faleceram logo ao nascer, permanecendo oito filhos homens e Angêla a única filha. Sua mãe morreu de parto. Seu pai se casou novamente, sem que tivesse nascido nenhum filho desse matrimônio. João Dolores Reyes casou-se pela terceira vez, tornando-se pai de mais dois filhos. Em seu quarto matrimônio teve mais quatro filhos, totalizando vivos, 15 filhos.







Qual era a atividade do pai da senhora?


Ele tinha fazenda de gado de corte. Era tudo muito rústico, onde morávamos não havia energia elétrica, não tinha água potável, não tinham estradas. Eram vários municípios do departamento de Chontales, isso há 74 anos. Era uma vida muito tranqüila, os habitantes eram parentes ou amigos. Havia muita paz, são lembranças lindas, na minha infância tomava-se banho no rio, meu pai armazenava água em alguns tonéis, dali pegávamos água para tomar banho. Era tudo muito simples. A comida tinha como matéria prima o milho e o leite. As receitas caseiras além desses dois ingredientes incluíam arroz e feijão. Éramos uma comunidade onde havia ajuda mútua, éramos solidários. Na última vez em que estive na minha terra natal senti muita tristeza, o chamado progresso, civilização, acabou com tudo isto faz tempo. Foram construídas estradas, vieram muitas pessoas de outras localidades que passaram a tratar os nativos da terra como inferiores.









A senhora estudou onde?


Eu vivia no povoado, viajava para a fazenda nas férias. Minha mãe faleceu quando eu tinha 3 anos. Tive uma infância solitária, minha grande amiga era a Idália, que mais tarde foi morar nos Estados Unidos. A mãe dela era costureira, sempre nós duas estávamos embaixo da mesa onde ela cortava o tecido, com os pedacinhos fazíamos vestidinhos para as bonecas. O Lago Nicarágua (ou Lago Cocibolca ou ainda Mar Dulce) é um lago com uma área de 8.624 km² da Nicarágua. É o maior lago da América Central e o segundo maior da América Latina, um pouco menor que o Titicaca. Para ir da minha cidade até Granada não existiam estradas, a travessia era feita em um barco enorme, meu pai levava o gado no barco para vender em Granada; quando eu era pequen ia cm meu pai. A travessia era linda. Eu me enamorei da lua, da água, do vento, da natureza. Aquels noites iluminadas só pela lua Eram barcos a vapor que dixavam uma esteira na água onde passavam, Quando completei 10 a11 anos meu pai internou-me em um colégio de freiras da ordem salesiana, filhas de Maria Auxiliadora, na cidade de Granada, uma cidade muito linda, turística existente na Nicarágua. Foi fundada pelos espanhóis. Ali vivi por oito anos, saí com dezoito anos.


Qual foi a sensação da senhora logo que foi para o colégio interno?


Chorei e vi meu pai com as lagrimas escorrendo em seu rosto. Sou grata ao meu pai por ele ter me levado a esse colégio, ali eu estava protegida, as freiras deram-me uma boa educação. O internato era muito rígido. Usávamos um uniforme de manga comprida, A blusa era branca e a saia era azul. Havia uma golinha e um lacinho azul. Havia o uniforme de gala, sempre azul. Era mais elegante, de outro tecido,usávamos uma boina, para a festa da pátria, para desfilar. No dia da diretora encenávamos peças de teatro, eu adorava o teatro. A formação nesse colégio era integral. Além das matérias básicas como matemática, geografia, gramática, história, ciências naturais. Uma vez ao ano nos mandava a lavanderia, e não existia máquina de lavar roupas. Naquela época a intenção era formar uma mulher completa para que no futuro fosse uma perfeita mulher do seu lar. Formar a futura dona de casa.


Quantas internas havia naquela época?


Havia três grupos eu estive nos três. Quando entrei fiquei nos grupo das pequenas, todas com no máximo 11 a 12 anos. Depois passei ao grupo das que tinham meninas de 12 a 15,16 anos. Passei ao grupo das que faziam o colegial.


Dormiam todas juntas?


Cada grupo, tinha seu dormitório, dormíamos com mosqueteiros, camisolas de dormir cumpridos, não podíamos comunicar-nos com a companheira ao lado. No dormitório era proibido falar. Uma freira, assistente do grupo, caminhava entre as internas calculava até que todas estavam dormindo, Ela então fechava uma cortina, onde ficava seus aposentos.


Como era o banho?


Era uma fila enorme para tomar banhos. Cada grupo tinha seu lugar de banho, vestidas com uma camisola com mangas. Havia uma chave central para abrir a água, a freira abria a água, tínhamos que estarmos prontas para molhar-nos. Ela então fechava a chave um pouco, para esfregarmo-nos. Depois abria para enxaguar e aquilo era muito rápido. No internato tudo era comandado com toque de sino. E com horário. As vezes acontecia de sairmos ser ter tido tempo de molhar a camisola.


Não tiravam a camisola para banhar-se?


Não! Não! Tínhamos uma bata para sair dali, a porta onde ficava o chuveiro individual não podia ser trancada. Não havia nem tranca. Era a mentalidade da época. Íamos a missa todos os dias, acordávamos as cinco e meia da manhã, As seis e meia estávamos assistindo. a missa. Depois da missa íamos tomar café. O café era composto por leite, com u pouquinho de feijão fritos;. Na Nicarágua se come. de manhã. Havia pessoas que comiam arroz e feijão pela manhã. Quando vim morar no Brasil, no inicio sentia falta do feijão no café da manhã; tínhamos ainda uma banana e dois pães, que não eram grandes,. Algumas meninas cujos pais residiam próximos em suas visitas levavam manteiga, geléia. Passei oito natais sem presentes, sem festas. Havia a missa com cantos, corais, nós íamos a missa da meia noite, depois íamos jantar, onda Havia uma comida típica da Nicarágua, o nacatamal. É de origen indígena, com farinha de milho, diferente da processada no Brasil.


Ao sair do internato qual foi sua próxima atividade?


Sai com o curso colegial completo. Fui para a mina terra, meu pai era super-ciumento., não podía sair a rua, não tinha amigas e muito menos amigos; ele dizia que não existía amizades entre homens e mulheres.

Atuamente o que a senhora pensa a respeito?
Acho que existe! Acho que o amigo homem para mulher é melhor do que a amizade entre duas mulheres, porque não há competição. Meu pai não permitiu que eu freqüentasse uma universidade. A universidade estava na capital, era frequentada também por elementos do sexo masculino; Ele dizia que eu estava preparada para casar-me. Ser doce para meu marido. E para ter filhos; Interiormente eu era rebelde. A cultura da época era o chefe da família jamais ser contestado; minha ilusão era estudar jornalismo na universidade. Ou literatura. Eu disse-lhe que queria ser independente, ele montou-me uma lojinha voltada a mulheres. Eu mão me sentia realizada como pessoa Ele quis me casar por duas vezes com filhos de amigos do mesmo partido político: conservadores. Nas últimas férias eu estava na capital, na casa de umas amigas da minha madrasta, conheci um jovem que estava na casa de cima. Eu gostava de chineses, sua cultura, quadros, pinturas. Chamava-se Ramon Lai. Apaixonamos-nos, tivemos que lutar muito para romper as barreiras existentes na época, dede a aceitação do meu pai até cenas descritas em meu livro “Lágrimas e Risos”. Em de janeiro de 1959 casamo-nos. Ramon Lai faleceu em 28 de novembro de 1996. Tivemos cinco filhos: Ramon que mora no Rio Grande do Sul. Dulce Maria que mora em Miami. Andrés formado pela Esalq e mora comigo em Piracicaba. Meying e Lucien.










Quantos livros a senhora já escreveu?


Na Nicarágua publicar um livro tem um custo muito alto. Porém escrevi muitos artigos para jornais, fiz muito crítica contra a ditadura de Somoza.


A senhora participou da revolução que depôs Somoza?


Participei, nunca matei, nunca peguei em armas. Escondi muita gente procurada. Fui militante de esquerda.Meu marido não se metia em política.


Como ocorreu a vinda da senhora ao Brasil?


Meu filho mais velho, Ramon havia concluído o colegial. Todos os meus filhos tinham sentimento revolucionário como a mamãe. Eu tinha medo que o meu filho fosse para as montanhas com os guerrilheiros. Também a guarda repressora da ditadura obrigava a lutar com eles. Eu estava como se diz no Brasil: “Se parar o bicho come, se correr o bicho pega”. Uma das minhas filhas treinou na guerrilha. Eu era membro da Cruz Vermelha, dava apoio logístico. O primeiro movimento revolucionário começou em 1964. Era um movimento de muita conversa e atentados onde nada acontecia a Somoza. O forte da guerra iniciou em 1977 para triunfar em 1979.


Em que ano a senhora chegou ao Brasil?


Foi em 2001. Quando o governo revolucionário venceu, principiou a alfabetização do povo. Meu filho Andrés esteve ensinando na selva. E Dulce Maria também. Ele não podia sair do país se não constasse que ele havia alfabetizado. Andrés veio estudar na Esalq em Piracicaba.


Quanto tempo a senhora foi militante?


Sempre.









Qual foi a ação mais arriscada que a senhora vivenciou?


Estávamos preparando na capital, Manágua para combate. Estávamos formando centros de pronto socorro. Preparávamos em bairros, esses centros. Tínhamos códigos para telegrafo e para bater na porta de outro militante. Com firmeza, Angelita mostra a seqüência de golpes com os nós dos dedos. Trocávamos esses códigos de um dia para outro. Uma noite chegou um companheiro e me disse: “-Companheira, a senhora pode levar uma caixa de medicamentos ao Bairro Lomalinda?”. Respondi que sim, era só colocar no porta malas do carro. Havia barreiras com guardas que vistoriavam os veículos. Chamei uma amiga, sempre com código, Não podíamos viajar a noite porque havia toque de recolher. Na manhã seguinte, umas oito horas da manhã, saímos, quando chegamos ao centro cívico onde se situavam diversos ministérios, estavam os militares. Com aspectos de quem passou a noite em claro. Eu sempre carregava no porta-luvas, cigarros, fósforos, balas, bolachas, doces. E uma garrafa térmica com café.
Quando chegamos ali disse “Oh muchacho! ( Oi moço!). como vocês estão?” Um deles disse: “Aqui estamos a noite toda, não vieram nos render, ou seja fazer a troca da guarda, Estamos com fome”. Disse-lhes: “Não se preocupem! Tenho bolachas, querem um cafezinho!?” Desci do carro e os servi. Olharam o porta luvas, viram a bolacha se alegraram.Dei-lhes cigarros. Disseram-me: “A senhora vai abrir o porta malas!” Respondi: “-Claro, mas toma antes o cafezinho, fuma o cigarrinho!” assim se passou, eles não pediram para que eu abrisse o porta malas. Se abrisse iriam ver muitos produtos médicos e sabiam para onde iriam. Perguntaram para onde eu estava indo, respondi que ia para Lomalinda, levar pãeszinhos torrados para onde estavam as crianças. Quando cheguei, bati no portão, uma voz me perguntou seu eu trazia tortilhas, disse-lhe que não, estava levando pão torrado. Entramos, sentamos, conversamos, Alguém disse vamos tirar os produtos médicos do automóvel. Eram munições e armas! Eu poderia ter sido morta no carro. Sempre Deus me protegeu.










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