JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 01 de dezembro de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADA : ANGELA REYES
Minia de Los Angeles Reyes Ramirez sempre foi conhecida como Ângela ou Angelita. Uma forma carinhosa de tratá-la bem como mais prática do que a chamar pelo seu nome civil completo. Angela Reyes escreveu a obra “Lágrimas e Risos”, um livro que prende a atenção do leitor do começo ao fim. O que aparenta ficção foi parte da sua realidade. Com habilidade descreve fatos, lugares e pessoas algumas vezes preservando a identidade com a simples troca de nome ou localização. Angela Reyes foi interna em um colégio de freiras até sua mocidade, quando desafiou conceitos ultraconservadores, enraizados na sociedade de então. Foi combatente na linha de frente contra o regime ditatorial de Anastasio (Tacho) Somoza García presidente do seu país, Nicaraguá. Uma luta sangrenta, onde Angela prestou serviços voluntários na Cruz Vermelha Internacional. Foi colaboradora ativa do grupo contrário a Somoza. Considerada de grande importância para a guerrilha que lutou e depôs o regime de Somoza. Nascida a 2 de agosto de 1938 em Acoiapa (município) , no departamnto (esatado) de Chontales na Nicaragua. Filha de João Dolores Reyes e Gregoriana Ramirez. João Dolores Reyes contraiu o seu primeiro matimônio com Gregoriana, tiveram quatorze filhos, sendo que cinco faleceram logo ao nascer, permanecendo oito filhos homens e Angêla a única filha. Sua mãe morreu de parto. Seu pai se casou novamente, sem que tivesse nascido nenhum filho desse matrimônio. João Dolores Reyes casou-se pela terceira vez, tornando-se pai de mais dois filhos. Em seu quarto matrimônio teve mais quatro filhos, totalizando vivos, 15 filhos.
Qual era a atividade do pai da senhora?
Ele tinha fazenda de gado de corte. Era tudo muito rústico, onde morávamos não havia energia elétrica, não tinha água potável, não tinham estradas. Eram vários municípios do departamento de Chontales, isso há 74 anos. Era uma vida muito tranqüila, os habitantes eram parentes ou amigos. Havia muita paz, são lembranças lindas, na minha infância tomava-se banho no rio, meu pai armazenava água em alguns tonéis, dali pegávamos água para tomar banho. Era tudo muito simples. A comida tinha como matéria prima o milho e o leite. As receitas caseiras além desses dois ingredientes incluíam arroz e feijão. Éramos uma comunidade onde havia ajuda mútua, éramos solidários. Na última vez em que estive na minha terra natal senti muita tristeza, o chamado progresso, civilização, acabou com tudo isto faz tempo. Foram construídas estradas, vieram muitas pessoas de outras localidades que passaram a tratar os nativos da terra como inferiores.
A senhora estudou onde?
Eu vivia no povoado, viajava para a fazenda nas férias. Minha mãe faleceu quando eu tinha 3 anos. Tive uma infância solitária, minha grande amiga era a Idália, que mais tarde foi morar nos Estados Unidos. A mãe dela era costureira, sempre nós duas estávamos embaixo da mesa onde ela cortava o tecido, com os pedacinhos fazíamos vestidinhos para as bonecas. O Lago Nicarágua (ou Lago Cocibolca ou ainda Mar Dulce) é um lago com uma área de 8.624 km² da Nicarágua. É o maior lago da América Central e o segundo maior da América Latina, um pouco menor que o Titicaca. Para ir da minha cidade até Granada não existiam estradas, a travessia era feita em um barco enorme, meu pai levava o gado no barco para vender em Granada; quando eu era pequen ia cm meu pai. A travessia era linda. Eu me enamorei da lua, da água, do vento, da natureza. Aquels noites iluminadas só pela lua Eram barcos a vapor que dixavam uma esteira na água onde passavam, Quando completei 10 a11 anos meu pai internou-me em um colégio de freiras da ordem salesiana, filhas de Maria Auxiliadora, na cidade de Granada, uma cidade muito linda, turística existente na Nicarágua. Foi fundada pelos espanhóis. Ali vivi por oito anos, saí com dezoito anos.
Qual foi a sensação da senhora logo que foi para o colégio interno?
Chorei e vi meu pai com as lagrimas escorrendo em seu rosto. Sou grata ao meu pai por ele ter me levado a esse colégio, ali eu estava protegida, as freiras deram-me uma boa educação. O internato era muito rígido. Usávamos um uniforme de manga comprida, A blusa era branca e a saia era azul. Havia uma golinha e um lacinho azul. Havia o uniforme de gala, sempre azul. Era mais elegante, de outro tecido,usávamos uma boina, para a festa da pátria, para desfilar. No dia da diretora encenávamos peças de teatro, eu adorava o teatro. A formação nesse colégio era integral. Além das matérias básicas como matemática, geografia, gramática, história, ciências naturais. Uma vez ao ano nos mandava a lavanderia, e não existia máquina de lavar roupas. Naquela época a intenção era formar uma mulher completa para que no futuro fosse uma perfeita mulher do seu lar. Formar a futura dona de casa.
Quantas internas havia naquela época?
Havia três grupos eu estive nos três. Quando entrei fiquei nos grupo das pequenas, todas com no máximo 11 a 12 anos. Depois passei ao grupo das que tinham meninas de 12 a 15,16 anos. Passei ao grupo das que faziam o colegial.
Dormiam todas juntas?
Cada grupo, tinha seu dormitório, dormíamos com mosqueteiros, camisolas de dormir cumpridos, não podíamos comunicar-nos com a companheira ao lado. No dormitório era proibido falar. Uma freira, assistente do grupo, caminhava entre as internas calculava até que todas estavam dormindo, Ela então fechava uma cortina, onde ficava seus aposentos.
Como era o banho?
Era uma fila enorme para tomar banhos. Cada grupo tinha seu lugar de banho, vestidas com uma camisola com mangas. Havia uma chave central para abrir a água, a freira abria a água, tínhamos que estarmos prontas para molhar-nos. Ela então fechava a chave um pouco, para esfregarmo-nos. Depois abria para enxaguar e aquilo era muito rápido. No internato tudo era comandado com toque de sino. E com horário. As vezes acontecia de sairmos ser ter tido tempo de molhar a camisola.
Não tiravam a camisola para banhar-se?
Não! Não! Tínhamos uma bata para sair dali, a porta onde ficava o chuveiro individual não podia ser trancada. Não havia nem tranca. Era a mentalidade da época. Íamos a missa todos os dias, acordávamos as cinco e meia da manhã, As seis e meia estávamos assistindo. a missa. Depois da missa íamos tomar café. O café era composto por leite, com u pouquinho de feijão fritos;. Na Nicarágua se come. de manhã. Havia pessoas que comiam arroz e feijão pela manhã. Quando vim morar no Brasil, no inicio sentia falta do feijão no café da manhã; tínhamos ainda uma banana e dois pães, que não eram grandes,. Algumas meninas cujos pais residiam próximos em suas visitas levavam manteiga, geléia. Passei oito natais sem presentes, sem festas. Havia a missa com cantos, corais, nós íamos a missa da meia noite, depois íamos jantar, onda Havia uma comida típica da Nicarágua, o nacatamal. É de origen indígena, com farinha de milho, diferente da processada no Brasil.
Ao sair do internato qual foi sua próxima atividade?
Sai com o curso colegial completo. Fui para a mina terra, meu pai era super-ciumento., não podía sair a rua, não tinha amigas e muito menos amigos; ele dizia que não existía amizades entre homens e mulheres.
Acho que existe! Acho que o amigo homem para mulher é melhor do que a amizade entre duas mulheres, porque não há competição. Meu pai não permitiu que eu freqüentasse uma universidade. A universidade estava na capital, era frequentada também por elementos do sexo masculino; Ele dizia que eu estava preparada para casar-me. Ser doce para meu marido. E para ter filhos; Interiormente eu era rebelde. A cultura da época era o chefe da família jamais ser contestado; minha ilusão era estudar jornalismo na universidade. Ou literatura. Eu disse-lhe que queria ser independente, ele montou-me uma lojinha voltada a mulheres. Eu mão me sentia realizada como pessoa Ele quis me casar por duas vezes com filhos de amigos do mesmo partido político: conservadores. Nas últimas férias eu estava na capital, na casa de umas amigas da minha madrasta, conheci um jovem que estava na casa de cima. Eu gostava de chineses, sua cultura, quadros, pinturas. Chamava-se Ramon Lai. Apaixonamos-nos, tivemos que lutar muito para romper as barreiras existentes na época, dede a aceitação do meu pai até cenas descritas em meu livro “Lágrimas e Risos”. Em de janeiro de 1959 casamo-nos. Ramon Lai faleceu em 28 de novembro de 1996. Tivemos cinco filhos: Ramon que mora no Rio Grande do Sul. Dulce Maria que mora em Miami. Andrés formado pela Esalq e mora comigo em Piracicaba. Meying e Lucien.
Quantos livros a senhora já escreveu?
Na Nicarágua publicar um livro tem um custo muito alto. Porém escrevi muitos artigos para jornais, fiz muito crítica contra a ditadura de Somoza.
A senhora participou da revolução que depôs Somoza?
Participei, nunca matei, nunca peguei em armas. Escondi muita gente procurada. Fui militante de esquerda.Meu marido não se metia em política.
Como ocorreu a vinda da senhora ao Brasil?
Meu filho mais velho, Ramon havia concluído o colegial. Todos os meus filhos tinham sentimento revolucionário como a mamãe. Eu tinha medo que o meu filho fosse para as montanhas com os guerrilheiros. Também a guarda repressora da ditadura obrigava a lutar com eles. Eu estava como se diz no Brasil: “Se parar o bicho come, se correr o bicho pega”. Uma das minhas filhas treinou na guerrilha. Eu era membro da Cruz Vermelha, dava apoio logístico. O primeiro movimento revolucionário começou em 1964. Era um movimento de muita conversa e atentados onde nada acontecia a Somoza. O forte da guerra iniciou em 1977 para triunfar em 1979.
Em que ano a senhora chegou ao Brasil?
Foi em 2001. Quando o governo revolucionário venceu, principiou a alfabetização do povo. Meu filho Andrés esteve ensinando na selva. E Dulce Maria também. Ele não podia sair do país se não constasse que ele havia alfabetizado. Andrés veio estudar na Esalq em Piracicaba.
Quanto tempo a senhora foi militante?
Sempre.
Qual foi a ação mais arriscada que a senhora vivenciou?
Estávamos preparando na capital, Manágua para combate. Estávamos formando centros de pronto socorro. Preparávamos em bairros, esses centros. Tínhamos códigos para telegrafo e para bater na porta de outro militante. Com firmeza, Angelita mostra a seqüência de golpes com os nós dos dedos. Trocávamos esses códigos de um dia para outro. Uma noite chegou um companheiro e me disse: “-Companheira, a senhora pode levar uma caixa de medicamentos ao Bairro Lomalinda?”. Respondi que sim, era só colocar no porta malas do carro. Havia barreiras com guardas que vistoriavam os veículos. Chamei uma amiga, sempre com código, Não podíamos viajar a noite porque havia toque de recolher. Na manhã seguinte, umas oito horas da manhã, saímos, quando chegamos ao centro cívico onde se situavam diversos ministérios, estavam os militares. Com aspectos de quem passou a noite em claro. Eu sempre carregava no porta-luvas, cigarros, fósforos, balas, bolachas, doces. E uma garrafa térmica com café.
Quando chegamos ali disse “Oh muchacho! ( Oi moço!). como vocês estão?” Um deles disse: “Aqui estamos a noite toda, não vieram nos render, ou seja fazer a troca da guarda, Estamos com fome”. Disse-lhes: “Não se preocupem! Tenho bolachas, querem um cafezinho!?” Desci do carro e os servi. Olharam o porta luvas, viram a bolacha se alegraram.Dei-lhes cigarros. Disseram-me: “A senhora vai abrir o porta malas!” Respondi: “-Claro, mas toma antes o cafezinho, fuma o cigarrinho!” assim se passou, eles não pediram para que eu abrisse o porta malas. Se abrisse iriam ver muitos produtos médicos e sabiam para onde iriam. Perguntaram para onde eu estava indo, respondi que ia para Lomalinda, levar pãeszinhos torrados para onde estavam as crianças. Quando cheguei, bati no portão, uma voz me perguntou seu eu trazia tortilhas, disse-lhe que não, estava levando pão torrado. Entramos, sentamos, conversamos, Alguém disse vamos tirar os produtos médicos do automóvel. Eram munições e armas! Eu poderia ter sido morta no carro. Sempre Deus me protegeu.
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