domingo, maio 04, 2014

MILTON COSTA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 26 de abril de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

ENTREVISTADO: MILTON COSTA

 


Milton Costa é piracicabano, nascido a 6 de fevereiro de 1967, filho de José Costa e Maria Regina Paulino Costa que tiveram cinco filhos: Paulino, Milton, Vanderlei, Carlos Alberto e Luiz Fernando. Milton é casado com Silvana Aparecida Rodrigues, é pai de Caroline, Pedro Henrique, Amanda Beatriz e Gabriel.

Qual era a atividade do seu pai?

Era caminhoneiro, trabalhava na Monflex.- Industria de Moveis Estofados Monflex. Ltda. Ele era conhecido por “Zélão”. Ele dirigia um caminhão Mercedes-Benz, modelo conhecido popularmente como “Cara Chata”, furgão. Na época morávamos na Rua Ipiranga, próximo a MAUSA. Freqüentamos muito o Oratório Dom Bosco, próximo ao SENAI, isso na época do Padre Bordignon (Padre Luiz Ignácio Bordignon Fernandes, nascido em Brazópolis, MG em 20/04/1921 e falecido em Araras no dia 22/03/2006). Freqüentávamos as missas, onde ganhávamos pontinhos pela freqüência e no final do ano ganhávamos prêmios. Sou oratoriano dessa época.

Havia incentivo à pratica de esporte?

O esporte era muito incentivado! Lá foi um caminho muito abençoado na nossa vida. Éramos cinco irmãos, cinco crianças de uma família pobre. O Oratório Salesiano Dom Bosco é uma historia de Domingos Sávio que acolhia as crianças da rua e levava para Dom Bosco dar ensinamentos salesianos. Nós aprendíamos as orações e depois fazíamos a prática de esporte. O sonho do oratoriano era ser salesiano. Era ser estudante do Dom Bosco. Era uma escola particular de elite. Como freqüentadores do oratório entravamos umas três horas da tarde, o padre nos levava para as quadras. Havia as quadras para os oratorianos e para os salesianos. Em alguns momentos ambos os grupos usavam as mesmas quadras. Esse padre conseguiu uma área só para os oratorianos, deixou a parte de cima para os salesianos. Ele ainda conseguiu um espaço onde fez salão de jogos para os oratorianos, snooker, xadrez, ping-pong.

A disciplina talvez tenha sido uma dos fatores muito importantes nessa convivência?

Foi maravilhosa! Foi o que deu Norte para sermos uma pessoa do bem! O Oratório Salesiano recuperou muita criança! Quando eu tinha oito anos a minha mãe faleceu. Meu pai lutava pela sobrevivência, viajava muito dirigindo o caminhão. Quando perdi a minha mãe estava interno em um colégio em Ferraz de Vasconcelos.

Como você foi parar lá?

A minha mãe vendo as dificuldades que enfrentávamos aqui em Piracicaba, decidiu mudar-se para São Paulo, levando consigo os cinco filhos. A princípio fomos morar no bairro Barra Funda, havia uma empresa que era ligada a Martini, fábrica de doces. Minha mãe foi trabalhar lá. Não era possível ela trabalhar levando ao serviço os cinco filhos juntos.  Um dos filhos ficou morando na casa do meu avô Benedito Paulino Filho, uma personalidade muito conhecida em Piracicaba pelos famosos bailes que promovia. Meu avô era o famoso “Bidito”! Uma das minhas tias, Vilma Paulino, sensibilizada com a nossa situação foi nos buscar, assim voltei a morar em Piracicaba na Rua Bernardino de Campos, 802, em frente ao Palmeirinha. Nessa época eu tinha de 12 a 13 anos. Eu já tinha freqüentado anteriormente a escola no Grupo Escolar Barão do Rio Banco, na Rua Governador Pedro de Toledo, em Piracicaba, isso quando morava na Rua Ipiranga, vi construir o Teatro Losso Netto. Brincávamos lá na época. Do Grupo Escolar Barão do Rio Branco fui estudar no Grupo Escolar Dr. Alfredo Cardoso. Por uma temporada fomos morar na casa do Tio Dirceu, ele era pintor de paredes. Com muitas crianças na mesma casa, nós acabamos indo para a Casa do Bom Menino.

O que era a Casa do Bom Menino?

Uma instituição que agrega crianças de rua, abandonados pela família. Vinha muita criança da FEBEM ( Fundação do Bem Estar do Menor) de São Paulo para Piracicaba. Tanto que encontrei alguns meninos que haviam estado comigo na casa de Ferraz de Vasconcelos aqui na Casa do Bom Menino. Isso depois de muitos anos.

A Casa do Bom Menino acolhia só crianças abandonadas ou também crianças problemáticas?

Acolhia a todos. Funcionava mais como um orfanato. Não era abrigo específico de menores infratores. Eram crianças que por inúmeras razões estavam abandonadas a própria sorte. Tivemos em Piracicaba outra instituição que por muitos anos acolheu e educou crianças nessas condições, que foi o Lar Franciscano de Menores. Assim como havia para as meninas o Lar Maria Nossa Mãe.

Com o advento do polêmico Estatuto da Criança e Adolescente essas instituições simplesmente foram extintas?

Foi isso mesmo. No Lar do Bom Menino tínhamos um bom time de futebol.

Em que posição você jogava?

Jogava de meio direita. Eu era muito rápido e tinha o raciocínio rápido em campo.

Nesse período em que permaneceu na Casa do Bom Menino você chegou a fazer algum curso?

Estudava na Escola Estadual de Primeiro Grau Prof. Augusto Saes. A Casa do Bom Menino situava-se na Rua Machado de Assis. Próximo ao Jardim Elite. Acordava as seis horas da manhã, ia até ao Augusto Saes e depois ia até a Casa do Bom Menino. Era semi-interno. Eu dormia na casa do meu tio e passava o dia na Casa do Bom Menino. Lá existia o curso de marcenaria, a Philips mandava as bobinas para serem trabalhadas, havia a serralheria. Conforme a vocação, um seguia um aprendizado. Os que gostavam de trabalhar com móveis trabalhavam na marcenaria. Os equipamentos eram projetados para oferecer a segurança adequada. Nessa época eu já estava com 16 a 17 anos.

Você se identificou com qual atividade?

Eu gostava de trabalhar com a Philips, era para passar quatro voltas de um fio em uma bobininha, fazia 100, 200, isso rendia um dinheirinho bom. Eu gostava também da marcenaria e do esporte. Havia um professor de educação física que além de aulas regulares proporcionava também o jogo de futebol. Portanto eu tinha o ensino regular na Escola Augusto Saes, almoçava na Casa do Bom Menino, As cinco e meia já tinha tomado banho, jantado e estava pronto para voltar para casa. Com o passar do tempo ia permanecendo cada vez mais na Casa do Bom Menino, lá estavam meus amigos. Com o decorrer do tempo passei a ser interno da Casa do Bom Menino.

Você acha que se não tivesse esse apoio da Casa do Bom Menino sua vida poderia ter seguido um rumo diferente?

Lá aprendemos a seguir regras e a ter disciplina. Em nosso meio havia menores infratores, que também seguiam as orientações que nos eram dadas. Só que éramos adolescentes, oriundos das mais diversas origens, com formações familiares distintas, era um convívio que às vezes gerava pequenos conflitos entre nós mesmos. Quem zelava para que a ordem fosse mantida era o diretor Antonio Carlos Danelon, o Totó, assistente social da Prefeitura Municipal. Ele sucedeu o Mineirão, que tinha métodos extremamente rígidos com os jovens. O Paulino, jogador do XV de Novembro, foi coordenador nosso na parte esportiva. O Paulino era uma referência para nós, ele tinha sido jogador do Santos. Até hoje o Totó me chama de filho! Lá que ele conheceu sua esposa Sueli. Era um período da nossa vida em que como jovens estávamos formando nossa personalidade. Tempo em que todos ambicionavam ter uma calça Lee, Lewis. Tínhamos a ânsia natural da idade em nos auto-afirmarmos. Só que tínhamos que trabalhar. Posso afirmar que o melhor conselho é o exemplo que recebemos de outras pessoas. Você sente que realizar ou dizer algo errado é mais difícil.

Com que idade você saiu da Casa do Bom Menino?

Sai de lá com uns 18 anos. Fui ser servente de pedreiro, por um tempo voltei a morar com a minha tia, depois acabei morando na rua. Dos 18 aos 20 anos fui morar na rua. Ao lado da antiga revenda Chevrolet, a Colina, havia os ônibus da Viação Prisma, havia um muro enorme do Posto dos Furlan, meu pai ficava com o caminhão lá, passei a morar dentro do caminhão, só que ele tinha que sair cedo para carregar o caminhão, e eu tinha que acordar cedo e sair do caminhão. Com o passar do temo nós pulávamos o muro e dormíamos dentro dos caminhões da CCNC- Comércio de Combustíveis Noiva da Colina. Eu passei a trabalhar como frentista no posto de gasolina situado na Avenida Saldanha Marinho, eu tinha uns 20 anos. Fiquei uns três anos trabalhando no posto. Fui trabalhar em uma empresa de comércio de combustíveis, meu serviço era o de limpar piche desses tanques que são colocados no solo e funcionam como depósito de combustíveis de postos de gasolina. Eu tinha que tirar aquele piche com querosene.

Pelo lado externo ou interno do tanque?

Entrava no do tanque, sozinho, sujeito a um mal súbito, era um ambiente bastante tóxico, sem ventilação, usava uma mascara de enfermagem, botas, bermuda e sem camisa. Depois voltei a trabalhar no posto de gasolina. Embora trabalhasse aos sábados até as oito horas da noite o salário era melhor e o serviço mais saudável. Após algum tempo, com uns 22 anos, fui morar no bairro rural Limoeiro, adiante de Artemis.

Como você foi parar no Limoeiro?

Eu tinha amizade com um grupo que era da família Broggio, eram proprietários da indústria Santin, eles tinham uma chácara onde sempre tinha festas e eu freqüentava. Em um carnaval teve uma festa, acabei perdendo a hora de trabalho no posto de gasolina, perdi o emprego. Passei a trabalhar para a família, como trabalhador rural, cuidando de porco, do jardim, era um serviço mais sossegado, a alimentação era melhor. Morei na Fazenda Santo Antonio por quatro anos mais três anos na chácara. Foi na fazenda que aprendi a trabalhar com implementos agrícolas, domar cavalos, cuidar de gado.Curava bezerros, por uma ano tratei de um touro nelore que tinha tido uma briga com um touro holandês. Ganhei experiência em aplicar injeções em animais. Voltei para a cidade, fui trabalhar na Nechar  em Rio das Pedras, saia as 4:15 da manhã de casa, pegava o ônibus da empresa as 5 horas da manhã na Avenida Armando Salles, tinha voltado a morar com minha tia Vilma, na Rua Bernardino de Campos. Essa minha tia foi importantíssima na minha vida. Meu irmão mais velho nos deixou, foi seguir a carreira esportiva. Eu fiquei com a incumbência de olhar pelos meus irmãos. Na Nechar eu era terceirizado através de uma agência de Piracicaba, fui admitido como funcionário da Nechar para trabalhar no estoque da empresa. Lá eu vi a primeira greve na minha vida. Fui convidado a voltar a trabalhar na Fazenda Santo Antonio, no Limoeiro. Voltei. Só que a minha visão sobre as coisas eram diferentes, as coisas tinham mudado na fazenda. Voltei a morar com a minha tia. Lembro-me que teve um domingo em que chorei o dia inteiro. Identifico-me muito com o problema de outras pessoas. Na segunda feira consegui trabalho na Gramarmo, de propriedade de José Benedito Longo. Ele me deu uma oportunidade, eu cortava aproveitamento. Pedrinhas de 10X10; 5X5 centímetros. E assim por diante. Eu não era serrador, era ajudante. Trabalhava em máquinas perigosas como serrador e cortando aproveitamento sem experiência nenhuma. Fui pleitear meu direito, o serrador tem o melhor salário de uma marmoraria. Vendo meu nível de trabalho, colocaram-me no acabamento, na entrega, Sai da serra, que era uma qualificação profissional em que deveria ter sido mantido e passei a ser ajudante de entrega. Fui conhecer o mundo. A empresa era muito forte. A Gramarmo tinha até premiações concedidas por órgãos do setor de rochas e granito. Fizemos o serviço de mármore na casa do banqueiro dono do Banco Safra, em São Paulo. Colocamos muito mármore em mansões nos bairros Morumbi, Interlagos.

Você chegou a fazer um trabalho em que abaixo do piso de mármore havia uma serpentina de cobre para aquecimento do mármore no inverno?

Fizemos esse trabalho na mansão do Jair Coelho, “Rei das Quentinhas”, no Rio de Janeiro. (Famoso fornecedor de refeições que servia a 6.500 presos do Estado do Rio de Janeiro) Era mármore transparente, mármore-ônix, importado. Durante essas viagens ficava hospedado em hotel. Permaneci na Gramarmo por uns seis anos. Fui trabalhar na Casarin, logo em seguida trabalhei na Marmo Itália Mármores E Granitos Ltda. Fui convidado por um sindicalista de Campinas de nome Alcides e por Sebastião Antonio de Moraes. O sindicato existe desde 1947. Em 1999 vim prestar serviços no sindicato. Em 2003 assumiu a presidência do sindicato Edson Batista dos Santos que exerceu dois mandatos. Em 25 de agosto de 2010, após eleito, assumi a presidência do sindicato. 

Quantos diretores tem o sindicado?

São 16 diretores, sendo que 14 permanecem trabalhando nas respectivas empresas e apenas dois estão afastados dedicando-se exclusivamente ao sindicato. Temos um grupo de 15 funcionários que trabalham no sindicato. No período em que o Edson foi presidente assumi a pasta da Co-Emprego, do Conselho de Saúde, Comitê Permanente Regional sobre Condições e Meio Ambiente do Trabalho na Indústria da Construção – CPR, Comsepre (Conselho Municipal de Prevenção de Acidentes do Trabalho), Comitê Permanente Nacional – CPN e a Feticom- SP (Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário no Estado de São Paulo) onde fui diretor regional, diretor de formação e hoje sou diretor tesoureiro.

Você tem um lema?

Tenho: “Quem quer faz, que não quer fazer cria problemas”, esse ditado me foi passado pela minha tia-mãe, a tia Vilma. Ela disse isso em uma ocasião em que argumentei algo sobre a dificuldade em fazer determinada tarefa Nunca mais esqueci isso na minha vida. Por isso fiquei um pouco arrojado. Somos o que desejamos ser.

Quantos associados existem no sindicato?

Começamos no ano 2.000 com 380 associados. Hoje temos 6.500 associados com carteirinha, de um total de 11.000 sendo que a Categoria Geral de Trabalhadores são 20.000 trabalhadores.

Qual é a região que abrange o SINTICOMPI?

Abrange São Pedro, Águas de São Pedro, Santa Maria da Serra, Ipeuna, Charqueada, Rio das Pedras, Anhembi, Torrinha. Estamos abrindo sub-sede em São Pedro e outra sub-sede em Rio das Pedras. Há um projeto de 2016 sair de Santa Maria da Serra a primeira barcaça. Essa é a promessa dos governos estadual e federal.

O SINTICOMPI oferece uma série de cursos e campanhas aos seus associados, pode citar alguns?

Temos um grande número de cursos de formação profissional, além de campanhas como a do fim da marmita.

A mulher está despontando no setor da construção civil?

Tivemos no passado na direção uma mulher. Hoje o sindicalismo é muito dinâmico e muitas vezes exige estar fora de casa, o que nem sempre é possível a mulher que acumula tarefas, profissionais e domésticas. No canteiro de obra a presença da mulher já é uma realidade.

Como é a relação da mulher com relação aos colegas do sexo masculino?

Esse é um dos primeiros impactos. Por natureza a mulher é mais dedicada aos estudos do que o homem. Ela tem a sensibilidade mais apurada. Ela vai para o canteiro de obras com grande s vantagens sobre o elemento masculino.

A mulher realiza serviços com mais perfeição do que o homem?

Faz. E ela assume a responsabilidade pelo que faz. Ela se propõe a desafios, temos mulheres que trabalham em cadeirinha de balanço fazendo pinturas externas em prédios. O SINTICOMPI é um sindicato participativo, um sindicato cidadão. Oferecemos aos associados colônia de férias, dentistas, Cabeleireiras, médicos, advogados, oftalmologistas, cursos de computação. Nosso desejo é “Peão não! Cidadão!”. Esse é o nosso projeto na saúde, segurança e direito relacionado ao trabalho. Através do sistema “S” de serviço, como se trata da indústria da construção, temos o SESI como ponto de lazer. Temos dentro das instalações do sindicato um curso de alfabetização para os associados, temos a ConsFort, que é uma parceria terceirizada, onde qualquer pessoa interessada pode participar, é um curso livre, sem custo, com os cursos de Mestre de Obras, Pedreiro de Alvenaria, Pedreiros de Revestimento Argamassa, Pedreiros Pisos Cerâmicos, Paisagismo, Controladores Lógicos Programáveis, Comandos Elétricos, Eletricista Instalador (Predial), NR 10, NR 10 Reciclagem. O maior piso salarial da categoria no Estado de São Paulo é o de Piracicaba.

ANTONIO ROBERTO PREVIDE


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 19 de abril de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADO: ANTONIO ROBERTO PREVIDE


 
Antonio Roberto Previde nasceu a 22 de abril de 1949, em Piracicaba, no Bairro Monte Alegre, na Colônia do Macabá. Filho do casal Virgilio Previde e Luiza Bacchin Previde que tiveram os filhos Maria Antonia, Antonio e Gilmar.
Os seus pais moravam no Bairro Monte Alegre quando ainda eram solteiros?
A minha mãe morava com sua família mais para os lados do Bairro Rural Tupi. Meu pai morava no Macabá. Eles se conheceram em uma festa que teve no Monte Alegre, era uma festa promovida pelo Comendador Pedro Morganti, um churrasco para 5.000 pessoas.  Todas as colônias da região eram convidadas para participarem. Meu avô materno, Antonio Bacchin, tinha o sítio dele com cana de açúcar. Minha mãe foi à essa festa com a família, conheceu meu pai e alguns meses depois estavam casados. Foram morar no Macabá.
Você lembra-se como era a casa em que morava na Colônia Macabá?
Lembranças eu não tenho, só depois, já adulto, é que voltei para rever. Meu pai foi por dois anos consecutivos campeão de corte de cana de açúcar. Tinha que cortar e amarrar a cana de açúcar em um feixe, havia um padrão pré-estabelecido, cada feixe era composto por 22 canas, não podiam estar com as pontas.
O campeão de corte de cana ganhava algum prêmio?
Ganhava! Meu pai dizia que com o prêmio que ganhou pela primeira vez comprou uma casa na Rua Santa Cruz. Era uma casinha simples e naquela época o imóvel não era tão valorizado como hoje. Com o valor ganho no segundo ano em que foi campeão novamente, ele adquiriu uma outra casa no Bairro São Judas, na esquina da Rua Dr. Alvin com a Rua do Trabalho, onde fomos morar. Meu pai ficou trabalhando na Usina Monte Alegre até 1951. Minha mãe cuidava da nossa casa, quando havia colheita de café ela ia ajudar.


 
Que idade você tinha quando sua família mudou-se do Monte Alegre?
Eu tinha dois anos de idade quando a minha família mudou-se para a Rua Regente Feijó esquina com a Rua Santo Antonio. Viemos morar na casa situada no Estádio Roberto Gomes Pedrosa, era a casa do caseiro. Romeu Ítalo Ripoli pediu que seu amigo Comendador Pedro Morganti, indicasse uma pessoa para cuidar do campo de futebol. O Pedro acabou indicando meu pai. Com isso moramos dentro do Estádio Roberto Gomes Pedrosa, mais ou menos, 30 anos. Eu morei lá até me casar aos trinta anos. Meu pai permaneceu mais dois anos, depois o estádio foi vendido para a MAUSA, ele permaneceu mais algum tempo e acabou saindo.

 

Você era um espectador privilegiado?
Era! O que eu assistia de jogo de futebol e jogava!
Você chegou a integrar a equipe do XV de Novembro de Piracicaba?
Sim! Desde as categorias de base, joguei como centro avante no infantil, juvenil e amador. Depois veio o XV Escola, que o falecido Jacobelli era o treinador, o Duarte Filho era o diretor de esporte, em 1969 passei a ser jogador profissional do XV de Novembro, na época em que o Comendador Humberto D`Abronzo era o presidente.
Além do XV de Novembro, você jogou em outros times?
Joguei no Platinense, de Santo Antonio da Platina, no Paraná, o técnico era o Orlando Maia, fiquei por pouco tempo no Bandeirantes, joguei em Tietê, tive uma passagem pela Ponte Preta.
Por quantos anos você jogou?
No amadorismo eu era famoso pelo chute que eu tinha, eu chutava forte mesmo. Inclusive existe uma reportagem a respeito no Jornal de Piracicaba onde fala a meu respeito, referindo-se como “O Canhão da Rua Regente”. Pelo XV de Novembro joguei praticamente dois anos. Em 1969 me profissionalizei. Infelizmente naquela época ganhava-se o salário mínimo para jogar no XV. Jogava porque gostava.


Tinha o “bicho” (prêmio pela vitória) também?
O “bicho” não era isso tudo que falavam! Em termos atuais seria R$ 100,00 ou R$ 200,00. Não é como hoje onde ganham de bicho R$ 5.000,00 ou R$ 10.000,00. Existiam jogadores que tinham um salário melhor, como Piau, Amauri, Nicanor, Chicão, Ademir Chiarotti, Ademir Gonçalves. Época dos técnicos Julião, Cardinalli, Drace, Dema, Gaspar. Era uma época em que não havia tanto o emprego da força física, era mais habilidade mesmo. O futebol era mais gostoso de assistir. Eu afirmo que enquanto o XV de Novembro jogava no Estádio Roberto Gomes Pedrosa, todo ano se revelava um jogador. O XV sempre vendia um jogador para o Corinthians, São Paulo, Palmeiras. Com o dinheiro dessa venda acaba montando o time para o próximo campeonato. Acredito que por volta de 1973 a 1974 o XV de Novembro começou a jogar no Estádio Barão de Serra Negra,  diminuiu muito a revelação de novos jogadores para serem vendidos para os times de outras cidades.
A recente vitória do Ituano que conquistou o título estadual pode incentivar o futebol do interior?
Com certeza! Antigamente era difícil um time do interior ser campeão. Tinha que ganhar na bola e algumas vezes no apito também. Havia por parte de alguns juízes um  favorecimento aos times grandes. Havia também um favorecimento ao chamado “time caseiro”, tenho a experiência de ter jogado em várias cidades, jogar contra o time local, no seu campo, era difícil. Todo lance duvidoso era contra o time visitante. Tinha que jogar muito bem, não deixar dúvidas. Tinha um juiz, que dizia ao jogador; “Caia que eu dou o pênalti! Se você não cair como posso dar o pênalti?”. Isso são fatos que vivi não me contaram.
Você chegou a jogar contra times tidos como grandes?
Sim, contra o São Paulo, por exemplo, no tempo da dupla de zagueiros Jurandir e Dias. O Jurandir era de grande estatura, o Roberto Dias era um craque.
O XV de Novembro é um dos valores que identificam Piracicaba?
Com certeza! Lembro-me que quando os treinos eram no Estádio Roberto Gomes Pedrosa, havia um senhor que ficava na portaria e arrecadava um valor simbólico, equivalente a R$ 1,00 hoje, isso para o publico assistir os treinos do XV. Teve dia de ter 2.000 pessoas assistindo a um treino do time. Naquela época havia o folclore de haver dois treinos coletivos na semana. Normalmente as terças e quinta feiras.
No seu ponto de vista hoje é diferente por quê?
Quantos campos de futebol você vê hoje? São poucos. E estão distantes. Havia muito mais times e jogadores que se despontavam no futebol amador. Eram convidados para fazerem testes no XV. O pessoal da ESALQ jogou muito com o XV. O Atlético ( Clube Atlético Piracicabano) tinha um timaço. Assim como outros times como o MAF, Usina Costa Pinto, eu mesmo joguei no Vera Cruz, no União Porto, no Palmeirinha.
Falta estímulo ao jovem para que participe de esportes?
Falta. Hoje há também essa lei que nós temos de que o jovem só pode trabalhar depois de completar 16 anos, eu sou contra. Acho que ele fica muito tempo sem fazer nada. A criança tem o direito de brincar, mas a partir dos 12 a 13 anos ele já começa a ser adolescente. Ele não se contenta com uma bolinha de gude, ou uma bola de pano para ficar chutando. Não irá brincar de “queimada” que hoje nem se vê mais. Ainda existe o trabalho infantil escravo. E não precisa ir longe, em Piracicaba mesmo você irá encontrar. Dos 14 aos 16 anos tem muitos garotos que já são homens. E não podem trabalhar! Na nossa época com essa idade era contratado como aprendiz. Fiz o primário no Grupo Escolar Moraes Barros, o diretor era Seu Irineu. Em frente ao Grupo Escolar ficava a Fábrica de Bebidas Andrade. Bebíamos um refrigerante “Caçulinha” sem gelo!
Você além de estudar fazia alguma outra atividade?
Ajudava meu pai, varria a arquibancada, eu tinha uns 12 anos. Todo domingo havia jogo, na segunda feira tinha que varrer as arquibancadas, o campo todo. Era um quarteirão quadrado. ( Cerca de 10.000 metros quadrados). Minha mãe lavava roupas, o uniforme do XV, muitas vezes eu tinha que ajudar a lavar as meias. Meu pai ganhava salário mínimo, mais a residência, água, luz e morávamos no centro.
Quanto tempo você demorava para varrer o campo todo?
Dois dias! Lavava os vestiários.
Alguma vez você encontrou alguma coisa curiosa no estádio, deixada por algum torcedor?
Achava de tudo! Dentadura, aliança, dinheiro, boneco, blusa, paletó, cachimbo, radinho de pilha.
Após concluir o curso primário no Grupo Escolar Moraes Barros você foi estudar onde?
Fui para o SENAI, que está até hoje no mesmo local, perto do colégio Dom Bosco. Naquela época o curso no SENAI durava quatro anos, dois anos de oficina e dois anos que equivalia ao ginásio. Formei-me torneiro mecânico, trabalhei na Indústria Fazanaro.  Só que não me identifiquei muito com a profissão. Em paralelo continuava jogando bola. Saia do trabalho às cinco horas da tarde e vinha a pé para treinar no campo do XV. Na época o Fazanaro ficava na Rua Bom Jesus. Naquela época havia o curso de madureza (ensino supletivo), no Colégio São Bento de Araraquara. Estudava aqui e prestava os exames lá. Por dois anos fui jogador profissional do XV de Novembro. Nunca consegui ter uma projeção, apesar das pessoas que me conheciam me chamarem de “Virgilinho”, por causa do meu pai Virgilio.
O que faltou para você despontar como estrela do futebol?
Acho que faltou orientação. Fui já de inicio para o meio de jogadores experientes, com hábitos pouco disciplinados para o esporte. Eu continuava ganhando o salário mínimo, que penso que tinha menor poder aquisitivo do que hoje. O Baú da Felicidade foi inaugurado aqui em Piracicaba, um chefe de uma equipe, Antonio Carlos Coletti, me conhecia, sabia que tinha alguma experiência em vendas, já tinha feito uns bicos. Ele me convidou, afirmou que poderia ganhar três vezes mais. O técnico do XV, o Dema, tentou evitar a minha saída da equipe, mas eu disse-lhe que não estava vendo ali muito futuro para mim. Trabalhei um ano e pouco no Baú da Felicidade, a loja ficava na Rua Governador, próxima ao Clube Cristóvão Colombo do centro. Era uma loja enorme, Ia da Rua Governador Pedro de Toledo até os fundos na Rua Benjamin Constant.
Era no auge do Baú da Felicidade?
Vendia-se muito. Eletrodomésticos e móveis. E tínhamos uma cota de carnês do Baú da Felicidade. Esse era o chamado “filet mignon”. Na época eu tinha uns 21 anos. Nessa época consegui comprar meu primeiro carro, um Fusca 1961, coral. Isso foi em 1972. Era um carro usado. Passei a jogar futebol só no amadorismo. Em 1973 foi inaugurada em Piracicaba a Eletroradiobraz. Eu e um amigo éramos vendedores do Baú, estávamos trabalhando na rua, vimos uma grande fila no SENAI, ficamos curiosos, perguntamos o que estava acontecendo, um representante da empresa disse que estavam contratando pessoal para trabalhar na Eletroradiobraz. Fizeram uma proposta melhor do que tínhamos no Baú. Fui trabalhar no setor de móveis da Eletroradiobraz.
A vinda da Eletroradiobraz à Piracicaba foi um acontecimento marcante para o comércio local?
Foi tido como a inauguração de um Shopping. A Banda União Operária executando musicas, o prefeito Adilson Maluf cortando a fita inaugural. Foi uma festa! Foi uma revolução no comércio local. Fui registrado no dia 20 de agosto de 1973, fiquei 30 dias em treinamento em Campinas, para inaugurar a loja no dia 3 de outubro de 1973, o público estava entrando pela Rua Visconde e os operários acabando de cimentar a saída pela Rua Silva Jardim. Na época tínhamos o Supermercado Brasil, a Ultragaz que era uma loja e a Casa Pernambucana, que trabalhava mais com tecidos. Eram as lojas maiores da época.
Quantos anos você permaneceu na Eletroradiobraz?
Fiquei 28 anos lá dentro. Com o falecimento do Plínio Sigmar Bortoletto, que era presidente do sindicato, como suplente dele assumi em 2000 a presidência do sindicato. Na Eletroradiobraz trabalhei como encarregado de móveis, de máquinas e ferramentas, de lazer, barracas, camping, bicicletas. Da linha branca: geladeira, fogão, máquina de lavar roupa. Linha de imagem: televisão, som. De Eletroradiobraz passou a se denominar Jumbo-Eletro e atualmente Pão de Açúcar, sob o controle de um grupo francês. Ainda sou funcionário do Pão de Açúcar.
Seus vencimentos provêm de qual entidade?
Provém do sindicato. Sou funcionário cedido ao sindicato. Em 1999 inaugurei o Pão de Açúcar 24 Horas. O Creso R. Lopes era meu gerente, continua gerente até hoje. Foi feita uma reforma rápida, contratou-se meia dúzia de funcionários. Nós já tínhamos uma equipe que trabalhava a noite que eram os repositores, pessoal da limpeza, segurança. Foram contratados dois caixas, uma moça na padaria e rotisseria. No inicio foi difícil, tinha que fazer a leitura às duas horas da manhã, às quatro horas da manhã, pelo fato de morar ao lado eu fazia essas leituras, com chuva, com frio, a cada duas horas ia até a loja. Fazia uma avaliação, olhava, não tinha ninguém. Hoje o Creso diz que tem sete caixas operando e quase não dá para atender a todos. De madrugada é um movimento tremendo, criou-se um habito.
Como você define comércio?
Todo mundo precisa comprar. Só que a pessoa gosta de comprar onde é bem atendido. E bem recebido. Comércio é uma arte. Precisamos qualificar cada vez mais os funcionários que trabalham no comércio. Infelizmente há uma rotatividade muito alta de funcionários. Os empresários investem muito pouco em treinamento.
Aí entra também o custo do funcionário, ele ganha mal e o empresário paga muito.
A carga tributária é alta. Se um funcionário ganha R$ 1.000,00 somando a carga tributária até a demissão dele ela chega a 100%, ou seja, para empresa ele irá custar R$ 2.000,00. Todo mundo vende com lucro, ninguém vende com prejuízo, e a concorrência por mais barato que ela venda o produto ela nunca chega ao preço de custo.
Piracicaba é uma boa praça comercial?
É uma cidade que tem dinheiro, é um bom mercado. Quando uma empresa se estabelece na cidade já fez uma pesquisa antes de vir. Todas as empresas que vieram se deram bem.
Quais categorias abrangem o seu sindicato?
Os empregados do comércio varejista e atacadista de Piracicaba. São 7.000 comerciários. Temos apenas 15% desse total que são associados.  O setor de padarias já pertence a outro sindicato. Lanchonetes são ligadas ao setor hoteleiro.
Quantos diretores têm no Sindicato dos Empregados no Comércio de Piracicaba?
São 16, sendo que 5 permanecem na sede prestando serviços diretamente ao sindicalizado.
O sindicato oferece vários benefícios aos associados?
O associado paga R$ 20,00 por mês. Ele tem tratamento dentário gratuito, para ele, esposa e filhos. Está a disposição durante o dia e funciona também a noite. Temos a farmácia que vende medicamentos a preço de custo. Oferecemos três advogados: civil, trabalhista e previdenciário. Gratuito tanto na consulta como no processo. Temos uma videoteca com uns quatro mil títulos de filmes. O associado pode freqüentar o nosso Clube dos Comerciários, em Artemis, uma área de 20.000 metros quadrados, com piscina, campo de futebol, quiosques, salão de festas. O comerciário que tiver filho tem R$ 50,00 por filho para adquirir material escolar. Oferecemos a colônia na Praia Grande, que hoje paga-se R$ 70,00 por dia para usufruir com direito ao café da manhã, almoço, jantar, quarto com ar condicionado, frigobar, televisão. O associado pagando R$ 20,00 por mês tem direito a tudo isso. Oferecemos cursos, palestras, em nossa sede.
Quando foi fundado o sindicato?
Em 17 de julho de 1962 foi criada a Associação dos Comerciários de Piracicaba, transformada em sindicato em 8 de janeiro de 1963. Fundado por Nagib Ismael, então funcionário da Porta Larga.

domingo, abril 27, 2014

RAQUEL CINTRA FAYAD

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de abril de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: RAQUEL CINTRA FAYAD

Raquel Cintra Fayad nasceu a 27 de janeiro de 1968 em Atibaia. É filha de Farid Fayad comerciante e professor de filosofia, e Marilisa Cintra Fayad, professora, coordenadora de escola, trabalhou na Delegacia Regional de Bauru. O casal teve os filhos: Hedel, Raquel, Luciana e Cristiane. Logo que Raquel nasceu a família mudou-se para Arujá. Quando Raquel tinha dois anos de vida sua família mudou-se para Agudos. Casada, tem dois filhos, Mateus hoje com 23, cursando engenharia elétrica anos e Rebeca de 22 anos fazendo o curso de veterinária. Casada em segundas núpcias com Davison Cardoso Pinheiro, conhecido como Davison Pinheiro, arquiteto, especialista em projetos acústicos, criativo e um esteta por natureza, com quem Raquel Fayad  deixa transparecer que vive um grande amor, uma das suas inspirações.
Raquel Fayad fez questão de salientar o acolhimento dado por Maria da Glória Silveira Mello, bisneta de Prudente de
Moraes e Renata Gava ambas representando o Museu Prudente de Moraes.
Foi em Agudos que você iniciou seus estudos?
Estudei no Instituto Sagrado Coração, um colégio de freiras, iniciei desde os cinco anos, no conservatório, que tinha um formato muito semelhante ao Conservatório de Tatuí atualmente.  Ali estudei musica dos cinco aos dezessete anos, no ano seguinte ao que me formei, tornei-me professora, com dezoito anos estava dando aulas para formandos. Eu fazia uma leitura muito rápida de Bach, gostava demais. Sou formada como técnica em musica, no instrumento piano. Lecionei no conservatório por dois anos. Fui aluna do Grupo Escolar Coronel Leite e Grupo Escolar João Batista Ribeiro.  Minha primeira professora, no primeiro ano de grupo escolar, foi Dona Alba Conde. Estudei também com uma freira Irmã Anelise, que foi uma freira fantástica. Tive um pré-escolar muito divertido, criativo e educativo. Não dá para esquecer.No conservatório, quando tinha seis anos participei de um concurso em Ribeirão Preto, executei a musica “Bolinho de Manteiga”recebi meu certificado de segunda classificada das mãos da Clarice Leite, mãe de Cláudio César Dias Baptista um dos criadores do conjunto musical "Os Mutantes".
Além da musica você tinha outra atividade artística?
Eu fazia pintura desde os sete anos, eu gostava, pedi e minha mãe colocou-me para ter aulas com Rosa Zaniratto, isso em Agudos, eu estudava no colégio. Comecei com pintura em tecido, em veludo, telas, todas as técnicas de pintura que aparecia eu ia aprendendo, esse final de semana vi na casa da minha mãe um quadro que pintei quando tinha doze anos. Junto com tudo isso fiz o magistério, fui dar aulas na Freidemberg, hoje empresa Duratex de Agudos. Lá eu ministrava aulas para crianças de terceiro e quarto anos. Nesse período entrei para a Faculdade de Arquitetura na Universidade de Bauru, hoje UNESP, por isso deixei as aulas de piano. Fui cursar arquitetura junto com o último ano de magistério. Aos catorze anos comecei a dançar, clássico e jazz. Participei de um grupo de dança em Agudos: “Academia de Ballet Ana Flora Zaniratto Zonta”. Era uma professora fantástica, muito criativa, fazia coreografias bem modernas, chegamos a apresentar uma mistura de clássico e taekwondo em uma abertura de um campeonato internacional de taekwondo em São Paulo.
Você respira arte?
Respiro arte! Encontrei esses dias certificado de curso de gestão cultural que eu havia feito aos dezesseis anos. Em Agudos tinha o Seminário Santo Antonio, naquela época o conservatório fazia muitos eventos relacionados com os seminaristas, o coral do conservatório, as apresentações musicais, ensaiávamos com os musicistas do seminário. Sou contralto. Cheguei a reger um coral infantil o “Coral Abelhinha”, isso foi logo que me formei. Participei do coral cuja regente era a Irmã Eliane, uma regente fantástica.
Você também foi modelo?
Desfilei uma época, deixava minha mãe maluca! Isso começou com a realização de alguns eventos que fazíamos para levantar fundos, era uma iniciativa do Rotaract. Fazíamos eventos de vendas de árvores de natal para gerar fundos para assistência social de algumas entidades. Um dos eventos foi um desfile de moda. Fui convidada por um dos jurados que organizava os desfiles em Bauru e região. Desfilei por quase dois anos. Tenho amigas que participavam desse grupo e hoje são modelos profissionais. Alessandra Berriel é uma delas. Participamos de um grande concurso chamado “Nossa Moda Procura Você”. De 800 meninas fiquei entre as 10 selecionadas. Foram experiências que foram norteando o que realmente eu queria da minha vida. Acredito que tive muita sorte nos acontecimentos culturais que vivi. Acredito que é fundamental escolher uma profissão que ela não seja trabalho, mas prazer em sua vida. Por natureza do trabalho do meu marido, em uma estatal, mudamos muito. Em Itapeva entrei em uma academia de ginástica e lá desenvolvi um grupo de dança, fizemos um primeiro espetáculo denominado “Servindo Emoções”. Convidei um ator de teatro de Itapeva, um diretor chamado Luiz Valcazaras, que hoje atua em São Paulo na direção de teatro, comerciais. Eu estava preparando o segundo espetáculo quando meu marido foi transferido para Tietê, lá eu continuei dançando na Anabete Ballet, viemos para vários concursos em Piracicaba. Foi lá que eu comecei a desenvolver mais a minha pintura. Lá eu tive uma professora italiana, a Catarina Musso, mais conhecida como Rina, Ela vinha uma vez por semana para ministrar o curso em Tietê. Ela residia em Osasco na época. Uma das coisas que descobri com a Rina é de que eu gosto dessa busca da cor, dessa química. No meu trabalho um preto, um azul, não são cores puras. São frutos de misturas de três ou mais cores.

 
Você dá personalidade própria à tinta que usa?
Exato!Ela me ensinou que para pintar eu precisava entender o desenho, a pintura não é apenas uma pintura e sim um desenho. Essa busca dessa cor, de observar sempre a natureza, de ver todas as cores no azul do céu e não apenas o azul. Enxergar a cor da atmosfera. Olhando os meus trabalhos anteriores o que me apaixona em tudo isso é o reflexo, ela me ensinou a fazer o reflexo muito bem feito, e essa mistura de cores, esse mistério das cores. Nesse tempo em que permaneci em Tietê passei a dar aulas em uma escola que é o Sistema Etapa, trabalho lá há 22 anos,dou aula de artes no Colégio Gradual. Com os alunos não só trabalho técnicas mas também a a contextualização do que acontece em arte hoje em dia, todos os processos, desenvolvimento de criatividade. Acredito que isso eles irão usar em qualquer profissão que escolham.  Uma nova transferência por motivo do trabalho do meu marido, fomos para Tatuí.
Você tocou em um ponto muito interessante, a questão da criatividade, existem muitas pessoas criativas, mas que não possuem um direcionamento para sua criatividade.
Eu diria que esse é o motor de arranque, é o que guia o meu ensino dentro da escola. Quando fazia arquitetura fiz a minha mudança para Comunicação Visual. Depois fiz Artes plásticas na Asseta. Eu coloco minha formação hoje como em Artes Plásticas. Meu processo completo foi em Artes Plásticas. A minha paixão era arquitetura, tive a chance de retornar, mas vi que é uma paixão antiga. O que eu quero mesmo são as artes visuais. Não digo nem plásticas, hoje a gente sai do suporte tela-cultura, vai para performances, instalações.

 
Você atingiu um nível de expressão artística bastante elevada.
Acredito que ainda estou em processo de desenvolvimento. Encontro com vários artistas, curadores, orientadores, são momentos em que percebo que tenho várias descobertas, que precisam ser desenvolvidas. Por essa minha parte criativa ser tão fluida, quando estou em um trabalho eu já penso no desenvolvimento, desdobramento dele em outra forma e assim vai muito rápido.
Você transmite ao ambiente a sua volta uma carga muito alta de energia, sob seu ponto de vista existe alguma razão especial?
Eu gosto de viver, gosto do que eu faço, e faço por prazer, não realizo nada por ser obrigada a fazer. Muitas pessoas me perguntam como eu faço tanta coisa e ainda coordeno o Museu Histórico Paulo Setubal de Tatuí.


 
Nós temos na região um número enorme de museus, 36 instituições museológicas na Região Administrativa de Sorocaba, qual é a situação desses museus?
Além de coordenar o museu sou a representante regional de Sorocaba, e a Renata Gava é a representante regional de Campinas. Nós nos encontramos no SISEM- Sistema Estadual de Museus, que está na Secretaria Estadual em São Paulo, nos dá apoio, hoje está capacitando todos esses coordenadores, diretores culturais, pessoas interessadas. Nem todos os municípios das nossas regiões tem museu mas todos tem vontade de formar seu museu.
A visão disseminada entre grande parte da população é de que museu é um depósito de coisas velhas?
É justamente ai que vem todo esse trabalho que desenvolvemos como regional. Somos voluntárias nesse trabalho. Trabalhar com material de museu requer muita técnica, para preservar a peça e também preservar a saúde de quem está manipulando o objeto em questão. Pode ter ácaros, vírus, bactérias. Muita gente entendia museu como depósito daquilo que eu não quero na minha casa mas que foi do meu avô, do meu tio ou algo que foi importante. Hoje temos um apoio muito grande do Secretário de Cultura Estadual, Marcelo Mattos Araujo, museólogo, temos a equipe do SISEM, a Renata Mota é diretora geral da UPPM - Unidade de Preservação do Patrimônio
Museológico. Temos o diretor técnico  do SISEM que é o David Kaseker, que já foi Secretário da Cultura em Itapeva, foi meu antecessor na Regional de Sorocaba, hoje estamos em um momento particular, as pessoas querem ter seu museu, melhorar os que já existem.


 
Por que essa sede de museus?
Acredito que as pessoas estão começando a entender o valor que o museu tem no desenvolvimento cultural de uma sociedade. É um espaço onde tem ali guardada a história, a memória de formação daquele povo, daquela região, do Estado, do Brasil, dos imigrantes.
Qual é a importância da história?
Eu acredito que a importância da história é que nos sustenta como seres humanos. Faz-nos percebermos onde estamos. Por que nós estamos? Como estamos e como estamos fazendo. A memória nos mostra como viveram nossos antepassados.
Por que essa memória deve ser preservada?
O que nós queremos guardar para as pessoas que irão viver daqui a 300 anos? O que irão lembrar-se da sociedade de hoje? Se não soubermos guardar e preservar, a nossa história irá passar em vão? As mudanças são muito rápidas, se pensarmos que a Avenida Paulista em São Paulo, até a algumas décadas era chão de terra veremos como tudo muda rapidamente.
Há pessoas que desejam fazer doações a museus, porém ficam receosas, o administrador capaz e competente de hoje poderá ser substituído por outro sem tanto preparo. Qual é sua opinião?
Acredito que isso é um problema pelo qual vários museus já passaram. Nesses cursos de capacitação, uma preocupação é toda a documentação dos museus, dessas doações. Muitas pessoas deixam algum objeto na porta do museu e vão embora. Passado algum tempo perguntam sobre aquele objeto. Pretendemos instalar termos de doação, o que já acontece em museus maiores. As pessoas terão documentação da doação do objeto. Nós também não podemos receber tudo que as pessoas querem doar, será que vou ter espaço na minha reserva técnica? Terei uma equipe especializada para isso? Os museólogos do SISEM podem ser contatados aqui em Piracicaba, através da diretora do Museu Prudente de Moraes, Renata Gava. Esses museólogos podem dizer para qual espaço uma doação pode ser destinada, e isso será feito com toda documentação que garanta o destino e preservação da doação.
Há o risco de em cidades vizinhas encontrar peças similares expostas? Uma espécie de réplica de museu?
Cada museu tem seu acervo característico.
Você está realizando uma mostra no Museu Prudente de Moraes em Piracicaba?
Tenho em uma sala 17 obras de pintura em acrílico sobre tela, e três trabalhos pequenos de papel cortado, trabalhado com encáustica (uma cera), sobreposto. Tudo começou de um projeto chamado nota célula em expansão, que começou do meu TCC – Trabalho de Conclusão de Curso em Criatividade. Comecei a fazer um caderno com quadradinhos e comecei a compor a partir desses quadradinhos. Descobri que se cortasse em 16 partes aquela folha teria mais 16 quadradinhos. Com aquilo poderia compor qualquer coisa. Quando comecei a fazer o primeiro me lembrei de Bach, ele tinha uma linha musical, depois vinham duas linhas, três linhas, quatro linhas, conversando. Comecei a colocar quatro células em cada tela e na composição conversarem entre si, e a usar os acordes cromáticos para colorir tudo isso, percebi que muitos repetiam à sobreposição, o contraste, as transparências. Iniciei com uma série de estampas, comecei a tirar a minha própria célula e a trabalhar a pintura transparente sobreposta, tirei as linhas curvas e passei a colocar mais linhas retas. A partir disso fui para esse trabalho sobreposto, onde na mostra tem três trabalhos pequenos. Já há um estudo para que isso se torne recorte em madeira ou metal. Tive um rápido aprendizado dessas técnicas com um artista na Itália, Brunivo Vuttarelli. Lá ele me mostrou como trabalhar com metal recortado em plasma. Esse curso e despesas de viagem e estadia foram custeados com meus próprios recursos. Foi no período logo após a minha exposição na Espanha, no MECA Museu de Almeria, com premio do MINC – Ministério da Cultura. Realizei outra exposição em Portugal, de curta duração, os trabalhos foram rapidamente adquiridos. Por franceses e japoneses.A partir disso fiz trabalho no papel, papelão, pintados com encáustica, com alguns trabalhos grandes, o leiloeiro Antonio Roberto Magalhães tem trabalhos que fiz. Ele acabou adquirido trabalhos com papel, papelão, encáustica e tiras de borracha negra, que é a camara de pneu recortada.
Fiz algumas instalações, que a partir de 14 de abril de 2014, poderá ser vista na outra sala do Museu Prudente de Moraes.
Sua exposição no Museu Prudente de Moraes fica por qual período?
Inicia dia 8 de abril com a apresentação as 17:30 do conjunto “Coisa de Mulher”, formado por duas musicistas Natália Ferlin, cantora, toca guitarra e violão, é produtora cultural e Cibele Sabionie que é professora do Conservatório de Tatuí, maestrina da banda e do coral da cidade. A exposição permanecerá até dia 11 de maio de 2014.
Quantos trabalhos você calcula que tenha produzido?
Com certeza mais de duzentos trabalhos. Na minha casa tenho poucos trabalhos. Aprendi uma coisa, seu eu não fizer arte não serei feliz. Poderia ser só uma gestora cultural, gosto muito. Acredito que a única coisa que não poderia ficar na minha vida é fazer arte. Quando você descobre isso precisa ir se encontrando, a partir do que muitos vão lhe falando, você escuta, mergulha dentro de você, percebe em que lugar está nesse processo, tenta aceitar aquilo e procura perceber onde é que você pode caminhar nesse momento. Arte é uma gestação de vida toda. Um dos pintores em que mais me inspiro é Picasso, ele produziu a vida inteira, ele mudou várias vezes o estilo dele, ele tem uma produção maravilhosa, sempre acreditou naquilo que fez. Quando fico em duvida, indecisa, insegura, sempre penso nele e aquilo me dá uma força para continuar trabalhando.
Como surgiu a ideia de utilizar a câmara de ar de pneus como matéria prima em seus trabalhos artísticos?
Foi quando comecei a pesquisar objetos para recortar e sobrepor. Recortava em tiras, ia sobrepondo. Eu precisava de um material que recortasse, me desse uma linha. Sempre digo que em arte você tem um problema, que nunca será um problema e sim a solução da sua vida. A gente joga para o mundo e fica aberto para as coisas que irão retornar. De repente eu estava andando na rua, olhei, vi um borracheiro. Na hora pensei: “- Nossa! A camara de pneu! Como não pensei nisso antes?”.Parei, pedi, o borracheiro me deu muitas camaras de pneus, a dificuldade foi encontrar o que limpasse essa borracha. Fiz várias instalações, como se fossem pinceladas soltas no ar. Disso tudo fui para uma ocupação na Galeria Marta Traba onde tinha que falar da Barra Funda, sobre as histórias, eu tinha um projeto muito grande, engavetado, chamado Cartas de Amor, fiz uma instalação com essas tiras cortadas e fragmentos de cartas, chamada “Cartas Para Marta Traba”. Coloquei os escritos dela, que batalhou muito pela arte latino-americana. Coloquei também cartas de pessoas que estavam participando dessa ocupação, cada um foi trazendo registros, ocupando espaço. Fui convidada a participar de uma exposição chamada “ A Flor da Pele”, que está acontecendo agora na Casa do Olhar em Santo André. Uma exposição coletiva de 33 mulheres, com texto de abertura do Enoque Sacramento, curadoria de Altina Felício e Flávia Robles Dotto. Nessa pesquisa toda descobri que a história é contada através de cartas, desde Dom Pedro I com Domitila, Scott Fitzgerald e Zelda com mais de 300 cartas. Freud com 800 cartas.
O e-mail irá substituir essas cartas românticas?
Já está substituindo! Comecei a receber e-mails de pessoas que escreviam para outras.
Vamos ter uma exposição em São Paulo com três instalações. Vamos dividir: Eros, que é o amor paixão. Filia, que é o amor amizade, amor por filhos, casais que permanecem juntos por muito tempo. E Ágape, que é o amor caridade, o amor doação. 

quinta-feira, março 27, 2014

North Carolina State University Campus Tour


ROLAND VENCOVSKY


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 29 de março de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 
 
 

                                                                                   Foto by JUNASSIF
ENTREVISTADO: ROLAND VENCOVSKY

Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo (1958), mestrado em Experimental Statistics - North Carolina State University (1967) e doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas pela Universidade de São Paulo (1960). Foi professor visitante na University of Minnesota (1974-1976), na North Carolina State University (1990-1991) e na Universidade Federal de Goiás (2000-2003). Obteve a livre docência pela ESALQ/USP (1970) e o título de professor titular em 1994. Foi Chefe Geral do Centro Nacional de Milho e Sorgo da EMBRAPA (1979-1984). Orientou 77 teses e dissertações na área de concentração de Genética e Melhoramento de Plantas da ESALQ/USP e na UFG e publicou 152 artigos em revistas científicas nacionais e internacionais e diversos capítulos de livros. É autor do livro Genética Biométrica no Fitomelhoramento. Agraciado com a Comenda da Ordem do Mérito Científico, pelo Presidente da República em 2002, eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências em 2005 e membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo em 2008. Atualmente é professor titular permissionado da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Genética, com ênfase em Genética Vegetal e Genética Biométrica, atuando principalmente nos seguintes temas: Genética Quantitativa, Genética de Populações, Melhoramento Genético e Conservação de Recursos Genéticos. Na sua especialidade atuou em programas de melhoramento das seguintes espécies: milho, várias hortaliças, cana-de-açúcar, mamoneira, eucaliptos e diversas espécies arbóreas brasileiras. Atualmente, continua desenvolvendo métodos de estimação de tamanho efetivo populacional em espécies dióicas e analise de QTLs em milho e cana-de-açúcar. Orienta estudantes de pós-graduação na ESALQ/USP. Tem interesse em estudos de processos como dispersão de pólen e sistema de reprodução em espécies nativas para fins de conservação e pré-melhoramento genético. Colabora com o programa de pré-melhoramento e conservação da cagaiteira, espécie endêmica do Cerrado, junto à Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás. Continua também interagindo com programas de melhoramento, especialmente de espécies parcialmente autógamas como a mamoneira.



O senhor é natural de qual cidade?

Nasci em São Paulo a 10 de junho de 1936 no Hospital Oswaldo Cruz, (Hospital Alemão Oswaldo Cruz), meus pais moravam em Pinheiros, em uma travessa da Rua Teodoro Sampaio. Tenho três irmãos: Ernesto, Elfride, Manfredo. Meus pais são Otto Vencovsky e Catarina (em português) Vencovsky. Minha mãe é natural de uma colônia de alemães do interior do Paraná. Meu pai nasceu em Viena. Ele veio para o Brasil em 1920, após a Primeira Guerra Mundial. Vieram os meus avôs, tios. Na década de 30 eles passaram a representar empresas alemãs de produtos químicos, principalmente a Bayer. Com o inicio da Segunda Guerra Mundial, a importação de produtos da Alemanha foi interrompida. Eles venderam as propriedades que tinham em São Paulo e adquiriram uma fazenda em Atibaia, isso foi em 1946. Foi difícil ele sustentar uma família sem ser especializado em área agrícola, sofreu muito. Ele produzia carvão com eucalipto e produzia aguardente fruto das plantações de cana, era destilada e engarrafada lá recebendo o nome de “Macumba”. Guardo até hoje o rótulo dessa cachaça. Vendia bem, o segredo era que ele vinha buscar o fermento da cachaça em Campinas. Era o truque dele. Ele pegava sempre cepas de linhagens puras. Uma vez por ano ele renovava o fermento e sempre saia uma pinga boa.


                                                   Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Antes de mudar para Atibaia o senhor tinha freqüentado escola em São Paulo?

Tinha feito o primário no Colégio Visconde de Porto Seguro, isso foi por volta de 1942 a 1943. Quando mudamos para Atibaia fiz o ginásio e o colégio no Colégio Atibaiense. Ficava a 16 quilômetros da nossa fazenda, onde morávamos ficava a quatro quilômetros da Estação Campo Largo. No período em que fiz o ginásio ia de trem pela Estrada de Ferro Bragantina, ligada a SPR, São Paulo Railway. Era um ramal que saia de Campo Limpo e ia até Bragança Paulista. Era a locomotiva a vapor, a Maria Fumaça, soltava fagulhas que atingiam nossas roupas, cabelo. Depois colocaram a máquina a diesel, perdeu-se o encanto. Só havia dois trens, um de manhã e outro a tarde. Quando passei a estudar o colegial fui residir com parentes.


Nesse período ocorria a Segunda Guerra Mundial, no Brasil alemães, japoneses, italianos e seus descendentes sofreram algum tipo de discriminação?

Eu era um menino quando senti isso, um grupo de garotos me perseguiu, sai correndo. Havia um estímulo por parte de alguns políticos em menosprezar pessoas dessa origem. Senti isso na pele. Passei muito medo. Tínhamos um rádio em casa, era da marca “Mende”, sintonizávamos a Deutsche Welle GmbH. Na época havia um fiscal do governo, chamado popularmente de “secreta”, ele nos visitava periodicamente para saber se o meu pai não tinha nenhuma atividade subversiva. Depois que o Brasil entrou para a guerra meu pai desligou e guardou o rádio. Não ligou mais.

 

                                                           RÁDIO MENDE

O senhor trabalhava em Atibaia?

Eu deveria ter uns 17 anos, trabalhava no serviço de alto falante que existia na praça central, toda noite fazia propaganda e colocava discos para serem tocados. Dizíamos que era “A Maior Potência Radiofônica da Zona Bragantina” atingia só a praça central da cidade! Na época não havia emissora de rádio.  

 

                                                       Estação de trem em Atibaia

Como se deu o seu ingresso na faculdade de agronomia?

Após terminar o colégio fui fazer agronomia. Eu tinha um companheiro de colégio, seu pai era proprietário da empresa de sementes Agroceres. Esse meu amigo é que me convenceu a fazer agronomia em Viçosa. Fiz um exame de seleção e ingressei. Trabalhei na Rádio Montanhesa em Viçosa, apresentava aos domingos musica erudita. Após dois anos em Viçosa fiz a minha transferência para Piracicaba, isso foi em 1957 a 1958. Apresentei-me ao proprietário da PRD-6, Rádio Difusora de Piracicaba, o Sr. Aristides Figueiredo, ele tinha um Chevrolet Fleetline  preto,fiz um teste e por três anos trabalhei como locutor comercial. Lembro-me de propagandas que fazia na época, como de “Ao Cardinalli”, da empresa que oferecia cinco máquinas de costura para serem sorteadas ( possivelmente máquina Leonam).


 

                                            Chevrolet Fletline

Trabalhar na rádio naquela época era ser um astro?

Eu era muito conhecido na cidade. Muitas vezes abri a rádio, ás seis horas da manhã. Fechava a meia-noite. Quando eu era estudante morava em uma república.

O senhor usava algum nome artístico?

Usava! Quem me deu o nome artístico de “Luiz Rolando” foi o Francisco Caldeira, que mais tarde assumiu a Rádio A Voz Agrícola do Brasil. Com isso o pessoal não relacionava a minha pessoa com o Luiz Rolando! Foi uma época muito romântica! Quando o titular faltava cheguei a fazer programa no auditório da Rádio Difusora. O que estava na moda era o cururu.

Qual é o fascínio que a genética exerce em quem a estuda?

A genética tem um papel fundamental na área agro-industrial, é o melhoramento ou aprimoramento genético. Essa é a principal aplicação. A maioria dos nossos alimentos, vegetais e animais, não provêm de espécies nativas, são de espécies modificadas. O homem vem modificando as espécies por vários séculos. A genética se aplica para entender, organizar, o melhoramento genético. Se a humanidade fosse depender apenas das espécies nativas, aquelas que se encontram na natureza, não sobreviveria. São pouco produtivas e de qualidade baixa. No inicio o homem era coletor e caçador, depois é que ele passou a inventar a agricultura. Aprendeu a semear. Nessa fase ele começou a domesticar as plantas e os animais. Foi quando passou a fazer melhoramentos baseado em seleção. Temos no mundo dezenas de raças de cães, esses animais provieram dos lobos. O homem começou a conviver com os lobos, a fazer seleções e criaram todas essas raças. Isso aconteceu com frutas, com sorgo, com soja, trigo. A base do melhoramento é cruzamento controlado e seleção. As vacas leiteiras originalmente produziam leite suficiente para o bezerro se desenvolver e desmamar. Atualmente produzem tanto leite que se não forem ordenhadas ficam doentes. Por seleção o homem começou a criar fêmeas cada vez mais produtivas. As modificações que o homem fez nas espécies são enormes. Acho que só existe uma exceção, os peixes do mar. Esses não foram muito modificados, porque é mais difícil. Peixes de rio todos foram modificados.

Já adquiri morangos lindos, porém sem sabor. Como o senhor explica isso?

É uma variedade que não é boa. É muito bonita, mas não tem sabor. Isso acontece. É fruto de uma seleção mal feita, intencional ou não. Não é um erro genético e sim uma propaganda enganosa. São diferenças de variedades: boas ou ruins. Aparentemente são iguais.

O senhor concluiu o curso na ESALQ em que ano?

Sou da turma de 1958. Um ano antes, em 1957 eu já tinha uma bolsa. Melhoramento genético é a minha paixão. Eu não faço melhoramento, quem fazia era o Marcílio de Souza Dias, a nossa produção de hortaliças era rudimentar ele revolucionou isso.  O Ernesto Paterniani fez melhoramentos com o milho, e outros fizeram melhoramentos em outros produtos. Eu trabalhava para apoiar os trabalhos de melhoramentos. É uma atividade que exige muita avaliação em campo. Minha parte nessa história toda é fazer a parte estatística do melhoramento. Eu não produzia variedades, quem fazia isso eram os colegas, eu dava suporte na genética de populações e genética quantitativa.


                                                Friedrich Gustav Brieger

Em que ano o senhor foi contratado pela ESALQ?

Em 1960 fui contratado como professor assistente, no tempo do Professor Friedrich Gustav Brieger. Ele obrigava a dar aulas de tudo, genética, aulas práticas de estatistica ligada a genética. Citogenética, a parte celular. Fiz doutoramento, passei a ser professor assistente doutor, fiz livre docência e depois fui professor titular. Fiz um mestrado nos Estados Unidos em Estatistica Experimental e Genética na Universidade da Carolina do Norte. Estive três vezes nos Estados Unidos, sempre em estudos, no total foram cinco anos de estudos e pesquisas realizados lá. Aprendia as últimas descobertas, assistia as disciplinas e modificava as disciplinas que dávamos aqui.

 

                                                                                         Foto by JUNASSIF
Da esquerda para a direita:
Dr. Bruce S. Weir, Dr. Antonio Augusto Franco Garcia, Dr. Roland Vencovsky 
Nas dependências do Departamento de Genética da ESALQ


O senhor tem um amigo que conheceu em uma dessas viagens e que está visitando o Brasil?

É o  Dr. Bruce S. Weir, ele fez pós-graduação quando eu também fiz, na década de 60. Trabalhávamos na mesma sala como pós-graduandos. Passamos a ser amigos, temos desde então um bom relacionamento profissional e pessoal.

Recentemente tem tomado força uma corrente que afirma que as plantas se comunicam entre si. Isso é mais uma fábula?

Nada é impossível. Na época de Santos Dumont grandes pensadores diziam que era impossível voar com um corpo mais pesado do que o ar. Só voavam com balões, que eram mais leves. Santos Dumont voou com o mais pesado do que o ar! Nesse caso das plantas eu não tenho posição formada, mas gosto do pensamento. Tenho o habito de pensar tudo de forma científica, se alguém me indicar algum tipo de chá que cura determinada doença, a primeira pergunta que faço é onde está a informação a respeito do fato. Há alguma publicação científica do assunto? Os próprios médicos já comprovaram? Eu quero comprovações!


 

                                                                                        Foto by JUNASSIF

Qual é a importância do melhoramento genético para a economia do Brasil? A ESALQ como tem colaborado a respeito?

A primeira contribuição é a formação de profissionais. Hoje muitos melhoramentos são iniciativas empresariais. Antigamente não era assim, o Instituto Agronômico, a ESALQ, a Escola de Viçosa, a Escola de Lavras, Escola do Rio Grande do Sul, tinham uma contribuição mais direta, criando variedades, híbridos. Hoje quem participa muito nesse processo de criar variedades é a EMBRAPA.

Todo o esforço de melhoria genética e produtiva, muitas ao longo de anos de trabalho, gera resultados altamente positivos. Não é frustrante para o pesquisador saber que milhões de pessoas passam fome atualmente, apesar do mundo já produzir alimentos suficientes para todos?

Perde-se muito alimento. Isso é frustrante. Falam da perda de um terço do alimento produzido no mundo. É perdido por diversas formas: na lavoura, no transporte, em casa.

Até algumas décadas não existiam estampadas datas de fabricação e nem de validades dos produtos. Eles eram avaliados para o consumo pelo odor, sabor e aparência. Há excesso de zelo com relação a validade de alguns produtos?

Em algumas situações há sim excesso de zelo. A determinação governamental de estabelecer a validade dos produtos é positiva. O objetivo é precaver contra descuido ou má fé de algum indivíduo. Estampar a validade é melhor do que produto sem data de validade.

O senhor mantém contato com seus colegas cientistas de outros países?

Mantenho contato com pesquisadores dos Estados Unidos, México. Fiz umas cinco ou seis publicações que saíram em revistas cientificas internacional junto com um colega mexicano.

Porque o Brasil não produz trigo?

Produz! Mas sempre teve um problema, o trigo se desenvolve mais em clima de latitude mais alta, Rio Grande do Sul, Santa Catarina. O grande problema do trigo no Brasil são as doenças. Estão sempre produzindo linhagens novas que são resistentes. Durante muitos anos houve excesso de produção de trigo nos Estados Unidos, eles ofereciam no mercado internacional a um preço muito atrativo. Os moinhos adquiriam o trigo importado mais barato do que o brasileiro. Isso foi por muitos anos.

O senhor participou da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência?

Participei. No inicio era o centro que reunia os pesquisadores. Depois passou a desmembrar em cada especialidade, como por exemplo, a Sociedade Brasileira de Genética, Sociedade Brasileira de Melhoramentos de Plantas, Sociedade Brasileira de Biometria. Com isso meu interesse voltou-se mais para áreas diretamente ligadas as minhas pesquisas.

A fome no nordeste brasileiro tem solução?

Existem alguns problemas, mas tem regiões no nordeste que são muito boas. Existe a questão da distribuição. Acho que deveria melhorar a logística. Predominam os pequenos produtores. A fome lá é uma questão de cultura, de política.

A fome é uma questão cultural?

Também! Precisa haver introdução de tecnologia com apoio do governo. Pesquisas de apoio. Participo como consultor de um programa para criar variedades que se desenvolvem bem em regiões onde chove menos, o solo não é tão bom. São as chamadas áreas marginais. Já tem algumas linhagens que são mais tolerantes a seca. A tendência no Brasil vai ser no sentido de tratar variedades de diferentes espécies que se desenvolvam razoavelmente bem, nessas áreas chamadas marginais. O cerrado, por exemplo, é um ambiente complicado. Tem que se criar variedades que se dêem bem razoavelmente lá. Com a genética é possível isso ser feito. Uma mostra disso é a soja, de origem asiática, que no início era cultivada só no Rio Grande do Sul. A EMBRAPA fez a tropicalização da soja. Hoje a soja é produzida no Mato grosso, em Goiás, a soja está agüentando um ambiente que não era o ambiente natural dela. A mesma coisa aconteceu com a maçã. Não havia maçã, consumíamos a maçã argentina. A EMBRAPA entrou nesse esquema também. A maçã para produzir bem precisa de certo número de dias frios no ano. Fizeram cruzamentos e seleções, hoje o Brasil é um bom produtor de maçã.

 

VISTA PARCIAL DA ESALQ  


                                         Ocupa uma área de  3.825,4 hectares, com 231 mil m² de área
                                         construída

 

O produtor é relutante em aceitar novas tecnologias?

Ele não muda com muita facilidade. Eu acredito muito no sistema adotado no sul do nosso país, é baseado em cooperativas. São veículos importantes na difusão, em dar apoio. Tive essa noção da importância da difusão por ter chefiado o Centro Nacional de Pesquisa de Milho e Sorgo (CNPMS), em Sete Lagoas, da EMBRAPA, durante cinco anos. Foi uma solicitação do então ministro Delfim Neto ao diretor da ESALQ. O presidente da EMBRAPA, Dr. Eliseu Alves, havia solicitado a ele que eu fosse indicado em função do trabalho que eu vinha desenvolvendo. Lá aprendi muito, vi a dificuldade que é criar uma novidade tecnológica e fazer com que o produtor aceite. Trabalhava na área de melhoramento, de semeadura, controle de solo, fertilidade. No Brasil é muito comum o cultivo consorciado, milho junto com feijão, na mesma área. A área é bem aproveitada. Um dos colegas sugeriu que fosse feita uma semeadeira com duas caixas, uma de milho outra de feijão. Semeia as duas ao mesmo tempo. Fizeram, entraram em contato com algumas empresas fabricantes de implementos agrícolas em São Paulo, Produziram algumas. Só que o projeto não foi levado adiante. O pequeno produtor não gosta de arriscar, faz o que está acostumado a fazer. Acho que o produtor deveria ter um tratamento diferenciado, com juros e taxas menores para o pequeno agricultor. A agricultura é uma atividade de risco. O Brasil será sempre uma fonte de alimentos para o mundo. Têm muitos que defendem o desenvolvimento da indústria, da eletrônica. Acredito que devemos fazer de tudo um pouco. Só que investir neste celeiro do mundo não é ruim não.

A tecnologia existente tanto para produzir eletrônicos sofisticados como para produzir produtos agrícolas de alta qualidade são correlatas?  

As duas são de alta sofisticação. A sociedade brasileira deveria reconhecer mais o quanto é trabalhoso obter híbridos novos. Valorizar mais. Os órgãos públicos podem ter mais sensibilidade para facilitar esse trabalho de grande teor tecnológico.

Parece que há um desconhecimento geral do que se obtém através de aprimoramento de espécies?

Não acho que seja desdouro nenhum o Brasil ser o celeiro do mundo. Muitos brasileiros acham que isso é típico de país subdesenvolvido. Devem existir muitos políticos que pensam dessa forma. Felizmente o Brasil está muito bem em soja, celulose, laranja, carne bovina. Mas o país precisa investir mais. Diminuir os riscos do pequeno produtor.

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