PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista joaonassif@gmail.com 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
Christovam Vaz do alto dos seus
quase 89 anos é um exemplo de que o ser humano pode atingir seus objetivos mesmo
em condições adversas. Violinista, professor de violino, com muita garra, homem
de princípios elevados, aproveitou cada momento que teve para realizar seu sonho
de ser músico. Foi agricultor, comerciante, corretor de imóveis, por vinte anos
atuou como motorista de taxi em São Paulo, sempre com o violino no porta malas
do automóvel, para nos poucos momentos de folga estudar música e violino.
Garantiu o sustento da sua família, trabalhando muito, sem deixar a arte de
lado. Hoje tem uma família unida e três violinos, amigos inseparáveis. Escreve
poesias, letras de música, foi Spálla da Orquestra Sinfônica de Araçoiaba da
Serra – OSAS, fundada em 1975 pelos maestros Ary Vieira e João Fonseca da
Rocha, elogiada entre outros, pelos maestros Souza Lima, Isaac Karabitchevsky e
Eleazar de Carvalho. Christovam Vaz por três anos foi voluntário do CVV de
Sorocaba. Atualmente Christovam Vaz e sua esposa Elisa da Encarnação Diogo Vaz
residem em Piracicaba.
O senhor nasceu em que data?
Nasci no dia 20 de outubro de
1927, em Coroados, noroeste do Estado de São Paulo. Meu pai é Casemiro Vaz e
minha mãe é Alexandrina dos Prazeres Vaz que tiveram os filhos: João,
Guilherme, Clotilde, Alzira, Manoel e Christovam. Meus pais vieram de Portugal,
casados, meu pai era marceneiro. Inicialmente foram morar em Birigui e em
seguida em Coroados. Infelizmente ele faleceu precocemente, com hanseníase. Na
época eu era muito pequeno, guardo poucas lembranças. Eu era o filho caçula,
tinha uns dez a doze anos. Moramos um período em Sertanópolis, no Paraná. De lá
viemos para a cidade de São Paulo.
O senhor fez o curso primário em
que escola?
Estudei no Grupo Escolar da Vila
Guilherme. Tinha que trabalhar, fui trabalhar em uma fábrica de vidro, a Nadir
Figueiredo, que ficava no Belém. Meu serviço era junto ano forno.
O senhor era praticamente uma
criança e trabalhava junto ao forno?
Eu fazia o possível para chegar
mais perto e jogar água fria, para manter constante a temperatura do forno.
Essa atividade era considerada insalubre, com isso eu recebia uma espécie de
subsidio. As peças de vidro eram montadas em uma máquina e nós as levávamos
para o forno. Um forno especial para recoser aquelas peças. As peças saiam do
forno já preparadas.
Como era feito o vidro?
Há duas origens: os cacos de
vidros ou montado com a matéria prima: areia, barrilha e demais componentes. Usávamos
barrilha substituindo o sabonete ou sabão para lavarmos as mãos ao sair do
serviço, ou para almoçar.
A Nadir Figueiredo produzia que
tipos de produtos?
Produzíamos copos, jarras. Já era
uma empresa grande quando trabalhei lá.
O senhor chegou a conhecer Nadir
Figueiredo?
Havia até uma brincadeira entre
nós, dizíamos quando ele chegava: “O homem está chegando!”, isso porque
sentíamos o perfume do charuto que ele costumava fumar.
O senhor teve outra atividade na
empresa Nadir Figueiredo?
Após trabalhar na produção das
peças em vidro, fui trabalhar na lapidação, tinha que ter o dom artístico para
trabalhar na lapidação. Fazia desenhos no vidro. Havia uma pedra junto a uma
espécie de torno de madeira, que era manipulado junto ao vidro branco ou
colorido. A peça lisa era marcada por esse torno de madeira, era riscado o que
seria feito depois. O desenho não era a mão livre, era feito na máquina depois
era lapidado.
Havia algum tipo de proteção:
óculos, luvas?
Não usávamos, não havia nenhum
tipo de preocupação exagerada. Naquele tempo não tinha, hoje há equipamentos
especiais de proteção individual.
Nessa época o senhor morava com a
sua família?
Morava na Vila Maria. Naquele
tempo o movimento na Vila Maria era pequeno. Eu trabalhava no Belém, na Rua
Passos. A empresa através de alguns diretores, montou uma divisão da Nadir
Figueiredo, no Belém mesmo, mas em outro endereço, depois de algum tempo fomos
trabalhar em uma unidade situada na Rua Voluntários da Pátria, em Santana. Lá
trabalhei como lapidador. Lapidador era considerada uma profissão.
A empresa Nadir Figueiredo
produzia vasilhames como garrafas, por exemplo?
Na época, que eu me lembre não
produzia. Eram mais jarros e copos. Havia também uma produção de cristal, as
peças eram fabricadas utilizando o que chamávamos de cana. Na ponta havia uma
bolinha, mergulhava-se no vidro líquido e levava para a máquina, era a máquina
que dava o formato da peça. Antes soprava com a boca a ponta da cana para
injetar ar e dar inicio ao processo. Era um serviço onde só os adultos
trabalhavam. Criança era só para criar o vidro. Eu era criança, já tinha saído
da escola para trabalhar.
Da sua casa até o trabalho, qual
condução o senhor utilizava?
Ia de bonde! Ali na nossa região
não havia o bonde fechado, conhecido como “camarão”, só existia bonde aberto.
Andava meia hora a pé para pegar o bonde. As ruas eram todas de terra, quando
chovia andava com um chinelo dependurado nos ombros, ia descalço, quando
chegava ao serviço lavava os pés e colocava o chinelo. Nesse tempo o Rio Tiete
era limpo, andavam de barco, nadavam. Inclusive eu e outras pessoas pegávamos
um barco na Vila Maria Alta, havia a Vila Maria Baixa. Íamos passear até o
Corinthians. Lá havia uma ponte de madeira, nós conhecíamos a região como
Parque Novo Mundo. Naquela época havia
um zoológico, na Rua 7, uma lembrança que
muitos guardaram é que o dono do zoológico faleceu sob a pata de um elefante
Até que ano o senhor permaneceu
trabalhando na Nadir Figueiredo?
Permaneci até 1947, quando me
casei.
Como o senhor conheceu sua futura
esposa?
Na escola! Foi lá que conheci
Elisa da Encarnação Diogo Vaz, minha esposa. Tivemos dois filhos, Diogo e
Elisabete. Temos sete netos e dois bisnetos. A Elisa morava a duzentos metros
da minha casa quando nos conhecemos, íamos e voltávamos da escola juntos.
Naquela época éramos crianças. Quando Elisa completou 16 anos e eu tinha 17
anos começamos a namorar. Antes de casar Elisa trabalhou seis anos na São Paulo
Alpargatas situada na Rua Almeida Lima.
Elisa da Encarnação Diogo Vaz e Christovam Vaz
A senhora chegou a trabalhar na
fabricação do famoso calçado alpargatas?
Naquela fábrica fazíamos
alpargatas, tapetes, lonas. Quando nasceu a minha filha deixei de trabalhar na
Alpargatas.
Após o senhor sair da Nadir
Figueiredo qual foi a sua próxima atividade?
Fui trabalhar em um bar em
sociedade com meu irmão Manoel, o bar ficava no Alto da Vila Maria. Permaneci
uns dois anos. Em seguida adquiri um empório, junto com a minha esposa. Era o
“Empório São Judas Tadeu”, ficava no Jardim Japão. Permanecemos por seis anos com esse empório.
Em seguida fomos para Arthur Alvim onde ficamos três anos com um bar. De lá
fomos para a Rua Antonio de Barros, no Tatuapé, como proprietários de um bar.
Após vender esse bar, adquiri com um sócio um bar na Avenida São João, em
frente ao Cine Pomodoro. O sócio faleceu. Foi uma experiência difícil, as
imediações eram freqüentadas pela “malandragem” da época. Perto da Folha de São
Paulo, na Alameda Barão de Limeira, era um local mal freqüentado, até o odor
era marcante, cheirava mal. Vendemos o bar para nos livrarmos daquilo. Naquela
época a rodoviária não existia ainda, foi construída depois nas imediações.
Decidi mudar de atividade, com meu cunhado Manoel, fui ser corretor de imóveis.
Tinha escritório na Praça da Sé. Além das vendas e locações vendíamos terrenos
em loteamentos, como no Butantã, na Avenida Raposo Tavares. Ganhei muita
experiência com essa atividade.
Após encerrar a carreira de
corretor de imóveis qual foi a próxima atividade do senhor?
Fui trabalhar como taxista.
Trabalhei nessa profissão por vinte anos, em São Paulo. Trabalhei sempre com
Fusca, das mais diversas cores: amarelo, cinza, azul. Trabalhava durante o dia,
quando tinha movimento avançava até as dez horas da noite. Meu ponto era fixo,
ficava no bairro Pompéia, naquele tempo o ponto já tinha telefone. Passei a trabalhar
com taxi para poder estudar violino.
Quando o senhor passou a gostar de
música?
Quando nasci! Ainda pequeno já
tocava violão, cavaquinho, ainda muito pequeno eu já cantava afinado. Meu irmão
mais velho executava musica com o cavaquinho, eu ainda muito novo, quando
percebia que havia uma mudança de notas acompanhava já bem afinado. Isso no
interior, no meio do mato. Na época trabalhávamos no sítio, próximo a
Sertanópolis, no Paraná.
Sua paixão pelo violino nasceu
quando?
Eu tinha atração não só pelo
violino como pelo violão também. Onde estávamos não havia cursos
especializados, estudávamos “a olho”. Sem método. Após vir para São Paulo,
depois de muitas experiências, passei a estudar violino metodicamente.
O primeiro violino que o senhor
adquiriu foi quando?
Comprei um violão na Casa Di
Giorgio, em 1946, pagando a vista. Eu
estava com meu irmão quando adquiri esse violão, é um instrumento com 70 anos! O
violino eu adquiri em 1950. Não era um violino de origem famosa, mas tinha boa
qualidade. Conheci um professor que passou a me dar aulas de violino.
O senhor também gosta de
serestas?
Gosto e muito! Fiz muitas
serenatas, em especial para minha namorada, atualmente minha esposa. Tinha um
amigo que cantava divinamente.
Qual era a reação da senhora? Era
um sinal de que a moça estava ouvindo, acender a luz do quarto, a senhora
acendia?
Meu pai não gostava. Mas eu abria
a janela.
Christovam completa:
Havia um acordo entre nós
seresteiros, íamos fazendo serestas para as namoradas ou pretendentes de cada
um, com isso varávamos a noite tocando e cantando. Tinha um senhor que morava
na Vila Maria e mudou-se para o Ipiranga. Fomos fazer uma serenata para a filha
dele. Ele veio nos atender, gentilmente, pediu que entrássemos o enamorado era
o Alfredinho. Ele muito tímido foi embora logo, nós amanhecemos na casa desse
senhor, comendo e bebendo a vontade. Éramos sempre belissimamente recebidos.
Era raro oferecerem alguma recepção, mas sempre nos escutavam.
Em que ano o senhor e sua esposa
casaram-se?
Casamos no dia 5 de abril de
1947, temos 69 anos de casados. A cerimônia foi na Igreja São José do Belém.
Tínhamos que nos confessar antes do casamento, fomos, era uma sexta-feira
Santa, estávamos na fila da confissão, ela e eu, houve algum problema com o
padre, ele deixou o confessionário e não voltava. Após uma longa espera
decidimos ir embora.
Como taxista o senhor teve
inúmeros tipos de passageiros.
Sem dúvida. Inclusive dois
assaltos, que se considerarmos o tempo em que trabalhei, 20 anos, está bom
demais! Não foram violentos, não agrediram. Em um dos assaltos os assaltantes deixaram-me
na Estrada de São Miguel Paulista. Pegaram um pouco de dinheiro que eu tinha, o
violino, que estava no porta malas, eles não mexeram. No dia seguinte a polícia
trouxe-me o carro de volta. Certa ocasião eu estava na Avenida São João, centro
de São Paulo, esperando o farol abrir, vi uma pessoa esperando um taxi, parei,
o “passageiro” entrou no carro, nisso ia entrar um segundo passageiro, estavam
juntos, a policia chegou! Já estava de olho neles, prendeu-os e já me
dispensou. Eu sou muito devotado a crença do amor, da bondade. Na crença do
crédito perante Deus.
Trabalhando como taxista o senhor
conseguia ter tempo e disposição para estudar violino?
Eu queria estudar, mas não tinha
tempo nem como estudar. O meu estudo musical foi sempre meio difícil. Quando
adquiri o taxi além de trabalhar eu sempre dava um jeito de estudar no
Conservatório de Guarulhos, onde estudei por cinco anos.
O senhor através do tempo
adquiriu conhecimento suficiente para tornar-se professor de violino?
Foi um bom curso, mas como eu
necessitava dividir minhas tarefas, estudar e trabalhar para manter a minha
família, deixei de aprofundar-me mais, da forma que eu gostaria, no estudo do
violino e da música. O importante é que fiz o curso completo.
O senhor tocou violino em
orquestra?
Toquei no Conservatório Amador de
Guarulhos. Éramos chamados a tocar em diversos locais. Tocamos por duas vezes
no Teatro Municipal de São Paulo. Toquei como profissional na Orquestra de
Osasco, mas a política, que no momento não recordo os detalhes, desmontou a
orquestra.
O senhor mencionou Araçoiaba da
Serra, qual é a relação do senhor com essa cidade?
Lá adquirimos um empório.
Adquirimos uma chácara de 4.000 metros. Assim que cheguei à cidade,
indicaram-me um maestro, João Fonseca da Rocha, uma grande alma. E ele me
aceitou. Passei a integrar a orquestra. Gravamos o Hino Oficial de Araçoiaba da
Serra na cidade de Tatuí. Eu era Spálla da Orquestra Sinfônica de Araçoiaba da
Serra – OSAS.
Atualmente o senhor faz poesias?
Tenho poesias que faço, algumas
já foram publicadas. Procuro expressar o melhor que o ser humano tem dentro de
si.
O que a música significa para o
senhor?
Sem ela eu não seria nada. Eu
precisaria ser musico conhecer música, para completar a minha existência. Um
grande pensador já disse que a música é a arte divina por excelência.
O senhor lembra-se com saudade de
Araçoiaba da Serra?
Hoje me emocionei (chorou) quatro
vezes ao ouvir o Hino de Araçoiaba. Lugar santo, divino onde morei por 22 anos.
Além da música fizemos grandes laços de verdadeiras amizades. O Universo é
dirigido pelo amor, veja a força que o amor tem! Quem usou essa força foi o
Criador!
Poesia que o Sr. Christovam fez à
sua esposa Elisa: A minha amada e/ querida Elisa/ Meu segredo vou
revelar/Dizendo a toda gente/ Por que tão derrepente/ Meu coração reprimido/
Dentro de um peito partido/ Vive feliz a cantar. Porque não dizer tudo agora/ Com verdadeira
mansidão/ Tirar de dentro prá fora/ Toda minha devoção/Revelando meu
intento/Quero a todos confessar/ Estou cansado, não agüento: Meu desejo é te
Amar!
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 14 de maio de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
http://www.teleresponde.com.br/ ENTREVISTADO: JOSÉ FERREIRA (ZÉ PRADÃO)
José Ferreira desde muito cedo
começou a gostar de escrever. Aos quatorze anos já escrevia com regularidade.
Extremamente observador dos hábitos e costumes, procurava registrar os fatos
que presenciava ou ouvia falar. Em pouco tempo tinha acumulado uma série de
cadernos, com registros históricos de uma época. O destino quis testar sua
tenacidade e sua vocação, um dia ao voltar do seu trabalho ao local onde morava,
só encontrou as cinzas de um incêndio. O que um dia tinha sido seu maior bem,
seus escritos, agora estavam destruídos. O choque foi grande para ele. Mas a
vida tinha que continuar. De origem humilde, teve que trabalhar ainda muito
cedo para ajudar a compor os escassos ganhos da família. Com o passar do tempo,
o sonho maior falou mais alto, e aos poucos José retornou a escrever. Hoje já
aposentado, quase de forma compulsiva ele escreve. Escreve muito. Com letra
caprichada, vai dia a dia preenchendo grossos cadernos. Desperta a curiosidade
natural de alguns. Outros julgam que é apenas um capricho. Mas aos poucos ele
vai revelando o interior do seu ser, a sua extrema capacidade de observação de
hábitos e costumes, e transforma tudo isso em contos, poesias, frases. Um
historiador e escritor nato. Nascido a 5 de maio de 1942, a Rua XV de Novembro
entre a Rua Aquilino Pacheco e a Rua Silva Jardim no Bairro Alto, em
Piracicaba. José em seus escritos aborda de formas diferentes, em histórias,
poesias, frases, o cotidiano. É uma escrita pura, que nasce do seu intimo, de
suas observações. Um autêntico artista que apesar de não aquecer as cadeiras
das escolas por muito tempo se expressa de forma objetiva, artística. Um grande
valor literário, sem dúvida.
Onde hoje é o Estádio Barão de Serra Negra
tinha o que naquela época?
Tinha um bosque, eu brincava ali quando criança. Já
existia aquela árvore frondosa que permanece até hoje, a sapucaia. A fruta dela
tinha o formato de coco com uma espécie de tampa, quando amadurecia aquela
“tampa” caia. Dentro havia uma espécie de noz. .Em frente ao Cemitério da
Saudade havia um largo, éramos crianças, um pegou uma enxada, outro pegou o
rastelo, e decidimos fazer um campinho de futebol ali. No bosque havia um
bambuzeiro, fomos lá e pegamos uns bambus grossos, fizemos a trave, quando
marcávamos um joguinho contra algum time adversário pegávamos cal e marcávamos
as linhas do campo.
Qual era a atividade do seu pai?
Era pedreiro, seu nome era Antonio Ferreira e minha
mãe chamava-se Dulcilia Conversa Ferreira. Eles tiveram os filhos: José, Maria
Luiza, Ana Maria e Alcides.
O senhor estudou em qual escola?
Comecei no Grupo Escolar Alfredo Cardoso, naquela
época era atrás da Igreja Bom Jesus. Depois eu fui para o Grupo Escolar
Prudente de Moraes que ficava onde hoje é o Museu Prudente de Moraes, na
esquina da Rua Santo Antonio com a Rua Treze de Maio. Como eu era muito novo
minha mãe me trazia a pé do Bairro Alto até a escola. Consegui voltar ao Grupo
Escolar Alfredo Cardoso, no prédio que está até hoje. Antes ali tinha sido
estação de trem da Estrada de Ferro Sorocabana, nós chamávamos ali de Largo da
Estação. Estudei até o quarto ano primário. Ai eu comecei a trabalhar.
Em que local foi seu primeiro emprego?
Com aproximadamente treze anos fui trabalhar para a
Prefeitura Municipal no “Rec-Rec”. O serviço era tirar grama dos vãos entre os
paralelepípedos e a grama que nascia no leito carroçável, sarjetas. Trabalhava a maior parte do tempo com a
coluna dobrada, o chefe não era fácil, se desse uma paradinha ele dizia:
“Vamos, vamos...”. A água era armazenada e servida em um corote de madeira. Entrava
no serviço as sete horas da manhã, parava para almoçar as dez horas, as duas
horas da tarde tinha café com leite. A nossa sede era na Avenida Dr. Paulo de
Moraes, no prédio da prefeitura. Só que nosso chefe dizia: “ Amanhã vamos
começar o serviço em tal rua”. As ferramentas eram levadas pela prefeitura para
essa determinada rua na véspera.
Como eram as ferramentas?
Sabe esses arcos de barril? Íamos a diversos
lugares, pedíamos aqueles arcos de barril, nós é que tínhamos que ir atrás, não
era a prefeitura. Tinha os mais largos e os mais estreitos que chamávamos de
ferrinho. O maior era usado em touceira de grama. Quando era touceira muito
grande usávamos a enxada. As ferramentas eram amoladas com lima
Quanto tempo o senhor trabalhou no “Rec-Rec”?
Trabalhei quando o prefeito era o Dr. Samuel de Castro
Neves.
O senhor chegou a conhecer o Teatro Santo Estevão?
Conheci! Inclusive tenho uma história relacionada ao
prédio do Teatro Santo Estevão. Naquela época eu estava estudando das duas e
meia às cinco e meia da tarde no Grupo Prudente de Moraes, que era onde é o
Museu atualmente. Minha mãe me levou até a escola. As cinco e meia eu saí e
passei em frente ao Teatro, bem na frente da porta do Teatro Santo Estevão
quando fui descer a guia, vi algo embrulhadinho, Peguei e olhei, eram Cinco Mil
Réis! Ali tinha um ponto de carro de praça (taxi). Coloquei no bolso
rapidamente, desci a Rua São José, entrei na Rua Governador Pedro de Toledo,
desci a Rua Moraes Barros, correndo sempre, virei na Rua José Pinto de Almeida,
subi a Rua XV de Novembro, cheguei em casa quase sem fôlego, minha mãe
perguntou-me por que eu estava correndo tanto. Contei o que tinha achado. Minha
mãe quis saber onde eu achei. Contei toda a história para ela. Ela mandou que
eu permanecesse com o uniforme da escola, ela se aprontou, disse-me: “-Vamos aonde
você achou o dinheiro!” Fomos a pé até o Teatro. Ela quis saber em que lugar eu
havia achado aquele dinheiro. Mostrei o local. Ela perguntou-me se alguém viu.
Eu respondi-lhe que era possível que os motoristas de carro de praça tivessem
visto. Minha mãe foi e perguntou ao Mingo Fantasia, que era um dos mais antigos
motoristas de carro de praça. Ele morava perto de casa, na Rua Moraes Barros em
frente ao Grupo Escolar Alfredo Cardoso
Ela disse: “Seu Domingos, esse é meu filho, o senhor
conhece, ele disse que achou esse dinheiro aqui. “Seu Domingos respondeu: “-
Ele achou mesmo Dona Dulcilia. Nós vimos quando ele abaixou e depois vimos
àquela criança correndo. Fomos ver atrás do Teatro se não tinha ninguém o
ameaçando. Nós vimos ele achando” Minha
mãe deu até um suspiro. O Seu Domingos disse: “A senhora veio lá do Bairro
Alto, a pé só para confirmar?” Minha mãe respondeu: “Eu tenho que confirmar”.
Nessa época o senhor trabalhava como pedreiro?
Ele já estava trabalhando no
Cemitério da Saudade, junto com o me pai, o nome dele era Antonio Ferreira, mas
era conhecido como Pradão. Isso porque na entrada do cemitério tem uma imagem
do Pradão com um livro. Quando ele começou a trabalhar lá colocaram o apelido e
ficou conhecido como Pradão. Quando ele faleceu a nota dizia que tinha falecido
Antonio Ferreira, o Pradão. Ninguém o conhecia por Antonio.
João de Almeida Prado é conhecido como homem do livro no cemitério, diz a lenda que de vez em quando o livro está em sua mão e as vezes no chão
ANTONIO (JÁ FALECIDO) IRMÃO DE JOSÉ FERREIRA Entrevista dada â alunos do Curso de Jornalismo da UNIMEP Você tem apelido?
Quando eu jogava no time
“Paulistano” que ficava no Bairro Alto, na esquina da Rua Silva Jardim, o Ari
Rizzo tinha uma lojinha na Rua Moraes Barros bem em frente ao campinho. O Hugo
Olivetto (Que por algum tempo ficou conhecido como um dos homens mais pesados
de Piracicaba, chegou a fazer até propagandas comerciais em função da sua
condição física), morava ali perto. Fomos falar com o Ari, estávamos formando
um time, queríamos adquirir um jogo de camisas, só que não tínhamos dinheiro,
pagaríamos quando pudéssemos. Ele nos deu 12 camisas. No time tinha o José
Zambello, branco. Combinamos eu era Zé Preto e ele Zé Branco. Era uma época
diferente, havia pureza de sentimentos. A escola era uma beleza, um silêncio!
No Grupo Prudente de Moraes tive como professora Dona Célia.
Qual foi o próximo
emprego em que o senhor trabalhou?
Fui trabalhar em uma selaria na
Rua Governador Pedro de Toledo, quase na esquina da Avenida Independência, de
propriedade de Marcelo, o Marcelino Mendes e do Toninho eram irmãos. Um tomava
conta da loja e o Marcelo tomava conta e nos ensinava o ofício atrás, no
barracão. Depois eles compraram do Augusto Baldo a selaria na esquina do
mercado e daí mudaram-se para lá. Eu passei a trabalhar para o Laerte
Tremacoldi, ele tinha uma fábrica de barcos, atrás do Grupo Alfredo Cardoso, os
barracões estão até hoje lá. A parte debaixo do barracão era a fábrica de
barcos. Comecei fazendo limpeza, aos poucos ele foi me ensinando a parte de
pintura, apertar parafusos nos barcos. Após algum tempo sai e fui trabalhar com
o meu pai. Eu tinha uns quinze anos.
O primeiro dia em que o
senhor foi trabalhar com o seu pai, no Cemitério da Saudade, qual foi a reação
do senhor?
Foi normal. Entramos meu irmão
e eu. Naquela época não se usava o pedrisco para fazer concreto, Meu irmão e eu
ficávamos de segunda feira até sábado quebrando aqueles pedaços de tijolos, em
cima de uma pedra de paralelepípedo.No sábado nós a peneirávamos e mediamos em
uma lata de dezoito litros. O empreiteiro Firmino José Ribeiro chegava, outro
empreiteiro era o Xoxo. Nós mediamos, meu pai marcava. Ele dizia: “Os meninos
quebraram tantas latas de pedrinha”. Eles
pagavam o meu pai, quando chegava aos sábados, meu pai dava um mil réis para nós.
Íamos ao cinema São José, meu irmão e eu, quando chegávamos, na portaria tinha
um senhor já bem idoso que vendia um doce baratinho chamado de mata-fome.
Comprávamos uma para cada um de nós e subíamos para assistir filmes de
bang-bang com Tom Mix,Buck Jones,Roy Rogers. Não deixava de ir um sábado sequer. Na
Igreja Bom Jesus tinha o Cine Paroquial, lá não pagávamos nada. A molecada
pobre do bairro lotava o Cine Paroquial. Naquele tempo usávamos ainda calças
curtas e pé descalço. Fui colocar uma alpargata no pé aos quinze anos. O
pessoal chamava a Alpargatas Roda de “enxuga-poça”. Um dia uma vizinha chegou
para a minha mãe e disse: “Dona Dulcilia, experimente esse sapato no pé do
Zézinho, assim eu era chamado no bairro, era do meu filho”. Minha mãe pegou,
agradeceu, experimentei o sapato. Parece que tinha sido feito para mim. Foi meu primeiro sapato, eu tinha quinze
anos. Foi uma festa. Eu disse ao meu irmão: “Você vai de alpargatas e eu vou de
sapato”. Passou um tempo e ela apareceu com outro par de sapatos, perguntou à
minha mãe: “-Vê se serve para o Nenê”, que era o apelido do meu irmão Antonio
Ferreira Filho. Era meio grandinho, mas minha mãe enchia de jornal na ponta e
deu certo. Meu irmão disse-me: “Não é só você que vai de sapato, eu também
vou!. Essa vizinha era casada com Ernesto Furlan, eles moravam ao lado da nossa
casa.
No cemitério
o senhor após algum tempo quebrando pedra mudou de função?
Passei a ser servente, fazia massa, dava os tijolos. Naquela época eu
era servente de Antonio Ferraz, conhecido como Nico, irmão do Xoxo. O nome do
Xoxo era Aristides José Maria, ele era conhecido como Xoxo desde quando jogava
futebol no Palmeirão, no Palmeirinha. Lá ele ganhou o apelido de Xoxo que
permaneceu por sua vida e em suas obras no cemitério. Ele colocava uma
plaquinha com o nome Xoxo em cada tumulo que fazia. Isso motivou até um fato
engraçado, um pessoal da zona rural encomendou um tumulo. Quando ficou pronto
chamaram a família para ver. Um dos parentes, desconfiado, bateu no tumulo, e
disse: “Não sei não se vai durar muito!”. Os demais quiseram saber porque, ele
mostrou a placa escrito Xoxo e disse : “ Olha ali” . Foi quando o Xoxo teve que
explicar toda essa história. Lá no cemitério trabalhava também Antonio De
Sordi, pai do De Sordinho (NíltonDe Sordi que jogou na
Seleção Brasileir). Ele era empreiteiro e trabalhava para o Xoxo. Eu trabalhava
um pouco com ele e um pouco com o Nico. O De Sordi, assim como os pedreiros
daquela época era exigente. Saia às cinco horas da tarde, quando faltavam uns
quinze minutos ele dizia: “Pode pegar as ferramentas e lavar”. Tudo tinha que
ser muito bem lavado, a colher de pedreiro, enxada, o caixão de massa. Hoje
geralmente deixam do jeito que está. O Xoxo montou a marmoraria juntamente com
seu sobrinho Osvaldo Perina, o apelido dele era Zito, como sócio. Naquela época
chamava-se Marmoraria Bom Jesus. Artur José Maria, filho mais velho do Xoxo
ficou tomando conta das obras do pai no cemitério. O Xoxo ficava mais na
marmoraria. Eu comecei a trabalhar com ele, já como pedreiro. Era ele, eu e um
senhor de idade que nós o chamávamos de “Seu Zico”. Ele era nosso servente, e
praticamente um pai para nós. No fim o meu pai começou a empreitar obras por
conta própria.. Éramos nós dois ele e eu. Na época havia uma concorrência
agressiva, outro empreiteiro fica observando o cliente acertando o serviço com
algum construtor. Quando o cliente saia o empreiteiro que estava de olho
abordava o cliente e fazia por um preço menor o mesmo serviço. Era uma guerra.
Meu pai percebendo o procedimento ocorrido algumas vezes, fez um documento onde
o contratante assinava um termo de compromisso, nos termos de uma duplicata.
Ele dizia: “- Vou fazer o serviço, quando terminar eu aviso e o senhor paga a duplicata”.
Até que meu pai ficou enjoado daquela concorrência o tempo todo e decidiu
parar.
O senhor deve
ter histórias memoráveis ocorridas no cemitério.
Lembro-me de uma senhora que procurou o meu pai e disse: “-Pradão,
quanto você cobra para erguer uma segunda gaveta no tumulo de minha
propriedade, que só tem uma gaveta?” O tumulo fica perto do túmulo do Padre
Galvão. Meu pai deu o orçamento, Ela estava conversando com o meu pai, eu
fiquei meio afastado, meu pai não gostava que ao conversar com uma pessoa
alguém, mesmo um filho, ficasse perto dele escutando. Olhei na direção do
centro de Piracicaba, vi uma poeira enorme, comentei com um colega que estava
perto que estava estranhando aquela poeira. Ele disse-me: “Estou com o rádio
ligado. Caiu o Comurba!” Era parte do edifício “Luiz de Queiroz” mais conhecido
como COMURBA que era o nome da construtora Companhia de Melhoramentos Urbanos. A
mulher que tinha ido conversar com o meu pai amoleceu as pernas e sentou-se. O
amigo dele, marido dela, trabalhava como encanador naquela obra. Ela
simplesmente disse: “Meu marido trabalha no Comurba!”. Sem saber se ele tinha
sido vitima, no outro dia meu pai e eu demos andamento a obra, deixamos
preparado para ser usado futuramente. No dia seguinte a mulher voltou e disse
ao meu pai: “É Pradão! O túmulo vai ser usado! Meu marido faleceu no acidente
do Comurba!”.
O próprio
empreiteiro é que fazia o sepultamento?
O sepultamento era feito por funcionários da prefeitura. Depois é que o
empreiteiro passou a fazer também o sepultamento. Nesse caso em particular,
como o túmulo ainda estava por ser concluído, ele foi autorizado a fazer o
sepultamento.
Como
funcionava a distribuição de serviço entre os empreiteiros?
Cada empreiteiro era escalado uma semana. Era o Xoxo, o Firmino José
Ribeiro, o Fioravante de Lima (Tino), cada semana era um, fazia o rodízio.
Trabalhei com todos eles. Naquela época não éramos registrados, havia a
necessidade de bons profissionais, quem precisava pagava um pouco a mais e o
profissional ia trabalhar para outro empreiteiro.
A porta
principal do cemitério foi sempre no mesmo local?
A entrada era pela Avenida independência, o portão existe até hoje, mas
segundo consta, em 1906 o vereador Francisco Morato propôs a construção de um
portal de entrada que acabou ocasionando a demolição do muro que separava os
mortos de diferentes religiões. O
projeto é de Serafino Corso e foi construído por Carlos Zanotta. Diziam que
onde é Estádio Barão de Serra Negra, na época em que foi construído, foram
achadas ossadas ali.
Quantos anos
o senhor trabalhou no Cemitério da Saudade?
Trabalhei 30 anos no Cemitério
da Saudade. Não era funcionário da prefeitura, era empreiteiro.
Tinha pessoas que davam
gorjetas?0 anos,
embora não fosse funcionário da prefeitura Tinha! Acabei tornando-me um
pedreiro considerado como bom profissional, eu sempre gostei de fazer o serviço
bem direitinho, fiz o sepultamento de Mário Dedini, Leopoldo Dedini, Cassio
Paschoal Padovani, só não fiz o de Luciano Guidotti, porque não era o dia o meu
plantão. Eu era conhecido no cemitério como “Zé Pradão”.T
O primeiro sepultamento que consta nos registros do Cemitério da
Saudade é da negra Anastácia?
Foi da escrava Anastácia e ela está sepultada no mesmo lugar onde está
sepultado o João Balaeiro, ele fazia balaio e vendia. Era negro, de calça
arregaçada, pito na boca. Ao lado da capela tem um tumulo de um menino que
tinha falecido com nove ou dez anos, em cima do tumulo fizeram uma caixa de
mármore, com tampa, ali começou a aparecer água. Era uma caixa vazia, com a
tampa, para no futuro plantarem alguma flor, quando então seria tirada a tampa
de mármore. Após algum tempo, um determinado dia levantei a tampa, não comentei
nada com ninguém. Um dia chegou uma senhora, após um bom tempo rezando junto ao
tumulo ela disse-me: “- Falaram que esse menino virou santo”. Conversamos um
bom tempo, ela teve a curiosidade em saber o que tinha naquela caixa de
mármore, eu abri para que ela visse, estava cheia de água! Ela disse-me: “Será
que eu não posso levar um pouco dessa água?” Disse que podia, arrumei uma
garrafinha, com uma caneca enchi a garrafinha para ela. Após agradecer muito
ela foi embora. Uns quinze ou vinte dias depois, a mulher me procurou no
cemitério. Ela foi onde eu estava trabalhando e começou a chorar. Ela me
agradeceu muito, pediu que Deus me abençoasse, disse que seu filho não podia
nem levantar da cama, ele tinha dez anos, disse-me “ Lembrei-me de que o senhor
tinha falado da água, dei daquela água para ele beber, o menino sarou!”. Eu
apenas pedi que ela não comentasse com ninguém, iria causar um tumulto.
Há uma história de um caixão que ninguém conseguia levar assim que
entrou no cemitério?
É o túmulo do Padre Galvão. A meu ver é uma lenda, não posso afirmar a
veracidade do fato. Isso ocorreu no portão antigo, na Avenida Independência.
Quando chegou onde está o caixão pesou muito, a ponto de terem que soltar no
chão. Os funcionários mais antigos comentavam que foram feitos todos os
esforços para erguer o caixão, mas não conseguiram. Decidiram fazer o tumulo
ali mesmo, e assim foi feito.
Outro tumulo muito visitado é o de Alfredo Cardoso?
Há um grande número de pessoas que freqüentam esse tumulo, a meu ver há bastante
criatividade popular.
O Cemitério da Saudade cresceu muito?
Cresceu! Compraram a chácara da família Schmidt e aumentaram.
O senhor aposentou-se trabalhando no cemitério?
Não, aposentei-me quando trabalhava em uma indústria metalúrgica, logo
que meu pai faleceu, eu fiquei desgostoso e sai do trabalho no cemitério. Eu já
tinha casado com Maria Aparecida Bernardes Ferreira, ela era enfermeira na
Santa Casa de Piracicaba. O primeiro emprego dela foi no restaurante e
lanchonete Leiteria Brasileira, ela era uma menina, exercia a função de
ajudante de cozinheira. Tivemos quatro filhos: Lucilaine, Claudia, Ana Paula e
José Roberto. Quando caiu o Comurba eu era solteiro, nós éramos namorados.
Troquei de roupa e sai de casa, disse à minha mãe que tinha caído o Comurba e a
Cida, minha noiva na época, trabalhava no restaurante encostado. Desci a pé a
Rua XV de Novembro, quando cheguei a policia não deixou entrar na área isolada.
Fui informado então que não havia acontecido nada no local onde ela trabalhava,
o pessoal estava todo no fundo do restaurante. Casamos na Igreja Bom Jesus. Eu
tinha dois cunhados, João Bernardes e Luiz Bernardes eles me convidaram para ir
trabalhar na Metalúrgica RKM. Fui admitido, trabalhei dois anos como faxineiro,
ai me chamaram para auxiliar de almoxarifado. O porteiro aposentou-e, fui para
a portaria. Tive que anotar tudo que ele fazia, ele não me ensinou nada. Quando
ele saiu eu consultava minhas anotações, em pouco tempo já estava amigo dos
caminhoneiros. O filho do Xoxo conversou comigo, eu comecei a trabalhar com
ele, fora do horário de expediente na metalúrgica, empreitava para realizar
serviços em túmulos. Como ele tinha marmoraria eu passei a ajudá-lo na montagem
de tumulo, principalmente de granito. A princípio usava-se o granito preto,
hoje utilizam mais o marrom. Aos sábados e domingos meu irmão e eu trabalhávamos
no cemitério. Levava massa, erguia parede, só que o nervo ciático começou a se
manifestar. Eu carregava muito peso. Apesar de que o material o filho do Xoxo
mandava o funcionário deixar tudo já preparado para que eu trabalhasse da forma
mais fácil. Mesmo assim eu fazia esforço físico, levava as latas com massa,
abaixava, levantava. Um dia eu disse-lhe: “Artur, não dá mais!”. Trabalhei oito
meses após aposentado. Nessa época aluguei um quarto na Vila Monteiro e passei
a morar sozinho. Após um excelente relacionamento com uma senhora que conheci,
chegamos a conclusão de que seria melhor continuarmos excelentes amigos. Logo
depois ela vendo-me morando sozinho, apresentou uma amiga com a qual vivi treze
anos Infelizmente ela ficou com Alzheimer, ficou pele e osso, eu que cuidava
dela. Nós freqüentávamos a Igreja São Francisco de Assis, próxima de casa. As
filhas foram extremamente atenciosas com ela, e vendo o quadro, acharam que eu
estava sentindo demais a doença dela. Iria me acabar junto com ela. Um dia me
chamaram e disseram que eu deveria me cuidar, dar um pouco de atenção a mim
mesmo, voltei a morar naquele quartinho que já tinha morado há anos. Ali tinha
meu fogão, minha geladeira, cuidava das minhas roupas. Foi quando minhas filhas
começaram a falar que eu ali sozinho não era uma boa opção. Eu não queria morar
com nenhum dos filhos, sei que cada um tem sua vida própria. Elas então
conseguiram com que eu arrumasse uma vaga no Lar dos Velhinhos. Faz dois anos
que estou aqui.
Sr. José Ferreira, como começou essa sua carreira literária?
Eu tinha 14 anos. Escrevi muito.
Já adulto tinha uma amiga, o marido dela trabalha no SEMAE, eu fazia poesia e
ela gostava muito. Eu tinha um caderno de duzentas folhas. Totalmente escrito.
Muitos me aconselharam a publicar um livro daquele caderno. Essa minha amiga
adoeceu, não podia mais levantar da cama. Eu pedia licença ao marido dela e ia
visitar-la.Uma ocasião levei o caderno, ela começou a chorar e disse-me: “Zé
antes de eu morrer você não dá este caderno para mim?” Dei o caderno para ela. Passei
um tempo sem escrever até resolver a começar tudo de novo, comprei cadernos,
canetas.
Você se considera um escritor, um poeta ou um historiador?
Faço alguns versos, mas não me
considero um poeta, eu conto histórias. Tenho muitas histórias. Algumas delas
estão em meus cadernos. Relembro as histórias do meu pai, da minha mãe,
escritas após eles terem falecidos. Parte da história da minha vida. Sinto que
o que escrevo desperta a atenção de muitas pessoas. Já publiquei pequenos
trechos, por influencia de amigos. Meu sonho é transformar uma parte do que
tenho em um livro. Só existe a barreira do custo de impressão, esse eu não
consigo arcar com ele.
Histórico sobre os primeiros cemitérios e enterramentos de Piracicaba:
Equipamento de primeira necessidade em qualquer civilização, o cemitério sempre esteve ligado à religião católica, no território brasileiro. Dependendo da classe social, os homens livres, quando mortos, eram sepultados dentro ou no adro das igrejas. Já os escravos eram enterrados nas fazendas onde trabalhavam ou abandonados nas proximidades de uma Santa Casa de Misericórdia (Cachioni, 2002).
A antiga prática dos enterramentos dentro das igrejas foi considerada prejudicial para a saúde pública, e uma legislação determinava que fossem construídos cemitérios em locais afastados da área do perímetro urbano, no entanto a população ainda insistia no sepultamento dentro das igrejas (ou nos seus adros), por considerá-los áreas santificadas.
Todavia, em Constituição, as obras de construção de uma nova matriz católica, as quais circundando a edificação primitiva, inviabilizavam a referida prática, o que tornava fundamental a construção de um cemitério (Cachioni, 2002).
Em 1828 o governo determinou que os cemitérios fossem transferidos para locais mais apropriados, a bem da saúde pública (Carradore, 1989).
Apesar da legislação não permitir, a teimosia do povo ainda mantinha a prática dos sepultamentos dentro da Matriz de Santo Antônio, mesmo depois da construção de um cemitério no Largo da Boa Vista. Cemitério este que, em poucos anos, se deteriorou por falta de conservação (Cachioni, 2002).
Somente em 1849 o cemitério da vila foi definitivamente cercado. A partir deste momento, a população passou a ter menos reservas em sepultar seus mortos naquele sítio, que até então, não tinha sequer recebido a benção da igreja (Carradore, 1989). Saneamento e salubridade dificilmente eram encontrados nas vilas e cidades imperiais. O Cemitério público, localizado no Largo da Boa Vista, causava enorme constrangimento pelas queixas dos moradores das redondezas, pois vivia a exalar ‘hum hálito pestífero’, a tal ponto, que a
Câmara exigiu do Fiscal que tomasse medidas sérias para ‘mais bem enterrar os cadáveres’... (Perecin, 1989).
Cemitério da Saudade:
O Cemitério da Saudade de Piracicaba foi o terceiro
na cidade a ser construido e foi formado inicialmente como um cemitério
protestante. O cemitério foi solicitado porque os protestantes, no caso,
luteranos, não podiam ser sepultados em cemitérios católicos. Havia em
Piracicaba dois cemitérios Católicos: o primeiro ficava localizado
na Praça Tibiriçá, onde atualmente se encontra a E.E. ‘Morais Barros’ e o
segundo, onde se encontra o Colégio Dom Bosco-Assunção, servia apenas
aos padres e freiras. Theodore Loose foi um dos primeiros a serem
sepultados no cemitério da comunidade, em 1869.
Muitos norte-americanos (batistas, metodistas
e presbiterianos), vindos da Guerra da Secessão, também enterraram seus
mortos nesse cemitério, que foi de uso exclusivo da comunidade alemã até
tornar-se municipal (público) em 2 de dezembro de 1872, com o sepultamento
da escrava Gertrudes. Para tanto foi construído um muro que separava
os Protestantes dos Católicos. Também neste ano foi colocado, no muro da
Avenida Independência, frente à Rua Moraes Barros um portão de ferro
confeccionado pelo ferreiro
Joaquim Lordello (Cachioni, 2002).
Reformado no início do século XX, suas ruas
foram em boa parte alteradas, mantendo-se alguns túmulos nas disposições
antigas, como no caso do Padre Galvão. Em 1906 o vereador Francisco
Morato propôs a construção de um portal de entrada no Cemitério Municipal,
que acabou trazendo a demolição do muro que separava os mortos de
diferentes religiões. Foi executada uma avenida central e um portal de
entrada, com características neoclássicas e anjos em relevo, projetado por
Serafino Corso e construído por Carlos
Zanotta (Setto, 1996).
Apesar de popularmente se dizer que pode ter
sido inspirado no portal do Cemitério de Gênova, na Itália, é difícil a
comparação, tendo em vista que o importante portal monumental do Cemitério
Staglieno não apresenta semelhanças formais com o portal piracicabano,
muito menos em tamanho ou proporções. O Portal do Cemitério da
Saudade é uma construção de caráter monumental, com inspiração no ‘Arco
do Triunfo’ clássico, tendo proporções bastante acanhadas se comparado ao
congênere genovês. Na entrada há quatro figuras em relevo
representando serafins e querubins, todas diferentes entre si. O portão de
ferro fundido foi trazido da Alemanha pelo arquiteto Serafino Corso e a
epígrafe OMNES SIMILES SUMUS foi pintada em 1941 pelo artista local Joca
Adâmoli, atendendo ao pedido do Prefeito José Vizioli. A liberdade estética,
com a qual foram usados os elementos clássicos, insere o monumento no
Ecletismo.
Para respeito aos direitos autoriais, o desenho do Cemitério da Saudade deve ser creditado ao DPH Ipplap.
Para respeito aos direitos autoriais, o
desenho do Cemitério da Saudade deve ser creditado ao DPH Ipplap.
Para respeito aos direitos autoriais, o desenho do Cemitério da Saudade deve ser creditado ao DPH Ipplap.
A denominação Cemitério Municipal da Saudade foi feita por indicação do vereador Oscar Manoel Schiavon, em 12 de junho de 1953. O prefeito Aquilino José Pacheco montou a sua atual estrutura, ordenando os túmulos, colocando guias e sarjetas, drenando as águas pluviais que causavam erosão e infiltrações nas sepulturas. O Cemitério da Saudade ocupa área de 145 mil metros quadrados, tem 20 mil túmulos, 90 quadras,1 avenida, 12 ruas e 11 travessas (de A a K), guarda 124 mil restos mortais e realiza aproximadamente mil sepultamentos por ano (Cachioni, 2002).
Portal do Cemitério da Saudade. Acervo IPLAP
Portal do Cemitério da Saudade no primeiro quartel do século XX. Arquivo IHGP.
Situação atual do Portal do Cemitério Municipal da Saudade, após obras de recuperação.
Exemplo de obra de arte encontrada no
Cemitério da Saudade:
Foto: PauloRenato
Exemplo de jazigo encontrado no Cemitério
da Saudade.
Foto: Paulo Renato.
TUMULO ONDE ENCONTRA-SE SEPULTADO PRUDENTE DE MORAES O PRIMEIRO PRESIDE CIVIL DA REPÚBLICA O Cemitério
O maior cemitério da cidade de Piracicaba guarda mais de 124 mil restos mortais, e não é a toa que junto com alguns deles nasceram e vivem até hoje crenças que já espalharam por gerações de piracicabanos. João de Almeida Prado, um empresário estudioso conhecido pelas suas obras, depois de falecido ficou famoso de outra forma, sua estátua de bronze sobre o túmulo é a personagem da história do homem do livro, contam que o livro também bronze que está no chão de seu sepulcro, já foi visto por muitas vezes na mão do homem estudioso.O cemitério foi fundando em 1872, ele foi o terceiro a ser construído na cidade. Em Piracicaba nesse tempo existiam outros dois cemitérios, porém católicos: o primeiro ficava localizado na Praça Tibiriçá, onde atualmente se encontra a Escola Estadual ‘Morais Barros’ e o segundo, onde se hoje se localiza o Colégio Dom Bosco-Assunção, esse servia apenas aos padres, freiras e religiosos reconhecidamente católicos, de ordens leigas. Como os dois locais pertenciam às ordens religiosas a administração era feita pela igreja, que exigia comprovantes de batismo e extrema unção para o sepultamento, dificultando assim o enterro dos negros, judeus, ciganos e também dos protestantes. O médico alemão, Dr. Otto Rudolpho Kuffer que residia em Piracicaba e também era protestante em 1860 solicita a compra de terreno, e no mesmo ano recebe da Câmara Municipal de Piracicaba a concessão de uma Carta de Data (que permitia a compra) e adquire o terreno para a construção de um cemitério para os protestantes, comunidade que na época estava em grande ascensão local e regional.
Ao todo são mais de 145 m² de extensão, são aproximadamente 20 mil túmulos, distribuídos em 90 quadras, um avenida, 12 ruas e 11 travessas (de A a K). O local escolhido diferente dos outros cemitérios ficava longe do centro da cidade, em terras que eram usadas para o cultivo de algodão, e também de cana. No local apenas os que fossem comprovados legitimamente protestantes poderiam ser enterrados, situação que só mudou em dezembro de 1872. As primeiras pessoas a ocuparem o campo foram: família Wolling em 1878; família Lohse, em 1878; família Theodor Loose, em 1878 e família Gott, em 1873. A municipalização de cemitérios só ocorreu em Junho de 1890, pelo então imperador Dom Pedro II. E para marcar esse novo momento o primeiro sepultamento realizado na Saudade já como cemitério municipal foi o da escrava Gertrudes.
DOCUMENTÁRIO DO CEMITÉRIO DE LA RECOLETA BUENOS AIRES
DOCUMENTÁRIO DO CEMITÉRIO DE LA CHACARITA BUENOS AIRES
DOCUMENTÁRIO DO MAIS FAMOSO CEMITÉRIO DO MUNDO EM PARIS Cemitério do Père-Lachaise
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de maio de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
Filomena Nascimento Mattos está
com 89 anos, com muita disposição física e mental, lembra-se de fatos que vivenciou.
Com seu marido formaram um casal arrojado que em férias percorreram longas
distâncias, aventurando-se até o Uruguai e Argentina, dirigindo um Fusca ou uma
Kombi. Assim conheceram novas culturas, pessoas e lugares. Esportista, Filomena
praticava natação, ciclismo. Acumulou junto com seu marido uma coleção de
troféus e medalhas. Seus pais eram de Capão Bonito.
FILOMENA NASCIMENTO MATTOS
Qual era o nome do seu marido?
Pedro Máximo de Mattos, nós
tivemos três filhos: Valdir, José Carlos e Jayme.
A senhora pintou belos quadros, como se
desenvolveu essa sua veia artística?
No principio eu pintava panos de
enxugar pratos. Surgiu uma vontade muito grande pintar um quadro. Passei a
freqüentar aulas em um ateliê que funcionava junto a uma loja de artigos para
pintura.
Quantos quadros a senhora chegou a pintar?
Foram uns treze quadros. Gosto
muito de pintar flores, pássaros, borboletas.
O que a senhora sente quando está pintando um
quadro?
Sinto-me feliz! E quando vejo o
quadro pronto sinto-me muito feliz!
Em média quanto tempo a senhora gasta para
pintar um quadro?
Demoro mais de um mês, é um
processo muito lento, minucioso. Geralmente faço pintura a óleo.
FILOMENA E UM DOS SEUS QUADROS
A senhora gosta de
música?
Meu marido era musicista. Ele
tocava flauta, bandolim, violino. Ele tocava na orquestra regida pelo Maestro
Mahle.
O seu marido fazia serenata para a senhora?
Fazia! Aqui no Lar dos Velhinhos
o pessoal pedia para que ele fizesse serenatas.
A senhora tem alguma música pela qual tem
preferência?
Sendo música de boa qualidade eu
gosto de todas as músicas. Prefiro as músicas suaves. Das músicas do passado eu
gostava muito as interpretadas pelo cantor Vicente Celestino (Antônio Vicente Filipe
Celestino), sendo que a
música “O Ébrio” é uma das minhas preferidas, foi um enorme sucesso na época,
segunda metade da década de 40.
VICENTE CELESTINO "O ÉBRIO"
Carlos Galhardo - Fascinação ( Fascination - 1957 )
Francisco Alves - O dia que me queiras (El día que me quieras - 1945)
Gostava muito de Carlos Galhardo (Catello Carlos Guagliardi ), Francisco
Alves (Francisco de Morais Alves). Eu era fã deles. Eu
cantava no Coral do Maestro Ernst Mahle e da Igreja Metodista.
Como se
deu o encontro da senhora com o seu futuro marido?
O pai dele
conhecia a nossa família e deu o endereço do meu pai para procurá-lo. Ele ficou
alguns tempos no hotel. Após uns três meses na cidade de Itapetininga ele me
viu e simpatizou-se comigo. Ele via que eu estava lendo romances, sempre levava
um romance para que eu lesse. Cada vez que ele vinha trazia um romance.
Vocês
começaram a namorar?
Eu não percebi
que ele estava me namorando. Passaram alguns anos ele estava no Exército.
Quando ele foi dar baixa procurou o meu pai e disse: “-Agora vou dar baixa e
vou ter que procurar serviço! Ou então vou fazer carreira no Exército!”.
Infelizmente como soldado naquela época não era tido como um bom partido, meu
pai disse que se ele quisesse me namorar não poderia continuar no Exército. Meu
pai arrumou um emprego para ele na Estrada de Ferro Sorocabana.
Meu então
namorado era muito criativo, ele fez um simulacro de um telegrafo e passou a
treinar o código Morse. Ele fez os testes, entrou em primeiro lugar como
telegrafista na Estrada de Ferro Sorocabana. Foi trabalhar em Santos, que era o
único lugar onde tinha vaga. Ele sempre mandava telegrama para mim. Eu não
mandava nada para ele. Meu pai não admitia que tivéssemos muito entrosamento.
No fim ele fez carreira na Sorocabana onde permaneceu por 40 anos.
Vocês
casaram-se em qual cidade?
No civil
casamos em Itapetininga e no religioso casamos em Botucatu. Moramos em Botucatu
uns quatro meses, meu marido foi removido para Itapetininga. Lá ele fez o curso
ginasial, colegial. Prestou concurso para trabalhar no escritório da Estrada de
Ferro Sorocabana. Entrou como telegrafista, trabalhou uns anos em Itapetininga
e daí foi removido para São Paulo, lá cursou a faculdade e prestou concurso
para administração. Ele aposentou-se como Oficial Administrativo. A Sorocabana
era uma família. O termo portador era utilizado para denominar quem fazia a
faxina.
A
senhora morava em que local de São Paulo?
Morei em
Barueri. Meu marido trabalhava na Estação Julio Prestes, hoje Sala São Paulo.
Estação Julio Prestes antiga Estrada de Ferro Sorocabana Ponto Turistico
INTERIOR DA ESTAÇÃO JULIO PRESTES
Pegava o trem em Barueri e descia em São Paulo, era só subir a escada e ele já
estava no seu local de trabalho. Nesse tempo eu já estava começando a costurar
para alfaiate. De Barueri eu ia até o Brás, São Paulo era muito diferente,
saíamos tranqüilos, eu ia ao Brás sozinha, era longe, eu ia de trem até a
Estação Julio Prestes, lá pegava o ônibus e ia até o Brás. Pegava as calças,
todas cortadinhas, trazia para minha casa, só costurava. Eram alfaiates finos,
trabalhavam para artistas de rádio e televisão. Trabalhei uns dez anos com
costura. Naquela época usava-se muito linho, tergal. Costurar linho é
complicado, mas acaba aprendendo-se. Os alfinetes ajudam muito. Com isso fomos
ajuntando dinheiro para adquirir uma casa, lá nós pagávamos aluguel. Com nossas
economias adquirimos uma casa em Sorocaba. Meu marido estava para aposentar-se.
Meus pais moravam em Sorocaba, eu tinha um circulo de amizades com pessoas da
cidade.
De
Sorocaba a senhora mudou-se para que cidade?
Eu vim para
Piracicaba, residir no Lar dos Velhinhos. Vim para fazer uma visita a uma
amiga, a Hermínia, que morava aqui, ela tinha uma filha que sofreu um acidente
e ficou paraplégica, na época eu tinha muitas pessoas que eram conhecidas e
moravam no Lar. A Hermínia pediu se eu não podia vir morar aqui e assim eu dava
uma ajuda a ela. Meu marido e eu viemos. Naquela época o Lar dos Velhinhos era
bem menor, passado um mês nós viemos. Eu tinha 50 anos, meu marido era mais
velho, faz 49 anos que eu moro aqui no Lar dos Velhinhos de Piracicaba. Eu
acredito que tem uma moradora mais antiga do que eu aqui no Lar, a Therezinha
Monteiro. Com o dinheiro que ganhamos em Barueri adquirimos uma casa bem no
centro da cidade de Sorocaba, só que fizeram um prédio em frente da casa, além
de tirar a visão perdemos a liberdade de irmos para o quintal, vendemos a casa
lá e construímos uma casa no Lar dos Velhinhos.
Após
parar com a costura a senhora fez alguma outra coisa?
Trabalhei com
artesanato, fiz chinelos de quarto, em Sorocaba trabalhei com arte culinária,
fiz curso de comida natural, fiz na LBA- Legião Brasileira de Assistência que
havia naquele tempo. A soja estava em voga, aprendi a fazer centenas de pratos
tendo a soja como matéria prima. É um alimento que gosto muito. Aprendi a fazer
leite de soja, carne, feijoada vegetariana, tofu, quibe, pastel. Eu ensinava em
hospital, creche e igreja. Nós fazíamos os produtos, dávamos uma espécie de
festinha e convidávamos as pessoas interessadas em aprender. Elas experimentavam
os produtos, se gostassem faziam o curso para aprender a fazer. Foi um sucesso,
eu era funcionária da LBA. Fiquei dez anos nessa atividade. Eu dava cursos
desde Iperó até Itararé. Trabalhei muito com hospitais.
Hoje o
leite de soja que é comercializado tem conservantes, isso altera o produto?
Isso adultera
o produto. Após tirar o leite de soja, o bagaço nós aproveitamos para fazer
outros alimentos como quibe, cocada, que por sinal fica muito gostosa. Primeiro
colocamos de molho a soja, na véspera, no dia seguinte batemos no
liquidificador, com um pano bem fininho vamos espremendo, hoje já até existe um
espremedor especial. Sai o leite. O bagaço põe na panela com um pouco de leite
de soja e vai engrossando, Poe um pouco de leite condensado. Fica uma delicia.
Infelizmente temos muitas pessoas que são acomodadas, não querem ter o trabalho
de fazer alguma coisa com as próprias mãos. Preferem ir a um supermercado onde
todos os produtos têm conservantes adicionados. Eu evito consumir esses tipos
de produtos.
Essa
sua preferência por produtos naturais é responsável pelo fato da senhora com 89
anos estar com a saúde perfeita?
Graças a Deus!
Sou muito metódica em todos os meus hábitos. Isso facilita a minha vida. Sempre
gostei muito de bordar, depois que comecei a pintar dei preferência a pintura. Bordava
tela. Aqui no Lar fiz muita coisa para exposição.
A
senhora conhece a artista Denise Storer?
Conheço muito!
Fiz uma excursão para Campos do Jordão com ela. Pintei flores, paisagens. Fiz
umas oito exposições, ganhei certificados de Honra ao Mérito. É uma terapia. A
amizade que fazemos é muito boa.
Quando
a senhora e seu marido mudaram-se para Piracicaba o seu marido estava
aposentado pela Estrada de Ferro Sorocabana.
Aqui no Lar
dos Velhinhos ele fazia serenatas.
A
senhora assiste noticias na televisão?
Com relação a
televisão só assisto uma novela bíblica. Tem o canal da Igreja Adventista. Assisto
mais noticiários, tenho acompanhado a situação política atual, o Brasil já
passou por muitas situações. Quando eu era criança meus pais contavam que ocorreu uma revolução no
Estado de São Paulo, a Revolta Paulista de 1924, também
chamada de, "Revolução do Isidoro", Comandada pelogeneralreformadoIsidoro Dias Lopes, a revolta ocupou a cidade por 23 dias.
A cidade de São
Paulo foi bombardeada poraviõesdoGoverno Federal. Meus pais moravam em Itapetininga. Foi feio, não
podíam sair ás ruas. Os aviões passavam a todo instante. Passei a ter um
enorme medo de avião. Hoje não tenho mais. Tenho algumas poucas lembranças da
Revolução Constitucionalista de 1932. Eu nasci em 1927. Na Segunda Guerra
Mundial meu marido foi convocado para servir, ele deveria ir para a Itália.
Pelo fato dele trabalhar como foguista na locomotiva, ele serviu transportando
soldados para Santos, muitas vezes ficava dia e noite trabalhando. Nós éramos
recém-casados. Graças a Deus ele não foi pelo fato de ser foguista, não podia
deixar a locomotiva sem lenha.
Vocês
tinham o espírito de aventura?
Qualquer
feriado nós já saiamos, no caminho decidíamos para onde iríamos. Tivemos um
Fusca, com esse carro fomos à Argentina, Paraguai, Uruguai, lembro-me de que a
Argentina estava no período da Guerra das Malvinas, havia restrições para
locomover-se pelo território argentino. Teve um período em que tivemos uma
Kombi, se não achássemos hotel parávamos em algum posto policial ou pedágio,
naquela época já existiam alguns não tantos como hoje. Armávamos uma barraca ou
dormíamos dentro da Kombi. Com isso chegamos a conhecer até São Luiz, no
Maranhão. Fomos de Fusca, levamos sete dias para chegarmos. Tinha estrada, mas
não era asfaltada. O Fusca era verdinho bem clarinho e a Kombi era branca.
Íamos só nós dois. Os filhos ficavam em casa. Nessa época eles já estavam
estudando. Ficavam sozinhos, os dois, havia uma diferença de cinco anos entre a
idade de um e de outro, eu ensinei-os a cozinhar eles se viravam. Quando
telefonávamos avisando que íamos chegar eles preparavam até o almoço para nós.
Naquela época o telefone era muito precário, não havia a facilidade de
comunicação que temos hoje. Íamos muito para Caldas Novas para passar uns dias.
Isso faz uns vinte anos. Às vezes levávamos alguém daqui junto, para conhecer. Chegamos
a acampar por até três meses. Às vezes parávamos em uma estrada, meu marido
tinha feito uma cozinha que levávamos dentro da Kombi, armávamos umas redes em
árvores para descansar. A natureza era mais rica. Não tínhamos tantos recursos
de tecnologia que hoje são considerados essenciais, muito do que se compra são
bens supérfluos. Infelizmente as pessoas chegam a ficar enfurecidas se
dissermos algo a respeito. Os jovens levam uma vida desregrada, freqüentam as
“baladas”, muitas moças saem e voltam no dia seguinte algumas chegam para o
almoço. Ninguém sabe onde elas estiveram. Para se viver bem temos que ter uma
vida regrada. Sermos pacientes. Querer tudo na hora acaba com as pessoas.
A
senhora pratica alguma atividade física?
Atualmente
não. Mas já pratiquei muito, na ACM – Associação Cristã de Moços fiquei por dez
anos, em Sorocaba. Também freqüentava o SESI. Com isso fiz diversas atividades
físicas. Caminhadas a distância, natação, ciclismo. Aqui em Piracicaba meu
marido e eu íamos cada um em uma bicicleta, da Rua do Porto até a ESALQ. Sempre
ganhamos prêmios, ultimamente pela participação com a nossa idade. Nunca fiquei
doente.
A
senhora é religiosa?
Sou
adventista. Tenho muita fé em Deus. Acredito nas promessas que Ele fez.
Essa
volúpia que o ser humano tem por poder e por dinheiro é um desvio?
É desvio! O
ser humano se apega mais ao dinheiro do que a Deus. Dinheiro é tudo para a
pessoa. O poder também. O mundo está envolvido só por isso, não se lembra que
teremos um fim e que não sabemos quando será.
Os
adventistas têm um principio de alimentação e conduta bastante metódica?
Tornei-me
adventista depois de me casar. Meu marido era adventista. Evitamos determinados
tipos de alimentos, aos sábados procuramos visitar as pessoas enfermas. A regra
da nossa vida é a Bíblia. Visitamos doentes, hospitais, não praticamos a
violência, a inveja prejudica mais a pessoa que tem inveja do que aquela que é
invejada. Ela cria um inferno para ela mesma. Ciúmes e inveja a Igreja procura
consertar.
Isidoro Dias Lopes
O
velho "cabo de guerra" é uma das personalidades nacionais mais
importantes do século XX. Gaúcho de Dom Pedrito (RS) - 30/6/1865 -
ingressou no Exército em 1883, na arma de Artilharia. Republicano, conspirou
contra o Império. Em 1893, abandonou o Exército Brasileiro e se integrou às tropas guerrilheiras
federalistas que lutavam contra a tirania de Floriano Peixoto. Preso, foi para
o exílio, em Paris. Anistiado, voltou ao Brasil em 1896, sendo reintegrado ao
Exército.
Em 1924, já general-de-brigada reformado, foi escolhido para chefiar a Segunda
Revolta Tenentista, que teve a cidade de São Paulo como palco
principal. Ao lado do major Miguel Costa, da Força Pública, e dos capitães do Exército Brasileiro, os
irmãos Joaquim e Juarez Távora, comandou a revolta contra o governo de Artur
Bernardes. Com o impiedoso bombardeio da cidade de São Paulo efetuado pelo
governo federal, que pretendia desalojar os insurretos, e que provocou a morte
de mais de 700 civis, o general retira sua tropa da Capital. Queria evitar um
massacre ainda maior. Instalado em Foz do Iguaçu (PR), os revolucionários
recebem, em abril de 1925, a adesão da coluna rebelde gaúcha, comandada pelo
capitão Luis Carlos Prestes. Izidoro é promovido pelos seus pares a
"Marechal da Revolução" e vai para a Argentina e Paraguai como a missão
de comprar armas e divulgar a Revolução no exterior. A chefia da Divisão
Revolucionária é entregue Miguel Costa, promovido a "general", tendo
o "coronel" Prestes como chefe do Estado Maior. Em fevereiro de 1927,
a 1ª Divisão Revolucionária (conhecida como Coluna Prestes), se interna na
Bolívia após 2 anos de marchas e combates pelos sertões de treze estados
brasileiros, encerrando suas atividades como tropa combatente. Contudo, seus
oficiais continuam conspirando do exílio.
Em 3 de outubro de 1930, estoura Revolução Liberal, e os "tenentes"
marcham ao lado de Getúlio Vargas, governador do Rio Grande do Sul e chefe do
Movimento, depondo Washington Luiz da presidência República. Izidoro,
promovido a general-de-divisão, está entre os revolucionários e assume do
comando da Segunda Região Militar, com sede em São Paulo. Mas logo se
desencanta com os rumos da Revolução de 30. Em 28/5/31 pede demissão do Comando
da Região e do Exército, abrindo mão de todas as vantagem e gratificações que
Getúlio lhe oferecera para permanecer o cargo, inclusive a patente de marechal.
Ao deixar o Comando, disse que preferia viver da caridade pública do que trair
sua consciência de revolucionário e democrata. Ainda em 1931, ao lado de
oficiais do Exército Brasileiro e da Força Pública, passa conspirar contra Vargas.
Em 9 de julho de 32, foi nomeado por lideranças civis e militares, chefe
militar supremo do Movimento Constitucionalista, que acabara de irromper. Com a
derrota dos paulistas, em 2 de outubro, foi para seu terceiro exílio, desta vez
em Portugal, retornando, anistiado, em 1934. Em 1935, foi sondado pelos
comunistas para participar do Movimento que acabou desaguando na chamada
Intentona de 27 de novembro. Mas rejeitou o convite, alegando que tinha horror
às ditaduras. Em 1937, foi um crítico feroz do Estado Novo, implantado em 10 de
novembro daquele ano por Getúlio Vargas, que acabou se tornando o ditador
absoluto do Brasil até o final de 1945. Izidoro Dias Lopes faleceu na cidade do
Rio de Janeiro em 27 de maio de 1949, aos 84 anos. Em 1957, quando São Paulo comemorou
os 25 anos da Revolução de 1932, seus restos mortais foram transladados para a
capital paulista onde repousam hoje do Mausoléu do Ibirapuera