domingo, março 26, 2017

JOSÉ ELPÍDIO MICHELETTI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de março de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/







ENTREVISTADO: JOSÉ ELPÍDIO MICHELETTI

José Elpídio Micheletti nasceu a 2 de setembro de 1934, em Piracicaba, no bairro Cidade Alta, a Rua Visconde do Rio Branco entre a Rua Moraes Barros e XV de Novembro, é filho primogênito de José Micheletti e Domingas Volpato Micheletti que tiveram oito filhos: José Elpídio, Maria Ozélia, Sidney, Elza, Roberto, Tarciso, Luiz (Calu) Carlos e Wlademir.

O senhor estudou em que escola?

Naquela época era comum concluir o primário e já ir ajudar a família, estudei no Sud Mennucci até o quarto ano.

Onde localizava o SENAI quando o senhor estudou?

Eu fiz o curso do SENAI, o diretor era o Professor Jordão,  um dos professores era o Professor Barbieri. O profesor de Português era Nélio Ferraz de Arruda Campos, o professor de  desenho era Ernani Margoni, que foi o primeiro diretor da escola nova. O prédio do Senai localizava-se a rua Dr. Otávio Teixeira Mendes, próximo a Escola de Música de Piracicaba, onde havia uns prédios antigos. Ao lado funcionava o Tiro de Guerra.

O senhor trabalhou um período na Retífica Romano?

Trabalhei 10 anos na Retifica Romano, em dois períodos de 5 anos cada um, o proprietário era o Comendador Antonio Romano. Morei na Rua José Pinto de Almeida, 832, vizinho do Luiz Guidotti, do Professor Barbieri. Ali perto nasceram Adilson Maluf, José Luiz Guidotti. Na retífica eu fazia mecânica geral depois passei a mandrilhagem de mancais e bielas. Nesse período casei-me no dia 9 de junho de 1956, com Rosa Maria Zuccollo Micheletti, na Igreja Bom Jesus, casamento celebrado pelo Monsenhor Martinho Salgot. Tivemos três filhos: Sonia, Salete e Marcos.

Qual era a profissão do pai do senhor?

Meu pai era padeiro. Ele começou a trabalhar aos 14 anos em padaria, iniciou aprendendo na Padaria Bom Jesus, na época de propriedade de José Monteiro. Meu pai trabalhou lá por 19 anos. Após esse período foi trabalhar na Padaria Vosso Pão, onde hoje está o Edifício Canadá.

Quem era o proprietário da Padaria Vosso Pão?

Na época era de João Batista Cardinalli e Dona Augusta Maygton, ela foi proprietária da Padaria Inca que ficava na Rua Governador Pedro de Toledo. A padaria Vosso Pão foi a padaria mais refinada de Piracicaba, na época.  Existe uma fotografia antiga do COMURBA de onde pode ser vista a chaminé da padaria. Dona Augusta juntamente com Alcides Azevedo passou a fabricar macarrão. O meu pai, ainda no centro, na padaria Vosso Pão, vendia domingo o macarrão fresco, sem secá-lo. Depois passou a empacotar e ele começou a vender macarrão. Foi um dos pioneiros. Era talharim e depois começou o macarrão comprido, o espaguete. Naquele tempo vendia-se sempre embalagem com um quilo. Era uma embalagem vermelha. A embalagem que tinha estampada a figura de um galo era a Aurora, outra marca. Depois a fábrica de macarrão que se iniciou na padaria Vosso Pão, passou a denominar-se Cacique e mudou-se para a Rua Santa Cruz, próxima a MAUSA. Ali se chegou a desmanchar trinta sacos de farinha de trigo para fazer macarrão. Foi a primeira vez em que vi uma carreta carregada de macarrão em Piracicaba! Nessa época eu trabalhava em uma oficina, tinha 18 anos, tirei a carta de motorista e fui trabalhar com o meu pai: vender macarrão. Vendia em Piracicaba, Rio das Pedras, Mombuca, Capivari.

Em Rio das Pedras o senhor vendia para quem?

Ali tinha muitos fregueses: Piva, Barrichello, Chammas, Calil. Depois meu pai pegou uma freguesia até Itapira, Ouro Fino, naquele tempo nós tínhamos dois furgõeszinhos GMC, um de mil quilos outro de mil e quinhentos quilos. Para Itapira chegamos a viajar com um Ford 1946. Conhecido como “Chorão”, na subida ele ia lentamente e parecia gemer, o famoso “Queixo-Duro”. Nós descíamos a Rua XV de Novembro para ir carregar, para entrar na Rua São João, precisava abrir bem senão a direção não dava para virar e fazer a curva. A fábrica Cacique chegou a fazer bolacha waffer. Meu pai deixou de trabalhar lá, vendeu os veiculos e adquiriu um bar na Vila Nhô Quim., naquela època era denominado “Paieiro”. Onde hoje é a Padaria Pão Quente, nesse bar tinha boche, depois ele vendeu e voltou para o Bairro Alto. Ele adquiriu um terreno na Avenida Independência., esquina com a Rua Dr. Otávio Teixeira Mendes. Ali era tudo chão de terra. Meu pai mudou de ramo, passou a vender aviamentos: agulha, linha, todos artigos do ramo. Até que ele voltou ´para a padaria novamente. Foi trabalhar na Padaria Bom Jesus. A noite trabalhava na padaria e durante o dia vendia aviamentos. Até que ele conheceu duas irmãs, de sobrenome Toledo, moravam na Cidade Jardim. Ele conseguiu penhorar o terreno com uma delas. Ela emprestou 150 a 160 mil cruzeiros. Com esse dinheiro ele adquiriu a padaria situada na Avenida São Paulo de propriedade de: José Rodrigues, o Benzico, padeiro, em sociedde com seu irmão João Rodrigues mais conhecido como João da Rita, a mulher dele chamava-se Rita e um terceiro irmão o Silas da Rocha. Eles compraram uma padariazinha, alugaram um barracão, a Avenida São Paulo já tinha asfalto, um pedaço era calçamento, ao que parece existia uma mina de água. Foi feita uma drenagem, calçamento com asfalto em cima. O meu pai adquiriu a padaria, nessa época já tinha casado, ele ia comprar a Padaria Bon Petit, na Rua Moraes Barros esquina com a Rua José Pinto de Almeida, infelizmete o negócio não deu certo.

Quando o pai do senhor adquiriu a padaria a Paulicéia era um bairro mais periférico?

Nas imediações situava-se o bairro Coréia, entre Avenida São Paulo e Avenida 31 de Março. Era tido como um bairro mais agitado, de vez em quando havia alguma desinteligência. Em junho de 1961 eu vim para a padaria que meu pai havia comprado em 4 de dezembro de 1960.

O que existia quando ele comprou?

Só o barracão e a padaria. Meu irmão Sidney já estava trabalhando na padaria. O Roberto trabalhava na MAUSA estava de férias, aproveitou, veio também, saiu da MAUSA. Meu pai sempre quiz que trabalhassemos todos juntos. A esquina onde hoje está construida era um terreno vazio.



    PORTAL COMEMORATIVO AOS 200 ANOS DE PIRACICABA CONSTRUIDO PELA      PANSA.
NA FOTO LOGO ABAIXO, A MESMA ESQUINA 50 ANOS DEPOIS.


Vocês não esperavam fazer tanto sucesso?

Não esperávamos! Meu pai pegou uma época boa, e ele gostava de caprichar. Os vizinhos tinham mutas crianças em casa: um tinha oito filhos, outro tinha seis e assim por diante. Tinha um na esquina que tinha dezesseis filhos. Só a vizinhança já formava uma boa clientela, Na época deveria ter umas quinze padarias na cidade. A Avenida São Paulo tinha duas mãos, tanto sobia como descia, formava um corredor. Era a entrada e a saída deste lado da cidade, não havia a Avenida 31 de Março, não existia a Avenida Luciano Guidotti.

Os frangueiros pegavam pães para levar à zona rural?

Eu tinha freguêses que levavam pães para a àrea rural, um dos antigos Wolff que trabalha com ovos pegava pães conosco. Nós começamos entregando pães com carrinho de tração animal, quando meu pai comprou a padaria, tinha uma perua Kombi velha, estava bem comprometida. Meu irmão morava no Bairro Alto, um dia vinha vindo com a perua, descendo a D.Pedro I, naquele tempo descia, parou em cima da linha da Estrada de Ferro Sorocabana, o trem estava fazendo manobra, pegou a perua. Adquirimos um Perfect, furgãozinho, os quatro pneus cada um tinha um tamanho! Tinha porta trazeira para carga e descarga. Depois compramos uma perua em boas condições. Naquela época “desmanchava” dois a três sacos de farinha. Nós comprávamos a farinha do Paco Munhoz. Era conhecido do meu pai, ele ia buscar quatro a cinco sacos. Era o dinheiro que dava para comprar. Naquele tempo na Estação da Sorocabana havia carrinhos de tração animal que faziam carretos. Colocava os sacos de farinha de trigo e trazia até a padaria. Com esse trigo trabalhava uns dois dias, depois ia buscar mais. O Paco Munhoz disse ao meu pai: “-Vou mandar um caminhão de farinha para você!”. Meu pai não quiz aceitar.  O Paco disse que ia tirar uma nota fiscal, e depois meu pai ia pagando. Com isso vinha a farinha para o meu pai, em nome da empresa José Micheletti, com o recibo que o moinho tinha recebido, eram farinhas do Moinho Paulista, Moinho São Jorge. Com isso ganhamos um bom nome junto aos fornecedores. Depois veio a empresa do Falanghe.

A padaria chegou a um ponto que começou a atrair consumidores de outros bairros?

Foi quando construimos o prédio novo. Primeiro compramos o terreno da esquina, o dono morava em São Paulo, meu pai conseguiu achá-lo. Ao lado havia um barracão que no inicio estava dificil a negociação, quando o proprietário soube que tinhamos adquirido o terreno da esquina acabou vendedo o barracão mais barato. Depois compramos uma casinha que existia ao lado.

Qual é a área construida da padaria?

O total dá 1200 metros de terreno, com construção 1.500 metros quadrados.

Quantas peruas chegaram a ter?

Eu, meus irmãs Roberto e Tarcísio, cada um dirigia uma perua. Eu fazia o bairro Alto. Nós só não íamos na Vila Rezende quase.

Entregava pães a domicílio?

Entregava! Deixava o pão na porta. Ficava na verdade na janela. Ali permaneciam o pão e o leite. Batia e dizia: “-Padeiro!”.O leiteiro deixava o valinho de leite junto ao litro de leite. Nós não entregávamos leite.
      FURGÃO DA MARCA PERFECT QUE A PANSA UTILIZAVA PARA ENTREGA DE PAÃES. O VEÍCULO ESTÁ ESTACIONADO NO LADO OPOSTO DA PADARIA, A AVENIDA SÃO PAULO ERA UMA VIA DE DUAS MÃOS.


Tinha o pessoal que saia dos bailes, ao amanhecer, e degustavam o pão alheio, quentinho?

Tinha alguns que pegavam, mas eram casos isolados. Teve um bar que reclamou que todo dia faltava um filão. O proprietário ficou na espreita e descobriu que um senhor passava com uma cestinha e tirava um filão. O dono do bar ficou penalizado. Disse-me: “-Deixe um pão a mais!”. Eu respodi-lhe que passaria a deixar um filão a mais sem custo para ele.

Vocês trabalharam muito para empresas?

Trabalhamos! Fornecia para a Prefeitura Municipal de Piracicaba, para a merenda escolar, para 18 centros comunitários. Passei a fornecer para a Caterpillar, Phillips, Usina Santa Helena, Monte Alegre, Lar dos Velhinhos, Dedini, Hotel Beira Rio, Hotel Central, Brasserie, Hotel Beira Rio, Restaurante Mirante. Fiz pão para a inaugução dos Plantadores de Cana de Açucar, foram 3.000 filõezinhos. Fornecia para as festas da Agronomia. Vendia para o Restaurante da Agronomia, na Casa dos Estudantes.

Fornecia muito para “marcar na caderneta”?

Bastante! Tinha um senhor que era turmeiro, chefe da turma que cortava cana-de-açúcar. Paravam uns quatro caminhões, a padaria abria as cinco horas da manhã, fechva as dez horas da noite. O turmeiro chegava logo cedo, o povo entrava, comia pão com mortadela a vontade, o turmeiro dizia:”-Pode fornecer a vontade, só marca o nome de quem está pegando!”.

No auge da PANSA quantos sacos de farinha vocês chegaram a “desmanchar” ?

Por dia 30 sacos! Talvez só padaria indústrial faça esse volume ou mais. Mas uma padaria normal é difícil. Conheci uma em Guarulhos, onde fui comprar uma máquina, que “desmanchava” 80 sacos por noite. Começava as oito horas da noite e ia até as oito horas da manhã.

Quantos fornos existiam na PANSA?

Começou com um forno, depois ficaram três, no fim desmontamos os três e colocamos um só que fazia por quatro fornos. Era forno elétrico. Eu imagino que esse foi um fator que contribuiu muito para aumentar os nossos custos, a energia elétrica passou a ser caríssima. Existe diferença entre o pão feito em forno a lenha e o pão feito com energia elétrica.

Como surgiu o famoso biscoito de polvilho da PANSA?

Tivemos a felicidade de ter bons funcionários. Ernesto Rampazzo trabalhou na Padaria Brasileira e veio para trabalhar na PANSA. Ele trabalhava a noite, teve uma época em que pensava em sair, estava cansado de trabalhar a noite. Passamos ele para trabalhar durante o dia. Ele disse: “-Eu sei fazer um biscoitinho! Compre um saco de polvilho!”. Começou a pingar, foi em frente, acabei colondo-o só para fazer biscoito, não vencia. Depois ficaram três padeiros só fazendo biscoito de polvilho durante o dia e a noite.

A PANSA chegou a ter quantos funcionários?

Chegamos a ter 50 funcinários. Tinha o balcão, a pizzaria, serviamos almoço, a padaria e o biscoito que tinha que empacotar, entregas.

Em que ano foi inaugurada a PANSA da Vila Rezende?

Foi no final da década de 60. A família começou a crescer, o pensamento era ampliar. Por razões estratégicas e comerciais acabamos vendendo.

Como surgiu o nome PANSA?

São as iniciais de Padaria Nossa Senhora Aparecida. Esse sempre foi o nome fantasia da padaria, desde o tempo do Benzico. Até hoje existe uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, que o Benzico trouxe de Aparecida do Norte. Assim como eu tinha visto que a MAUSA havia transformado seu nome pelas suas iniciais decidi fazer o mesmo com a PANSA. O nome PANSA foi registrado.

A PANSA  funcionou até que ano?

Até 2004.

A seu ver, as mudanças ocorridas no bairro influenciram para diminuir o movimento?

Acredito que pesou bastante o fato de termos ficado cansados. Meu irmão Sidney e eu no começo trabalhávamos dia e noite. Aposentei-me e continuei trabalhando. Meu irmão e a minha cunhada aposentaram-se. Os filhos formaram-se em faculdades e seguiram suas carreiras. Meu cunhado, Tarcisio, o famoso Katiá, estava com dor nas costas, logo ele faleceu, meu pai e minha mãe faleceram. Assim aos poucos, fomos obrigados a deixar atividades essenciais fora do nosso controle direto.

Qual é o segredo para fazer um bom pão?

É conhecer bem. As quatro horas da tarde o padeiro fazia a massa, tinhamos cocho de madeira, dividido para cada medida de farinha, um saco, dois sacos, três sacos. O padeiro colocava sal, água, farinha e fermento, ficava cinco horas fermentando. O padeiro entrava a noite ia voltando na masseira, colocava açucar, banha, misturava tudo. Depois cilindrava. O segredo está também no cilindrar bem. Para um saco de farinha de 50 quilos, vai um quilo de sal, um quilo de açucar e um quilo de banha suina que conserva o pão macio.

A parte de doces era muito famosa?

Tinha um confeiteiro bom, veio da Padaria Brasileira, ela e a Vosso Pão sempre tiveram fama na cidade. O Lauro, funcionário do João Cardinalli, da Padaria Brasileira, foi para São Paulo aprender a fazer doces. Nós conseguimos traze-lo para a PANSA. Meu irmão Tarciso aprendeu com ele.

O Luis Acs o senhor conheceu?

Conheci, esse era confeiteiro da Dona Augusta. Ele trabalhou para o Fasano em São Paulo. Depois ele teve o Rancho Alegre. Eu acredito que o Lauro aprendeu também com o Luis Acs.

Uma característica em épocas natalinas era a famosa leitoa que o cliente trazia pronta e temperada para assar no forno da padaria.

Nessa época eu tinha três fornos, pegava um, dois, três, padeiros e dizia: “-Vocês querem pegar para assar, eu não cobro nada do freguês. Quando perguntavam se eu assava, dizia que sim, não cobraria nada, só que não tinha como ficar olhando, pedia ao cliente que combinasse com o padeiro.  O padeiro cobrava um pouquinho. Eu não cobrava a lenha, só pedia para deixar tudo limpo. Quando passava a época o padeiro vinha e dizia: “-Eu não quero nem saber do cheiro de leitoa! Quero ficar uns dois meses sem ver leitoa!” O cheiro penetra. No fim começou a dar problemas, fizeram alguma troca de leitoa de um dono para outro. Cada uma tinha uma identificação, mas alguma coisa saiu errada. Depois disso o padeiro não queria mais assar.

A PANSA teve máquinas de assar frangos?

Teve duas máquinas. É bastante trabalhoso. A padaria em si era muito trabalhosa, hoje está mais fácil. Já vem tudo pronto tem que tirar umas gordurinhas, lavar e temperar o frango. Antigamente tinha que fazer tudo, a ave vinha inteira, com pé, cabeça. Lombo de porco eu comprva direto da Chapecó, quem vendia era um ex-jogador do XV de Novembro, Drace genro de Ernesto Viliotti que tinha um armazém a Rua Tiradentes. Compravamos deles, presunto , presunto gordo, presuntada, lombo, calabresa, comprava 30, 40 caixas de 20 quilos de banha. Tinha uma câmara fria do tamanho de um cômodo grande.

A parte de lanches e refeições da PANSA era frequentada por famílias e pessoas conhecidas em Piracicaba?

Vinham muitas famílias, um frequentador assíduo era: Romeuzinho, o Romeu Gomes de Oliveira. O Marino Mantoni. O Romeu Italo Ripoli, o João Hermann, o Zica quando fechava a Brasserie vinha comer quindim. A padaria já estava com a porta abaixada, eu abria ele dzia: “-Tem quindim ai?”. Servia-se depois dizia: “-Comi cinco quindins!” Por três vezes recebi a visita do Ary Toledo, o humorista. Houve uma época em que fiz uns cartões desejando Feliz Aniversário, aproveitei e escrevi Paz,Amor,No,Seu,Aniversário formando com as letras iniciais a palavra PANSA. Na vertical escrevia em letra maiúscula PANSA e na horizontal completava com as palavras acima. Eu mandava o cartão ao freguês que estava aniversariando, ele lembrava e vinha adquirir os nossos salgadinhos! A balconista anotava o nome dos clientes com seus dados. Ela nem sabia quem era Ary Toledo, e coincidiu, quando peguei a ficha olhei e vi seus dados. Ele faz aniversário no mesmo dia que a minha esposa faz: 27 de setembro. Coincidiu que Alcindo Manesco, da Banda Lira Guarany tinha amizade com Ary Toledo. O Alcindo fazia essas varas balanceadas de cenério para trocar cortinas, ele conheceu o Ary quando foi reformar um teatro. Toda vez que o Ary vinha ia ao Beira Rio, Ary Toledo gostava de comer pão de torresmo. Eu fazia pão de torresmo, para o Ary fazia um bem caprichado. Antes do show ele vinha para tomar uma cerveja e comer pão de torresmo. Fiori Gigliotti também vinha, Ary Pedroso estava sempre conosco. No final do ano fazia batante roscas e mandava para o Jornal de Piracicaba, para a PRD-6 Rádio Difusora, Rotary, Lions.

O senhor foi rotariano?

Meu pai é um dos fundadores do Rotary Paulista, da Associação dos Panificadores de Piracicaba Em sua homenagem o ex-vereador Wanderley Dionisio colocou o nome de José Micheletti em uma avenida. Fui Presidente do Rotary Paulista , fui rotariano por 18 anos, recebi o Prêmio Paul Harris, fui presidente da Associação dos Panificadores de Piracicaba. Meu pai sempre foi simpatizante de Luiz Carlos Prestes, quando ele esteve em Piracicaba meu pai tirou uuma fotografia ao seu lado.

Como o senhor arrumava tempo de fazer tudo isso?

Há um ditado que diz que quando você quiser que alguém faça alguma coisa procure aquele que tem bastante serviço que ele faz.

O Rotary Club Paulista iniciou em que local?

Começou no Clube de Campo de Piracicaba. Depois veio para a Casa da Amizade. Começou pequena, tomei posse quando aind não tinha o prédio redondo. Participei também do Centro Social Cáritas Piracicaba, tinha 180 crianças que ficavam o dia todo lá.

O senhor chegou a conhecer uma sede da polícia aqui na Paulicéia?

Conheci, era a cadeinha, ficava na Rua Dona Hilda. Era conhecida como “Cadeinha da Paulicéia” Era da Polícia Militar. Eles detinham o elemento depois o camburão passava para pegar.

O senhor conheceu o Bento Dias Gonzaga?

Conheci no Rotary o seu filho Luiz Gonzaga Dias Neto. Um dia desses faleceu um conhecido, fui ao velório e encontrei a esposa do João Rossi, a Dona Dirce, eles foram proprietários da Padaria São João, que ficava na Rua Alferes José Cetano, quase esquina com a Avenida Dr. Paulo de Moraes. Lá estava também Antonio Pereira, o Suspiro, da Padaria Riviera. Ele também é fundador da Associação dos Panificadores.junto com o meu pai.

O senhor lembra-se da Padaria Cruzeiro, que ficava na Avenida Dr.Paulo de Moraes próxima onde o bonde passava?

Ali era do Umberto Secondo Sachs, ele fazia a  freguesia dele no Campestre, Chicó. O ultimo que permaneceu lá foi seu filho Guido. Na Vila Rezende havia a Padaria do Sol, ficava na Avenida Rui Barbosa, funcionou por uns setenta anos, quando ele fechou passou a freguesia para nós.

E o bolo de Santo Antonio?

O primeiro foi eu quem fez, saiu com a ajuda do Dr. Antonio Altafin. Em uma reunião do Conselho Coordenador das Entidades Civis de Piracicaba, eu representava o Centro Social Caritas conversando com Dr. Altafin comentei que tinha visto uma noticia de um padeiro que fez um bolo de 200 quilos. Dei a sugestão de fazer um bolo de Sano Antonio,  o Dr.  Altafin conseguiria os ingridiente, fazer e assar eu não cobrava nada. Ele conseguiu no moinho farinha, no Martini a goiabada, ovos, fizemos um bolo de 500 quilos. O último que nós fizemos deu 8.000 quilos.

E para montar?

Começava 15 dias antes a fazer a massa, colocava na câmara. Os padeiros começavam a montar no dia 12 pela manhã, oito a dez confeiteiros e iam até a manhã do dia seguinte.

A Igreja São José o senhor ajudou?

Meu pai ajudou muito. E ajudou também o Clube do Saudosista. Foi um dos fundadores do Clube Italo Brasileiro. No  Lar dos Velhinhos ele fez um forno de lenha. Tinha uns três padeiros que eram abrigados lá. Tinha uma época em que através da Legião Brasileira de Assistência, vinha sacos de farinha de 25 quilos para o Lar dos Velhinhos de Piracicaba. O primeiro pão de hamburger lançado na cidade foi na PANSA da Vila Rezende. Tinha sábados e domingos em que fazíamos mais de mil hamburguers.Enchia o salão e a calçada também. O Décio Carnevale do Bar do Décio, consumia nosso pão de hamburguer.  Lembro-me de que O Bistecão queria um filãozinho sem corte em cima. Passei a fazer o filãozinho sem corte, vendia muito. O lancheiro que trabalhou conosco por 32 anos, o Mauro Fernandes, tem um trailler na Balbo.

Como faz para fazer aquele corte?

Era usado um bambuzinho com um pedacinho de gillete. A lamina ficava presa no bambu e cortava no meio. Hoje a vigilância sanitária exige bisturi.

A família Faganello é muito ligada ao ramo também?

A Panibrás era uma padaria do Supermercados Brasil, e o José Faganello é genro do Lellio Ferrari, que foi proprietário do Supermercados Brasil. A Panibrás funcionava onde é a Padaria Bom Jesus. O Faganello voltou ao nome anterior: Padaria Bom Jesus.

Voltando ao biscoito de polvilho o senhor vendia em muitas cidades?

Fornecia até em Araraquara. Campinas. Levava toda semana uma perua cheia ao Frango Assado na Via Anhanguera. Depois eles começaram a produzir e pararam de comprar conosco. Depois começou a aparecer fabriquetas de biscoitos de polvilho de todos os lados. Em Itu tinha uma fábrica com três fornos, também parou. Em Guarulhos, a Guarupão tem uma esteira com dois padeiros em cada ponta, os dois primeiros colocam o pão, os outros dois pegam o pão assado e pronto. O forno tem uns 20 metros de comprimento. O pão vai passando pela esteira devagarinho, ao lado tem um visor aonde o padeiro acompaha o movimento. O forno é um tunel com esteira. Ele tinha uma máquina que cortava o filãozinho pela metade, era para fornecer para a merenda escolar. de Guarulhos, São Bernardo do Campo, fornecia toda rede do Bradesco.

No inicio o filãozinho era cortado mais pela prática do que a pesagem um a um?

Pesávamos por amostragem, sempre dava peso acima. Até brincávamos que tinhamos que arrumar um padeiro com mão pequena!

O senhor recebeu e tem recebido diversas homenagens dos orgão de classe?

Fui homenageado pela Apapir- (Associação da Indústria de Panificação e Confeitaria de Piracicaba e Região), pela Aipesp (Associação da Indústria da Panificação e Confeitaria do Estado de São Paulo).

LUCI MATTAR


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de março de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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ENTREVISTADA:  LUCI  MATTAR

                                    

A simplicidade e simpatia da Profa. Dra. Luci Mattar não deixam transparecer seu profundo conhecimento científico, sua determinação e objetividade. Com um currículo robusto, foi sempre uma aluna aplicada e posteriormente professora rigorosa e conceituada. Participou de inúmeras bancas de examinadores, orientou cursos de pós-doutorandos e mestrados na área médica. Ela formou inúmeros alunos na área da saúde, muitos deles médicos renomados.  Ganhadora de prêmios e títulos por méritos em suas pesquisas foi chefe de departamentos, onde com pulso firme obteve grandes êxitos. Contribuiu muito para o avanço da área médica em nosso país. Sua forte vocação como pesquisadora nata a manteve sempre intimamente inserida em inúmeras experimentações e realizações científicas.

Luci Mattar nasceu a 12 de setembro na cidade de Bauru, filha de Álvaro Mattar e Maria Nasralla Mattar, que tiveram duas filhas: Luci e Marli. Seu pai era corretor de cereais em Bauru.

O pai da senhora nasceu em que país?

O meu pai nasceu no Líbano e a minha mãe era filha e libaneses. Morei em Bauru até os meus dezoito anos. Estudei o primário no Grupo Escolar Rodrigues de Abreu. Bauru era uma cidade muito boa para as crianças, brincava-se na rua, tinha uma relação de interação com as outras crianças. O ginásio e o científico eu fiz no Instituto de Educação Ernesto Monte. Em seguida fiz a Faculdade de Biologia na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu, que atualmente é UNESP- Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" e o meu curso hoje faz parte do Instituto de Biociências de Botucatu.

Após a formatura a senhora continuou na faculdade?

Logo que me formei fui trabalhar em uma usina de açúcar a Usina São José da Açucareira Zillo Lorenzetti, em Macatuba, próximo a Jaú. Fui trabalhar no Laboratório de Diagnose Foliar. Um laboratório que fazia a análise das folhas da cana-de-açúcar, para saber o estado nutricional da cana, qual era a adubação necessária. Após uns dois anos fui fazer uma viagem pela Europa onde permaneci por alguns meses.

Qual foi o impacto que lhe causou a Europa?

Eu tinha uns 26 anos, o grande impacto que eu tive foi em relação a noção do que é antigo. Para nós, antigo é 1.500. O mais antigo nosso, 1500, lá  na Europa, foi ontem! Você entra na igreja de Notre Dame ela foi construída 300 anos antes do descobrimento do Brasil! O meu antigo já não era mais antigo! Isso foi um impacto muito grande. Outro aspecto foi ver “in loco” coisas que eu tinha estudado em Historia. È uma sensação muito forte estar em um local aonde aconteceram várias coisas que influenciaram no destino da humanidade. Isso mexeu muito comigo, os museus, Museu do Louvre.

Qual foi a impressão que a senhora teve ao se deparar com o quadro de Mona Lisa a sua frente?

Eu achei que ela está se divertindo com todo mundo que chega ali! O sorrisinho dela parece dizer: “- Você achou que fosse encontrar um quadro imenso e viu que estou retratada em um quadro pequeno!” Dá a impressão que ela está se divertindo com a nossa reação! Não se pode negar que é um quadro fenomenal. Nós não temos noção do tamanho do quadro, a grande maioria imagina ser um quadro enorme.

A senhora voltou para o Brasil em época aproximadamente?

Foi por volta de 1977. Fui dar aulas de botânica na Faculdade de Agronomia de Bandeirantes, no Paraná. Eu já tinha especialização em botânica. A faculdade vivenciou alguns problemas administrativos refletindo na remuneração do corpo docente. Nessa época o piracicabano Cláudio Costa, falecido recentemente, também dava aulas nessa faculdade. Quando voltei para Botucatu o Cláudio Costa também voltou para Botucatu. Só ficamos em departamentos diferentes. Voltando de Bandeirantes fui dar aulas nas Faculdades de Avaré: Faculdades de Pedagogia, Educação Física e Ciências. Após algum tempo lecionando resolvi que deveria voltar para a Universidade em Botucatu.  Havia um concurso para estágio em uma área totalmente diferente da botânica. Era um estágio de Cirurgia Experimental na Área de Trombose Experimental de Coagulação. Tinha uma parte de análises humana, mas não de lidar diretamente com o paciente. Passei no exame e fui fazer esse estágio. Acabei gostando da área. Apareceu a chance de eu ser contratada no Departamento de Cirurgia para fazer Pesquisa Experimental de Trombose. Acabei fazendo mestrado e doutorado na Faculdade de Medicina e Patologia, especificamente na parte de Trombose Experimental, nessa época já era UNESP- Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Quando terminei o meu doutorado, continuei no departamento de cirurgia, fazendo as pesquisas, e paralelamente, era professora do curso de pós-graduação.

A trombose pode ter qual origem?

Existem várias origens. Fundamentalmente a trombose é uma massa de sangue que se forma dentro do vaso sanguíneo. Pode ser desencadeada por vários fatores: genético, alterações de coagulação que ocorra com a pessoa, os fumantes já têm uma pré-disposição, o colesterol muito alto também pode influenciar. São várias coisas, que estão relacionadas e que podem levar a trombose.

A pessoa que se exercita corre menor risco de ter trombose?

Ela corre menos risco! Ela irá correr maior risco se já tiver situações que predispõem. Mesmo uma pessoa que faça academia, musculação, se ela tiver predisposição ela poderá desenvolver.

A trombose é fatal?

Não necessariamente. Há inúmeros casos que foram curados.

Existe uma mística popular da “trombose aérea”, ou seja, trombose durante um vôo de longo percurso. Há alguma forma de evitar essa situação?

Há! Movimentar-se dentro do avião! A panturrilha é tida como um segundo coração. Quando a pessoa anda, movimenta o pé, movimenta a musculatura, ao contrair-se ela irá bombear o sangue para o coração. Essa contração da musculatura é que faz com que o sangue volte para o coração. Caso não consiga levantar-se, pode simular o movimento de caminhar, para que você faça uma bomba plantar, na sola do pé. Essa técnica pode ser aplicada em viagens de carro, ônibus, mais longas.

Basicamente a senhora trabalhou com pesquisas?

Pesquisas com animais era minha parte específica, tentava encontrar alguma droga que pudesse ser substituta da eparina. Eparina é a droga padrão usada em trombose.

A senhora aposentou-se em que ano?

Aposentei-me no inicio de 2012. De 2012 a 2017 nessa área é um tempo longo. Devem ter aparecido inúmeros remédios nesse período. No mundo inteiro tem pesquisadores trabalhando nisso. É uma área em que se ficasse um mês sem ler toda a bibliografia que estava saindo, já perdia muita coisa do que estava acontecendo. É uma área muito dinâmica, com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo.

O profissional de saúde tem que estar constantemente atualizado?

Tem.

Tem que ler muito?

Depende da área. Em algumas áreas a evolução, pesquisas, coisas novas, acontecem rapidamente. Há área que não, é mais devagar, as coisas já estão mais descobertas, já tem muitos medicamentos, tem medicamentos substitutos em quantidade suficiente. Nesses casos as pesquisas são mais lentas.

O foco de estudo da senhora foi o estudo da trombose, foi dirigido a algum órgão do corpo ou de forma geral?

Trabalhei especificamente em carótida, é uma artéria de fácil acesso. Fiz alguns trabalhos com pacientes, participei de um trabalho com paciente de varizes e de paciente de claudicação intermitente, ou seja, pessoas que não conseguem caminhar muito por sentir dores nas pernas em função de problema arterial.

Nesse período em que a senhora vem realizando seus estudos, o progresso das drogas tem acompanhado? Elas são eficientes?

Algumas drogas são eficientes, outras não. É muito variável de paciente para paciente. Às vezes temos uma droga que funciona perfeitamente em um paciente, em outro não tem nenhum efeito. Por isso muitas vezes o médico faz a substituição de uma droga por outra até acertar a que adapta melhor ao paciente.

Os alunos da senhora eram todos médicos?

Eu dava uma aula para os alunos do quinto ano de medicina, na pós-graduação eram todos formados. Ali eu tinha como alunos: médicos, dentistas, veterinários, enfermeiros, fisioterapeutas, vários profissionais da área de saúde.

Como a senhora vê a medicina brasileira?

Eu acho que a medicina brasileira é muito boa. Infelizmente o que estamos assistindo é uma queda geral do ensino, não específico do ensino médico. Do ensino todo, desde as primeiras letras até a formação profissional. Isso está ocorrendo em todas as áreas. Eu acredito que isso vem desde a década de 60.

Independente das suas pesquisas científicas, a senhora gosta de literatura?

Gosto e muito. Sempre li bastante, quando morava em Botucatu tínhamos um grupo de discussão de livros, líamos um determinado livro e depois discutíamos sobre aquele livro. O grupo era denominado “Papos e Livros”.

A senhora passa a imagem de uma pessoa muito prática.

Tenho que ser! Na minha atividade eu tinha que ser muito prática. Quando se trabalha com aluno de pós-graduação, pesquisas têm que desenvolver muito o lado prático, senão fica-se enroscando muito nas coisas.

Há diferenças entre o aluno que está fazendo graduação e o que está fazendo pós-graduação?

O aluno quando está fazendo graduação ele assiste à aula faz a prova, tem nota ou não tem nota. O aluno de pós-graduação é diferente, é o aluno que está muito mais interessado, ele está fazendo aquilo depois de formado para se aprimorar. Ele tem que desenvolver um trabalho científico. Muitas vezes temos que orientá-lo, o orientador se envolve com o trabalho do aluno. Nós temos que acompanhar o aluno em suas pesquisas, dúvidas, discutirmos o material que ele lê, se ele entendeu ou não. Quando ele escreve o projeto de pesquisa dele temos que analisar aquele projeto. Quando ele escreve a tese a gente tem que estar presente o tempo todo. 

O trabalho passa a ser quase um filho intelectual?

Mais ou menos! E eu sou muito chata! Quero as coisas muito certinhas. Se escrever tem que escrever direito. Como eu tive os meus orientadores também assim, isso me valeu muito, quando chegava para defender as minhas teses eu já tinha uma segurança muito grande. Isso porque os meus orientadores exigiram que eu fizesse as coisas muito direitinhas. Teve uma moça, uma médica, que fui sua orientadora, após defender a tese, ela foi me agradecer e me chamou de “Mão-de-Ferro”! Eu exigia que escrevesse direito, que explicasse. Quando escrevemos sobre determinado assunto e conhecemos bem o assunto, achamos que estamos sendo muito claros, mas quem não conhece o assunto não entende direito. Quem não está na área tem que entender o que você está escrevendo! Algumas vezes o orientado tinha que escrever tudo de novo, eu insistia nas coisas.

Com relação a verbas para pesquisas como elas são obtidas?

A Universidade não dispõe de dinheiro para pesquisas. Tem que pedir financiamento a algum órgão como FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Eles ajudam?

As vezes ajudam outras não. Escrevo o meu projeto de pesquisa e mando. Eles enviam para os consultores e dão a resposta, que pode até ser “Aprovado pelo mérito, mas não temos recursos”. Ai manda-se o mesmo projeto para outra agência de pesquisa. Pode ou não sair o recurso financeiro.

Em média quanto tempo demora um medicamento desde a sua pesquisa até sua entrada no mercado?

Demora vários anos. Quando você tem uma substância, irá testá-la, o teste inicial é feito em roedores (ratos), se funcionar não significa que irá funcionar para o ser humano. Há o exemplo da sacarina que é cancerígena em rato e no ser humano não. Após a comprovação de eficácia no rato, isso passa para outra espécie, superior a do rato. Até chegar a fase de pesquisas em seres humanos, onde há diferentes níveis de pesquisa. Até finalmente chegar à população. É um caminho longo.

Há um fato que ocorre sistematicamente de tempos em tempos, é alardeado que produto X causa uma doença gravíssima ou alimento Y é alta fonte de colesterol.  Algum tempo depois ele é aprovado e até mesmo incensado como benéfico à saúde. O consumidor fica completamente aturdido.

Isso, para mim, é interesse da indústria alimentícia. Temos que buscar o equilíbrio em nossa alimentação. Evitar os alimentos industrializados que sabemos que tem substâncias que não boas para a nossa saúde.

A internet ajuda ou atrapalha?

As duas coisas! Ajuda quando a pessoa tem consciência e algum conhecimento do assunto, e acredito que prejudica quando a pessoa lê e aceita tudo.

Atualmente aposentada, a senhora desempenha alguma atividade?

Gosto muito de fotografia, como fotógrafa amadora já fiz algumas exposições. Tenho uns amigos em Botucatu, ele é cardiologista e sua esposa pediatra, e outra amiga, que também gostam de fotografar. Decidimos fazer uma viagem a São Francisco do Sul, a terceira cidade mais antiga do Brasil. Estabelecemos a regra de cada um fotografar o que desejasse e da forma que quisesse. Quando voltamos a Botucatu decidimos fazer uma exposição sobre os três olhares a respeito de São Francisco do Sul. Quando fomos escolher as fotos parecia que tínhamos viajado para três lugares diferentes.

A senhora que sempre teve uma vida de muitas atividades, como se vê aposentada?

Depois que me aposentei, entrei em uma fase que denomino “desconstrução”. Ou seja, enquanto estamos trabalhando estamos sujeitos a cumprir um horário têm que manter uma aparência visual condigna com o ambiente, enfim uma série de coisas que senti a necessidade de me libertar delas após aposentar-me. Hoje faço o meu horário, uso uma roupa mais informal. Acho que ao longo da vida vamos aprendendo uma série de coisas, com o passar do tempo essas coisas deixam de ter sentido. Quando vim para Piracicaba foi o ponto alto dessa desconstrução, consegui me desligar de uma série de coisas.

Tensão influencia na saúde?

Muito! Mexe com o corpo inteiro.

A seu ver, uma boa parte das doenças que acometem a população é conseqüência da tensão?

Acredito que uma boa parte das doenças deriva da tensão. Quando você fica tenso há uma liberação de adrenalina no organismo e isso mexe com todo o funcionamento.

Atualmente temos crianças com depressão, isso é novidade?

Na realidade anteriormente a depressão já podia ocorrer com crianças. Antes era conhecida como “birra” e outras denominações. O que existe hoje é uma compreensão maior dessas atitudes da criança. Às vezes é “birra” mesmo, às vezes não é. Depressão sempre existiu, ela só não era bem diagnosticada. Eram tidos como pessoas muito fechadas, que não conversavam com ninguém, pessoa chata. Ou até mesmo louco. Havia uma resistência muito grande de se conversar com um psiquiatra. Há várias explicações e desculpas.

Qual é a recomendação da senhora para a pessoa manter-se equilibrada, saudável, com o passar dos anos?

Recomendo ter atividade física, eu faço caminhada de segunda a sexta feira, faço academia de musculação de duas a três vezes por semana, faço yoga, a atividade física é muito importante, isso porque quando  vamos envelhecendo vamos enferrujando, perdendo movimentos, músculos, e temos também que cuidar muito da saúde mental.

Como a pessoa pode cuidar da sua própria saúde mental?

É ficar atenta aos problemas mentais: se está tendo depressão, se está ficando triste, se está tendo problemas que estão afetando seu humor. Muito depende do estado mental da pessoa. É importante a pessoa sentir-se feliz, bem consigo mesma. É muito importante a pessoa se dar bem consigo mesma.

ANTÔNIO FERRAZ DE OLIVEIRA (DUZENTÃO)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 04 de março de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/





ENTREVISTADO: ANTÔNIO FERRAZ DE OLIVEIRA  (DUZENTÃO)

Antonio Ferraz de Oliveira, o Duzentão, nasceu a 23 de maço de 1939, filho de Antonio Felipe de Oliveira e Francisca Ferraz de Godoy que tiveram sete filhos, sendo que um faleceu precocemente: Lázaro, Benedita, Maria, Vicente, Terezinha, Antônio.

Qual era a atividade profissional do pai do senhor?

Ele era agricultor, tinha um sítio no bairro rural Paredão Vermelho onde plantava arroz, feijão, nós tínhamos animais. Pelo fato de ser o mais novo dos irmãos, naquela época eu era menino ainda, quase não fazia nada, tratava dos animais, levava a comida para as pessoas da família que estavam trabalhando no campo. Como meus irmãos e irmãs estavam na idade de freqüentar a escola e lá não havia nenhuma nas imediações, meu pai decidiu vender o sítio e mudar-se para a cidade de Piracicaba. Matriculou meus irmãos e irmãs nas escolas da cidade.

Em Piracicaba a família passou a residir em que local?

A primeira casa em que moramos foi a Rua Voluntários de Piracicaba, no Bairro dos Alemães, próximo ao Bar Pingüim, que atualmente já não existe. Esse bar ficava entre a Rua Santa Cruz e a Rua São João, era bar e tinha um jogo de boche grande. As ruas eram de terra ainda. A casa era alugada, o dinheiro apurado na venda do sítio meu pai depositou na Caixa Econômica Estadual, situada na Rua Santo Antonio esquina com a Praça José Bonifácio, o prédio existe até hoje.

Em Piracicaba o pai do senhor passou a trabalhar em qual atividade?

Ele passou a produzir e vender doces, já tinha experiência de fabricar doces nas festas que eram feitas quando morávamos no sítio fazia doce de abóbora, cidra, paçoquinha. Ele vendia para os funcionários da Boyes, tinha freguesia cedo e a tarde. Os funcionários tinham meia hora para almoçarem e meia hora para jantarem. No início ele levava uma cesta, depois passou a vender também abacaxi, melancia, aí já ia com um carrinho de mão. Nessa época eu ajudava também. Naquela época os funcionários almoçavam ou jantavam a comida que a família mandava, não havia restaurante dentro da empresa, tinha que comer embaixo das árvores.

Havia clientes que consumiam os doces e frutas e pagavam quando recebiam o salário?

Alguns pagavam ao comprar, outros pagavam por mês. Havia uma caderneta onde era marcado o nome da pessoa, o que era consumido e o valor. Em seguida mudamos para a Rua XV de Novembro, um quarteirão acima do Rio Piracicaba. Ficava próxima a Escola Normal do Porto, o prédio existe até hoje, está bem conservado, só que com outra finalidade. Eu entrei nessa escola depois fui estudar no Grupo Escolar Dr. Prudente de Moraes onde tive aulas com o professor Alfredo Novembre. Concluí o ensino no Grupo Escolar Dr. Prudente de Moraes e estudei por um ano no Colégio Industrial. Meu pai precisa que eu o ajudasse, deixei a escola e fui trabalhar com ele. Mais tarde meu pai foi trabalhar como guarda em uma empresa que beneficiava algodão de propriedade de Adib Zaidan Maluf, ficava na Rua Ipiranga. Tinha umas 14 a 15 pessoas que trabalhavam a noite. O meu pai além de vender doces durante o dia a noite trabalhava lá. Ele mesmo fazia os doces, um deles era paçoca com carne seca. Era colocada em um cartucho de papel. Era muito gostoso. Ele tinha uma boa freguesia. Nessa época ele adquiriu uma casa na Rua Dr. Alvim. Essa casa mais tarde foi derrubada, e atualmente o espaço é ocupado por uma torre de transmissão. O jornalista, radialista e comentarista Márcio Terra morava a poucos metros da nossa casa. Ele dedicou-se ao XV de Novembro, foi vereador. Tive um tio, irmão da minha mãe, Dr. Nélio Ferraz de Arruda Campos que foi prefeito de Piracicaba. (Há uma possível divergência da grafia do nome do Dr, Nélio Ferraz de Arruda, como consta em documentos oficiais conhecidos. Nélio é filho de Fernando Ferrraz de Arruda Pinto e Ana Cândido do Amaral Melo. Político, professor, advogado,escritor, empresário, radialista. Nasceu na Fazenda Milhã. Em 1963 foi eleito vice-prefeito da cidade para o período 1964 a 1968, sendo que em julho de 1968 assumiu como prefeito em decorrência do falecimento do prefeito Luciano Guidotti. Atuou com prefeito até fevereiro de1969).

O senhor tem ligações de amizade e parentesco com figuras proeminentes de Piracicaba.

Tive um primo que foi o homem mais valente da cidade, muito famoso e respeitdo, chamava-se Diogo, chamavam-no de “Diogão”. O seu pai chamava-se Lazinho, era carteiro, entregava correspondências com carrinho de tração animal. Ele morava perto da cadeia velha, situada na Rua São José. O Lazinho tinha três filhas e um filho, o Diogo. A Maria, irmã do Diogo era casada com o meu primo Pedro Adamoli, tiveram um único filho, o Pedrinho, que faleceu ainda muito jovem.

Como era a Rua do Porto?

Era uma rua aonde moravam muitos pescadores. Havia o Elias Rocha que fazia bonecos, eue depois tornaram-se famosos. O Elias foi jogador de futebol, jogou no União Porto. O irmão do Elias, o Nelson Rocha, jogou no XV de Piracicaba, era reserva do Idiarte Massariol, isso no tempo da “Panela de Pressão” como era chamado o Estádio Roberto Gomes Pedrosa, que foi vendido e hoje a área abriga o Supermercado Extra, formado pelo quadrilátero: Rua Governador Pedro de Toledo, Rua Regente Feijó,  Rua Monsenhor Manoel Francisco Rosa e Rua Santo Antonio. Ha pouco empo faleceu um dos mais antigos jogadores do XV de Novembro, o Cardeal, trabalhava na ESALQ. Ele jogou muito nesse estádio como ponta direita.

O senhor acompanha o XV de Novembro desde que ano?

Desde 1949. Eu era sócio com carteirinha. Lembro-me do João Guidotti que foi presidente do XV, Bento Dias Gonzaga (Bentão). Uma das lembranças de quando eu era jovem, foi quando faleceu um homem, meu pai foi para prestar as últimas homenagens ao falecido, pediu-me que o acompanhasse. Fomos. Não sabíamos o motivo da morte. Ao chegarmos à casa do morto soubemos que ele havia se enforcado, estavam esperando as providências legais para remover o corpo. Vi o homem enforcado por suicídio. Era irmão de uma das mais célebres figuras do cururu de Piracicaba.

O senhor ia de bonde ou a pé para a escola?

Ia a pé. Ali por duas vezes eu estava no bonde da Escola Agrícola quando os estudantes derrubaram o bonde. Para não ter aula.  Isso bem na curva da Rua Marechal Deodoro para seguir rumo a ESALQ. Dez a doze estudantes conseguiam tombar o bonde. Meu pai disse que se eu quisesse andar de bonde só deveria ir para a Vila Rezende ou para a Paulista. Naquela época havia uma rixa muito grande entre os jovens da Vila Rezende e os jovens que moravam depois da ponte. O jovem que fosse até a Vila Rezende apanhava. O jovem rezendino que viesse até a “cidade” apanhava. Tinha um jogador do XV de Novembro, o Cardeal, que namorava uma moça da Vila Rezende, tentaram pegá-lo. Ele fez um acordo, jogar por dois anos sem cobrar nada para o Clube Atlético Piracicabano, da Vila Rezende. Para deixarem ele namorar e casar com a moça da Vila Rezende. Aí deixaram.

O senhor cresceu, começou a trabalhar aonde?

Fui trabalhar na Casa Nelly, com calçados. Eu ia levar sapatos até a casa do cliente para ele escolher. Colocava diversos modelos, prendia as caixas com uma cinta e levava. A pessoa escolhia me pagava ou ia até a loja para pagar. O proprietário da loja era um português, sua esposa se chamava Nelly, por isso a loja levava esse nome. Ficava na Rua São José. Havia outra sapataria famosa, a Casa Henrique cujo proprietário chamava-se Valêncio.

Naquele tempo usavam-se sapatos masculinos com duas cores?

Existia sim! Eram mais utilizados no carnaval. Era preto na frente e a parte de trás era branca. Sambistas usavam muito o sapato de duas cores. Usavam-se sapatos de cromo alemão.

O senhor participou de alguma escola de samba?

Por quatro anos fui campeão pela Escola de Samba Vila Bacchi, situada na famosa Curva do “S”, na Avenida Armando Salles de Oliveira. O presidente da escola era João Chiarini.

Que instrumento o senhor tocava?

Surdo! A Escola foi ganhando fama e crescendo, todo mundo queria sair na Escola de Samba Vila Bacchi.  Eu saí da escola porque meu pai não gostava que eu ficasse no meio de tantas pessoas com hábitos e costumes diferentes, na época era muito jovem ainda. Havia outras escolas muito famosas como a Treze de Maio, a Flôr de Maio. Estas duas últimas escolas eram rivais acirradas, não podiam se encontrar que dava briga. Teve um período em que o Professor Benedito de Andrade foi presidente do Clube Treze de Maio. Na Rua do Porto havia um cordão muito famoso, chamava-se: “Não Empurre Que é Pior”. Outro cordão muito famoso era o “Leão da Paulicéia”. Na Paulicéia por muitos anos funcionou um salão de baile, o proprietário foi jogador do XV de Novembro, do Palmeirinhas era o Bidito. Os bailes do Salão do Bidito eram famosos, ficava no fim da Avenida São Paulo perto do Postão, nome popular do Posto Menegatti de combustível. Antes do Bidito falecer, meu pai foi internado no Hospital Santa Monica, que havia na Avenida Carlos Botelho, meu pai tomou soro e saiu, mas ao seu lado tinha dois conhecidos: Moacir de Moraes que foi jogador, treinador do XV de Novembro, da Ponte Preta, do Guarani, jogou com Athié Jorge Coury que era presidente do Santos e era piracicabano,  o outro paciente era Bidito. Ele faleceu lá.

O senhor conheceu o De Sordi?

Conheci! Ele era proprietário de uma vila de casas. O jogador Pepino também conheci, faleceu em Águas de São Pedro.

E Mazzola?

Conheci! José João Altafini, o Mazzola. Jogou no Clube Atlético Piracicabano. O Julião, cujo nome é Antonio Elias Julião, o Baltazar cujo nome era Oswaldo Silva e, quando ele começou a jogar futebol, não era conhecido como Baltazar, que por sinal era o nome do irmão dele.

O senhor fez o Tiro de Guerra?

Fiz, o Tiro de Guerra, naquele tempo era no Largo da Estação da Estrade de Ferro Sorocabana, entre hoje se encontram os terminais de onibs urbano e intermunicioal. No tempo do Subtenente Yamashiro. Um dos meus colegas de farda na época foi Waldemar Blatkauskas, ele era de São Carlos, vinha vindo de lá para Piracicaba quando sofreu um acidente fatal. Os exercícios práticos de tiro eram feitos nas imediações do Bongue, na Rua do Porto. Ali era o estande de tiro. Tive um amigo que foi desligado do serviço militar, ele errou o tiro e matou um cavalo.

Na época a Rua do Porto era bem diferente?

Uns diziam que ela começa perto da Boyes e terminava próximo ao campo do clube União Porto. Outros afirmavam o contrário. Era uma região com diversas olarias. Era uma região tipicamente habitada por pescadores: Elias, Totti, Bigu, Tangará, tinha muita gente conhecida.

O senhor chegou a nadar no Rio Piracicaba?

Só perto do trampolim, em frente ao Clube Regatas. No meio do rio meu pai não deixava. Não tinha as muretas que existem hoje, quando enchia o Rio Piracicaba entrava água nas casas próximas. Naquele tempo eu morava na Rua XV de Novembro, próxima a Rua do Sabão (Atual Rua Antonio Corrêa Barbosa), próximo a Escola Normal do Porto. Naquele tempo o Club de Regatas de Piracicaba era muito forte. Participei de muitos bailes de carnavais do Regatas. Frequentei o Teatro Santo Estevão, assisti a muito cururu apresentado lá, tempo do Zico Moreira, Pedro Chiquito, Sebastião Roque, Nhô Serrra, Parafuso, Luizinho Rosa. Teve uma época em que o cururu pegou fogo em Piracicaba. Eu ia assistir ao vivo no auditório da Rádio Difusora de Piracicaba a PRD-6, o locutor era Benedito Hilário. Era todo domingo, começava as 10 horas da manhã, era  uma hora e meia de cururu.

O senhor quando menino freqüentava a Rua do Porto, além de nadar fazia mais alguma coisa?

Ganhei muito dinheiro lá, nessa época, o Rio Piracicaba era cheio naquele tempo, pescava fácil, mandi, curimbatá. Vinha muito pescador de São Paulo, só que eles não tinham minhoca, eu sabia aonde tinha minhoca, lá perto do campo do União Porto. Ali tinha minhoca que dava medo! Comprei umas 20 a 30 latinhas de maça de tomate Elefante, enchia de minhoca, colocava um pouco de terra em cima. Alguém falou: “-Vim pescar, mas não tem minhoca!”. Eu disse: “- Eu tenho minhoca! Vendo. Quero duzentão!” Todo mundo comprava. No outro sábado era a mesma coisa. Um dia cheguei mais tarde, começaram a perguntar: “-Cadê o Duzentão?”. O apelido pegou até hoje. Meu pai às vezes dizia: “-Aonde você arrumou tanto dinheiro assim?” Eu dizia-lhe: “Eu vendi minhoca!”. Com esse dinheiro ia ao cinema, comprava doces. Época dos cines Broadway, São José, assisti muitos filmes nesses cinemas.

A Rua do Porto era uma família?

Para mim ali foi muito bom. O Antonio (Toninho) Benites era eu primo. Foi proprietário do Restaurante Mirante, que continua até hoje com a sua família.

Quando acabou o período em que o senhor serviu no Tiro de Guerra qual foi sua próxima atividade?

Entrei na Fábrica Boyes onde permaneci trabalhando por quatro anos. Comecei trabalhando na seção de sacaria. Louis Clement era o chefe geral. O Nico Fidelix era chefe de um departamento. Os fios vinham da empresa de fiação, ali tinha a tecelagem, a parte de costura de sacos de algodão brancos, para colocar açúcar, outra seção que carimbava, outra que fazia a contagem. Eu tinha um vizinho que era soldador no Dedini, foi ele que me apresentou para a empresa Dedini. Fui aceito, comecei a trabalhar como ajudante.

Lá o senhor conheceu o Comendador Mário Dedini?

Conheci, assim como Dovilio Ometto, Arnaldo Ricciardi. Eu trabalhava só na oficina, os montadores é que viajavam para montar as peças em usinas de açucar em todo o país e até mesmo no exterior. A aciariaria eu conheci, mas não cheguei a trabalhar. Era mais conhecida como laminação. É um lugar de grande risco e condiçoes de trabalho bem agressiavas em função da alta temperatura.

O senhor frequentava o Restaurante Papini?

Era muito bom, a turma frequentava muito. Quem aposentava com 25 anos de serviços na Dedini recebia 10 salários e um relógio de ouro. O Scarpari era quem fornecia os relógios.

Em que ano o senhor aposentou-se?

Foi em 1983. Depois de aposentado fiz alguma coisa ou outra mas muito esporádicamente.

O senhor é músico de um conjunto?

Ultimamente eu estou cantando, o cantador oficial do grupo está sem voz. Na verdade eu toco surdo e pandeiro. Quem está tocando pandeiro é a Quimie, uma pandeirista de origem japonesa. Chama-se conjunto “Recordar”, composto por Élcio, Moacir, Francisco, Quimie, Diogo e Antonio. O correto mesmo é uma pessoa tocando surdo, um pandeirista, um sanfoneiro, um vilão e um cantor, no caso eu.

O que a música significa para o senhor?

Faz uns dez anos que eu toco nesse baile, eu comecei a gostar de música depois que fiquei viuvo. Fiquei 32 anos casado com Maria Basso. Após sete anos contrai segunda nupcia com Marlene Licciardello de Oliveira

Quanto tempo dura o show?

Normalmente tocamos por duas horas no Lar dos Velhinhos de Piracicaba, das 14:00 horas às 16:00 horas, toda quinta feira. A entrada é franca, tem espaço para dançar.

O senhor acompanha qualquer ritmo?

Tenho que encarar! Samba, bolero, arrasta-pé, valsa, choro e algum ritmo que aparecer. Eu tocava surdo, os demais instrumentos como violão, pandeiro, sanfona aprendi a tocar aqui no Lar dos Velhinhos.

O senhor jogava boche? (Bocha, boche ou boccie como é chamado)

Jogava! Parei por causa da coluna. Jogava a ponto, atirava de bota. Só que a coluna estava doendo, fui ao médico, mesmo após tomar o remédio receitado a dor não parou. Eu jogava boche de duas a três vezes por semana, ele disse-me para deixar de jogar por um tempo. Acabou a dor da coluna!

Por acaso o senhor conheceu um jogador de boche que marcou época por ser um exímio jogador?

Conheci! Era um árabe, conhecido por Michubishi ou Michi Bishi, ele atirava de bota a bola. Cheguei a ver ele e um tal de Pinheirinho jogarem. Esse de nome Pinheirinho morava na Rua Santa Cruz.

O senhor conheceu o famoso João Buriol?

Quando o conheci ele tinha bar a Rua Moraes Barros, o Bar Buriol. O Pedro Schimidt era dono do Bar Pinguim, único bar que tinha chapa para fazer lanche quente. Situava-se a Rua Santa Cruz esquina com a Rua Voluntários de Piracicaba.  Funcionava durante o dia e a noite, ele tinha jogo de boche. As bolas eram de madeira, depois que apareceram as bolas de massa. Ali o boche era forte. Ganhei muito dinheiro ali, como era adolescente não podia jogar, ficava olhando os pontos de quem era (marca o ponto quem aproximar mais a bola do balim, que é uma pequena bola). Isso para a pessoa não ter que atravessar a cancha toda só para medir a distância entre a bola e o balim. Às vezes ia buscar cerveja para eles. Às três horas ia buscar o resultado do jogo de bicho. Muitas vezes trazia o prêmio, em dinheiro, quando alguém ganhava. No centro da cidade havia um coreto onde era feito o jogo de bicho, alguém falou que ia dar o bicho cujo nome começava com a letra “A” todo mundo jogou no Avestruz e na Águia. Jogaram o dinheiro que podiam. Na hora de dar o resultado, tinha um grande numero de pessoas com o papelzinho na mão para receber, a pessoa anunciou o primeiro prêmio: Alefante. Isso é o que contavam!

O senhor conheceu o Bar Alvorada, de Oscar Nishimura, na Praça José Bonifácio?

Conheci! Ele era um japonês, de pequena estatura, faixa preta em jiu-jitsu. Havia um estudante da Escola Agrícola, era o sujeito mais forte conhecido na época, o seu apelido era Sansão. Ele foi ao Restaurante Alvorada, comeu e bebeu a vontade, ao sair disse: “-Sou Sansão, não vou pagar nada!”. O Oscar delicadamente disse-lhe: “-Aqui ninguém nunca fez isso!” O Oscar aplicou um corretivo no Sansão que nunca mais ele apareceu no restaurante.

Como o senhor conheceu João Chiarini?

Ele morava na Rua Alferes José Caetano e eu morava na Rua Monsenhor Rosa. A sua casa ficava um quarteirão abaixo da minha casa. Ele ia apresentar palestras e demonstrações de folclore em Piracicaba e região e passou a me convidar para tocar. Comecei a sair junto com ele. Freqüentei muito o Bar Quatizinho, ali era só samba.

E o famoso Bar Cruzeiro?

Antigamente era do João Buriol, freqüenta lá também. Conheci um dos primeiros sanfoneiros de Piracicaba, chamava-se Mario Moreno, tocava em todo lugar, salões com piso de terra, todos os bailes chamavam o Mario Moreno para tocar. Perto de casa tinha um homem que era benzedor, muito respeitado, chamava-se Lazinho Tabaré. Ele tinha três filhos: um era pandeirista, outro era sanfoneiro e outro batia surdo. O baile era ele que fazia. O Lazinho era benzedor de fazer e desmanchar casamentos. Na época vinha até Cadilac de São Paulo na casa dele. Ele morava na Rua Voluntários de Piracicaba, antes de chegar a Rua São João. Quando o Lazinho Tabaré ia assistir jogo de boche, aonde ele ficava olhando ninguém fazia ponto. Quando um dos filhos dele, o Zeza, estava jogando ninguém fazia ponto, perguntavam: “- Como essa bola foi para lá?” Alguém respondia: “-O Lazinho Tabaré está assistindo!”

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