JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 03 de julho de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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Monsenhor Luiz Gonzaga Giuliani além de ser um pescador de almas é um tocador de obras. Administrou a construção do Seminário Diocesano localizado no bairro rural Nova Suíça, para onde seguia dirigindo uma velha caminhonete Ford fabricada no ano de 1946. O caminho de terra era semelhante à pista para prática de esportes radicais. Por determinação superior, assumiu a Paróquia São José, que na ocasião resumia-se em uma igreja em construção e um terreno com uma construção rústica e acanhada, onde eram realizados os festejos com a finalidade de arrecadar fundos para as obras da igreja. O limite da paróquia abrangia uma imensa região rural e grande extensão de terras urbanas, habitados em sua maior parte por pessoas extremamente carentes, muitos migrantes. Onde hoje existem bairros importantes como Jaraguá, Vila Cristina, Jardim Monte Cristo, não passava de um amontoado de casas precárias. Altos da Paulista era a definição dada para a localização da Igreja São José. Monsenhor Luiz encontrou pouco mais do que as paredes levantadas e a cobertura do telhado realizada. As portas eram tabuas de construção fechadas a cadeados, nas paredes os furos por onde se encaixavam madeiras dos andaimes, no madeiramento do telhado, eram os locais ideais para os ninhos de pássaros. Durante as cerimônias religiosas, alguns fiéis concentrados no ato, poderiam ser vitimas de alguma das aves que faziam seu vôo rasante. Além dos pássaros comuns, corujas, morcegos, sentiam atração pelo santo espaço. O enorme descampado que se avizinhava da igreja favorecia a existência de espécimes da fauna. Com muito talento e dedicação, Monsenhor Luiz reuniu em torno da igreja as forças vivas do bairro, despertou vocações, realizou um enorme trabalho social junto às comunidades carentes, inovou com a criação do Cesac - Centro Social de Assistência e Cultura, um baluarte de formação moral e educacional. A imponente igreja e as grandes construções voltadas ás atividades paroquiais hoje é um orgulho para o bairro e sua comunidade, e motivo de realização para monsenhor Luiz. Além de suas pregações paroquiais, por décadas ocupou o microfone da Rádio Difusora de Piracicaba, a famosa PRD-6, de onde transmitiu preces e orações. È um dos poucos padres brasileiros que teve a oportunidade de concelebrar a santa missa junto com o Papa João Paulo II, no Vaticano. Nascido em Capivari em 02 de junho de 1927, filho de Thomaz Juliani e Maria Maschietto Juliani. Monsenhor Luiz faz um depoimento humano, realista e bem humorado, com o tempero de quem é vitorioso em sua missão.
Seus primeiros estudos foram realizados em Capivari?
studei no Grupo Escolar Augusto Castanho, cursei o ginásio e o colegial no Seminário Diocesano Nossa Senhora da Conceição Aparecida. O padre diocesano é uma ordem distinta, diferente das ordens dos religiosos que vivem em comunidade, em conventos. Prossegui meus estudos no Seminário Central do Ipiranga, no bairro do mesmo nome, em São Paulo. Fui ordenado padre na catedral de Piracicaba, em 8 de dezembro de 1952, pelo primeiro bispo diocesano de Piracicaba, Dom Ernesto de Paula.
Onde se iniciou o seu trabalho como padre?
Comecei ajudando Monsenhor Rosa (Manoel Francisco Rosa) em seu trabalho na catedral de Piracicaba, logo depois o padre de Santa Barbara D`Oeste adoeceu, fui mandado para ser operador na única paróquia existente em Santa Barbara D`Oeste, a Paróquia de Santa Barabara, onde permaneci por quase um ano. No inicio éramos dois padres, mas o bispo chamou o outro para cuidar do seminário e eu permaneci sozinho lá. No final de 1953 vim para ser coadjutor da paróquia da Imaculada Conceição de Vila Rezende.
Dom Ernesto de Paula
Dom Ernesto de Paula
O Padre Jorge já estava lá?
Ainda não! Ele ordenou-se três anos após a minha ordenação. O vigário era o Padre Romário Pazzianotto, eu vim para ajudá-lo, ele estava muito cansado. O Seminário da Imaculada Conceição tinha sido fundado, fiz parte da primeira equipe, trabalhando como diretor espiritual, professor e diretor de disciplina. Em 1958 tornei-me reitor do seminário, cargo que ocupei por quase seis anos, chegamos a ter 83 seminaristas estudando lá.
Prédio que abrigou o primeiro Seminário Diocesano de Piracicaba
Prédio que abrigou o primeiro Seminário Diocesano de Piracicaba
E o Seminário da Nova Suíça?
Fui designado pelo senhor bispo para uma administração um tanto quanto pesada, que foi a construção do Seminário da Nova Suíça. A construção mais antiga era a casa de campo, a parte mais recente é constituída por três pavimentos.
Qual condução o senhor utilizava para ir diariamente até as obras do seminário?
Em 1961 eu dirigia uma caminhonete Ford 1946, “queixo-duro” (direção que não é hidráulica), andava mais no céu do que na terra, não havia asfalto, sentia que o veículo voava. As conseqüências dessas viagens até hoje se manifestam em minha coluna vertebral, mesmo assim dirijo até hoje. Eu tinha que administrar a construção, providenciar os materiais necessários, além de cuidar dos animais, criações, Dalí sai muita coisa para a cozinha do seminário, que continuava funcionando no prédio da Vila Rezende. A construção de um seminário é muito mais difícil do que construir uma paróquia. No dia 15 de julho de 1963 os seminaristas passaram a utilizar o novo prédio do seminário.
Em que ano o senhor assumiu a paróquia de São José?
Acatando as ordens do senhor bispo em primeiro de janeiro de 1964, no período da manhã, vim para cá, sendo que eu já tinha 12 anos de atuação como padre. Encontrei a igreja apenas coberta com o telhado. Dom Ernesto de Paula era muito devoto de São José, foi ele quem deu inicio a construção em março de 1957, o terreno onde se localiza a igreja foi comprado. O decreto que criou a paróquia é do dia 29 de outubro de 1959, sendo que só passou a funcionar em 1963.
Quem projetou a igreja?
Foi o arquiteto Menotti Luchesi, muito conhecido em Piracicaba, o arquiteto Israel Nobre Gil acompanhou a obra, o engenheiro Francisco Salgot Castillon também deu sua contribuição técnica.
Depois de assumir a paróquia de São José o senhor por seis meses ainda morou na Vila Rezende?
Eu ia e voltava todos os dias, com o “piquá” (sacola simples, rudimentar) nas costas! Não era possível guardar nada aqui, as portas eram de tábuas de construção. Na época eu tinha uma Kombi velha que mais me deixava na mão do que andava. Depois que arrumei um fusquinha 1951. Aluguei uma casa na Rua Sud Menucci esquina com Avenida Edgar Conceição, onde permaneci por quatros anos e meio. Naquele tempo a maior parte da paróquia era rural. Havia umas duas mil pessoas morando em condições precárias na Vila Cristina, cujo apelido era “Risca-Faca”. O bairro Jaraguá era um loteamento ocupado com casas improvisadas, bem rudes. Era comum a existência de favelas nesses bairros. Em frente a igreja havias as casinhas que permanece até hoje, há um documento do prefeito municipal Luciano Guidotti servindo como alerta de que essa área será desapropriada com a finalidade de construir uma praça defronte a igreja. Isso paralisou qualquer negociação com esses imóveis. Ao lado da igreja havia algumas casas, na baixada do Jaraguá não havia nada além de buracos e mais buracos. A Chácara Nazareth de propriedade do Dr. Jorge Pacheco Chaves mantinha ainda uma boa área intacta com pés de café plantados, nas baixadas havia cana de açúcar plantada.
Ao chegar ao bairro e deparar com esse quadro foi difícil?
No começo foi puxado, nem as acomodações para a minha permanência existiam. Eu celebrava missa pela manhã e á noite, isso todos os dias. Durante o dia permanecia se não estivesse atendo alguém permanecia sentado em uma mesinha. Não me arriscava em permanecer muito na igreja, havia o risco de receber um “cartão de visita” dos inúmeros pardais que circulavam pela área, havia de tudo dentro da igreja, além dos inúmeros ninhos de pardais, à noite voavam morcegos, corujas. As aves “caiavam” os bancos, eles tinham foram adquiridos de segunda mão da igreja de Capivari, já vieram com cupins. Era o que tínhamos no começo. Muitas noites ao terminar o ofício religioso a única refeição possível era um sanduíche, algum coroinha ia buscar no lugar mais próximo que era no Bar Serenata, na esquina da Avenida Da. Jane Conceição com Rua do Rosário, onde hoje existe a farmácia Drogal. Era comum ter acabado tudo! Na área ocupada um pouco a frente da igreja era como se fosse roça, havia criação de porcos, cabras, gado. Em volta da igreja não havia calçada, a rua era de terra nua, de vez em quando subiam algumas cabras que vinham pastar o capim que brotava fácil na terra vermelha. Algumas vacas faziam o mesmo percurso. De vez em quando tínhamos que tocar algumas cabras que invadiam a igreja, naquele tempo usava-se toalha de linho, e até hoje não entendi porque elas tinham tanta predileção pela toalha do altar. Tínhamos que cobrir tudo com plástico, buscar o máximo de proteção com relação aos animais. Um dia tivemos que tirar uma vaca de dentro da igreja.
A igreja comporta quantas pessoas?
Em pé e sentadas cabem umas mil pessoas.
O sino da igreja é uma criação do senhor?
O som do sino é uma gravação, não há sino na torre da igreja, isso é tecnicamente impossível, infelizmente a execução do projeto estrutural da igreja não contemplou a existência de uma torre elevada, com um sino. Esse fato foi fonte de inúmeras dores de cabeça. Tivemos que fazer um grande esforço de engenharia para construir a cúpula da torre. Coloquei algumas cornetas no alto da torre para chamar os fiéis.
O senhor teve sérias dificuldades técnicas para tocar as obras da igreja?
Surgiram problemas bastante complexos, de natureza técnica, alguns engenheiros recusavam-se a dar andamento á obra. O forro da igreja foi motivo de solução muito criativa, não poderia ter sobrecarga no teto, a busca por materiais alternativos foi muito intensa, tivemos que trazer de São Paulo engenheiros especializados em construções de igrejas. O saudoso Neno Nardim que já havia me ajudado muito na construção do seminário, me ajudou muito na parte artística da igreja. Como agravante havia acontecido à queda do Comurba, alguns engenheiros da cidade nem cogitavam de tocar as obras da nossa igreja, com receio em assumir uma solução pouco trivial. Após inúmeros estudos, resolvemos adotar o gesso como material para o forro. Em Piracicaba não havia ninguém trabalhando com esse matérial, em Campinas só trabalhavam com obras de pequeno porte, adereços em gesso, capitéis, colunas, imagens. Fomos descobrir em São Paulo dois artistas espanhóis que trabalhavam com gesso. O problema surgido era como pagar pelo trabalho, caríssimo, só residências de pessoas abastadas faziam trabalhos em gesso. O projeto original da igreja continha ogivas em estilo gótico, nas condições técnicas oferecidas não poderia se pensar em nada, a não ser em terminar o forro A técnica utilizada para aplicar o gesso implicava em uma camada bem grossa, diferente do gesso mais fino que encontramos hoje no mercado. Os dois irmãos utilizaram um salão onde seria erguida a torre para fundir as placas de gesso, um espaço bem acanhado para essa atividade. Tudo foi minuciosamente estudado, o material a ser utilizado para sustentar as placas deveria ser leve e resistente, cada detalhe foi objeto de estudo. Esse trabalho durou uns dois anos.
Qual a altura do teto em seu ponto mais alto?
São 14 metros, aproximadamente. Tivemos que comprar alguns caminhões de madeira para fazer os andaimes, não só para fazer o forro como também para rebocar as paredes, a grande altura e o tamanho da igreja criou a necessidade de muita madeira. Por necessidade técnica foi utilizado muito cimento nesse trabalho.
Quanto tempo levou para o senhor dar a construção de igreja por concluída?
Uns vinte anos mais ou menos.
No tempo em que durou a construção, a segurança da igreja era frágil?
Só havia uma porta de correr, em madeira rústica, na lateral da igreja, a porta central era em tábuas de construção, permanecia o tempo todo trancada a cadeado. Com isso eu era obrigado a carregar no carro todos os objetos passiveis de roubo. Um dia adquiri um cofre de uns 500 quilos, para colocar ali o que eu vivia transportando de um lado para outro. Imaginei que meia tonelada do cofre não seria carregada por ninguém. Os trens de carga ainda circulavam pela Estação da Paulista, em uma noite chuvosa, roubaram um carrinho de carga da estação, arrombaram a porta da igreja e carregaram em um jipe o cofre da igreja. As marcas dos pneus do veiculo foram deixadas na rua de terra. Dentro do cofre havia cálices, que embora dourados era de latão, não havia um tostão em dinheiro, não dava para guardar nada! Recebi um telefonema do bairro rural do serrote, alguns meninos da cruzada eucarística estavam brincando quando viram em um ribeirão os cálices boiando. Fui com a polícia até o local e descobrimos que os ladrões haviam arrombado o cofre com picareta e não encontrando nenhum dinheiro atiraram o mesmo no ribeirão. Um desses cálices existe até hoje
Em que ano o senhor começou a apresentar um programa na rádio?
Foi em 1957, na época eu era reitor do seminário. Cada dia um padre apresentava o programa, com o passar do tempo foram assumindo outros compromissos e permaneci sozinho apresentando o programa no final do dia, a radio transmissora era a Difusora. Isso foi por quase trinta anos. Os diretores da rádio eram Aristides e Maria Figueiredo. Mandei muito material para o radialista Atinilo José apresentar, isso foi por muito tempo, até ele falecer. Ainda apresento 10 minutos de programa todas as sexta feiras.
O Cesac é fruto da iniciativa do senhor?
O motivo da fundação do Cesac era atender ás necessidades do bairro, onde a carência era muito grande, o Dispensário dos Pobres, das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado tinha perto de duzentas famílias para assistir, sendo um grande número do nosso bairro. Embora a paróquia fosse pobre repartimos o número de assistidos. Os vicentinos tinham na paróquia umas cinco conferencias de São Vicente, eles assumiram umas trinta famílias, o Cesac assumiu as demais. Não havia nenhum curso no bairro, onde hoje está o Cesac já existia uma área que DomErnesto havia adquirido, com a finalidade de promover festas em beneficio da paróquia. Tinha sido construído um rancho com eucaliptos.