JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 22 de maio de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: Padre Luiz de Souza Lima (Padre Luiz)
Os paroquianos da cidade de Rio das Pedras têm em seu vigário Padre Luiz de Souza Lima o condutor da fé católica do município. Padre Luiz como é mais conhecido, tem uma conduta ecumênica, respeitando e convivendo fraternalmente com fieis de outras crenças religiosas. Voltado para a motivação e aumento da fé religiosa, está trazendo verdadeiros astros da música católica, como o Padre Fábio de Mello, estimando a recepção de um público em Rio das Pedras de aproximadamente 60 mil pessoas, mais do que o dobro da população local. Apoiado em sua iniciativa pelo prefeito Marcos Buzzeto, que é evangélico, Padre Luiz parece ter-se lembrado que os jesuítas como Padre José de Anchieta, lançaram mão da música para a conversão de novos adeptos e fortalecimento da fé dos católicos. Muito organizado, sereno, Padre Luiz discorre de forma didática sobre sua vocação, seu trabalho, seus projetos, a recente viagem á Jerusalém, na companhia de dezenas de católicos e um único fiel de outra crença, o prefeito Marcos Buzzeto.
O senhor pertence a qual ordem?
Sou do clero diocesano, pertenço a Diocese de Marília, estou na Diocese de Piracicaba desde 1988, fui designado para vir á Piracicaba para permanecer por dois anos, estou até hoje. Fui designado para a Paróquia da Igreja Santa Catarina onde fiquei por 18 anos. Em 2006 fui transferido para Rio das Pedras, onde permaneço até hoje.
Em qual cidade o senhor nasceu?
Nasci em Lavras da Mangabeira, no Estado do Ceará, em 22 de dezembro de 1951, filho de Vicente Ramos de Souza e Glória Maria de Souza, somos sete filhos, sou o filho do meio. Eu tinha sete anos de idade quando a minha família mudou-se para São Paulo, radicando-se em São Bernardo do Campo. Sou o único filho que seguiu a vocação religiosa, minha família sempre teve uma profunda fé religiosa, sempre procurou viver o evangelho, minha mãe era uma mulher muito piedosa, rezava o terço todos os dias, não faltava ás missas, naquela época havia missa a partir das cinco horas da manhã, eu ainda criança a acompanhava. Meu pai era muito devoto de São Francisco de Assis. Minha mãe eu acho que era devota de todos os santos. (A resolução Régia de 20 de maio de 1816 criou o município com a denominação de Vila de São Vicente das Lavras da Mangabeira, hoje Lavras da Mangabeira, distante 434 quilômetros de Fortaleza. A origem do nome está nas lavras de ouro ocorridas na época).
Onde foram seus estudos?
Comecei meus estudos primários em Lavras da Mangabeira e conclui em São Paulo. Aos onze anos de idade fui estudar em Juazeiro do Norte, no Seminário Seráfico São Francisco dos frades capuchinhos. Após uns dois anos de permanência lá, retornei a São Paulo.
O que o motivou a ir para o seminário?
A decisão foi baseada na minha vocação, minha mãe comentava que desde os meus seis anos de idade eu já brincava com a criançada, pegava um lençol branco e dizia que já era padre. Sempre tive esse desejo, essa vontade de ser padre, fui coroinha, ajudava nas missas, isso me motivou a ir para o seminário.
O senhor trabalhou em uma grande indústria em São Bernardo Campo?
Retornei á São Paulo, e por um período, na época eu tinha dezesseis anos, fui trabalhar como montador na Brastemp. Quis pensar, refletir, e assim permaneci trabalhando por uns dois anos. Após esse período voltei para o seminário, ai foi para valer. Fui estudar em Bragança Paulista. De lá fui morar com os Frades Dominicanos, no Jardim da Saúde, na Igreja da Sagrada Família, por sinal quem a construiu foi o Engenheiro Antonio Costa Galvão, ex-prefeito de Rio das Pedras. Em três anos fiz a faculdade de filosofia e em quatro anos fiz a faculdade de teologia cursados nas Faculdades Associadas do Ipiranga, a FAI. Em 1984 fui ordenado por Dom Antonio Pedro Misiara, Bispo de Bragança Paulista. Fui auxiliar em Mairiporã o Padre Roberto da congregação do Schoenstatt, em seguida fui para a diocese de Marília, na paróquia de São Pedro, em Tupã, auxiliei monsenhor Nivaldo Resstel por um ano. Fui transferido para Flórida Paulista onde fiquei por três anos. Em seguida vim á Piracicaba em 1988 e durante 18 anos estive na Paróquia Santa Catarina, no bairro Nova América, vim para suceder os capuchinhos, que fizeram um trabalho muito importante nessa região. Meu antecessor foi Frei Augusto Girotto. Em 31 de janeiro de 2006 tornei-me pároco de Rio das Pedras, tendo como auxiliar o Padre Miguel que veio transferido de Anápolis.
Quantas capelas existem além da Matriz de Rio das Pedras?
São as capelas rurais de Lambari do Meio, Lambari de Cima, Viegas, Santo André, Nossa Senhora Aparecida, Pombal.
Como é administrar uma paróquia em uma cidade onde quase todos se conhecem?
Eu tenho mais facilidade de cuidar da paróquia em uma cidade menor, é uma paróquia única, as pessoas se conhecem mais, tudo é mais fácil. Até o próprio relacionamento com outras instituições, como o poder público, é mais acessível. O povo é muito bom, católico, respeitoso.
Como é a relação da Igreja Católica com outras crenças?
Vejo a Igreja Católica procurando caminhar com todos e respeitando a todos. O fato de uma pessoa ser evangélica e eu ser padre, isso não é motivo para impedir o nosso relacionamento, acredito que devemos conviver com as diferenças. A igreja católica ama as pessoas, somos todos filhos do mesmo Pai que nos ama que nos quer bem. Todos querem seguir Jesus, a igreja católica é sempre aberta ao diálogo. Em Rio das Pedras me relaciono muito bem com os pastores da cidade, existem algumas crenças que ainda se fecham um pouco no relacionamento com a igreja católica. O nosso prefeito é evangélico. Alguns perguntam como pode um padre católico relacionar-se tão bem com um prefeito evangélico? Dia 6 de agosto teremos o show do Padre Fabio de Mello, a idéia inicial partiu dele. Viajamos para a Terra Santa em 34 pessoas sendo que o único evangélico era o prefeito Marcos Buzetto. Causou a admiração das pessoas o seu comportamento, o seu testemunho de fé.
O senhor visitou o Muro das Lamentações?
Fui sim, só que não fui para lamentar nada, fui para agradecer. O Santo Sepulcro é um lugar onde as pessoas se emocionam muito. É uma demonstração pública de fé.
“É mais fácil um camelo passar por um buraco, pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no reino dos céus”. Como o senhor interpreta essa frase?
Não podemos fazer uma leitura fundamentalista, pegar a coisa ao pé da letra, não ter uma visão ampla, aberta, deixar de refletir sobre o sentido disso. Isso não significa que todo rico vai para o inferno. Aplica-se ao avarento, ao ladrão, ao egoísta, ao ganancioso. Se você conseguiu obter o que possui de forma honesta, não pensa só em si, não é egoísta, é claro que isso não se aplica. Existe muito pobre que é pior do que rico. Pobreza não significa humildade. Muitas pessoas ricas são também pessoas humildes. A grande pobreza é a espiritual. Existem pessoas que tendo ou não tendo bens materiais vivem com seu pensamento voltado á Deus.
Existem cursos motivacionais escondidos atrás de uma denominação religiosa, que estimulam seus seguidores a ganharem cada vez mais dinheiro e melhorar a contribuição aos cofres da instituição?
São instituições constituídas por pessoas que através de mentiras, engodos, buscam alcançarem seus objetivos. Só que isso não os leva a nada. Uma pessoa esclarecida irá sempre avaliar uma situação dessas. Os mais humildes são as maiores vítimas, muitas vezes aproveitando de uma situação de desespero pela qual o individuo passa, isso é uma grande chantagem.
Como o senhor vê a violência nos dias atuais?
A violência infelizmente estabeleceu-se em todos os lugares, é fruto de uma série de fatores. O principal é a falta de Deus no coração. Mudou o mundo, em Roma não existe praticamente o assalto, existe o roubo. Os exemplos negativos provocam a violência, temos no nosso país alguns péssimos políticos que dão esse exemplo. Vemos o que está ocorrendo, julgamos as atitudes, conhecemos os fatores, mas agir contra isso tudo é o mais difícil.
Qual é o santo da sua devoção?
Tenho muita devoção á Nossa Senhora Aparecida, ela já me ajudou muito e continua me ajudando. Todo ano faço uma visita ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Nossa Senhora é uma única, ela recebe vários nomes em diversos lugares.
O senhor é confessor dos seus fiéis, após um período ouvindo confissões não sente a cabeça pesada?
Quando termino de ouvir as confissões saio cansado fisicamente pelo tempo que permaneço ali. As palavras que ouço não me cansam. Aos sábados é grande o número de pessoas que desejam falar com o padre, não se trata de confissão, mas de aconselhamento espiritual, coincide com um número maior de pessoas que procuram confessar-se. O padre não deve falar muito, e sim escutar. Outro dia chegou uma senhora na igreja eram umas três horas da tarde, foi embora cinco horas e pouco. Ao sair ela me disse: “-Muito obrigado! O senhor me ajudou muito!”. Eu não tinha falado uma palavra sequer. Ela saiu chorando, feliz, ela queria alguém que tivesse paciência para ouvi-la, não era assunto para confessionário, tratava-se de situações particulares, que não é para serem tratadas de forma corriqueira.
Na sociedade atual o psicólogo faz as vezes do padre e muitas vezes o padre é também um psicólogo?
O padre tem ser padre e psicólogo.
O senhor confessa?
Tenho meu confessor, o bispo se confessa o Papa se confessa. Todos nós confessamos.
Fazemos retiro anualmente, e há um dia especial só para as confissões.
O senhor acredita que a humildade seja uma qualidade essencial ao ser humano?
A pessoa que não é humilde sofre muito. A humildade é uma característica do bom cristão. Independente da posição social ou financeira a pessoa humilde é aceita em qualquer lugar. A pessoa arrogante se isola. Você já pensou em uma pessoa chata, sem humildade nenhuma? Ninguém gosta dela! Quantas vezes você já ouviu dizerem: “- Ah! Aquele cara é chato! Vou sentar em outro lugar!” Humildade não significa ser bobo. A humildade deve ser inteligente, a pessoa humilde tem uma grande facilidade em ser aceita em qualquer situação. É comum ouvirmos dizerem: “- Que pessoa bacana! Que pessoa humilde!” Comigo já aconteceu de ir a determinado estabelecimento comercial em Piracicaba, e ao entrar deparei com um atendente apresentando-se em situação totalmente destoante com sua função, ele estaria perfeito para a apresentação pública de um conjunto musical de musica de protesto, o seu comportamento atendendo junto ao balcão estava totalmente inadequado. Em tom de brincadeira disse-lhe: “-Você está de mal com a vida?”. Ele respondeu que não. Disse-lhe então que ele estava em lugar errado.
O senhor tem algum esporte preferido?
Gosto de caminhar, as vezes brinco jogando futebol.
Qual seu time de futebol preferido?
Corinthians! (Outro padre corintiano é Monsenhor Jorge)
Algum hobby?
Gosto de ler, e preciso estar bem informado. Recebo a Folha de São Paulo, A Tribuna, Jornal de Piracicaba. O tempo tem que ser muito bem administrado para fazer tudo, se não forem devidamente programadas as tarefas do dia torna-se praticamente impossível de serem realizadas. O padre assim como outras profissões, tem que estar sempre atualizado.
Como são os jovens atualmente?
A juventude é 10! São sempre vitimas. Critica-se muito o comportamento dos jovens, mas certas coisas são decorrentes dos meios de comunicação, da mídia, as vezes problemas em família. Mas todo jovem é bom!
A nossa televisão deseduca?
Acho que a televisão deveria fazer um trabalho melhor, não posso afirmar que tudo esteja errado na televisão, tem o seu lado bom, os jornais são interessantes. Vemos programações onde se propagam as criticas sem sentido, a desunião da família, isso é muito ruim. A pessoa despreparada passa a imitar certas coisas vistas na televisão. Eles não tiram certos programas porque representam bom faturamento. Com isso temos pessoas despreparadas, sem nenhuma referência a não ser a beleza física, influenciando hábitos e costumes. A internet pode ser uma fonte de problemas para os pais administrarem.
O senhor prega de improviso ou prepara os sermões para as missas que celebra?
Não consigo fazer uma pregação lendo, falo de improviso, me preparo lendo o trecho no evangelho por diversas vezes, medito sobre o tema e na hora da missa falo de forma natural. Minha comunicação é espontânea A espontaneidade implica em maior motivação para os fieis.