sábado, novembro 07, 2020

LUIS FERNANDO MAGOSSI (GORDO DO BARCO)

 

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de novembro de 2020

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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CRÉDITO FOTOS E FILMAGENS:    HELDER PRADO, RICARDO CASSIMO
ENTREVISTADO:  

 LUIS FERNANDO MAGOSSI

 

(GORDO DO BARCO)

 




Luis Fernando Magossi tem uma paixão indescritível pelo Rio Piracicaba. Uma amizade antiga entre ele e o rio, que já os tornou irmãos. Luis não vive sem o Rio Piracicaba. O Rio Piracicaba retribui acolhendo Luis como seu amigo e benfeitor.


                    ALÍVIOS JOVENS QUE SERÃO SOLTOS NAS ÁGUAS DO RIO PIRACICABA POR LUIS FERNANDO







Luis Fernando Magossi nasceu dia 20 de março de 1962, em Piracicaba.

Em que bairro você nasceu?

Nasci na Rua Tiradentes, próximo da Rua do Porto. Meus pais são Persão Magossi e Maria José Jordão Magossi. Ambos eram professores.

O curso primário você fez em qual escola?

O primário estudei uma parte na Escola Paroquial São Norberto, no Bairro São Judas Tadeu, a outra parte fiz em São Paulo, quando a minha mãe escolheu a cadeira de professora em Ferraz de Vasconcelos, o ginásio estudei no Mello Ayres, em Piracicaba.

Você chegou a ser aluno do seu pai?

Fui aluno da minha mãe, do meu pai não.

Você é casado?

Sou. Com Lucimar Regina Custódio, temos uma filha, a Juliana.

Você estudava e trabalhava, ou só estudava?

Eu estudava e trabalhava. Meu primeiro emprego foi na Organização Fisher Contábil, situado no subsolo da Rádio Educadora de Piracicaba, a Rua Boa Morte, era de propriedade de dois irmãos: Joaquim Celso Fisher e Airton Fischer. Dali fui trabalhar na Ajax Baterias, de propriedade do Arnaldo, dali fui para a Assistec Equipamentos para Laboratório. Dali segui a vida, fui trabalhar na Júpiter Processamento de Dados, Júpiter Bolachas. A Júpiter era de propriedade de S.L. Alves, Sérgio Leopoldino Alves. Na época ficava na Avenida Cassio Paschoal Padovani. Entrei como auxiliar de custos, passei a ser operador de computador e posteriormente para programador de computador. Fiz alguns cursos de computação, mas na época os profissionais tinham que aprender fazendo! Não havia essa profusão de escolas de formação nessa área. Era um segmento muito novo. Trabalhava muito.




Da Júpiter você foi trabalhar em que local?

Passei a trabalhar em São Paulo, embora tenha continuado a morar em Piracicaba. Lá eu exerci por uns seis anos a função de Programador de Computador. Era funcionário contratado. Trabalhei na Max Factor, produtos cosméticos, na Pró- Estética Produtos Cosméticos, fazia assessoria para várias firmas: BDO; HOS Engenharia; Up-Date. Sem falsa modéstia, eu era muito bom nessa área, só que prometi que nunca mais iria trabalhar com isso! Quando comecei ao equipamento era Burroughs 6900, depois entraram os mini-computadores, no caso foi a LABO 8034; depois passou para LABO  8043. Na Júpiter eu já trabalhava com o LABO 8043.

E dava muitos problemas de hardware? (No jargão da informática, a “ a máquina dava muito pau”)?

Dava trap 111, trap 147. Era comum ocorrer muitos erros. A memória era com Disco Rígido de 33 Megabytes. Era o chamado “Panelão” pelas suas dimensões enormes. As meninas que trabalhavam durante o dia, para fazermos o procedimento final do dia, elas não conseguiam levantar o disco, pelo peso dele. Um computador 8043 com 256 Mb de memória ocupava uma sala de 2 x 3 metros.

Você trabalhou com equipamentos IBM também?

Tive uma proposta para ir trabalhar em ambiente IBM, mas não quis porque eu já estava de volta para Piracicaba.

Em 1984 a Cooperativa dos Plantadores de Cana de Piracicaba, o Mendes me procurou, eles queriam implantar um sistema de computador aqui, tinha um rapaz que trabalhava comigo, por sinal muito inteligente, viemos para Piracicaba e nós implantamos o sistema no computador na Cooperativa da Cana. A linguagem utilizada era o Basic. Eu não gostava das linguagens Cobol, Assembler. À linguagem Assembler é bastante complexa. Implantamos o sistema em Piracicaba, inclusive o pagamento da cana-de-açúcar pelo seu teor de sacarose. Antigamente o pagamento era feito por tonelagem. Depois que implantamos o sistema começou a ser levado em consideração o “brics” da cana, que é o teor de açúcar da cana. E pagava o fornecedor de acordo com o teor de açúcar da cana. Era a forma mais justa de se pagar a cana. O agricultor que tratava bem a sua cana, fazia a adubação, tudo certinho, a cana revertia para ele em açúcar.

Nessa época você tinha que idade?

Por volta de 20 e poucos anos. Foi nessa época que começou a minha história com o barco. Eu estava pescando no Rio Piracicaba, esperando um amigo chegar, eu estava tarrafeando no posso. (Jogando uma malha de pesca, a tarrafa, em um local onde o Rio Piracicaba tem uma profundidade bem maior do que os demais lugares). Naquela época era permitido tarrafear no poço. Nisso parou um automóvel Corcel II amarelo, tipo “Pacheco”, era o Mendes da Cooperativa, ele me chamou, eu estava com barco a remo, encostei o barco, ele então disse-me: “ Luizinho, tem um pessoal comigo, do Paraná, eles vieram para um casamento (De algum parente do Mendes), você não os leva para dar uma voltinha de barco? Respondi-lhe: “-Lógico! ”.  Levei 5 ou 6 pessoas, duas voltas exatamente o mesmo percurso do passeio de barco hoje. Impressionante! Ba segunda-feira o Mendes me chamou, na época eu pesava 75 a 80 quilos, ele me chamava de Luizinho. Ele disse-me: “-Porque você não faz esse passeio que você fez com eles, mas cobrando? ”. Essa ideia surgiu com ele: Antonio Mendes de Barros Filho.







Você já tinha pensado nisso antes?

Já tinha pensado alguma coisa nesse sentido. A minha mãe dizia que do jeito que eu gostava do Rio Piracicaba ela nunca tinha visto nada igual. Eu morava no Bairro Noiva da Colina, próximo a Concessionaria de caminhões Pirasa. Tinha dias que eu sauiá de casa as quatro e meia da manhã, com a varinha nas costas, e eia a pé, eu tinha vergonha de tomar ônibus com vara de pesca e tralhas de pesca. Ia a pé pescar na Rua do Porto, ficava até a noite pescando. Por volta de 1982 minha mãe disse: “Do jeito que você gosta do Rio Piracicaba, você vai ter que viver pelo rio! ”. Isso permaneceu em minha cabeça. A dica que o Mendes deu, para que eu fizesse passeio de barco, mais as coisas que a minha mãe aconselhava, resultou na minha ligação com o Rio Piracicaba. Meu pai também gostava muito do Rio Piracicaba. 



Atualmente o passeio de barco faz qual trajeto?

O barco sai do Pier da Rua do Porto, em frente à Rua XV de Novembro, desce o Rio, passa embaixo da Ponte do Morato, anda 100 metros e volta. Cada volta leva 14 clientes. Se tiver cheio. Mas se tiver apenas uma pessoa, também faço o passeio.




Esses passeios são mais frequentados por crianças ou por adultos?

Adultos! Bem mais adultos do que crianças.

Todos com equipamentos de segurança, coletes?

O barco segue todas as regras da Marinha do Brasil, se não obedecer, não vai! Sou extremamente chato com segurança, limpeza e cuidado.

O barco é de alumínio ou de madeira?

É um barco da Turis Bolt, próprio para turismo, quando foi feita a fabricação do barco, solicitei deles que os bancos fossem feitos em alumínio tubular, para ficar mais clean, mais despojados, com isso conseguimos fazer um espaçamento lateral entre bancos, de 90 centímetros, para que passassem cadeirantes. Tenho uma rampinha no barco, chega o cadeirante, colocamos a rampinha, embarcamos o cadeirante, tem capacidade para levar seis cadeirantes cada volta de barco. Levo-os lá para trás, de ré, travo a cadeira, todos com colete salva-vidas, eles curtem o passeio e adoram! O nosso passeio tem muitos diferenciais, levei 24 anos para conseguir emplacar esse passeio. Quem deu o sinal verde e apoiou foi Barjas Negri. Ele disse: “ O projeto é ótimo! É tudo por sua conta? Então pode fazer! ”. O Omir Lourenço era o Secretário de Turismo, também apoiou. Semana retrasada fui a uma reunião com o Barjas, para solicitar algumas coisas, porque eu cuido do Rio, como se fosse a minha casa. Na reunião o Barjas disse: “Vou falar para você algo que nunca falei: o passeio de barco, nos últimos10 anos foi uma das coisas mais positivas que já teve em Piracicaba! ”. O passeio já tem 12 anos. Para mim esse passeio é a realização de um sonho de 24 anos. Não desisti. Minha mãe dizia: “ Se você gosta, é isso que você tem que fazer! ” Deu certo, é um sucesso até com turistas estrangeiros. Desse passeio de barco surgiram todos os programas de televisão que eu fiz. Trabalhei no programa “Terra da Gente” da TV Globo, onde eu fiz comida para eles, como convidado, por sete anos. Agora fiquei um ano e um mês na Band no programa “Estação Viola Brasil” junto com Mazinho Quevedo, ontem fiquei na casa do Mazinho até a meia noite. Eu fazia um quadro chamado “Panela Velha”.


Você é um bom cozinheiro também!

Em tom de brincadeira, Luis responde: “Bom eu não sei, mas grande eu sou! Sou o maior cozinheiro de Piracicaba: 126 quilos!

Qual é a sua especialidade?

Minha especialidade é tudo que for de comer! Faço o que pedirem. Só que eu provo bastante antes! (risos).

Se alguém quiser fazer uma festa, você faz?

Hoje eu não faço mais. Tive bufê por 20 anos. Chamava-se “Clube do Churrasco”. Não faço mais porque o barco ocupa muito o meu tempo. Isso sem contar o Instituto Beira Rio. Todo o meu tempo dedico a essas duas atividades. No mês em que comecei com o barco, em 2008, parei co o bufê.


Quantas voltas de barco você faz por dia, aproximadamente.

É muito relativo. Sábado passado dei seis voltas no dia. Domingo umas vinte voltas!

Chego a dar 30 voltas! Se chegar você e seu filho, eu não vou deixar vocês esperando completar o número de passageiros! Espero uns 5 ou 10 minutos e já desço. Já conta como uma volta. Se chegar uma pessoa, ela irá passear de barco.

Você já levou noivos no barco?

Já! Levei noivos, aniversariantes, já fiz festa de aniversário dentro do barco, já fiz de tudo! Até programa de televisão! O primeiro programa do Sérgio Reis, se não me engano o nome do programa era Sertanejo Raiz Brasil. Foi dentro do meu barco! Foram: Sergio Reis, Cesar e Paulinho, Craveiro e Cravinho. A primeira pessoa a pisar no meu barco, no dia da inauguração, dia 1° de agosto de 2008 foi o radialista muito famoso em Piracicaba, o Garcia, já falecido. Ele, a mulher, a filha e a Giovanna.

É rentável?

Eu vivo disso, trabalho muito, é difícil, motor é caro, a manutenção é cara, andar no rio exige muito conhecimento. Hoje estou andando com 29 centímetros de água. Nem os fabricantes do barco, o pessoal da assistência técnica do motor acredita! Pedem para mandar filmagem para eles. Está muito difícil navegar no Rio Piracicaba com esse nível baixo de agua. Eles pedem para mandar a filmagem para eles para verem como estou conseguindo navegar. Não acreditam o que eu faço com o barco. Por isso estou comprando as brigas pelo meu Instituto com o Sistema Cantareira.

Como funciona o seu Instituto?

É uma ONG de nome Instituto Beira Rio, que realiza diversas atividades: limpa o Rio Piracicaba, solta peixes, planta árvores, faz palestras, procura conscientizar as novas gerações para a importância do eco sistema, muitas vezes o próprio barco é a “sala de aula”. Com todos os aparatos de segurança, vamos até o meio do Rio Piracicaba e ali, no local, conversamos, vou em escolas realizar palestras, tudo de graça e sem burocracia. É impressionante o interesse dos jovens por tudo que se refere ao rio.

Que motor usa o barco?

É um motor Mercury 100 HP.

Muitos estrangeiros já passearam nesse barco?

Nossa! E bastante! Desde esquimó do Alaska, canadenses, americanos, muitos, da África do Sul, Japão, muitos coreanos.

Você tem página no facebook?

Tenho! Passeios de barco Piracicaba:

https://www.facebook.com/PasseioDeBarcoRioPiracicaba

Instagram: https://www.instagram.com/invites/contact/?i=opfjmpbxj5ht&utm_content=iwqcq28

 

Tem que ter amor pelo Rio!

Eu sou apaixonado! Já cheguei a sentar no barco as nove horas da manhã e levantar para ir ao banheiro do Orlando Lovadini, depois sentar no barco e só sair as oito horas da noite! Uns sete e meia da noite fui levar a minha esposa, meu ajudante ficou olhando o barco, chegou uma turma, sai da Rua do Porto as 8:20 da noite, descemos de barco daqui até o Tanquã, chegamos lá as duas horas da manhã.

Se for o caso você vai até o Tanquã?

Às terças, quartas e quintas feiras eu faço o passeio de barco até lá embaixo, desço o Rio. Até pouco tempo eu tinha uma chácara lá, o passeio incluía almoço, piscina, tinha de tudo. Embora tenha vendido a chácara, continuo oferecendo o almoço, acho o local que tenha algum rancho, faço o almoço e tudo.

O barco tem iluminação?

Não tem iluminação! Se tiver iluminação no barco você não enxerga fora do barco a noite! O barco tem que ser bem escuro. Tem a iluminação de segurança da Marinha, que é a luz de bombordo e luz de boreste, luz vermelha e luz verde, que a Marinha exige. Se eu ligar a luz do barco você não enxerga mais para fora! O Rio Piracicaba a noite é um capítulo a parte! É lindo! Costumo falar para o pessoal que dentro das minhas veias não corre sangue, corre água do Rio Piracicaba! De tanto que gosto do rio! Gosto mesmo!


Você costuma nadar no rio?

Hoje não mais, a não ser quando vou tirar uma arvore ou alguma coisa que atrapalha a navegação. Antigamente nós matávamos as aulas para vir no trampolim, para ir no Salto do Rio Piracicaba. Eu estudava na Escola Estadual 'Professor Elias de Mello Ayres, você lembra-se daqueles tubinhos de sal de frutas da ENO, em um vidrinho colocávamos óleo de cozinha, em outro palito de fósforos e no terceiro vidrinho sal. Levava uma frigideira velha de casa, deixava escondido isso tudo no Salto. Pegava mandi-chorão com a mão, pegava peixe piquira com a camisa, cascudo com a mão. Isso dava uma fritada, fritávamos lá no Salto do Rio Piracicaba, batendo papo, sem celular, sem internet, conversa sadia, pulava de ponta-cabeça no Salto! Que maravilha!

Tinha muito cascudo?

Tem ainda! Pelo meu Instituto, através de uma pareceria, temos várias parceiras, nós já soltamos em nove anos e meio, 1.100.000 alevinos juvenis.

Com o barco você trabalha todos os dias?

Trabalho sábados, domingos e feriados na Rua do Porto. Nos outros dias se você quiser fazer um passeio eu faço, só que tem que ter um número mínimo de 12 pessoas. Levo repórter que deseja fazer pesquisa, matéria, corro atrás, comunico a imprensa, a CETESB.

O pessoal da ESALQ tem interesse nesses passeios?

Não. O único que conversa comigo quase todos os dias é o Professor Claudio Hadad da zootecnia. Ele é um amante do Rio Piracicaba! Adora o rio! Infelizmente até hoje só quatro vereadores andaram de barco.

Você conheceu o navegador José Luiz Guidotti?

Conheci! Era meu amigo. Infelizmente ele faleceu antes que eu inaugurasse o barco. Ele era especialista em traçar viagens.

Todo rio tem segredos?

Muitos! A navegação em rio é dificílima.

O piloto de barco tem que ter uma habilitação especial?

É uma habilitação específica para barcos. Sou piloto, tenho uma carteira expedida pela Marinha do Brasil. A carteira de Arraes amador não pode trabalhar profissionalmente como eu trabalho. A minha responsabilidade é muito grande.

Como é o nome do barco?

“Passeio Panorâmico Piracicaba I”

O pessoal da marinha, bombeiros, tem contato com você?

Já fiz uma palestra para a marinha. E umas dicas de pilotagem na Rua do Porto. Eu estou de prontidão e atendendo sempre que eles me procuram. A Marinha é uma instituição seríssima. Bastante exigentes. Mas tem que ser assim. Com relação ao Corpo de Bombeiros, sou amigo de todos eles, o meu barco está sempre a disposição para qualquer atendimento de prestação de serviço p[público de emergência. Sou parceiro.

Como está a mata ciliar do Rio Piracicaba?

Em alguns pontos está ótima, em outros pontos está muito degradada. Quando foram fazer o Estudo de Impactos AmbientaisEIA/Rima para a barragem de Barra Bonita, que ia sair ali em Santa Maria da Serra, fui contratado por uma empresa, andamos 16 dias, 500 quilômetros de caminhonete e uns 200 quilômetros de rio. Foi feito o levantamento por quadrante das matas ciliares de Piracicaba. Relação das árvores. Tem muita coisa boa.

Qual é a distância da Rua do Porto até o Tanquã pelo rio?

Até a minha chácara 75 quilômetros.

De barco quanto tempo demora?

Depende do motor. Se for devagar leva umas 5 horas. Conforme o motor leva uma hora, se estiver correndo.

Correr em rio é muito perigoso?

Se estiver cheio sim, se o rio estiver baixo não anda.

Acima do salto, acima da Ponte Irmãos Rebouças, mais conhecida como Ponte do Mirante, você já andou?

Já! Pesquei bastante ali. É muito bonito. Conheço bem os lugares rio acima. Até Caiubi, remando levava quatro horas.





Quantos anos você tem de Rio Piracicaba?

Com 6 anos de idade, eu nasci em 1962, já ia pescar com o meu avô o peixe piau chamburi.

Qual era o nome do seu avô?

Rosário Jordão.

Você é parente do Jairo Ribeiro de Mattos?

É meu primo, recém-falecido. Quando ele iniciou a construção das casas, na época não havia nenhuma. Ele precisava de uma pessoa que colocasse catalogado a lista de colaboradores, arquivos, isso logo que ele assumiu, na época ele me contratou. O meu salário ele pagava do bolso dele! Foi um grande homem! Na época unifiquei os arquivos, eu sabia de cor o nome de uns 90% dos colaboradores do Lar dos Velhinhos. A primeira casa construída fica logo na entrada á direita, ajudei a dar umas cavoucadas no alicerce!

Depois disso que você foi trabalhar com computador em Piracicaba?

Foi! Além do Labo tinha uma impressora B-600 matricial. Escrevia 600 linhas por minuto! Como citei acima, trabalhei com informática, por muitos anos em São Paulo e depois aqui em Piracicaba. Tinha um sócio, só que eu andava descontente, fui a uma festa com a minha namorada, a festa estava sem graça, sentamos nas proximidades, ficamos conversando com o pai dela e Airton Rabello. Esse Airton me perguntou se e eu conhecia alguém que quisesse comprar um açougue perfeito. Na época eu tinha um Passat novinho. Disse a ele: “-Vamos lá ver! ”. Fui lá ver comprei o açougue do homem.

Parece uma característica de muitos que trabalham com computador por duas, três décadas, geralmente criam uma aversão à área.

Pelo menos eu não aguentava mais.

As águas são tratadas nas cidades que despejam suas águas, formando o Rio Piracicaba?

Infelizmente não. Piracicaba faz o dever de casa, mas algumas cidades acima despejam em ribeirões uma carga de poluição.

Que tipos de peixes existem no Rio Piracicaba?

O jaú praticamente sumiu. Pintado tem pouco. Tem alguns tipos de lambari, piava, mandi,bagre, corimba, piapara. Piracanjuba, esta tinha sumido nós voltamos com ela.Depois tem dourado, pacu.

Qual foi o maior peixe que você pescou?

Não peguei peixe grande não. Peguei dourado de 7 quilos, dia 31 de dezembro de 1996 peguei um pintado de 31 quilos.

Qual foi o objeto mais estranho que você encontrou no Rio Piracicaba?

Uma caminhonete F-1000 inteirinha! Com rodas, motor. Tem muita garrafa pet, sacolinha plástica.

A Covid-19 atrapalhou o movimento dos passeios de barco?

Bastante! Fiquei seis meses parado! Agora como todo mundo voltou, eu voltei, seguindo todas as recomendações, do pessoal da saúde. As normas da Saúde. A limitação do barco é pela metade, se for você com a sua família e totalizarem 10 pessoas, vão as 10. Mas se forem pessoas estranhas, separo com uma fileira de bancos.

Se a pessoa estiver em São Paulo e quiser dar um passeio de barco precisa fazer reserva com antecedência?

Não há a necessidade de marcar, assim que ela chegar em Piracicaba ele já pode ir.

Se quiser fazer um passeio especial, com churrasco em uma chácara, aí é bom marcar com antecedência?

Tem que marcar para um desses dias: terça, quarta, quinta e tem que ser para doze pessoas. Geralmente eu faço um prato típico, o que o pessoal mais pede é a galinhada. Faço paella (paeja), só que aumenta o custo, o segundo prato é arroz com suan. Arroz com carne seca desfiada, é o conhecido “arroz de romeiro”.

Quando tem a Festa do Divino você participa?

Participo, faço o passeio, acompanho o Barco do Divino, faço o passeio na hora em que os barquinhos estão subindo para encontrar o barco dos devotos que estão descendo. Aí eu venho atrás dos barquinhos, sem provocar ondas. É lindo! Maravilhoso! Sou apaixonado pelo Divino! So devoto, colaboro e faço parte da Irmandade do Divino. Sou um dos colaboradores do Terço dos Homens do Divino Espírito Santo. Principalmente na soltura de peixes e na limpeza do Rio Piracicaba contamos com a participação da Prefeitura Municipal de Piracicaba. A Prefeitura sempre é nosso parceiro. Em nove anos soltamos 1.100.000 alevinos. Tudo isso começou com o Josias Zane que era prefeito de Santa Maria da Serra, foi procurado pela empresa AES Tietê Energia S.A, que é concessionária das barragens, queriam fazer uma soltura de alevinos. O Zane conversou com o Moura que tomava conta do barco da Santa, e me convidaram, estou junto nessa parceria até hoje. Consegui que essa parceria fosse estendida até o Tanquã. Lá tem mais profundidade, mais vegetação para proteger os peixes, As nascentes dos rios estão sumindo, as lavouras estão soterrando as nascentes. Logo o Rio Corumbataí não irá conseguir abastecer as necessidades da população de Piracicaba. Os teóricos precisam andarem de barco, percorrerem as águas. 

















































Você já resgatou alguém no Rio Piracicaba?

Após eu ter iniciado o passeio de barco, já fiz 43 regates de pessoas. São pessoas que estão morrendo afogadas, corro com o barco e pego. Tenho até um gancho no meu barco para isso. A maior parte no “Poço do Rio Piracicaba”, lugar famigerado por sugar a pessoa para baixo.

Quantas medalhas você ganhou por salvar essas vidas?

Medalha? Nem Moção de Aplauso! Não tenho nenhuma medalha, reconhecimento, nada. Tenho sim, a satisfação impagável de ter salvado tanta gente! Ajudo quem eu posso, alguns até por ética prefiro não citar, mas sempre tem alguém buscando informações sobre o Rio Piracicaba, e são objeto de conhecimento, de vivencia no rio. Não estão disponíveis. O rio é vivo, é mutável. Tenho muito à agradecer minha mãe pela grande força que sempre me deu, a minha esposa Lucimar, que sempre compreendeu e apoiou o meu trabalho. Ao falecido grande radialista Xilmar Ulisses, amigo do meu pai desde pequeno e Orlando Lovadini que fez o Tiro de Guerra junto com o meu pai. Esses dois últimos também me apoiaram muito com relação ao passeio de barco.

 



 [U1]

sexta-feira, outubro 30, 2020

WANDER VIANA SANTOS

 

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com
Sábado 31 de outubro de 2020.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/

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ENTREVISTADO:                    WANDER VIANA SANTOS




O Bacharel em Direito Wander Viana Santos é o exemplo de que para o ser humano é ele mesmo quem impõem seus limites. Nascido na cidade de São Paulo, a 11 de janeiro de 1971, no Bairro da Mooca. Quando tinha por volta de três anos de idade sua família mudou-se para Piracicaba.

Isso significa que você se considera piracicabano?

Exatamente! Meus pais são Wanderley Viana Santos e Edy Lima Santos que tiveram ainda as filhas Karina e Ediley.

A atividade profissional do seu pai era qual?

Na época era corretor de imóveis. Minha mãe era do lar.

Na época vocês moravam em que bairro de Piracicaba?

Morávamos no bairro da Paulista, na Rua São Francisco de Assis entre a Rua Boa Morte e Rua Governador Pedro de Toledo. Frequentava a Igreja dos Frades, na época existia a Missa das Crianças, era uma missa elaborada para que houvesse a participação das crianças. Geralmente após as missas encontrava os coleguinhas.

Os seus estudos, inicialmente você fez em qual escola?

Fiz o pré-primário, o primário e o ginásio, antiga oitava série, no Colégio Nossa Senhora da Assunção, que na época já era uma escola mista, antes aceitava apenas meninas. Após concluir o ginásio, fui para o Colégio Dom Bosco.

Você começou a trabalhar ainda muito jovem?

Por uma questão de necessidade familiar, com uns 12 a 13 anos comecei a trabalhar.

Qual era a sua atividade?

Nessa época eu morava na Rua São Francisco de Assis, próximo a Rua Governador Pedro de Toledo, minha mãe fazia empadinhas, eu com uma cestinha de vime, eu ia pela Rua Governador Pedro de Toledo, o comércio começava da Avenida independência em diante. Eu descia a Rua Governador até o final, ia de loja em loja, vendendo, e tinha que voltar com a cestinha vazia. Nem sempre esvaziava. Mas sempre levava um troquinho para ajudar em casa.

A medida que você foi crescendo, surgiram outros trabalhos, outros serviços.

Depois disso eu trabalhei em uma loja de roupas para bebê, eu tinha uns 16 anos, fazia serviço de office-boy, era uma espécie de faz-tudo. Depois disso fui trabalhar em uma papelaria a. Artes XV, de propriedade do Sr. Ernesto. Lembro-me de que escutava o apito do trem da Companhia Paulista. Da Artes XV fui trabalhar na Bunnys no Shopping Piracicaba. Lá fui contratado como funcionário temporário, isso foi no Natal, quando saí de lá eu era gerente da loja. Fui o primeiro gerente que saiu de outar cidade sem ser do polo Campinas-São Paulo. Na Bunnys você atendia tanto o publico masculino como o feminino. Na época era uma loja voltada ao p[publico com bom poder aquisitivo. O shopping atraia muitos jovens. O jovem na época era um pouco mais contido, era uma convivência saudável.

Qual era o seu horário de trabalho?

Na época em que eu era gerente eu entrava cedo, 8:00 ou 9:00  horas da manhã, abria a loja,, e as vezes fechava a loja 22:00 horas, 23:00 horaras, e  saia do shopping mais de meia noite. A essa hora não tinha mais ônibus, eu ia a pé para casa. Era uma puxadinha boa! Subia a Rua do Rosário, só que os tempos eram outros. Nunca tive nenhum problema de violência.

Da Bunnys, você já estava cansado,foi fazer outra coisa?

Fui para uma loja de móveis no centro de Piracicaba, só que fiquei por  um tempo, isso porque eu ja tinha prestado concurso na Prefeitura Municipal de Piracicaba. Quando eu estava na loja de móveis me chamaram na Prefeitura. Isso fo em 1990. O prefeito era o José Machado.

Você  entrou com qual função?

Entrei como escriturário. Na época eu tinha 19 anos. Com o passar do tempo, você foi galgando cargos por méritos, até chegar ao cargo de Chefe de Divisão de Compras.

É um cargo de muita visibilidade?

E de muita responsabilidade! Concorrência públicas envolvendo valores expressivos.

Muitas noites de sono perdido?

Nem me fale! Editais complicados, tem que acompanhar, seguir a lei ao pé da letra, nada pode passar desapercebido.

Você pegou a época da informatização na Prefeitura?

Peguei a época da informatização. Eu comecei a trabalhar na Prefeitura na área de Recucos Humanos, depois fui para Compras, peguei a ápoca do Redator da Itautec, era uma tela em fósforo verde. O computador precisava ter Disco de Boot. (Um disco de boot é uma mídia de armazenamento digital pelo qual um computador pode carregar e executar (dar boot no jargão da área) um sistema operacional ou outro programa utilitário. O computador precisa ter um outro programa interno que carregue e execute um programa de um disco de boot que obedeça alguns padrões.Logo depois veio o computador com CPU, depois lançaram o Windows, Cheguei a usar disquete de 8 polegadas,depois veio o de 5 ¼ de polegadas. Quando entrei na Prefeitura, fui trabalhar no Departamento de Relações Humanas, a folha de pagamento rodava naqueles rolos de fitas magnéticas gigantes, o pessoal técnico chamava de “panelão”. Essas fitas eram mandadas para São Paulo para rodar a folha de pagamento! O equipamento que usávamos ocupava uma sala inteira. Era armazenamento de informações que hoje cabem em um pen drive!

Com o seu progresso na Prefeitura, você decidiu fazer uma faculdade?

Fui fazer o curso de Direito.

Por que você escolheu o curso de Direito?

Foi em função da área em que eu estava. Como eu trabalhava com licitações, contratos, mexia diretamente com essa parte, gosta muito da área Legal. Fui fazer para ter mais conhecimento, mais bagagem.

Você entrou na faculdade com que idade?

Entrei na Faculdade de Direito na UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba em 2001. Eu tinha 30 anos. Estudei por 3 anos. Aí tive que parar.

Você trancou a matricula?

Tranquei por motivo financeiro mesmo. Continuei trabalhando normalmente.

A Prefeitura não oferecia bolsa de estudo na época?

Na época a Prefeitura chegou até a oferecer bolsa de estudos. Foi um período em que além do problema financeiro, apareceram ocorrências domésticas, minha mãe estava com problemas de saúde, eu tinha que estar mais presente em casa. Foi uma soma de fatores.

No aspecto profissional, é de se imaginar que as coisas estavam indo bem, você como Chefe de Departamento tinha um salário razoável, ou seja tinha um bom salário, uma posição profissional de destaque. Ali dentro você tinha amigos importantes, como os prefeitos que exerceram seus cargos. Eles tinham uma relação muito próxima com você.

De fato, tinha um excelente relacionamento com prefeitos, secretários. Chequei até a participar de reuniões de secretariado, juntamente com o prefeito, por conta das compras.

Você era um homem-chave dentro do sistema administrativo da Prefeitura.

Na época sim! Estávamos instalados no prédio novo, da Avenida Antonio Correia Barbosa.

Para a sua família sua conquista foi motivo de muito orgulho?

Sem dúvida! Sempre é bom crescer no trabalho, poder esforçar-se pelo que fazemos e termos o reconhecimento, isso é bom.

Mudando o foco da nossa conversa, você é exímio cozinheiro?

Me viro bem sim! Gosto mais de fazer pratos doces. Se precisar também dou conta se precisar fazer salgados. Meus bolos são muito famosos!

Hoje você tem uma limitação visual, mesmo assim continua a fazer bolos?

Claro! Com certeza! Meus bolos ficaram muito famosos! Aperfeiçoei minhas técnicas!

É um trabalho que você faz por prazer, mas se alguém for comemorar um aniversário e encomendar um bolo, você faz?

Acredito que não terei problemas em confeccionar um bolo, particularmente de chocolate que é a preferência da maioria! Teve uma época em que fiz esses bolos mais caseiros, acredite, cheguei até a vender alguns! Os bolos que faço são incrementados, com calda, quem prova, aprova! Esses dias o meu filho pediu para que eu fizesse um prato salgado. Fiz um macarrão gelado, com ervilhas frescas, milho, presunto, queijo. Esse ficou bom! Todos comeram à Ana Maria Braga: de joelhos!

Após esta publicação, algo me diz que você irá receber muitas vistas!

Você é casado?

Sou casado com Carolina Carranza Viana, temos dois filhos: Gabriel e Ana Clara. A Ana Clara é a caçulinha com 5 anos. O Gabriel é um rapaz com 21 anos, está no oitavo semestre de Direito.

Atualmente qual é a sua função na Prefeitura Municipal?

Estou como escriturário. Na Secretaria Municipal do Trabalho e Renda.

Há uma versão de que você é um exímio datilógrafo, ou seja, digitador. Assim como quando você era muito jovem, e admirava uma moça que na época digitava olhando o ambiente, passarinho cantando, ou seja, era de uma habilidade incrível.

Hoje não acredito que seja melhor do que ela, mas sim igual. Uso o notebook, é o meu fiel companheiro.

Após algum tempo, você decidiu concluir o curso de Direito? Só que nesse intervalo, você foi acometido de uma doença, que o tornou totalmente sem visão. Imagino que deve ter sido um período de grande superação, carregado de amargura, tristeza?

Sempre há um período que é natural isso tudo acontecer, houve momentos difíceis, nesse período todo continuei trabalhando, em 2008 apareceu um problema na vista, fui ao oftalmologista, embora tenha feito o possível, fui perdendo a visão rapidamente. Era um herpes ocular. Fiz algumas cirurgias, mas infelizmente não teve como reverter. Perdi a visão de ambos os olhos. Tive um período de readaptação, a Prefeitura Municipal de Piracicaba através dos departamentos envolvidos, me deu muito apoio. Na verdade toda nós aprendemos um pouco juntos, isso porque fui o primeiro deficiente visual a trabalhar na Prefeitura. Nesse período de adaptação fiquei por dois anos afastado. Acabei perdendo o meu cargo, era inviável permanecer no Departamento de Compras. Fui para a Secretaria da Educação. Perdi a visão com 37 a 38 anos. Eu era solteiro ainda. Na época eu namorava. Ela me largou porque fiquei cego. ( Wander solta uma gargalhada). E continua: “- Ela largou de mim por telefone, quando fiquei cego. (Wander não consegue conter a gargalhada.)  Acho que foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida!

Como a vida nos surpreende, aconteceu algo inesperado: a grande paixão da sua vida!

Foi por acaso. Durante a minha reabilitação, eu dizia a minha terapeuta que achava que iria morrer solteiro. Sem amigos. Sem ninguém. Como eu iria fazer amizade com alguém? Imagine só, como eu iria paquerar cego? Contato, amizade, tudo é visual.

Você pensou: “Como vou entrar em uma balada desse jeito? ”

Tem uma situação muito engraçada. Até 2007, antes de ficar cego, eu estava sempre em uma balada, em um barzinho, sempre acompanhado com muitos amigos, não faltavam amigos. Depois que fiquei cego sumiu todo mundo! Um dia o meu sobrinho disse-me: “Oi tio! Vamos sair! Vamos com os meus amigos, tomar uma bebida! ”   Conheci os amigos dele, insistiram, fui na balada com eles! Sempre gostei, sair para uma balada, tomar uma cervejinha. Fomos. Estávamos juntos em um determinado espaço, o lugar estava cheio. Foi quando eu disse: “ Se vocês perceberem que tem alguma menina olhando para mim, puxe o meu queixo, aponte na direção da menina, você me manda piscar para ela! ”.

Aconteceu alguma coisa?  

Não aconteceu nada! Foi só palhaçada!

No fim você acabou conhecendo uma moça, que é a sua esposa. 

Isso! Quando estava definido que eu iria para a Secretaria da Educação, eu iria começar em 10 de janeiro. Como eu era muito conhecido, todo mundo me conhecia, na própria Secretaria da Educação muita gente me conhecia. Ia ter a confraternização de Natal, fui convidado para a confraternização. Lá já fui apresentado à Carol, ela sentou-se ao meu lado a mesa. Tomamos um chope, conversamos um pouco e só isso. Comecei a trabalhar, aí uma amiga da Secretaria da Educação, que é amiga comum, minha e dela, convidou-nos para tomar um chope na Rua do Porto. Fomos nós três, foi aí que tive mais contato com ela, conversamos, na época existia o sistema MSN, de conversação por computador. Passamos a conversarmos, quase todos os dias. Dali a uma semana e pouco combinamos de sairmos só nós dois. Aconteceu o primeiro beijo. Começamos a namorar. Fazia duas semanas que eu estava Trabalhando na Secretaria da Educação e já estava namorando.







Da direita para a esquerda: Wander, sua esposa Carolina, sua filha Ana Clara e seu filho Gabriel. 




Rapidinho, não é?   

Foi motivo de gracejos. O pessoal dizia: “ Nossa! O ceguinho nem acabou de chegar e já está namorando! Imagine se ele enxergasse! ”.

A sua esposa e você são pessoas religiosas. Como você classifica a importância de Deus na vida da pessoa?

É fundamental! Acredito que o exemplo é a melhor forma de expressar a presença de Deus em nossa vida. Desde a minha infância Deus esteve presente na minha vida. Principalmente durante o período em que fiquei cego, só eu sei das minhas conversas com Ele, trancado no meu quarto, quando eu estava passando pelo que estava passando.

Você teve muitas conversas com Deus?                                  

Muitas! Muitas! Pode até ter quem não acredite, mas eu nunca perguntei por que? Sempre fui uma pessoa muito centrada, conheço minhas responsabilidades e limitações.  Por muitas vezes tranquei a minha porta, deitei em minha cama. Nunca perguntei por que? Nas minhas angustias e depressões eu dizia: “ Está bom! Eu aceito, mas me dá a força porque está muito difícil! Só me dá a força e me mostra o caminho! Eu não estou conseguindo superar! Mesmo porque eu não me considero uma pessoa especial, fora do alcance de toda e qualquer doença! Há uma tendência de a pessoa indagar: “-Por que aconteceu isso comigo? ” 

É muito nítido e admirável o seu bom humor, a sua disposição, você é muito carismático! A mosquinha azul da política nunca passou perto de você?

Passou! Já passou! Na verdade, eu já fui candidato a vereador em uma eleição. Só não consegui fazer a contento o que precisava fazer porque não tive condições financeiras. Eu gostaria de fazer algo mais por Piracicaba. Acredito que posso fazer, até mesmo pela bagagem político-administrativa que eu tenho. Piracicaba tem 23 vereadores, sendo que apenas um é portador de deficiência. Cada vereador tem de 3 a 4 assessores, não tem nenhum assessor deficiente! Nós não temos a capacidade nem para ser assessor?

No Brasil, as políticas públicas voltadas ao deficiente são quase nulas?

Não existe praticamente nada. Existe uma ou outra inciativa, mas sem coordenação e planejamento. O fato de estar inserido nesse meio, estudamos e conversamos muito com a respeito, o Brasil hoje tem uma das melhores legislações voltadas as pessoas deficientes, do mundo inteiro. Mas infelizmente é teórica! Na pratica não funciona! A nossa Constituição Federal é perfeita. Temos a Lei Brasileira de Inclusão, que garante todos os direitos à pessoa com deficiência, mas infelizmente falta muito para essas políticas públicas serem mais efetivas.

Você é Bacharel em Direito, em que ano você se formou?

Eu me formei em 2013. Após voltar a trabalhar, decidi voltar à faculdade. No início foi um período de adaptação, superei as limitações e conclui o curso. Chegou o dia da formatura. Foi um dia que marcou e marcara para o resto da minha vida. Coincido de me formar junto com a turma do meu sobrinho que também estava fazendo a faculdade. O nervosismo nessa hora é muito natural. O teatro da UNIMEP estava lotado, a turma era bem grande, tinha quase 80 formandos. Multiplicando pelas famílias todas.   O teatro é em declive, com as poltronas assentadas em semicírculo, e degraus de fileira em fileira. Isso passando pelo meio do teatro, para até o palco e os formandos sentarem-se lá. Foi feita uma fila dupla e por ordem alfabética. O meu nome por ser com “W” era o último a ser chamadora. Aí ficou aquela coisa, ele vai sozinho, sozinho não irá conseguir, não tinham muita intimidade pelo fato de fazer matérias em diversas salas. A saída foi torar o meu sobrinho, que estava na letra “D” e seríamos os últimos. Foram chamando cada dupla, até que ficamos só nós dois para entrarmos. Cada vez que descia uma dupla o teatro aplaudia. Quando nos chamaram, o povo levantou-se, as palmas eram muitas, o pessoal gritava e batia palmas, acho que bateram palmas por uns três minutos! Eu tremia! Não conseguia segurar e levar a bengala de lá para cá. Demorei para descer os degraus, me emocionei muito. A seguir foi a entrega do diploma. Quando fui receber, o teatro novamente se manifestou bravamente.

Uma curiosidade, você dança?

Danço! Gosto de dançar! Gosto de um forrozinho, um sambinha, eu só fiquei meio desiquilibrado!

Nem todos, mas muitos também ficam desiquilibrados, mas por causa do teor alcoólico! Isso é comum!

Você já fez um balanço da sua vida como era quando tinha a visão e hoje que é totalmente sem visão?

Já fiz! Eu conquistei e aprendi muito mais nos doze anos que estou cego do que nos meus 38 anos que tinha a visão perfeita. A gente passa a ter um desprendimento de algumas coisas, que trazem uma sabedoria diferente, uma visão do mundo diferente. Vou dar um exemplo bem básico. Você entre em um recinto, onde tem meia dúzia de pessoas: uma madame, um mendigo, um negro, um cadeirante. Você para na porta e instantaneamente terá muitas reações passando pela sua cabeça. De cada pessoa que você está olhando. Vai entrar na sala e naturalmente pensar: “O que eu estou fazendo no meio dessas pessoas estranhas? ”. Hoje eu entro em uma sala e digo: “-Bom dia! ” Todo mundo responde “Bom dia! ” Com a mesma alegria que eu falei. Vou puxar assunto com qualquer pessoa. Pode ser a melhor ou a pior pessoa do mundo, sem eu saber. Como não sei o visual dela, eu não estou julgando. Temos o péssimo habito de julgarmos as pessoas antes de conhece-las.

Você tem algum prato preferido?

Tenho dois, que por sinal não são nada saudáveis: lanche e pizza. Também gosto demais de macarrão.

O exame da Ordem dos Advogados do Brasil como está?

Estou aguardando o fim da pandemia,

Quantos livros você lê por semana?

De um a dois livros. Leio um pouco de tudo. Não gosto muito de clássico. Assisto filmes da Netflix. (Uma nova tecnologia permite que o texto de um livro seja digitalizado e a leitura é transmitida por voz ao ouvido do deficiente visual).

Você tem sonhos enquanto dorme?

Eu sonho! Colorido! Sonho até mais do que gostaria, gostaria de sonhar menos. Tem dia que acordo mais cansado do que quando fui dormir de tanto que sonho.

Você acredita que o ser humano tem um campo de energia?

Acredito e muito!

Você sente a energia de uma pessoa ao seu lado, se é positiva ou não?

Sinto, e hoje muito mais. Eu falo para a Carol, minha esposa, quando conhecemos alguém, algum lugar. Ela comenta que achou o lugar ou a pessoa muito bacana. Quando chegamos em casa começamos a conversar, eu já na hora sei dizer se a pessoa é do bem. Por mais legal que pareça. É só uma questão de tempo. Ela me diz: “ Você tinha razão! ”

O tom da voz revela a pessoa?

Revela a pessoa! Eu tenho um sentido aguçado para o tom da voz. A pessoa conversa comigo já sei como ela é.

                                            

Você é associado a alguma entidade voltada ao Deficiente Visual?

Já por muitos anos, desde 2014, sou associado ao Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, onde já ocupei vários cargos como Conselheiro, Coordenador e hoje novamente sou Coordenador. É constituído por 10 membros da sociedade civil e 10 membros do Poder Público, mais os suplentes, totalizando 40 pessoas. Funciona na Rua Joaquim André, na Casa dos Conselhos. As reuniões são mensais. Todas as primeiras quartas feiras do mês das 19 às 21 horas. 



Rosas  feitas pétala por pétala , a azul em homenagem à Gabriel e a rosa em homenagem à Ana Clara. Wander já tinha perdido completamente a visão. 


Wander, embora sem sem visão, moldou duas rosas, péta por pétala em massa plástica pertencente a sua filha e que estava para ser descartada. Ali se revelou sua qualidade de artista e pai: fez uma rosa azul para o filho e outra rosa para a filha. Wander é um palestrante em potencial, guarda boas memórias, uma delas é a grande amizade com o radialista, apresentador e mestre de cerimonial Xilmar Ulisses, que faleceu deixando muita saudade, e que Wander relembra com carinho.

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