PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de abril de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno
de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: URBANO
ROQUE ZOTELLI
Urbano Roque Zotelli nasceu em Piracicaba a 7 de dezembro
de 1944. Neto de tiroleses formou-se na Escola Cristóvão Colombo, a “Escola do
Zanin”, trabalhou em três empresas de destaque em Piracicaba, ocupando cargos
de confiança. Prestou concurso para trabalhar no Banco do Estado de São Paulo,
o Banespa. Naquela época quem trabalhava no Banespa e no Banco do Brasil era
tido como funcionário com um excelente emprego. Fez o concurso com 20 anos,
demorou dois anos para ser chamado. Após muitos anos de trabalho, já aposentado,
prestes a ingressar em um emprego, uma tragédia abateu-se sobre sua família.
Após algum tempo, equilibrou-se, reagiu e foi em busca de conhecimentos novos.
A capacidade de superação do homem ainda está para
ser dimensionada. Urbano Zotelli dá um pouco da dimensão dessa capacidade
incalculável. Urbano Roque Zotelli nasceu no bairro rural de
Santana, uma comunidade de tiroleses, Seu avô paterno, Basílio Zotelli e sua
avó Emma Nardelli Zotelli, ele nasceu na Província de Trento, que na época pertencia à Áustria, o passaporte do seu avô
é do Império Austro-Húngaro. Hoje essa
região pertence à Itália. O seu avô e sua
avó vieram no mesmo navio, onde se conheceram, Se casaram no Brasil. O seu avô
paterno foi morar na Fazenda Glória, hoje pertencente ao município de
Charqueada. Aos quinze anos de idade seu pai mudou-se para o bairro rural
vizinho, Santana. Em frente a igreja tem a venda, conhecida como “Venda do Tio
Chico” (Francisco Vitti), mais tarde conhecida como “Venda do Noi”. Tio Chico era casado com a irmã do seu pai. Lá
seu pai conheceu a sua mãe. O seu avô materno era imigrante espanhol: Domingos
Ferrero.
Não é pouco comum um espanhol em um bairro formado por
tiroleses?
De fato é uma curiosidade! Anteriormente ele tinha
uma sapataria, na região de Engenheiro Coelho, lá ele fazia sapatos, botinas, sapatão,
bota, ele vendia muito bem, minha mãe contava que ele ia de trem comprar couro
em Campinas. Na época ele tinha um Ford 1929, o chamado “Ford Bigode”. Eram
poucos que tinham acesso a automóvel. Depois ele teve uma sapataria em Santana.
Eu nasci em uma casa em frente a venda, onde funciona o Circolo Trentino Di Piracicaba, todos nós temos a cidadania italiana. Votei no Senador
Fausto Longo as duas vezes. Ele sempre foi eleito. Meus pais se casaram e
tiveram oito filhos: Luisa, Zélia, Edith, Urbano, Maria da Glória, Flávio,
Natanael e Cecília.
O senhor permaneceu morando em Santana?
Eu era muito novo ainda quando o meu pai foi
trabalhar como funcionário do Estado no Dispensário de Tuberculose, situado na
Rua José Pinto de Almeida, quase esquina com a Rua XV de Novembro. Dr. Sérgio
Caruso era o pneumologista chefe. Meu pai iniciou em uma função simples, com o
passar do tempo foi sendo promovido até ser o responsável em tirar Raio-X dos
pulmões. Era um local voltado só para o tratamento de tuberculose. Na época era
um problema sério que acometia parte da população.
O trabalho do seu pai oferecia alguns riscos
para a saúde dele, na época?
Eu sabia que faziam o Raio-X dos pulmões,
acredito que deviam fazer o tratamento também. O trabalho dele era fazer o
Raio-X, mas isso significava contato com o doente, alem do risco como operador
de Raio-X, periodicamente ele ia à São Paulo onde fazia um exame para uma
avaliação da interferência do seu trabalho em sua saúde. Nesse aspecto o Estado
era muito cuidadoso.
A família trabalhava também?
Na época adquirimos um barzinho na esquina
da Rua Moraes Barros com a Rua Alfredo Guedes, bem atrás da Igreja Bom Jesus.
Como se chamava o bar?
Curiosamente, naquele bar reunia-se uma
turma, fizeram de lá o ponto de encontro, com direito a um escudo na parede, do “El Tigre” Isso foi na década de
50. (A origem do nome do time é muito interessante Na final do
Campeonato Sul Americano no dia 29 de maio de 1919, o jogo em seu tempo
regulamentar havia acabado com duas prorrogações sem gols. Na terceira
prorrogação, aos 150 minutos de jogo, Arthur Friedenreich domina a bola no
peito e arremata em direção ao gol, convertendo o lance em gol, a torcida
lançou uma chuva de chapéus no gramado que o jogo teve que ser interrompido por
vários minutos, quando o juiz apitou o final da partida a torcida enlouqueceu
e invadiu o campo agarrando Arthur, lançando-o para o ar. A polícia
tentou tirar Friedenreich do meio da confusão, mas era inútil tentar. Os
Uruguaios encantados com futebol outorgam-lhe um pergaminho que dizia, “Nós, os
componentes da Seleção Uruguaia, conferimos ao Sr. Arthur Friedenreich o título
de ‘El Tigre’, por ser o mais perfeito center foward (atacante) do Campeonato
Sul Americano de 1919.”). A duras penas meus pais conseguiram
criar os oito filhos. Meu pai era muito religioso, Dom Ernesto o primeiro bispo da Diocese de Piracicaba (1945) quando foi a Santana ficou hospedado na casa do meu pai. O
meu pai assistia missa e comungava diariamente. Morando atrás da igreja
então... Ele era Mariano, da Ordem Terceira, Tesoureiro dos Vicentinos. Na
época tinham um quarteirão inteiro com casas para famílias carentes, eram
administradas pelos vicentinos.
Em que escola o senhor estudou?
Eu tinha 5 anos quando meu pai veio para
Piracicaba, com 7 anos comecei a freqüentar o Grupo Escolar Dr. Alfredo
Cardoso. Ficava a duas quadras de casa, sempre fui sozinho, voltei sozinho, a
pé.
A Rua Moraes Barros era movimentada?
Como hoje não! Todos os enterros subiam por
ali. A Rua Moraes Barros era calçada. A Rua XV de Novembro, da Rua Alfredo
Guedes em direção ao centro era calçada. Da Rua Alfredo Guedes até a Avenida
Independência era terra. No sábado de aleluia eles faziam o “pau-de-sebo” na
Rua XV de Novembro.
Os enterros subiam a Rua Moraes Barros?
È uma subida acentuada, iam a pé, os caixões eram carregados pelos
acompanhantes que se revezavam. Os homens de paletó e gravata! A maioria das
vezes o enterro parava na Igreja Bom Jesus, o Padre Martinho Salgot fazia as
exéquias (cerimônias ou honras fúnebres. Eu era coroinha, quando o corpo
chegava à igreja eu segurava a vasilha de água benta, o Padre Martinho conduzia
o cerimonial, e benzia com àquela água.
O
caixão era aberto ou fechado?
Fechado! Após realizada a
cerimônia, o caixão era reconduzido até a Rua Moraes Barros e subia em direção
ao Cemitério da Saudade. Era costume, ao passar, os comerciantes fechavam s
portas em sinal de respeito. Conforme passava o cortejo, quem estava na porta,
na calçada, tirava o chapéu. Os tempos
mudaram. Hoje é até relativamente comum encontrar pessoas de bermuda no
velório. Outra característica que está tornando-se comum é a determinada hora,
fechar o velório, a família, amigos, conhecidos, vão para casa dormir e voltam
no dia seguinte pela manhã. É raro passar a noite “velando” o falecido.
Qual era a sua impressão como
criança?Aquilo impressionava?
Não, eram outros tempos, não havia
velório, o corpo era velado na própria casa de quem tinha falecido, tinha
muitas pessoas que quando o corpo estava na sala da casa eles pediam para o
Padre Martinho ir fazer uma prece. Eu fui junto algumas vezes, na qualidade de
coroinha. Quando morávamos na Rua Benjamin Constant,entre a Rua D. Pedro II e
D.Pedro I, hoje no local construíram um edifício. Antes do meu pai comprar o
bar, ele trouxe o pai e a mãe que moravam na Fazenda Glória, Estavam muito
doentes. Minha avó faleceu, no mesmo dia faleceu o meu avô. Os dois corpos
foram velados na sala de casa.
Qual era a cor da batina do coroinha
da Igreja Bom Jesus?
Era batina preta. Quando terminei o
curso primário fui para o Seminário Diocesano, na Vila Rezende, seminário
fundado por Dom Ernesto de Paula, exatamente ao lado da Igreja Matriz, bem na
esquina. O prédio existe até hoje. Depois o seminário mudou-se para o Bairro
Nova Suíça. Permaneci por três anos no seminário. O ensino era de um nível
impensável tinha aula em período integral, além das disciplinas básicas de
todos os colégios, aprendíamos inglês, francês, grego, latim. O grego era
ensinado por um padre da ordem premostatense, da Igreja São Judas Tadeu. Era
tudo voltado para o ensino, religião e muita disciplina. Era chamado Seminário
Menor. Nas férias passávamos um período de tempo em casa e outro período no
Seminário Nova Suiça, que naquela época estava em construção. Eram férias
maravilhosas, Não havia energia elétrica, a noite contemplava aquele céu
bonito. Tinha um riacho onde íamos nadar. Hoje na Nova Suiça existe o Seminário
Propedêutico, que é para o iniciante.
O que levou o senhor a deixar o
seminário?
Questionamentos! Hoje acredito que
achei a resposta. O foco é a Justiça de Deus. Deus é justo? Tanto que o Papa
João Paulo II foi visitar na Alemanha o campo de concentração e perguntou:
“-Onde estava Deus que permitiu isso?” Ele tocou em um ponto que era exatamente
o meu questionamento: a Justiça de Deus. Eu não conseguia aceitar a explicação
da Justiça de Deus da forma que era e é até hoje ensinada. Eu encontrei essa
resposta no Espiritismo. Através da reencarnação acredito que tenha explicação
para a Justiça de Deus. Tornei-me espírita, durante oito anos fui membro do
Conselho Fiscal da União Espírita.
Após sair do seminário onde o
senhor foi estudar?
Estudei no Colégio Dom Bosco, por
um ano, depois fui estudar no Sud Mennucci a noite para poder trabalhar durante
o dia.
Teve aula com o Professor
Benedito de Andrade?
Tive! Meu ídolo! Ele era brilhante!
Quando ele chegou para lecionar no Sud Mennucci houve uma sessão solene para
apresentar o Dr. Benedito de Andrade. Era um ritual, uma importância. Os
professores todos de terno e gravata. As professoras todas muito chique. Fui
aluno de Arquimedes Dutra. Os alunos que fizeram o Curso Científico tiveram aula
de química com o Professor Demóstenes. Lembro-me do Professor Otávio, de
matemática, o Professor José Salles, o professor de português era nascido em
Portugal. O Sud Mennucci era referência como escola. No Dom Bosco tivemos como
diretor o Padre Pedro Baron, o Padre Bruno Ricco, nesse tempo teve um Congresso
da Juventude Salesiana, no Rio de Janeiro o Padre Bruno me convidou para
representar o colégio. Eu também era coroinha no Dom Bosco, usava batina
vermelha.
Onde foi o seu emprego em
Piracicaba?
Trabalhei com três empresários de
renome em Piracicaba. O primeiro foi na Fábrica de Balas Atlante, do Hermínio
Petrin que ficava onde é o Jaú Serv com entrada na Rua Governador Pedro de
Toledo com saída na Rua Ipiranga. Hermínio Petrin era um benemérito, fundou uma
creche que era administrada pela União Espírita, Na década de 60 ele e Humberto
Capellari compraram um terreno na Rua do Trabalho, e criaram a Casa Transitória
Dr. Cesário Mota Junior depois ele transformou em Hospital Espírita Dr. Cesário
Mota Junior. O objetivo era cuidar de pessoas com problemas mentais. Depois
transferiu para a Rodovia que liga Piracicaba a Águas de São Pedro. Hermínio
Petrin para mim foi uma figura emblemática. Em seguida fui trabalhar com Lélio
Ferrari, Ele transformou o Empório Brasil no primeiro supermercado do interior
de São Paulo. Era muito dinâmico. Ele visitou um supermercado em São Paulo, viu
um açougueiro que fazia a exposição das carnes, mas com muita arte, E trouxe
para Piracicaba. Ele tinha a torrefação de café Ouro do Brasil, ali onde hoje é
o Pão de Açúcar, no Bairro Alto. Quando era pagamento dos funcionários o
contador me levava para ajudar, envelopávamos o pagamento.
E outro local em que o senhor
trabalhou?
Foi em 1963, fui convocado para
servir o Exercito em Brasília. Tempo do Jango.
O senhor chegou a conhecer Dona
Maria Tereza, Primeira Dama?
É incrível como me perguntam sobre
ela! Eu a vi várias vezes, junto com o Jango. Era uma mulher muito bonita.
Naquela época Brasília tinha sido recém criada, não havia jovens para servir o
Exército. Foram buscar recrutas no Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina
principalmente, de Piracicaba em 1964 foram mais de 100 convocados. Passei um
ano no BGP – Batalhão da Guarda Presidencial, Eram Sete Companhias.
Chegou a ficar na rampa do
Planalto?
Todos os serviços do quartel são
feitos pelos soldados, Perguntavam a função de cada um: mecânico de automóvel,
não chamavam de encanador e sim bombeiro, e assim foram selecionando a mão de
obra disponível. Perguntaram quem é datilógrafo? Levantei a mão. Fizeram os
testes e me escolheram. A minha vida no quartel não foi de soldado, foi de
burocrata. Datilografava documentos internos, escala de serviço, boletim do dia, a minha vida lá foi de escriturário.
Havia eventos, desfiles. Mas nunca fui da guarda do Palácio. Calculo que tinha
600 a 700 soldados, quartel recém
construído,tudo novinho, chuveiro bom, água quente, colchão confortável.
O tempo que o senhor serviu o
Jango permaneceu o tempo todo?
Permaneceu! Houve algum ruído entre
alguns militares de baixa patente, mas logo passou. Ai movimentou-se os
burocratas, lembro-me que fiquei na casa de um sargento que foi recolhido. Ele
era um dos lideres desse movimento. A casa dele ficou vazia, nos ficávamos
revezando para protegê-la. Eu dei baixa na hora certa, no fim de 1963, em 1964
as coisas foram bem diferentes.
Ai o senhor voltou à Piracicaba?
Voltei, fui trabalhar com o
terceiro empresário de renome, Octamiro Garcia Nascimento. Ele tinha
frigorífico, pertinho do Matadouro Municipal.
Chegava a ter abate de 200 bois em um dia. Era gigante. A carne ele
enviava para o Rio de Janeiro, São Paulo e fornecia para Piracicaba. Era muito
movimento, muito grande. Eu trabalhava no escritório. Lá eu trabalhei como
caixa. Os açougues da cidade forneciam a chave do estabelecimento para os
caminhões, de madrugada eles deixavam a carne no açougue. Tinha um funcionário
que ficava recebendo dos açougueiros que iam prestar conta. Esse funcionário
pegava todo aquele dinheiro e levava para o escritório. Era muito dinheiro.
Tinha que conferir, fazer o “bate” como falávamos, depois arrumar no capricho,
fui bancário, nunca vi tanto capricho como lá. Octamiro era muito dinâmico.
Depois ele chegou a comprar um frigorífico em Presidente Prudente. Ele morava
na esquina da Avenida Independência com a Rua Governador Pedro de Toledo, hoje
tem uma loja no local. Quando ele viajava, pedia que eu fosse dormir na casa
dele, para não ficar sozinha. Mesmo assim tinha um guarda noturno que ficava
com um relógio, ele tinha que registrar no relógio o horário e o ponto onde
estava. Foi um período bom.
(O depoimento do Sr. Urbano Roque
Zotelli vai mais além, com um fato que anunciava ser uma grande tragédia, mas
transformou sua vida. Comovente, sensível e estimulante. Na próxima semana
conheceremos um pouco mais da vida desse piracicabano. )
Em que ano o
senhor entrou no Banespa?
Entrei em
1966 com 22 anos. Fui trabalhar na matriz do Banespa, ficava na Praça Antonio
Prado, no começo da Avenida São João em São Paulo. Eu trabalhava no 14º andar,
um amigo comprou um Fusca, fomos até a janela ver o carro estacionado lá
embaixo. Em frente a matriz! Tinha essa facilidade! Naquele tempo começou a
surgir uma novidade, que era o Telex. Até então o contato com as agências
urbanas era por telefone, às vezes não completava a ligação, o sistema era
precário. Lembro-me de que no período em que trabalhei nos Supermercados
Brasil, logo cedinho pedia a ligação para São Paulo, quando vencia as quatro ou
cinco horas que era o tempo de demora para fazer uma ligação de Piracicaba à
São Paulo, o Lélio Ferrari perdia a paciência! Ficava muito bravo. Mas voltando
ao Banespa, fizeram uma central de telex na matriz e as agências eram todas
conectadas. Era uma inovação tão revolucionária que era utilizada no marketing
do banco. Gravaram um comercial, eu recém-ingresso no Banespa apareci na
propaganda do banco, digitando no telex. Fizeram mas só fui ver acidentalmente
aqui em Piracicaba. Saiu na televisão. Trabalhei na matriz, depois em uma
agência próxima uns 200 metros na Rua da Quitanda, depois fui trabalhar em uma
agência situada no cruzamento da Avenida Ipiranga com Avenida São Luiz, nas
proximidades do Edifício Itália, Edifício Copan.
O senhor trabalhou em banco num período em que eles eram visados por
grupos ideológicos que “expropriavam” essas instituições.
Era ações pontuais, um número muito menor do que os assaltos
a agências bancárias que ocorrem atualmente. Causavam grande furor na mídia.
Conheceu o Edifício Martinelli?
Conheci! Lá funcionava o Sindicato dos Bancários antes de
ter a sede própria deles. Na cobertura às vezes o Sindicato fazia churrasco,
com chope. Esse prédio quando foi construído foi o mais alto edifício de São
Paulo. Depois por uns 20 anos o Banespa foi o mais alto. No Viaduto do Chá,
onde é a Prefeitura Municipal de São Paulo, funcionou uma agência do Banespa.
Foi construído pelo Matarazzo, ali era sua sede anteriormente. O antigo
edifício Altino Arantes, conhecido como o prédio do Banespa, agora se chama
Farol Santander. Está aberto para a visitação do público em geral. A entrada
custa R$ 15,00 O espigão no Centro de São Paulo foi restaurado e virou centro
de cultura, entretenimento e lazer. Além de uma pista de skate, o prédio tem um
mirante e até um apartamento amplo de luxo que pode ser alugado por R$ 3.500 a
diária. A bandeira do Estado de São Paulo segue no mastro no topo do prédio,
que tem ainda um farol.
Nessa época em que região de São Paulo o senhor morava?
Quando comecei a trabalhar no Banespa morava em uma pensão
no Bom Retiro. Quando ia para São Paulo pegava o ônibus ao lado da Igreja
Catedral de Santo Antonio, o último ônibus saia as nove horas da noite, chegava
em São Paulo mais de meia noite, na Duque de Caxias, onde ficava a rodoviária.
Já era aquela rodoviária de teto em acrílico colorido. Eu saia a pé da
rodoviária, atravessa o Jardim da Luz. Dois anos após entrar no Banespa eu me
casei, fui o primeiro morador de um prédio situado na Avenida Prestes Maia,
próximo ao Viaduto Santa Ifigênia, trabalhava de manhã na matriz, vinha almoçar
em casa, em cinco minutos, depois voltava para fazer hora extraordinária.
Depois trabalhei em Jundiaí, Campinas.
O senhor tem filhos?
Tenho três filhos: Douglas, Jefferson e Sheila.
Quantos anos o senhor ficou no Banespa?
Fiquei 25 anos, comecei como escriturário, Naquela época
trabalhávamos no período do Natal, a noite.
A agência ficava aberta à noite?
Ficava até as dez horas da noite! Os comerciantes iam fazer
o depósito das suas vendas. Acredito que esse horário funcionava em algumas
cidades, em outras não. Com isso dormíamos tarde e acordávamos cedo. No Natal
de 1985 eu trouxe a mulher e as crianças para Piracicaba, uma semana antes do
Natal, e voltei para São Paulo. No dia 24 de dezembro encerramos o expediente
na hora do almoço e eu vim para Piracicaba. Eu estava cansado, esgotado, dormi na
direção e capotei o carro, acordei no hospital de Americana. O meu veículo era
um Gol, eu estava sem cinto de segurança. Nem sei se o carro tinha cinto de
segurança naquela época. Fiquei por dois anos afastado do Banco. Esse acidente
deixou-me uma série de seqüelas que demorou muito para serem corrigidas. Fui
socorrido por um rapaz, nem sei como ele me tirou de dentro do carro, naquele
tempo não havia os recursos que temos hoje:Bombeiros, Samu. Foi difícil
descobrir quem era esse moço, mas fiz questão de descobrir e levar-lhe um
presente. Após dois anos fui trabalhar por dois anos na tesouraria regional de
Campinas. Eu era chefe da tesouraria. Nessa época o Banespa fez um Plano de
Demissão Voluntária- PDV, eu ia aposentar-me como sub-gerente da administração.
Aposentei-me a primeiro de maio de 1992.
Nesse período o senhor deve ter vivenciado histórias memoráveis.
Muitas! O Brasil teve um período de inflação que girava em
torno de 80% ao mês! Havia o open market em português,
'mercado aberto', refere-se ao mercado de títulos no qual atuam um banco
central e os bancos comerciais de um país e no qual são comprados e vendidos os
títulos da dívida pública; e o over-night (tradução: durante a noite). Quando
o Brasil vivia com uma inflação gigantesca, as pessoas de posses e empresas de
grande porte tinham acesso a aplicações financeiras que protegiam suas
economias da desvalorização diária e desenfreada. Elas podiam participar do over-night emprestando para os
bancos e recebendo no outro dia. O open market ficava em aberto, o cliente
tinha que pedir o resgate. O over-night era resgate automático em 24 horas. Na
agência em que eu trabalhava havia clientes de grande expressão,
multinacionais, nem me lembro os nomes, tinham valores astronômicos. O sistema
era precário, nem dá para imaginar como funcionaria hoje em dia. Eu era chefe
da seção de pagamentos. As empresas ligavam: “-Quero aplicar no over!” Eram
valores expressivos. Em seguida eu ligava para a Banespa Corretora e fazia a
aplicação. As empresas não podiam ligar diretamente para a corretora porque
tínhamos que confirmar se quem estava aplicando tinha aquele saldo. Minha vida
era terrivelmente estressada. Isso sem contar que atendia clientes que já
tinham passado por outros setores tendo eu que resolver o seu problema. Tinha
muitas contas de Secretarias de Estado, todo mês tinham que fazer um fechamento
e era tudo na minha seção. Até o meio-dia tinha over-night. E tinha casos no
balcão que eram muito importantes, como por exemplo dessas secretarias. Muitas
vezes acumulava, estava atendendo um caso complicado, tinha mais dois
esperando. Mais os telefonemas pedindo para aplicar no over. Não sei como não
fiquei louco! Até que chegou um dia que aconteceu o que eu temia. Passou um
minuto do meio-dia, liguei para a corretora, Disse que tinha uma aplicação. A
resposta foi: “- Sinto muito, mas já encerramos!”. O juro de um dia daquilo era
uma fortuna! Fiquei apavorado, não sabia o que ia fazer, Pensei: “Quer saber?
Vou almoçar!”. Voltei, pensei: “Vou conversar com o gerente!”. Não sei o que
vai ser da minha vida, vou perder o emprego, não posso pagar esses juros é
impossível” Voltei, sentei junto a mesa dele, fiquei esperando ele acabar de
atender a ligação. Nisso tocou o outro telefone. Eu atendi, disse que o gerente
Marcos estava ocupado. Era da Banespa Corretora, tinham aberto uma margem de aplicação, não sei se alguém
desistiu. Mas em tudo que você pensar há uma margem de tolerância. Fiz a
aplicação! Até hoje o Marcos não sabe disso.
Como era organizado o atendimento?
Não havia senhas, ficava uma aglomeração diante do caixa.
Tinha muito cheque sem fundos?
Nossa ! Como tinha! Daí não entregávamos mais talão de
cheques. Eram cheques avulsos. Eu acompanhava o XV de Novembro, fui em várias
cidades, O Picolé jogou no XV de Novembro e no Palmeiras. Depois de jogador
profissional ele foi delegado, por isso recebia no Banespa, perguntei: “-Você
que é o Picolé”? Ele matreiramente, disse-me: “Oh! É você! Se eu soubesse não
teria entrado nessa fila!” Ele nunca tinha me visto!
O cliente saia com o dinheiro no bolso?
Quem quisesse fazer uma transferência bancária fazia a
“Ordem de Pagamento”. Datilografava, punha no malote, o favorecido se fosse
correntista era creditado na conta ou então ficava aguardando procurar. Era um
sistema muito precário. Trabalhei bastante no Banespa, sou muito grato ao
banco.
O senhor aposentou-se no Banespa e continuou trabalhando?
Era o que eu imaginava fazer. Tinha passado
em um concurso no fórum de Piracicaba. Um dos meus filhos, o Jefferson,
praticava, mergulho, e em um desses mergulhos na Lagoa da Conceição, em Santa
Catarina, ele acidentou-se e ficou tetraplégico Ele estava no último ano de
medicina. O mundo caiu na minha cabeça! Ele ficou morando aqui em casa por uns
três anos. Por uma incrível coincidência, a USP naquele
ano adotou a inclusão de estudantes com
deficiências na universidade. A Vereadora Cida Abe conseguiu uma entrevista com
o reitor da USP, conseguiu junto ao reitor que o meu filho ficasse hospedado no
Hospital das Clínicas, lá ele fez o último ano de medicina e a especialização
de psiquiatria. Hoje ele é independente, trabalha em um hospital no Acre, tem
seu consultório particular. O que era uma tragédia para mim hoje é um orgulho!
Alan Diniz Souza é presidente da União das Sociedades Espíritas –USE, o meu
filho freqüentou a Sociedade Espírita comigo. O Alan mais de uma vez citou o
nome do meu filho como guerreiro. No Acre meu filho conheceu uma moça natural
de Assis, São Paulo, casaram-se. Sou muito amigo do Nelson Spada, através dele,
assíduo leitor de “A Tribuna Piracicabana”, além de colaborador, leio todas as
entrevistas que o Jornalista João Umberto Nassif publica. Uma delas, foi com
uma professora que mora no Acre, ela leciona em uma escola rural, gosta da
natureza, diz que não há vida melhor do que lá. Em uma das falas ela diz: “Sou
a única piracicabana aqui no Acre!” Pensei: Ah, não! Não é não...!”
O senhor tem algum hobby?
Não sou nenhum
especialista em rosas, mas plantei uns pés no quintal, gosto de olhar a beleza
delas, sentir o perfume. Tem uma chamada de “Príncipe Negro” que é negra. Gosto
de ouvir musica clássica na NET. No tempo em que permaneci no Seminário
tínhamos canto gregoriano, eu cantava no coral. No Domingo de Páscoa, a missa na
Catedral era muito concorrida, festiva, Dom Ernesto de Paula era muito
dedicado. O Coral do Seminário cantava na catedral cantos litúrgicos em latim,
havia um momento em que o coral silenciava-se, o Antonio Carlos Copatto e eu
fazíamos um dueto. Em um Domingo de Páscoa ele ficou afônico. Eu fiz um solo na
Catedral! Era o Canto do Credo. ( Urbano passa a cantar, como estivesse na
Catedral, sua memória traz o latim perfeito e afinado) No Seminário tive alguns
colegas ilustres, o Angelo Angelini foi deputado e governador de Rondônia. Fui
colega do Dr. Erotides Gil
Bosshard. Secretário Municipal de Administração. Guardo boas lembranças do
Seminário. Quando eu era coroinha, na época morava em uma casa logo atrás da
Igreja Bom Jesus, na época o Grupo Escolar Alfredo Cardoso era atrás da Igreja
Bom Jesus, na Rua Alfredo Guedes. Comecei a estudar no primeiro ano que o Grupo
Escolar Alfredo Cardoso começou a funcionar no prédio novo, que é o atual. O
Café Morro Grande ficava ao lado da Igreja Bom Jesus, Que saudade! Quando saia
aquele cheiro do café sendo torrado! Nessa época em que eu era coroinha, só
havia violino e órgão, eram musicas sacras e hinos religiosos. As pessoas
ficavam mais concentradas. Dom Ernesto de Paula veio um dia até a igreja, houve
uma cerimônia, a Adoração do Santíssimo. Quando terminou o bispo convidou os
presentes para dirigirem-se ao Salão Paroquial. Lá ele leu a carta enviada pelo
Papa, promovendo o padre Martinho para Monsenhor Martinho Salgot. Veja o
cuidado do bispo, ele não fez isso na igreja. A minha infância foi no Largo Bom
Jesus, meu pai aos domingos vendia ingresso na bilheteria do XV de Novembro, na
época ainda no Estádio Roberto Gomes Pedrosa, conhecido como “Panela de
Pressão”. Quando era jogo grande, ele ia de manhã e eu levava uma cestinha de
almoço. Eu entrava e ficava. Desde muito pequeno assisti o jogo de grandes
jogadores, Pelé com 17 anos, Palmeiras, Corinthians, o XV de Novembro de
Piracicaba era um time de muita expressão. Lembro-me que o Santos veio jogar,
terminou o jogo, eu fui entrando, quando percebi estava no vestiário do Santos.
Nisso chegou o Gatão com seus dois filhos. Ele disse ao Pelé que queria
apresentar-lhe seus filhos, com isso o Pelé também me cumprimentou. O Largo Bom
Jesus era o reduto da criançada, jogava com bola de meia, subíamos na torre da
igreja. Cheguei a tocar os sinos da igreja. As seis horas da tarde tocavam Ave
Maria. Domingo as nove e meia da manhã, tocavam, tinha uma corda que descia,
tinha três níveis, no coro, onde tocava Ave Maria, subindo mais um lance tinha
a corda que tocava o sino mais em cima, no total eram seis cordas, tinha uma
seqüência para tocar, eu não cheguei a tocar a Ave Maria, mas a minha irmã
aprendeu a tocar as notas musicais. Um dos garotos que freqüentava o Largo Bom
Jesus era o Coutinho (Antônio Wilson Vieira Honório) jogou no Santos, foi considerado o melhor
parceiro de Pelé. Ele jogava no Palmeirinha, aos 17 anos foi jogar no Santos
Futebol Clube. Naquele tempo sempre tinha o jogo preliminar,
e o jgo principal que o povo cahamava de “Cascudo”. O Coutinho nem era
para jogar, só que faltou um jogador, ele acabou substituindo, o Lula que era
tecnico do Santos viu ele jogando. Levou-o pa4ra Santos.
O
senhor é Bacharel em Direito?
Quando
fiz esse curso eu estava vivendo aquele momento terrível do meu filho. Ele
morava comigo. Fiz o vestibular no meio do ano na UNIMEP em Santa Barbara D`
Oeste. Foi uma forma de me ocupar com atividades úteis, e também já tinha sido
o sonho da minha vida. Eu era o vovô da turma. Mas me senti muito bem
integrado. No vestibular eu tirei a nota 10 na redação. O coordenador do curso
quis me conhecer. Foi uma boa experiência, eu recomendo!