PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO
UMBERTO NASSIF
Jornalista
e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 15 de agosto
de 2020.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna
Piracicabana
As
entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVIS SILVIO GILBERTO BERTOLOTI
Silvio
Gilberto Bertoloti nasceu em Piracicaba em 14 de dezembro de 1953 é filho de
Sylvio Bortolotti e Dolores Lopes Bertolotti, que tivera, os filhos Silvio
Gilberto (Gilberto por causa de um cantor chamado Gilberto Alves), Gilmar (Por
causa do goleiro Gilmar), Gilson, Silvia e Gilsilei.
Você é neto de imigrantes?
Meu
avô paterno, veio da Itália, seu nome correto é Ângelo Felicce, aqui no Brasil,
no seu registro de imigrante, passou para Augusto Bertolotti! Sua profissão no em Piracicaba era coveiro do
Cemitério da Saudade, minha avó materna não queria o namoro do meu pai com a
minha mãe. Naquela época havia um preconceito, meio folclórico a tudo
relacionado a morte. O meu pai e a minha mãe namoraram por 10 anos. Meu avô
materno, Lopes, trabalhava em um ramo importante: logística.
Como ele exercia a logística?
Ele
tinha uma égua, uma carroça e ficava na Estação da Paulista esperando o trem
que trazia o povo que ia fazer compras em São Paulo e ele fazia o frete,
geralmente uma vez ao dia. Posso dizer que um avô era coveiro o outro do ramo
de logística!
Qual era a profissão do seu pai?
O
meu pai era carpinteiro, proprietário da Carpintaria Dom Bosco, próximo à Rua
XCV de Novembro. Omo carpinteiro meu pai possibilitou que três filhos se
formassem como engenheiros. Sou casado com a também esalqueana Luzia Martins
Bertoloti. O pai dela era chefe da Estação Sorocabana. A família inteira dele é
de ferroviários. O meu irmão Gilmar é Engenheiro Florestal formado pela ESALQ.
Meu cunhado e minha cunhada são agrônomos da ESALQ. Meus dois filhos são
agrônomos da ESALQ. Minha nora é agrônoma da ESALQ. O nome de um dos meus
filhos é Silvio também. Meu pai era Sylvio Bortolotti, meu sogro Silvio
Martins, meu filho ficou Silvio Martins Bortolotti. O outro filho é André
Bortolotti. Esse ato de dar nome aos filhos renderia muitas histórias!
Você cursou o primário em qual escola?
Fiz
o primário no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Por ser o primeiro filho, o
primeiro neto, eu deveria estudar em um colégio de padres, fui estudar no
Colégio Dom Bosco. Era um colégio que primava pela formação moral. Quando sai
do Dom Bosco, fui estudar no Colégio Estadual Dr. Jorge Coury, lá você não tem
nem ideia do que passei com a professora de português Da. Conceição! (Um dos
grandes nomes do ensino em Piracicaba.) Descobri que eu não sabia nada de
português! Sofri o quanto você nem imagina! Com o passar do tempo as coisas
foram mudando, a melhor palestra era eu que dava. Ela passou a gostar do meu
desempenho. A ponto de ela pedir para dar nota para as palestras dos meus
amigos. Imagine que situação. (Conhecendo o rigor da professora, Silvio fez por
merecer.) As minhas notas com ela eram todas 5. Isso porque ganhava meio ponto
porque não faltava. Tem até um fato interessante, nós estudávamos em uma sala
vizinha a diretoria. A classe era dividida, metade da sala era ocupada pelos
meninos e a outra metade pelas meninas. Como era em ordem alfabética, eu era o
aluno que sentava no último lugar. Começamos, eu, Tinão, Gerin. Crócomo a
cantar uma paródia. O diretor, Arlindo Rufatto, homem muito enérgico, chegou e
colocou-nos para fora da escola. Todos os homens. Só ficaram as meninas! Foi
quando eu pensei: Meu Deus do céu! Como vou fazer agora? A próxima aula era com
a Dona Conceição, vou perder o meu meio ponto de presença! Fui até fora da
escola e voltei sozinho. Sentei, era o único homem na classe. Ouvia meus amigos
furiosos pelo fato de eu ter entrado. Veja o poder que essa professora tinha
sobre nós.
Acabando o colegial você fez o CLQ?
Aí
tem uma outra história, no início, fazíamos o cursinho que valia como terceiro
ano colegial, eles tinham um convênio com o Colégio São José de Ribeirão Preto.
Quando chegou no meio do ano Esther de Figueiredo Ferraz que foi secretária de Estado e
ministra, desconsiderou aquele convenio. Todos do cursinho que estavam nessa
situação foram estudar seis meses no Colégio Piracicabano. Tivemos que fazer
exame na escola Sud Mennucci para poder passar. Eu já tinha entrado na ESALQ e
não tinha o certificado de conclusão do terceiro colegial. Isso foi em 1972.
Foram mais de 200 pessoas fazer o exame no Sud Mennucci. Infelizmente não
guardo boa impressão dessa senhora como secretária e ministra da educação.
Muita gente deixou de continuar os estudos em função dessa confusão toda.
Em que ano você entrou na ESALQ?
Em 1973 eu entrei na ESALQ, sai em 1976, tive o percurso como
entomologista, a minha vida foi estudar insetos. Fui ser professor na
Universidade Federal de Lavras, era um status elevado, só que eu tenho um
negócio chamado banzo. Originalmente um sentimento de nostalgia que os negros
da África têm, quando estão ausentes do seu país. Banzo é saudade. Eu não
conseguia ficar fora de Piracicaba. Lavras é Federal, eu ia fazer PhD na
Inglaterra, não fui. Eu queria ficar em Piracicaba, sou amarrado e Piracicaba.
Tenho até uma definição: Em Piracicaba você é touro, fora você é vaca! Meu
irmão por exemplo já foi ficar no Pará por 10 anos. Meu outro irmão vive fora,
em outros países. Eu não consigo. Fui dar uma palestra em Lavras depois de 35
anos que estive lá, perguntaram-me porque eu não tinha permanecido lá, minha
resposta é que o piracicabano arraigado a terra dele tem banzo em sair daqui.
Entrei na ESALQ em 1973, em 1975 já estava fazendo estágio com o Professor
Nakano, uma pessoa que fez estágio com ele, o Francisco Monteiro, foi lá para
verificarmos um problema com o pé de maracujá do sogro dele. O Professor
Nakano, mandou eu e o José Maria de Arruda Mendes Filho, fazíamos estagio
juntos. Essa casa que tinha o problema com o maracujá, situava-se na Rua José
Vizioli próxima a casa do José Maria. Em frente à casa da Professora Bernadete
que dava aula deu aula de francês, para nós no Jorge Coury. Fomos, eu e o Zé
Maria, descobrimos que era um percevejo que picava o maracujá, e o o maracujá
ficava murcho.
Vocês observaram mais alguma coisa?
Nessa casa tinha duas meninas
gêmeas fazendo vestibular para entrarem na Escola de Agronomia. Uma das moças
tinha olhos verdes, eram bonitas. Fomos caçar o percevejo cujo nome científico
é Diactor bilineatus, para
fazer um estudo sobre ele. Eu me encantei com uma das meninas, nunca tinha
namorado ninguém. Levamos os insetos para a escola, eu e o Zé Maria
exterminamos os mesmos, durante a análise. Dissemos: “-Professor, precisamos
buscar mais insetos! ” Ele concordou. Voltamos até o pé de maracujá. Uma das
duas gêmeas tinha entrado na ESALQ. Era teoricamente minha caloura, “minha
bicha”. Prometi proteger a menina, era muito comum os trotes nos calouros.
Emprestei meus livros para a menina. Começamos a namorar e casamos! Tivemos
dois filhos, que fizeram a ESALQ. Na nossa intimidade, dizemos que o causador
disso tudo foi o percevejo. Logo o primeiro filho quando entrou na ESALQ ganhou
o apelido de “Percevejo” como existe uma música que faz referência a pulga e ao
percevejo, o segundo filho ao entrar na ESALQ passou a ser conhecido como
“Pulga”. O Professor Nakano deve ter tido uns 600 estagiários, era uma
referência ter sido estagiário do Nakano. Teve uma churrascada em homenagem ao
Nakano, todos os presentes fizeram discursos, o estagiário mais famoso que o
Nakano tinha na época, era o Professor Parra, Diretor da ESALQ. Fiz um
discurso, sou bom nisso. Disse: “ Todos que estão aqui tem prestigio, bom
emprego após ter sido estagiário do Nakano, está aqui o exemplo máximo nosso,
sei que todo mundo começou a chorar, só que eu sou mais feliz do que vocês”.
Pairou um silêncio, até que alguém quis saber o porquê. Narrei a história do maracujá, que me trouxe
uma grande esposa. Ela estava ao meu lado.
Quando você concluiu a ESALQ seu
primeiro emprego foi onde?
Eu era solteiro, fui dar aulas em
Lavras. Voltei por causa do Banzo.
Não foi por causa da namorada?
Ela pensa que foi por causa da
namorada, mas foi pela cidade mesmo.( Silvio expõem suas razões de estar longe
da terra amada, mas algo no ar deixa transparecer que bons motivos o trouxeram
de volta). Eu andava 480 quilômetros, pegava três ônibus, para vir para
Piracicaba todo fim de semana! Ela sabe que é por causa dela!
Você acabou voltando?
Vim para Campinas, fui trabalhar
na Estação Experimental, em 1980 casamos, na Igreja da Imaculada Conceição, na
Vila Rezende, tendo como celebrante o |Padre Jorge. Há um ditado:
“ Quem o Padre Jorge casa,
ninguém descasa! ” Em 1981 vim para Piracicaba trabalhar na Cooperativa de
Cana, para trabalhar com Domingos José Aldrovandi, agricultor, industrial, contador, farmacêutico, vereador. Foi um dos
primeiros contadores da Dedini. Como industrial, criou fábrica de papelão no
Sítio dos Kanemblay. Em 1958-59 presidiu a Câmara Municipal de Piracicaba. Em
1962 foi eleito deputado estadual, reeleito em 1966 pela Arena, e atuou como um
dos principais líderes da política e da economia piracicabanas. Em 1968 fez
parte do grupo de cotistas que adquiriu e passou a editar o “Diário de
Piracicaba”, publicando-o sob nova denominação: “O Diário”. Foi de sua
propriedade a Farmácia Central, à av. Rui Barbosa, 121, em Vila Rezende. Sua
atuação foi decisiva para a criação (1948) da Associação dos Fornecedores de
Cana de Piracicaba, que presidiu, assim como para o surgimento da Cooperativa
dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo e da Cooperativa de Crédito dos
Fornecedores de Cana. Foi gerente desta última, que inicialmente abrangia
quarenta municípios, com sede própria à rua D. Pedro I. A cidade deve-lhe a
criação e construção do Hospital dos Plantadores de Cana de Piracicaba, que tem
seu nome. Foi presidente da Associação Brasileira de Fornecedores de Cana.
Integrou o Conselho Superior do Colégio Piracicabano, tendo sido seu
presidente, em meados do século passado conforme relata Samuel Pfromm Netto.
Quanto tempo você ficou na Cooperativa?
Fiquei até 1990. A
Associa dos Fornecedores de Cana é a mantenedora do Hospital dos Plantadores de
Cana. Isso é uma coisa importante que ninguém fala: quem construiu o Hospital
da Cana foram os fornecedores de cana de Piracicaba e Região, que recolhem uma taxa
toda tonelada de cana-de-açúcar que é entregue na usina recolhe uma taxa, para
manter o hospital em pé, e para atender o SUS. Hoje fornecedores de cana é uma
minoria, eram aproximadamente 8.000 fornecedores. Hoje não tem nem 500.
Hoje um grande conglomerado
arrenda praticamente todas as pequenas propriedades com cana-de-açúcar, ele
recolhe essa taxa para manter o hospital?
Hoje não recolhe mais. Quando o Ex-Presidente da República Fernando Collor de Mello entrou ele extinguiu essa taxa obrigatória que existia desde 1964. Por 10 anos fui funcionário da Cooperativa, hoje sou autônomo, mas sou um representante de empresas dentro da Coplacana, junto aos cooperados da Coplacana.
Hoje a colheita da cana é toda mecanizada?
Hoje não há condições de
cultivo em pequena escala. Como um agricultor vai adquirir uma colhedeira que
custa um milhão de reais? Briguei muito com relação a queimada de cana. Como
agrônomo sou contra a queimada. Acontece que a cana não é como soja. A cana
você planta hoje e só vai replantar após seis anos. O sistema usado
anteriormente era para a colheita manual. Hoje o espaçamento é idealizado para
a máquina entrar. Você não pode pisar na soqueira da cana. Na época eu pedi de
4 a 5 anos de carência, permitindo o método tradicional, a queima da palha,
para o povo renovar o canavial. “O
corte de cana na queimada é penoso, na palha é mais penoso ainda” segundo o
presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de Jaú, Hermínio Stefanin. A
ideia era de deixar o canavial adaptado para a colheita mecanizada.
Você sugeriu uma nova represa para abastecer Piracicaba?
Lutei para fazer uma nova represa. Brigaram
comigo, possivelmente poderá faltar água.
Silvio discorre sobre dados, situações que
conforme sua análise, poderão trazer consequências desagradáveis. A sua
preocupação com o meio ambiente o deixa agitado. Vai citando referencias e
considera que poderia ser melhor.
O seu avô paterno morava em que rua?
O meu avô morava em frente ao Grupo Alfredo
Cardoso, na Rua Moraes Barros, ele era coveiro, o meu ainda criança, meu avô
esquecia o pito dele, no cemitério, meu pai tinha que sair à noite, onde é o
Estádio Barão de Serra Negra, era um bosque, ele atravessava esse bosque,
naquela época havia muita superstição: Mula sem cabeça, e outras mais, meu pai
atravessava, pulava o muro do cemitério para pegar o pito do meu avô. Minha avó
tinha uma lojinha ali na esquina da Rua Floriano Peixoto com a Rua Boa Morte. O
Diretor de TV do SBT, José Occhiuso, morava em frente a minha
casa na Rua Floriano Peixoto. Na Rua Ipiranga, morava o Roberto Cabrini.
Você sempre gostou de área
rural?
Teve um período em que tive
um sítio em Anhumas. Já era estrada de asfalto. Em 1004 comprei um sítio, só
que todo agrônomo, quer ter um sítio, colocar a teoria dele na prática. Achei
que iria ter muito sucesso, em sete alqueires coloquei uma granja de frangos e
uma de porcos, dei o nome de “Granja Liberdade”. Eu não acreditava naquela
conversa: “Sitiante tem duas alegrias na vida, uma quando compra o sítio, outra
quando vende o sítio”. Fiquei por 15 anos com o sítio. Em 2010 recebi duas
graças na minha vida: vendi o sítio e fiz a operação de redução do estomago.
Entrei na ESALQ com 66 quilos. A minha mulher me deixou com 156 quilos, de tão
boa cozinheira que ela é. Eu tinha tudo: diabetes. Pressão alta, operei no
Hospital da Cana, cheguei a pesar 102 quilos, hoje com o momento que estamos
passando, de ficar em casa, estou com 110 a 112 quilos. Hoje não dou mais
trabalho para o SUS. Hoje fazem 48 cirurgias por mês. Há capacisase de fazerem
mais. Quando eu ia nascer, minha mãe estava tendo o primeiro filho, na Rua
Floriano Peixoto na última quadra próximo a Chácara Nazareth só tinha a casa
dela. Eu não nascia, vieram duas parteiras, eu não nascia. Chamaram o Dr.
Aninoel Pacheco, médico experiente, ele me tirou com fórceps. Quando nasci
estavam inaugurando o encanamento de água, soltaram fogos. O prefeito era o Dr.
Luiz Dias Gonzaga.
Você morava perto da Chácara
do Vevé?
Morava no primeiro
quarteirão junto a chácara. Na Rua Madre Cecília havia a Chácara Nazareth. O
sogro do José Victória tomava conta. A molecada, inclusive eu, gostávamos de
apanhar frutas nessas chácaras, mas elas eram bem muito bem vigiadas.
Da cana-de açúcar o que se perde?
Hoje não se perde nada! A
Usina Costa Pinto da folha ela faz o etanol de terceira geração, pegam a palha,
bagaço, fazem um processo com enzimas fornecidas por uma empresa suíça, eles
conseguem pegar a celulose e produzem álcool. O Rubinho Ometto estudava no Dom
Bosco, ele estava no científico eu estava no ginasial. Ele é inteligentíssimo.
Hoje uma boa parte da margem rentável do grupo vem da logística, a cana passou
para um segundo plano. Eu me considero um canassauro, tenho mais de 30 anos de
trabalho com cana-de-açúcar[U1] . Dou muitas palestras,
escrevo artigos, uso a mídia eletrônica, Hoje tem em torno de 380 escolas de
agronomia no Brasil. Inclusive escolas noturnas! Imagino como vão fazer uma
aula prática a noite!
Você ajudava o seu pai na
carpintaria, quando ainda era estudante?
Sou de uma geração que tinha
que trabalhar! Cedo eu ia no Dom Bosco, a tarde ia na carpintaria e a noite eu
ia envernizar as coisas que tinham sido feitas durante o dia. No fundo da
carpintaria, tinha a casa do Craveiro e Cravinho, enquanto envernizávamos
portas, janelas, armários, escutávamos Craveiro e Cravinho treinando! Isso em
1965, 1966. Escutávamos na rádio “Noites do México”, com Dario Correia.
Lembro-me até hoje de uma das propagandas que ele fazia: “Sapatão gostosão,
colado e pregado, Casa Oliveira, a mais barateira, Largo São Benedito, em
frente ao Fórum”.