quarta-feira, setembro 04, 2013

PADRE LUCAS MARANDI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 31 de agosto de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 

ENTREVISTADO: PADRE LUCAS MARANDI
 

A Paróquia Imaculado Coração de Maria, mais conhecida como Igreja da Paulicéia, tem padres de diversas nacionalidades, mas é com certeza absoluta a única igreja do Brasil que tem um padre que veio de Bangladesh, Padre Lucas Marandi, que está a poucos meses no Brasil, e comunica-se em português. Com cerca de 150 milhões de habitantes em 2012, Bangladesh é um pouco maior do que o estado do Amapá. Bangladesh foi governada, em diversos períodos da sua história, por hindus, muçulmanos e budistas. Tornou-se parte do Império Britânico, quando o Reino Unido, em 1858, assumiu o controle da Índia. Os conflitos entre hindus e muçulmanos provocaram a divisão da Índia em duas nações 1947, quando a Índia se tornou independente. O Paquistão, formado pelo Paquistão Ocidental e Paquistão Oriental foi criado a partir das regiões nordeste e noroeste da Índia. A maioria da população nas duas áreas é composta de muçulmanos. Muitas diferenças, tanto culturais como econômicas, dividiam os habitantes do Paquistão ocidental e oriental. Em 1971, essas diferenças resultaram no estabelecimento do Paquistão oriental como uma nação independente que é Bangladesh. Padre Lucas Marandi é filho de Mondel Morandi e Elina Hembrom, nasceu na cidade de Dinajpur a 16 de  junho de 1979, tem quatro irmãs.
A família do senhor é católica?
A minha família agora é católica. Ha quarent anos professavam o animismo (os cultos animistas alegam que: "Todas as coisas são vivas”). Tinham uma grande fé nas forças da natureza. Cultuavam as forças espirituais dos seus ancestrais.
Qual é a atividade profissional exercida por seus pais?
São agricultores, ainda tem fazenda com arroz, cana-de-açucar, batata, milho, verduras. A agricultura está cada vez mais mecanizada.
Quando o senhor era jovem ajudava o seu pai na agricultura?
Ainda jovem, estudava de manhã e na parte da tarde ajudava meu pai. Eu plantava arroz, cana, batata. Depois colhia quando estava na época da colheita.
Qual é a alimentação tipica do país?
O básico para nós é o arroz e peixe.
Como se chama o idioma mais utilizado?
Nós chamamos de bangla. Há também dialetos. O povo entende um pouco quando alguém fala em inglês. Lá é mais comum o povo entender a lingua inglesa do que no Brasil.
O senhor fez seus estudos em que localidade?
O ensino fundamental, médio e faculdade de Serviço Social fiz em Bangaladesh. Após concluir a faculdade entrei no seminário, fui atraído pelos padres xaverianos que trabalhavam com as pessoas não-cristãs.
Antes de entrar para o seminário, ainda jovem, quais eram as formas de diversões que o senhor praticava?
Eu gostava muito de jogar futebol.
O senhor jogava bem?
Sim! Era um bom atacante.  Às vezes, raramente, ia ao cinema.
Qual é a religião predominante em Bangaladesh?
O islamismo é predominante com aproximadamente 88,3%, há outras religiões como o hinduísmo, budismo, o cristianismo com 0,3%, cerca de 400 mil católicos.  e outras. Há liberdade de prática de diferentes religiões, cada um com suas igrejas, templos, e há respeito entre as diferentes religiões.
O islamismo tem regras rígidas.
Em Bangaladesh não há regras rígidas ainda.
Como é visto o consumo de álcool, tabaco, em Bangaladesh?
No nosso país não existe o consumo de álcool, como cerveja, vinho, por exemplo, Tabaco é consumido.
Quando a família do senhor soube que tinha se dedicado a religião católica qual foi a reação?
Uma parte da família ficou muito feliz. Outra parte não ficou contente porque sabia que eu não iria trabalhar no país. Hoje estou aqui no Brasil! Eles têm saudades do filho, filhos têm saudades dos seus pais, eles estão vivos.
Por quanto tempo o senhor permaneceu no seminário?
Fiquei dez anos no seminário. Em Bangaladesh fiz quatro anos: filosofia, noviciado, depois fui pra as Filipinas. Lá aprendi a língua local, tagalo, estudei inglês, após quatro anos estudei teologia na capital, Manila. Nas Filipinas noventa e cinco por cento da população é formada por católicos. O governo proibiu o autoflagelo que era realizado durante a Semana Santa. No Natal é feita a novena durante nove madrugadas. A missa começa as quatro horas da manhã.
O senhor celebrava missas em tagalo?
Sim, celebrei missas em tagalo, em inglês, os filipinos falam bem o inglês.
Por quanto tempo o senhor permaneceu nas Filipinas?
Nas Filipinas fiquei por seis anos.
Em que ano o senhor ordenou-se padre?
Foi a 9 de setembro de 2011 em Bangladesh, na minha paróquia. Fui ordenado pelo Bispo Moisés Montu Costa.
Quantos idiomas o senhor fala?
Falo a minha língua materna que é o santalé, na Ìndia tem três estados que falam esse idioma: sanatalé, falo bangala, inglês, tagalo. Agora português. Em dezembro de 2011 comecei a aprender português no Brasil. Após permanecer por seis anos nas Filipinas fui designado para vir para o Brasil.
O senhor já sabia alguma coisa a respeito do Brasil?
No ensino fundamental a escola tem um livro com histórias sobre Pelé. O futebol brasileiro é muito bom. Time e jogadores muito bons.
Em que ano o senhor veio para o Brasil?
Em 20 de novembro de 2011, vim de avião pela TAM. Desci em Guarulhos, fui levao diretamente a nossa casa na Vila Mariana. Descansei. A tarde fui visitar a Avenida Paulista. Minha primeira impressão foi de espanto, principalmente com as roupas que as pessoas estavam usando. Em noossa cultura usa-se o sari. Achei o trãnsito melhor do que no meu país.
E a alimentação?
Agora como de tudo. Apenas o feijão que ainda não posso comer. Gosto de feijão, mas sinto que para mim ainda é pesado. Com relação aos demais alimentos me acostumei. Gosto de cafezinho, lá nós bebemos muito chá. Assim como aqui se toma um cafezinho, lá se toma um chazinho.
Da Vila Mariana o senhor foi para onde?
Fui para região de  Campinas, em Hortolândia, onde temos uma casa e permaneci por três meses, onde estudei português.
O senhor sabia falar alguma palavra em português? 
Nada. Foi muito difícil.
A língua portuguesa é tida como uma língua rica, por exemplo, “Saudade” é uma palavra de tradução muito difícil.
Não considero uma língua complicada, mas sim difícil. Tem muitas regras. Diferente do inglês.
A figura do padre ainda conserva muito respeito no Brasil?
Sim, é muito respeitada.
Como é o dia do senhor?
Normalmente levanto-me as seis e meia, temos orações, café da manhã, em seguida começamos a trabalhar. Em determinadas noites celebramos a missa. Aos domingos temos missa de manhã e a noite. Missa de jovens é aos sábados à noite.
O senhor aparenta ter pouca idade, isso lhe traz problemas?
Muitos dizem você é muito jovem! Será que tem experiência?
O senhor prepara suas homilias (prelecção dada por um sacerdote no decorrer de uma missa)?
Prepero!  Não posso celebrar a missa sem preparação.
Como o senhor vê a comunidade?
Aqui temos treze comunidades. Também temos setores perto da nossa igreja. A paróqui é muito grande. O povo é muito unido, isso fica claro em algumas atividades que realizamos, como a festa das comunidades. Ao completar 60 anos, a paróquia mostrou-se presente com a participação de muitas pessoas. Dia 6 de setembro as 19:000 iremos sagrar 50 anos de vida sacerdotal do Padre Giovanni Murazzo.
Os fiéis se confessam ao senhor em um confssionário tradicional ou em um ambiente reservado, como uma sala?
A confissão é um sacramento. Conversar é outra coisa, diferente. Assim como conselho é outra coisa. Atualmente a confissão é feita face a face.
O senhor tem o sonho de permanecer no Brasil ou de conhecer novos países?
Eu não posso sonhar. Todas s coisas que irei realizar dependem do meu chefe, meu superior. Depende da vontade deles se devo ficar aqui ou ir trabalhar em outro país. Se eu não for mandado não posso querer ir trabalhar em determinado país, não tenho essa autonomia para escolher.
Quantos padres vieram de Bangaladesh ao Brasil?
Até agora só eu. Acredito ser o primeiro e único que veio de Bangaladesh ao Brasil.
Quem nasce em Bangaladesh recebe qual denominação?
Em português chamamos de bengalês.
Como o senhor vê a figura do Papa Francisco?
Ele é muito humilde e muito próximo do povo, especialmente dos pobres, dos excluídos. É um papa muito próximo das pessoas.
Como o senhor vê a violência?
Ela existe onde há a presença do ser humano. Em alguns países é maior, em outro é menor, mas sem violência não existe nenhum país.


 
 

FRANCISLIDIO BEDUSCHI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 24 de AGOSTO de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/

 


ENTREVISTADO: FRANCISLIDIO BEDUSCHI



Francislidio Beduschi nasceu em Piracicaba a Rua Moraes Barros, 1608 no dia 23 de agosto de 1941, às seis horas da manhã pelas mãos da parteira Elza Normanha. É filho de Francisco Beduschi e Lidioneta Brossi Beduschi que foram pais também de Luis Carlos Beduschi. Casado com Maria Lucia Godoy a 29 de junho de 1968 com quem teve os filhos Ana Lúcia, Francisco Neto e Gustavo.
Qual era a atividade profissional do seu pai?
Era alfaiate, tinha sua oficina no mesmo endereço em que nasci. A alfaiataria era do meu avô, ele trabalhava para o meu avô Vitório Beduschi que ainda muito novo veio da Itália, região de Padova. Meu irmão esteve lá, a casa onde meu avô morou, na Itália, não existe mais, ele chegou a ver o registro de batismo do meu avô na igreja local. Meu irmão disse que pisar nas mesmas ruas em que meu avô andou foi muito emocionante, na Itália ele resgatou o brasão da família.
Seu avô veio para o Brasil sozinho?
Ele era adolescente, veio com os pais e irmãos, um dos irmãos faleceu durante a viagem. Inclusive ao desembarcar no Brasil, um dos irmãos teve o nome trocado pelo que faleceu, falha do serviço de imigração. Desceram em Santos, seguiram para a Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo. Em seguida vieram para Indaiatuba indo trabalhar em uma fazenda de café, onde permaneceram por pouco tempo, vindo logo depois para Piracicaba. Meu bisavô , Antonio, a primeira coisa que fez quando chegou a Piracicaba foi colocar os filhos para aprenderem um ofício. Meu avô, Vitório, aprendeu alfaiataria, seu irmão mais novo, Antonio, também. O Antonio foi fundador do Clube Flôr do Bosque de Tenis de Mesa, o Lalo Neder jogava lá. O filho do meio, o Aristides, foi sapateiro.
Quantos filhos seu avô Vitório teve?
Meu avô foi pai de oito filhos, quatro homens e quatro mulheres. Seu filho mais velho, Armando, trabalhava na alfaiataria nos momentos em que não ia para a escola, ele fazia o curso Normal, foi professor. Prestou concurso para Coletoria Federal, foi aprovado e foi designado para Santa Catarina. Meu pai ficou na alfaiataria, quando se casou era alfaiate.
Com que idade seu pai iniciou o ofício de alfaiate?
Com treze a quatorze anos ele já começou a ficar no salão, meu avô morava em frente.
Na época alfaiate era uma profissão valorizada?
Era muito valorizada. O meu avô deixou uma casa para cada filho trabalhando só como alfaiate. Eram oito filhos. Meu pai faleceu moço, a 7 de março de 1953, afogado no Rio Piracicaba, o irmão dele Vitor, estava junto, tinha 19 anos, viu, pulou na água para salvá-lo, mas infelizmente faleceu também.
O seu pai casou-se em que ano?
Foi em 1940. Meu avô materno, Cesário Brossi, tinha uma fábrica de sabão no Piracicamirim, onde atualmente é a empresa Gramarmo, minha mãe saia de lá e vinha estudar no colégio Sud Mennucci, um funcionário a trazia de charrete, após as aulas ela voltava com as amigas, passando em frente a alfaiataria, ela e meu pai acabaram se conhecendo. A primeira conversa, segundo eles me contaram, aconteceu no Largo da Santa Cruz onde tinha uma quermesse, meu pai estava lá, minha mãe veio para ficar na casa de um irmão da mãe dela, chamado Bento de Oliveira. Ali começou o namoro deles. Em pouco tempo se casaram, foi no dia 29 de junho de 1939. Foram morar na Rua Moraes Barros, 1608. Minha mãe estudava o curso Normal, que formava professores. Uma das tarefas do curso era fazer o livro de entrada dos alunos. Ela então criava nomes fictícios dos alunos e a localidade de nascimento. Foi assim que ela colocou no livro Francislídio Beduschi, nascido em Rio das Pedras! Ela não era nem casada ainda.
Seu pai teve muitos clientes?
Meu pai era arrojado. Na época era muito comum o pessoal fazer roupas novas em algumas ocasiões: Natal, Semana Santa e Finados. Faziam o terno novo, o “pareo”. Meu pai começou a pegar serviço, meu avô dizia: “- Chico! Não vai dar para você fazer!”. Ele dizia que dava. Daí apertava todo o mundo. Minha mãe ajudava muito, fazia de tudo para ajudá-lo. Ela trabalhava como professora substituta efetiva na escola Sud Mennucci.  A parte mais difícil em um paletó é acertar as mangas. Meu avô pacientemente o aconselhava a recomeçar até acertar. Coisas que só um mestre sabe é fazer o aprendiz aprender, e só se aprende fazendo.
Seu pai sempre trabalhou na alfaiataria?
Não. Mais tarde ele deixou a alfaiataria e foi trabalhar na fábrica Boyes, onde já tinha dois primos trabalhando lá: Solano e Nico Fidelis. O Comendador Louis Clement era quem mandava na fábrica. De lá ele foi trabalhar no Serviço de Saúde Pública, era radiologista no Dispensário de Tuberculose, situado na Rua José Pinto de Almeida, onde antigamente foi a Santa Casa de Piracicaba, entre a Rua XV de Novembro e Rua Moraes Barros. No dia que saiu a sua nomeação oficial, foi o dia em que ele faleceu. Ele já trabalhava lá, apenas estava aguardando os trâmites burocráticos. Quando ele faleceu, eu estava com onze anos e meu irmão nove anos. Minha mãe carregou tudo sozinha. Ela também entrou no serviço público de saúde, foi trabalhar no Dispensário de Tuberculose como Visitadora Sanitária.
Onde você realizou seus estudos?
O curso primário estudei no Sud Mennucci, o ginásio comecei a fazer no Dom Bosco, onde fiz primeiro ano de preparatório, primeiro e segundo anos, e daí fui para o seminário.
O que o motivou a ir para o seminário?
Por incrível que pareça aquilo que fiz a vida inteira, ser professor. Eu gostava do trabalho feito pelos religiosos, promovendo a cultura, ensinando. Fui para Lavrinhas, no Estado de São Paulo, no Vale do Paraíba, no Colégio Salesiano São Manoel. Tinha uns 120 alunos internos. Lá tinha sido uma fazenda de café.
A disciplina era rígida?
Muito rígida. Às seis horas da manhã tocava o sino, todo o mundo levantava, arrumava-se em silencio, às seis e meia estava descendo para a igreja, missa, comunhão, após a missa havia uma leitura, acabava por volta das sete e quinze, ia para o refeitório. Sempre em silencio, tomava o café da manhã que consistia em uma xícara de café com leite, e um pãozinho, sem manteiga, sem nada. Acabava o café, saia, para por ordem na casa inteira, eram duas divisões: a dos menores até uns 14 ou 15 anos, e a dos maiores.
Em que dia você ingressou no seminário?
Foi a 9 de março de 1955. O Padre Pedro Baron me levou de Piracicaba  à São Paulo, pelo trem da Companhia Paulista, e de São Paulo para Lavrinhas fomos com outro padre que não conheciamos. Fomos quatro estudantes: Irineu Danelon, que é Bispo de Lins hoje, Antonio Lavorente, Antonio Carlos Volpato, que era de Itú, e eu. A primeira noite longe de casa foi uma choradeira só. Era um dormitório enorme, composto por uma cama e um pequeno armário individual. Não tinhamos muitos pertences pessoal. Para colocar o paletó tinha um cabideiro enorme. Era comum no seminário todo mundo usar paletó. E gravata! Eu estava com 13 a 14 anos. Uma vez não coloquei gravata e desci para a missa, o padre conselheiro, que era o padre da disciplina, Padre Júlio Comba, ele era italiano, mas falava o português corretíssimo, disse-me: “Eu sou 0 Mestre do Elegante, ponha uma gravata!”
Você já sabia dar o laço na gravata?
Isso é uma as primeiras coisas que aprendíamos, era o laço mais simples possível. A gravata tinha que ser preta, o paletó podeia ser de qualquer cor. Lá eu conclui o ginásio e comecei a fazer o científico.
Foi onde voce aprendeu linguas?
Eu já tinha começado a estudar aqui frances e ingles. Lá além de francês e inglês aprendi italiano, grego e latim. Tenho o Novo Testamento em grego e latim.
Você foi coroinha?
Fui aqui no Dom Bosco. (Beduschi recorda-se do tempo em que ajudava a missa que era celebrada em latim): "Introibo ad altare Dei, ad Deum qui lætificat juventutem meam" (“Entrarei nos altares de Deus, o Deus que alegra minha juventude)”. "Adjuntorium nostrum in nomine Domine” (“O nosso auxílio está no nome do Senhor “Qui fecit caælum et terram” ("Que fez o céu e a terra").No oratório festivo do Dom Bosco era a reuniãos das crianças para jogar bola, depois tinha uma aula de catecismo, era feita uma oração e iamos embora para casa. Os primeiros coroinhas que o padre conseguiu reunir para ajudar a missa foram Abel Lavorenti e eu. Sou da turma de Francisco Conca, Francarlos Reis.
Quais anos você permaneceu no seminário?
Nos anos de 1955, 1956 e 1957. Terminei o colegial, fui para Pindamonhangaba receber a batina e fazer o noviciado.
O que é noviciado?
É o período de aprendizado sobre a ordem religiosa, a vida que você está escolhendo. Hoje são dois anos, no meu tempo era um ano só. Permaneci lá o ano de 1958, onde no dia 9 de março recebemos a batina. Eramos 25 noviços. É uma cerimonia muito bonita: “Despe-te do homem velho e reveste-te do homem novo”. Esse ano é muito rígido.
Mudou um pouco o nível de conforto?
O chuveiro era aquecido! Em Lavrinhas não tinha chuveiro, o banho era em um antigo tanque de lavar café, vestido com um calção comprido, até o joelho, era água corrente, vinha de uma mina, mas eramos mais de uma centena de jovens tomando banho ao mesmo tempo. No final de 1958 fiz os votos religiosos validos por três anos: “Pobreza, castidade e obediência”. O mais difícil é a obediência, quando você renuncia a sua lliberdade e coloca na mão do seu superior. Terminado um ano, fui para o Seminário de Lorena, lá era a Faculdade de filosofia, fiz ao mesmo tempo o curso de pedagogia. Isso foi de 1959 a 1961. Sempre gostei muito de ler, passo a viver aquilo que estou lendo, me insiro na história. Dar aula de história, fazendo dela um psicodrama faz o aluno gravar muito mais. Ele irá lembrar das histórias que eu conto o resto da sua vida. Outro dia uma moça disse-me:  “- Lembrei-me de você na viagem que fui para a Grécia. Você falava que a Grécia parecia uma mão virada para baixo, eu passei por todos os “dedos” do território grego”. Ela tinha ido visitar a Grécia e viu todo o contorno do litoral grego. Como eu tinha dito.
Voce prosseguiu seus estudos em Lorena?
Em Lorena após tres anos conclui as faculdades de filosofia e pedagogia. Aprendi a estudar. Estudar não é decorar, se você não entender, não adianta nada. A primeira prova de filosofia que fiz, sai crente de que tinha tirado a nota oito ou nove. Tirei dois. Fui conversr com o orientador vocacional, era o Padre Valter Pini. Ele disse-me: “Primeiro você lê o texto para conhece-lo, depois irá ler uma segunda vez para entender aquilo que não entendeu na primeira leitura, palavras que você não conheça, na terceira leitura, ai você começará a guardar. Irá começar a compreeender, será quando saberá a matéria. Comecei a fazer esse jeito, não tive mais dificuldade. No último ano tinhamos exame de toda a filosofia, eram sete calhamaços de matéria, tudo em uma prova só. Você entrava na sala, o professor entregava um envelope, em cujo interior havia uma tese e um complemento. Tinha que desenvolver aquela tese e se quisesse o complemento. O tempo de prova era de quatro horas ou mais. Abri o envelope, das 35 teses que havia para a prova, eu sabia muito bem 30 delas. Após tres horas e pouco eu já tinha feito a tese e o complemento. Entreguei. Sabia que iria ter nota acima de oito. Tirei oito virgula oito no exame de toda a Filosofia. Pedagogia eu ja tinha terminado, fiz um trabalho sobre a educação na Idade Média. O nosso professor de pedagogia era formado em Roma, com publicações na Itália.
Qual foi seu próximo destino?
O superior usando o voto de obediência mandou-me para Campinas. Fui dar aula no Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora de Campinas. Era internato. Fui cuidar dos alunos maiores. Nessa época já usava batina. O filho de um senador do Mato Grosso, da família Dezi, era meu aluno. Era mais velho do que eu. Permaneci lá por um ano. No final do ano meu superior mandou-me para São Paulo, os salesianos tem no bairro da Mooca, uma editora, fábrica de livros, cadernos, ficava na Rua Dom Bosco. Passei a tomar conta de uns 60 internos, que eram orfãos, eu tinha 19 anos. Eles estavam na faixa dos sete aos dezesseis anos.
Manter a disciplina não era muito fácil?
E a cara de bravo que eu faço! Os meus ex-alunos do Colégio Jorge Coury, de Piracicaba, podem dizer alguma coisa. Fui discipulo de Arlindo Rufatto, aprendi com ele. Na Mooca permaneci por um ano, apesar de cansativo foi um trabalho gostoso. Fim de semana escolhia uns dez ou doze internos que tinham e comportamento melhor, punha todos eles dentro de um kombi, levava farofa e frango e ia para a Praia do Gonzaga em Santos.  Por volta de uma a uma e meia da tarde subíamos de volta para São Paulo. Isso incentivava os demais durante a semana. Trabalhei nesse período das seis horas da manhã até as onze horas da noite. Foi nesse ano que no dia das mães vim visitar minha mãe em Piracicaba, meu irmão estava fazendo o curso de Agronomia no quilômetro 47 do Rio de Janeiro. Recebi como premio ser professor no seminário, voltei para Lavrinhas. Eu não era padre ainda, era clérigo. Passei um ano como professor no seminário, dando aulas e cuidando os internos maiores. No final do ano fiz o pedido de renovação dos votos, só que já eram votos perpétuos. Fiz os votos perpétuos, fui para São Paulo, no Alto da Lapa, na Rua Pio XI, fazer os últimos quatro anos para ser ordenado como padre. Lá permaneci 1965 e 1966. Em dezembro de 1966 pedi minha carta liberatória e vim para Piracicaba.
Você desistiu de vir a ser ordenado padre?
Não era aquilo que eu queria. Lá não fui lecionar, fui estudar teologia. Fiz dois anos de faculdade de teologia. Tive a oportunidade de dar aula de religião em escola do Estado. Dia 6 de dezembro de 1966 deixei minha batina preta com um, tinha uma batina branca de linho deixei com outro
Ao chegar a Piracicaba, pensou em exercer qual atividade?
Decidi dar aulas. Meu avô queria que eu estudasse o curso de Direito. Eu pretendia ter vida própria, não queria ficar dependendo do meu avô. Uma tia, irmã do meu pai, disse-me que iria me apresentar nas escolas. No Colégio Jorge Coury quem estava respondendo pela direção era o Salles. Apresentei-me, ele disse que iria passar meu nome para o diretor, Arlindo Rufatto. Dali a uns dias o Arlindo me telefonou. Fui até o Jorge Coury, a pé. Arlindo disse que tinha gostado do meu jeito, queria que eu lecionasse em sua escola. Só que história já tinha professor. Ele disse-me: “Você vai dar aula  de matemática”.  Como eu tinha feito estatística, tinha o direito de dar aula de matemática. Ele me arrumou 18 aulas, isso foi em 1967. Eram professores: Conceição, Joana Falanghe, Clemência Pizzigatti, Persão, José Nogueira. O Arlindo ligou para o Adolfo Basili do Sud Mennuci me remendando para que eu também desse aulas lá. O Basili me arrumou mais seis aulas de filosofia no Sud Mennucci. No Sud fui colega de grandes mestres como Arquimedes Dutra, Costinha, Demóstenes, Benedito Andrade, José Salles.
Seus alunos ficavam em pé assim que você entrava na classe?
Alguns se levantavam, mas já não era mais um costume. A única professora que vi exigir que os alunos se levantassem quando ela entrava para dar aulas foi a Conceição. Quando ele chegava, os alunos se levantavam, ficavam ao lado da carteira escolar, ela dizia um bom dia e mandava que sentassem.
As escolas eram muito rigorosas com relação a uniforme escolar.
Isso sim. Eram muito exigentes com relação ao cabelo dos rapazes, cabelo comprido era proibido. No Jorge Coury Attilio Lafratta e Dona Margarida inspecionavam tudo. Dona Margarida verificava até a altura das saias das meninas, havia um padrão. Foi um tempo bom.
Como era Arlindo Rufatto?
Era uma pessoa exigente, mas justo. Muito enérgico.
Quanto tempo você lecionou no Sud Mennucci e no Jorge Coury?
No Sud Mennucci lecionei por três anos. Decidi dar mais aulas no Jorge Coury, onde lecionei matemática por uns cinco anos. Ai começou a existir a matéria Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política. Passei a dar aulas de matemática em Saltinho, comprei do meu sogro um Fusca branco ia toda noite lecionar lá. Deusdete Gobbo, professor de artes ia comigo. O José Maria também dava aula lá. Elias Sallum me convidou para dar aulas na Unimep de Estudos de Problemas Brasileiros. Nessas circunstâncias o Attilio Lafratta me convidou para dar aulas no Colégio CLQ. Comecei a dar aulas no Colégio CLQ, onde permaneci por 33 anos lecionando história. Somando os outros locais onde lecionei, dei aulas por 50 anos.

 
 

sábado, agosto 10, 2013

LAIR BRAGA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 10 de Agosto de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: LAIR BRAGA



Lair Braga foi batizado na igreja católica como Lair Benedito Braga, pelo fato de sua mãe ser devota de São Benedito, consta, no entanto em seu registro de nascimento em cartório Lair Braga. Natural de Cajobi, localidade próxima a cidade de Olímpia, nasceu a 16 de julho de 1954, filho de José Braga e Adélia Caetano Braga que tiveram além de Lair os filhos: Maria Aparecida, Luiz Carlos, José Carlos e Neide Aparecida. Seu pai trabalhou na agricultura até tornar-se funcionário público. Lair é casado com Regina Aparecida Amélia Souza Silva Braga, tem quatro filhos: Menderson, Melissa,Michela e Maxwell, três netos: Vitória, Juninho e Samuel.

Você morou na área rural por quanto tempo?

Minha infância praticamente foi na roça, estudei em escola rural, no tempo em que uma única professora colocava em uma sala alunos de quatro séries diferentes: 1º, 2º, 3º e 4º anos. Minha professora foi a inesquecível Alice Fuso Ramos. Se perguntar a muitas pessoas como funciona o aparelho respiratório, algumas terão dúvida em responder. (Lair Braga cantarola na forma que aprendeu) “Nariz, laringe e brônquios, traquéias e pulmões/ São órgãos que executam nossa respiração!/ Entra o ar/ sai o ar/ para o nosso pulmão/ É assim que se faz a respiração!” No segundo ano de escola eu já sabia como funcionava o aparelho respiratório. Essa professora dava aulas fazendo música. Lair cantarola outra música que aprendeu com essa professora; “O sapinho sobe e desce/ sobe e desce sem parar/ o sapinho não se cansa/ o sapinho é criança”.

Lair esse método de ensino fez com que até hoje você se lembre das lições.

Estamos falando de aulas que tive em 1961, no Grupo Escolar Monte Alegre, em Olímpia. No sítio chamávamos a estrada de “reta”, eu ia a pé até a reta, saía do Sitio do Macarroneiro, isso porque o dono do sítio tinha uma fábrica de macarrão em Olímpia, andava um quilometro e meio a pé, com um embornal ou picuá, a professora passava com uma charanguinha, um Fordinho 1929 com carroceria de madeira, dirigido pelo seu pai, que mais tarde veio a ser meu patrão. Eu e mais um amigo, o Tigó, íamos de carona, na carroceria. Íamos contentes até a escola. Voltávamos de carona até a beira da estrada. Quando chovia nem a professora ia lecionar, a estrada era de terra, não tinha condições de transitar. Quando mudei para a cidade continuei os estudos no “Grupo Escolar da Vila São José” em Olímpia. Ginásio e colégio estudei na “Escola Ginasial e Colegial Capitão Narciso Bertolino”.

Nesse período em que estudava também trabalhava?

Comecei a trabalhar com seis anos de idade, trabalhava na roça com o meu pai, em Tabapuã. Meu pai tirou uma varinha de um pé de café, naquela época limpava-se manualmente o tronco do pé de café, tiravam-se todas as folhas, eram jogadas na “lera”, com a varinha eu puxava as folhas, depois vinham pessoas que “derrissavam” o pé de café com as mãos, caia todo aquele café no chão que estava limpinho, sem folhas. Meu pai peneirava o café, jogava as folhas fora, colocava o café nos sacos, arrastava até o final da rua de café, onde tinha um “picadão”, a tarde o carro de boi passava e levava as sacas de café para o “terreirão”, ali no piso de tijolos era colocado o café para secar. No sítio do Macarroneiro eu comecei a estudar de manhã, quando voltava ia cuidar de uma plantação de melancias, era uma área com uns 200 metros de largura por 500 de comprimento. Eu ficava sozinho, aguava cova por cova, existiam quatro tanques enormes de água, com dois regadores eu aguava as covas de melancia. A rama do arroz era utilizada para aquecer várias plantações, inclusive a melancia, que assim cresce mais rápido. Ficava no melancial até as cinco e meia da tarde, o genro do Macarronero era o Zeca Rabatoni, era meio durão. Eu experimentei daquelas melancias que eu cuidei só quando ganhei uma melancia e uma violinha de madeira, com corda de nylon, no Natal. Fico revoltado quando dizem que é escravidão colocar uma criança ou um adolescente para trabalhar. Eu só agradeço a Deus por ter sido educado assim, trabalhando. Quando você valoriza cada gota do seu suor, torna-se uma pessoa muito rica em valores morais, dignidade, caráter. Infelizmente um grande meio de comunicação que é a televisão, em especial as novelas, propagam valores deturpados, violência, imoralidades, corrupção, que influenciam no comportamento de pessoas inocentes. São fatos fictícios transmitidos como acontecimentos cotidianos. E ninguém fala nada a respeito disso.

Como formador de opinião você tem alertado seus ouvintes, inclusive instituições, que deveriam sair da inércia em que se encontram?

Falo sem medo de errar. Não sou radialista apenas por ser, aliás, eu não quis ser radialista. Estou nessa profissão porque acho que fui escolhido para exercê-la. Tenho que atuar muito bem, não é me calando, não é me corrompendo, não é vendo essas coisas erradas e ficando quieto. Aqui exerço a função do radialista: informar, formar opinião, fazer prestação de serviços, ajudar ao próximo, e ter a minha opinião própria. Só me sinto profissional dessa forma.

Retomando a linha do tempo, nesse período em que você cursou o ginásio e o colegial você trabalhou?

Eu era engraxate. No início eu não conseguia trabalhar na praça central de Olímpia. Era um grupo fechadíssimo de engraxates. Na época da política café-com-leite, São Paulo produzindo café e Minas Gerais produzindo leite, o fato de Olímpia ser uma confluência entre os dois estados, na área central do jardim, em frente ao Banco do Brasil, negociava-se muito, bois, café. Esse pessoal usava botas, botinas, ali os engraxates ganhavam muito dinheiro, era uma área disputadíssima, gente que estava ali a cinco, oito, dez, anos. Havia uns 12 engraxates na praça, lembro-me do Bertassi. Tinha engraxate que era chefe de família.

Quem fez a sua primeira caixa de engraxate?

Eu mesmo. Fui ao mercado, peguei uma caixa de sabão Eureka, não tinha o pé, não consegui fazer, coloquei duas tábuas pequenas para o freguês colocar o pé. Minha mãe me deu uma escova que usava para limpar o paletó do meu pai. Como não tinha nem graxa, fazia “limpadas” de sapatos. Eram sapatos que não precisavam ser engraxados, apenas lustrados. Eu insistia e conseguia que o cliente deixasse limpar o sapato. Por uns dois ou três dias juntei um dinheirinho comprei a primeira lata de graxa, era da marca Duas Ancoras, na época tinha outras marcas, como Mundial, Saci, engraxate bom só tinha graxa ODD. Comprei uma escova do Osvaldo, cujo apelido era Pelé, para pagar quando tivesse dinheiro. Com dez dias de praça eu já tinha comprado uma escova para sapatos marrom, uma escova para sapatos pretos, assim como graxa marrom e preta. Descobri que os engraxates saiam às cinco e meia da tarde para irem ao cinema assistir filmes como Batman, Maciste, Tarzan, às oito horas da noite, no Cine Olímpia. Eu ficava sozinho, então entrava na praça. Havia uma fonte luminosa, era uma época romântica, os homens circulavam a praça em um sentido e as mulheres no sentido contrário. Trocavam olhares, bilhetinhos. Tinha um alto falante no meio da praça onde ficava tocando músicas transmitidas diretamente da Rádio Difusora de Olímpia. Comecei a ganhar muito dinheiro, das seis horas da tarde às dez horas da noite só eu ficava engraxando sapatos. No domingo era a mesma coisa, eles iam embora às onze e meia, meio dia, para voltar à matinê. Domingo à tarde eu ficava sozinho na praça. Muitos iam ouvir jogo de futebol na praça com rádio a pilha Mitsubishi. Não tinha nada transmitido ao vivo pela televisão. Eu ia engraxando o sapato deles e ganhando muito dinheiro. De manhã eu ia engraxar sapatos a domicilio. Entrava em casas que tinham até dez pares de sapatos para engraxar. Tomava café da manhã junto com o dono da casa, ganhava roupas, sapatos que as pessoas não queriam mais. Ganhei muito dinheiro trabalhando dessa forma. Um dos engraxates era um elemento de caráter ruim, um dia ele cuspiu na minha caixa de engraxate, o Pelé que era o líder me defendeu, a partir daquele dia passei a ser respeitado não só pelos próprios engraxates como pelos clientes. Aos 15 anos eu era um dos melhores engraxates da praça. A Charutaria Esporte, cujo proprietário era Antonio Fuso pai da minha primeira professora Alice Fuso Ramos, ajudado pelo seu filho Wallace Fuso Neto, ficava na rua principal de Olímpia, era muito bem freqüentada. Iam comprar canetas Parker, Shaffer, perfume Lancaster, Isqueiro Ronson, lá tinha uma banca com três cadeiras almofadadas, onde estavam os melhores engraxates da cidade. Quando surgiu a primeira vaga fui chamado para trabalhar lá. Eu tinha 16 anos, estudava no segundo ano colegial, meus professores, meus colegas de escola iam com suas namoradas para engraxar seus sapatos, comecei a sentir vergonha. Aos sábados tinha baile no Clube Literário e Recreativo de Olímpia, eu saia da charutaria, após tomar um banho lá mesmo, meu irmão levava a marmita para mim, aos sábados o movimento era muito grande. Eu ia ao Clube para trabalhar, servir bebida, retirar copos das mesas. Nesse ínterim, minha mãe foi muito arrojada, sem meu pai saber ela comprou meio lote de terreno, onde ela mora hoje, lavando roupa de famílias, ela e eu conseguimos pagar o terreno, erguemos a nossa casa, meu irmão também passou a engraxar sapatos e ajudou, montamos uma casa engraxando sapatos e lavando roupas, meu pai carpindo terrenos. Nessa época eu tinha 17 anos.

Você continuou engraxando sapatos?

Com muita dificuldade consegui ir trabalhar na Casa de Calçados Brasil de propriedade de Osvaldo Antonio Fonseca, isso foi em 1971. Aprendi muito com esse homem, era uma pessoa de princípios corretos. Trabalhei com Alcides Fonseca, irmão de Osvaldo Antonio Fonseca e pai de Alcides Fonseca Filho, mais conhecido como Juninho, que jogou na Ponte Preta, Vasco da Gama, Corinthians, passou pelo XV de Novembro. Naquela época as pessoas compravam a fiado. Silvio Roberto Mathias Neto, o Bibi, era gerente da Rádio Difusora de Olímpia, comprava lá e eu ia receber dele na Rádio Difusora. Eu estava com 17 a 18 anos, fase em que a voz está mudando, tinha hora que falava fino, outras a voz saia grossa. O Bibi me convidou para ir aos domingos dar a hora certa no ar. Eu disse-lhe que não queria, domingo tinha que jogar futebol. Eu jogava e dirigia o Cruzeiro Futebol Clube. Com a altura de 1,80 jogava muito no gol, era um bom goleiro. O Divino, que era um tremendo de um locutor, reforçou o convite.

Você aceitou o convite de dar a hora certa na rádio?

Um determinado domingo fui á radio. Falei no microfone: “- Agora em Olímpia são 8 horas e vinte e nove minutos”. Com o passar do tempo surgiram uns textos datilografados, umas fichinhas, eu as lia no ar. Fui pegando o gosto, não ganhava nada para falar na rádio. Em rádio nunca se ganha nada, quando ganha é pouco, principalmente no interior. Há uma frase célebre em São Paulo: “São Paulo é talento, interior é vendas”. Como apresentador sou um ótimo vendedor. O reconhecimento pelo radialista nesse país é uma coisa absurda. É uma profissão bonita, mas sofrida, perigosa, nem sempre as pessoas nos entendem. Fiquei um ano na rádio em Olímpia, na Casa de Calçados Brasil. Seu Nenê Fonseca além do Juninho era pai do Paulinho, que foi um grande atacante do Londrina. Jogou no Santos. Seu Nenê gostava muito de futebol, e ouvia muito Fiori Gigliotti na Rádio Bandeirantes. Comecei a me apaixonar pela Rádio Bandeirantes, tempo em que Vicente Leporace apresentava “O Trabuco”, Salomão Esper, Hélio Ribeiro que dizia: “Aqui e agora, falando diretamente dos chapadões do Morumbi para a moça do Karmann Ghia vermelho, Hélio Ribeiro o poder da mensagem. Vou traduzir para vocês do grupo 10 CC a música I'm Not In Love, Eu não estou apaixonado.” Às dez horas da manhã Nei Costa apresentava “As Mais, Mais da Bandeirantes”. Comecei a ficar louco: “-Eu preciso trabalhar nessa rádio!”. A Rádio Difusora de Olímpia ficou pequena para mim. A minha asa tinha ficado muito grande, o vôo tinha que ser maior. Tinha que ir para São Paulo. Hoje um jovem com a idade que eu tinha na época vai brincado à São Paulo, em 1974,para um jovem de uma pequena cidade do interior era algo inóspito. Quando cheguei à rodoviária em São Paulo, na Praça Julio Prestes, e onde trabalhei no serviço de locução, você deve ter pegado alguns embarques anunciados por mim: “-Atenção passageiros da Viação Piracicabana com destino à Americana, Santa Bárbara D Oeste, Tupi, Caiubi, Piracicaba, plataforma oito. Casas Pernambucanas informa as próximas partidas, Única com destino ao Rio de Janeiro”.

Você foi com algum dinheiro?

Levei o equivalente a uns 500 reais em moeda de hoje, eu tinha três tios que moravam no Jardim Elisa Maria e Jardim Ceci, Zona Norte de São Paulo. Tio Nego trabalhava na CMTC, Tio Jair era motorista em uma empresa de engenharia e Tio Miltom, com quem fui morar, trabalhava em um ferro velho. Na rua onde fui morar o Viola, que foi jogador de futebol, empinava pipa. Comecei a sair a procura de serviço, não conhecia nada, andava muito a pé, vi escrito Rádio MG, entrei pensando que era uma emissora, é a fábrica do Rádio MG, fica na Avenida Rio Branco. Tio Jair disse-me: “Porque você não vai à Varig, faz um teste, trabalha como comissário ou outra profissão.” Fui até a Vila Mariana, onde funcionava a Rádio América, que era uma potencia na época. Tinha uma cantora chamada Tetê da Bahia dando uma entrevista, fiquei umas três horas esperando terminar a entrevista. O J. Pimentel era o diretor artístico, disse-me: “Vou fazer um teste com você”. Fiz a apresentação de música como se estivesse fazendo um programa, um noticiário, um comercial, e tinha uma frase: “-Começa amanhã a vacinação anti-rábica no município de Carapicuíba”. A palavra Carapicuíba me derrubou, não saia. Isso foi em setembro de 1974. Ele disse-me: “Em dezembro vai sair um locutor, em dezembro você volta que a vaga é sua. Só que você vai até São Caetano do Sul, procura a Rádio Cacique de São Caetano do Sul, fala que o J. Pimentel o mandou para lá. Você tem sotaque de interior ainda, São Caetano não exige muito como uma rádio de São Paulo.”
Cheguei era uma e meia da tarde, com uma fome danada, a rádio tinha uma espécie de auditório, havia um homem sentado lá na frente. Ele perguntou-me o que eu queria, disse-lhe que fui enviado pelo J. Pimentel. Ele disse-me que a vaga já tinha sido preenchida. “-O diretor sou eu”. Quatro anos depois é que fiquei sabendo que ele era o locutor que seria despedido.

Qual foi sua próxima ação para conseguir um emprego?

Comecei a rodar agências de emprego em São Paulo. Fui parar no Sindicato dos Farmacêuticos de São Paulo, na Enciclopédia Britânica. Decidi ir até a Varig. Fui trabalhar na Estatística Internacional da Varig, fiz um teste, um dos itens pedia para fazer um desenho livre, só não podia desenhar avião tinha que desenhar também o seu pai e sua mãe casando, que até hoje não entendo porque pediram. O desenho livre mais tarde eu fui entender o porquê de pedirem. Teve quem desenhou o mar, um barquinho, uma rede, um coqueiro o sol saindo atrás da montanha. Esse cidadão foi jogado para o arquivo, não queria nada com nada. Outro tinha saído da Embraer e queria trabalhar na manutenção da Varig, ele desenhou a Avenida São Luiz cruzando com a Avenida da Consolação, onde tinha o prédio do Diário Popular, desenhou aquela loucura, carros, farol, ele foi admitido e ficou por três meses em observação pelos psicólogos da Varig, até ele começar a mexer na primeira turbina de avião. Foi identificado que ele tinha hipertensão e stress.

O que fazia a Estatística Internacional?

Vinha o malote do vôo São Paulo a Nova Iorque, ali tinha o nome do piloto, co-piloto, navegador de vôo, engenheiro de bordo, da tripulação, qual passageiro voou na classe econômica, na classe especial, se tinha bagagem, se tinha excesso de bagagem. Em qual agência de turismo você comprou a passagem, eu destrinchava os trechos, vinha a distância do vôo, qual era a rota feita pelo vôo,

Qual era a finalidade desses levantamentos?

Isso tudo era codificado e transferido para os computadores, na época enormes, com rolos de fita magnética. Para transferir os dados eram utilizados os cartões perfurados. Por exemplo, a agência Monte Alegre vendia uma passagem em Piracicaba ela tinha uma comissão. Existe um manual da IATA-International Air Transport Association codificando todas as cidades, aeoportos. Quando voava congenere, dava um trabalhão. A Monte Alegre vendia uma passagem para Zagreb, localizada na Tchecoslováquia, só que na época o Brasil não tinha relações diplomáticas com os países da chamada “Cortina de Ferro”. Tinha que voar congene, isso significa, ir até Londres, Alemanha, França, se um desses países tivesse relações com a Tchecoslováquia a Varig tinha que colocar o passageiro em uma companhia aérea que fizesse esse vôo. A comissão da venda da passagem fornecida pela agencia em Piracicaba, não era até Zagreb, era até Londres. Dali para lá a Varig iria reembolsar a British Airways. Nosso trabalho era esse, desmembrar o voo todinho. Mas não era isso que eu queria como profissão. Quando entrei na Varig eu não tinha de onde tirar dinheiro. Mandei uma carta para a minha mãe, na época ela me mandou o equivalente a uns trezentos reais. Eu tinha que sair do Jardim Ceci, ir até a Praça Rio Branco, ia até a Praça Princeza Isabel, pegava um onibus rumo ao Aeroporto de Congonhas. Calculei quanto iria gastar com onibus, como iria me alimentar. Dava para comprar uma bengala, no almoço comeria metade da bengala com banana e na hora do jantar a outra metade. Estimei que dava para aguentar uns dezoito dias.

A Varig não oferecia alimentação para os funcionários?

A Neusa que era a secretária do departamento disse-me que ia mostrar os procedimentos da Varig, me mostrou o departamento todinho, seu diretor, diretor de operações em Congonhas, o Dr. Waimar, o chefe de divisão, chefes de seções, eram três o AR da área internacional, RE da área doméstica, e outro saguão só de arquivistas, tinha os encarregados de seção, a Varig funcionava em um escritório onde trabalhavam 300 pessoas, enorme, isso ao lado do Aeroporto de Congonhas. O meu salário em valores de hoje seria de uns três mil reais. Ai a Neusa foi até o Banco Nacional comigo, disse-me: “-Vamos abrir uma conta para você, o seu salário virá aqui no banco, daqui a trinta dias terá um talão de cheques”. Em seguida ela disse-me: “- Agora você vai conhecer o restaurante da Varig”, era dois restaurantes o “Cai-Mole” onde só almoçava a diretoria e o “Cai-Duro” onde almoçavam os demais funcionários. Ela me deu uma cartela com os cupons para almoçar, e se fizesse hora extra ganhava o jantar. Se quisesse havia o café da manhã. Poderia gastar até cinqüenta por cento do salário em compras na rede Jumbo-Eletro. Senti-me no céu. Existia dentro da Varig um grande comércio, a pessoa precisava comprar duzentos reais em mercadorias no Jumbo-Eletro, ela pagava na hora a um colega cento e quarenta, cento e cinqüenta reais. Com isso ele recebia o dinheiro na hora. A Varig descontava do salário 60 dias depois da compra realizada. Se ficasse doente a Varig oferecia assistência médica, no caso de ter que comprar remédios a Fundação Ruben Berta dava o medicamento para o funcionário pagar sessenta dias após a compra. O Casais, era funcionário da Varig, viu que eu estava chegando todo dia atrasado, expliquei-lhe que tomava banho as quatro horas da manhã, pegava o ônibus cinco e meia da manhã,chegava a Praça Princesa Isabel as sete horas, sete e quinze, até chegar ao aeroporto são oito e quinze. Ele disse que morava na Rua Santo Amaro, acima da Rua Maria Paula, no centro de São Paulo: “-Estamos eu e o Aguinaldo, que é o chefe da seção, é uma quitinete grande, tem uma cama que é um tipo de um sofá. Você paga só a luz e a água para nós”. Mudei para lá.

Com isso você abandonou o sonho do rádio?

Lá o pessoal ouvia muito o rádio, meu negócio não era Varig era rádio, comecei a ficar doente. Passei a ficar um pouco relapso. Tinha um chavão na Varig: “Quem está fora quer entrar, quem está dentro quer sair”. A Varig não mandava ninguém embora. E eu precisava que ela me demitisse. Eu sabia que se ficasse uns dois ou três meses no apartamento, treinando a dicção teria mais chances de entrar no rádio. Arrumei um sistema de som no apartamento onde eu gravava, ficava me ouvindo. Gravava o Nei Costa, ficava ouvindo o estilo do Nei Costa, gravava o Hélio Ribeiro, queria falar igual a ele, gravava o Ferreira Martins. ( Lair Braga imposta a voz e imita Ferreira Martins: “- Agora no Programa da Tarde, 14 horas e mais vinte e oito minutos, esse é o Programa da Tarde, aqui Ferreira Martins!”. Um dos maiores locutores que conheci até hoje. Jorge Helal, Humberto Marçal. Comecei a ficar relapso, queria ser mandado embora. Fui estudar no Cursinho Anglo Latino,na Rua Tamandaré, junto com meus colegas Carlinhos e Ivan, com quem eu passei a morar na Rua São Sebastião. De tanto eles me incentivarem, acabei indo fazer o cursinho, comecei a gostar de ciências exatas, engenharia. Na época eu já estava virando playboy, usava calça Lee, camisa vermelha de listrinha, era a onda. Não era qualquer um que tinha calça Lee, você comprava calça US Top na Nassuma em Piracicaba. A primeira calça jeans que eu tive foi uma Far-West, usava tênis Bamba Maioral. Me levaram para o pior setor que tinha dentro da Varig, era onde apareciam muitas divergências de acertos de contas com agências de viagens, eu tinha que analisar os dados do computador, ver onde foi cometido o engano, e estornar os valores. Quem comandava isso era um grupo de auditores. Comecei a ficar bom naquilo, a me apaixonar pelo serviço. Era desafiante, pegar uma passagem que foi vendida em um subúrbio de Sófia, na Bulgária. Ai descobria que essa passagem foi vendida na Alemanha. Queriam me passar para auditor júnior. Disse ao Dr. Waimar: “O senhor não vi fazer isso comigo! Eu tenho que voltar para a rádio”. Ele insistiu para que eu permanecesse, mostrou o quanto eu tinha crescido dentro da Varig, e que tinha a possibilidade de crescer muito mais, ele sabia que eu estava fazendo cursinho, com muito custo consegui que ele me dispensasse.

Você chegou a viajar pela Varig?

Não! Eu tinha medo de voar, embora tivesse a oportunidade de viajar quando quisesse.

Após conseguir ser dispensado da Varig qual foi o seu próximo passo?

Levantei um bom dinheiro, referente a férias, décimo terceiro salário e outras obrigações trabalhistas, me tranquei no apartamento, e treinei muito a locução. Um dia peguei a Folha da Tarde e li: “Precisa-se de locutores, tratar na cabine de controle da Rodoviária de São Paulo”. Fui lá. Era para anunciar embarques. O salário era melhor do que eu ganhava na Varig. Isso porque além de fazer a locução fazíamos estatística. Quando o locutor anunciava: “Atenção passageiros com destino a Arujá, Santa Isabel, oito horas e deis minutos, empresa Pássaro Marrom”, “Passageiros da Única com destino ao Rio de Janeiro, oito horas e quarenta minutos, plataforma 22”. No final do dia tinha que fazer estatística de quantos ônibus foram anunciados da Zefir, da Urca, Cometa, Impala. A receita da rodoviária, que pertencia ao Grupo Folha, era em função dos embarques realizados. Nós ganhávamos por aquilo também. Tínhamos uma jornada de trabalho de sete horas, quando o teto era de cinco horas, ganhava hora extra. Entrava às seis horas da tarde e saia a uma hora da manhã. Um dia o Beto, que trabalhava conosco e hoje mora em Londres, era irmão do Antonio Celso diretor artístico da “Excelsior, A Máquina do Som”, me disse: “Vai agora a Rádio Clube de Santo André” que estão precisando de um locutor. Fui até lá, ela pertencia a Antonio Delfiol, que anunciava “Mappin! Aberto até a meia-noite!” e que fazia o Jornal da Jovem Pan também, dizia sempre quando davam a hora certa: “Repita!”. Disseram que iam fazer um teste comigo, era para dar um boletim ás cinco para sete da manhã. Só quem tinha que redigir esse noticiário era eu. Fui ser rádio-escuta. Garanto que quem é rádio-escuta é um tremendo de um redator. É o bê-á-bá da noticia. Anotava com a caneta, abreviava na folha, depois eu fazia a minha redação da notícia e apresentava. Era a única coisa que eu fazia dento da rádio. Ganhava pouco para fazer isso. Chegava às seis horas, fazia o noticiário às sete horas, pegava o trem e vinha embora. Conciliava com o trabalho na rodoviária. Ia dormir a uma e meia da manhã, levantava lá pelas cinco horas da manhã, passava pelo Viaduto Maria Paula, ia até a Liberdade, pegava o metrô, descia na Estação da Luz, pegava o subúrbio e ia para a rádio. Ficava como rádio-escuta ouvindo a Rádio Eldorado, pegava alguns jornais, lia as noticias. Em um sábado faltou um locutor, Wilson Santos, ele fazia um jornal das onze horas ao meio dia. O que tinha acontecido na semana, no sábado das onze ao meio dia era dado nesse jornal. O Delfiol disse-me: “Lair, vai lá e faça!”. Nunca mais o Wilson Santos fez o jornal, eu passei a fazer, aí, o Divino, lá de Olímpia, me ligou dizendo: “Lair! Estou ao lado do Beto Mansur que se tornou prefeito, ele é filho do Paulo Mansur, dono da Rádio Cultura de Santos, ele ouviu você hoje, quer que você venha se possível ainda hoje”. Peguei o ônibus e fui para Santos, nunca tinha ido a Santos, nunca tinha ido a uma praia. Quando cheguei e vi aquela cidade daquele jeito, a rádio ficava na Praça Independência, no final da Avenida Ana Costa, no coração do Gonzaga. O Divino chegou para trabalhar vestindo sunga, todo o mundo de maiô, pensei: “Que mundo que é esse?”. Eu tinha quase 21 anos. A Rádio Cultura de Santos funcionava em AM com link com a Rádio São Vicente FM. Fui registrado em carteira como locutor e apresentador. Permaneci na Rádio Cultura de Santos por um ano. Eu sabia que o Grupo Frias de São Paulo, tinha ligação com a rodoviária de Santos. Fui admitido para trabalhar no dia seguinte. Passei a trabalhar na Rádio Atlântica a noite, e sendo redator na Rádio Tribuna. Conheci minha esposa Regina, que era de Charqueada e foi parar em Santos, era enfermeira na Santa Casa de Santos. Cansei de Santos, o meu objetivo continuava a ser trabalhar na Rádio Bandeirantes. Voltamos para São Paulo, eu tinha conhecido na Rádio Cultura de Santos um amigo chamado Ednelson, ele veio trabalhar fazendo chamadas na TV Tupi, disse-me que o Delfiol tinha perguntado sobre mim. Peguei um ônibus, fui até a Jovem Pan, cheguei lá 9:10, estava descendo do elevador o Delfiol e o comentarista Orlando Duarte. Fomos tomar um café, Delfiol mandou-me ir à Record, procurar Antonio Covas Júnior diretor de jornalismo da Record, ou Edson Guerra. Fui fazer um teste. Em outro estúdio tinha um sujeito com chapéu panamá, surrado, nariz enorme, uma porção de latas batendo de lá para cá, eu pensava que era naquele estúdio, fui entrar quando me disseram: “Não entra ai!”. Aquela pessoa era o Zé Bétio! Era o maior nome da emissora. Foi o primeiro susto que tive dentro da Record, quase entro no estúdio de gravação do Zé Bétio. O Rufino era o operador de som dele. (Lair Braga imita com muita semelhança o Zé Bétio fazendo um dos seus comerciais: “Gente! Dona de casa! Marido chega cansado, nem toma banho, cai no sofá, começa a roncar, dona de casa, dê Vitasay pra ele dona de casa, a senhora vai ver, faça o que o Zé Bétio está mandando, dona de casa!). Tornamo-nos amicíssimos depois. Com Gil Gomes tive pouco contato.

Você passou a trabalhar na Record assim que chegou lá?

Fui apresentado ao Edson Guerra, ele me perguntou se eu poderia iniciar no dia seguinte. Disse-me que eu iria fazer “Record em Notícias” no horário do Altieris Barbiero. “Depois você faz no programa do Dárcio Campos e entra uma vez no horário do Zé Bétio”. Eu ficava na rádio das 13 às 18 horas, das 18 às 19 apresentava um jornal, pela FM Record, posso afirmar que fui um dos primeiros locutores de FM em São Paulo. Na época só Tinha a Record FM, a Gazeta FM e a Eldorado FM. A Record foi precursora em jornalismo FM, lá tinha um editor chamado Isidro Barioni. Comecei a fazer um programa policial chamado “Record de Plantão na Madrugada”, entrei em uma linha de investigação junto com a polícia. Eu ia aos locais dos fatos, redigia a matéria, montava o enredo. Ficava no ar das duas a três horas da manhã. Dia 23 de dezembro de 1978, o departamento de jornalismo foi extinto, por razões internas da rádio.

Qual era a sua relação de amizade com o Zé Bétio?

O Zé Bétio foi um grande amigo, até hoje eu tenho uma agenda antiga onde está marcado o telefone de residência de Zé Bétio. O Zé gostava de mim porque eu era do interior. Ele era de Lins.

Após sair da Record para onde você se dirigiu?

Fui até a Rádio Gazeta onde trabalhava o Agnaldo de Barros, conhecido como “Gato”. O Nei Gonçalves Dias tinha um horário na Rádio Gazeta, com o patrocínio da Sabesp e pelo Banespa. Nei é muito inteligente, um grande jornalista. Através do Isaias que editava o jornal comecei a participar do programa. O Agnaldo disse-me que a Rádio Iguatemi de Osasco, estava procurando um bom locutor. Era uma rádio de ondas tropicais, de propriedade de Joaquim Navarro, que fez a personagem Capitão América na televisão. Quem comandava a rádio era seu filho, Joaquinzinho. O diretor artístico era Athayde Teruel, natural aqui de Santa Bárbara D`Oeste. Ele apresentou-me Euler Pitz Prado que estava lá na Rádio Iguatemi de Osasco. Eu me senti em casa lá. A rádio falava para o mundo, pelo seu longo alcance atingia França, Suriname, diversos países. Ouvintes brasileiros ligavam para a rádio, dizendo: Estou aqui em Nice, na França ouvindo a rádio!”. Ai apareceu J. Pimentel dentro da Rádio Iguatemi. O Paulo Buck de Oliveira fazia chamadas na Televisão Gazeta, perguntou-me porque eu não ia à Jovem Pan: “Estão precisando de um locutor para o noticiário de lá”. Fui até a Rádio Jovem Pan, José Carlos Pereira me recebeu, fiz um teste, Fernando Vieira de Mello e Tuta é que contratavam Entrei na Jovem Pan onde permaneci até 1980. Edson Guerra estava na Rádio Bandeirantes, um dia me ligou convidando para ir trabalhar lá.

Era o seu sonho trabalhar na Rádio Bandeirantes, você foi?

Era para fazer o programa “Bandeirantes a Caminho do Sol”, das duas da manhã até as cinco e meia da manhã. Nessa época eu já estava fazendo o programa “Varig é Dona da Noite” na Jovem Pan, patrocínio Eduardo`s Restaurante e Varig. Acontece que a Bandeirantes já não era a Rádio Bandeirantes de antes. Hélio Ribeiro já tinha saído de lá e ido para a “Voz da América” de Washington, Nei Costa, Ferreira Martins, já não estavam mais lá. Vicente Leporace, Humberto Marçal, tinham morrido. Jorge Helal só ficou gravando comerciais. A Rádio Bandeirantes já não era a mesma que eu queria. O sonho acabou. Na Fundação Casper Líbero eu fazia das oito da manhã até a um hora da tarde chamadas da TV Gazeta, algumas gravações, fazia o jornal do Nei Gonçalves Dias, atravessava a Avenida Paulista a uma hora da tarde, entrava a uma e meia da tarde e fazia a Jovem Pan até as sete horas da noite. Apresentava o “Jornal da Tarde” na Jovem Pan, depois fazia “São Paulo Agora” com Sabá e José Nello Marques. Das 18:00 ás 19:00 fazia a “Hora da Verdade”. Com Franco Neto, Odair Batista. Era contratado da N. Matsuda que fazia o programa “Imagens do Japão”. Um dia estava dentro do estudio com Antonio Alexandre, conhecido como Capota, irmão do Nelson “Tatá” Alexandre que junto com Carlos Roberto Escova fizeram muito sucesso no programa “Perdidos na Noite”, início da carreira de Fausto Silva na televisão.



 
O que o trouxe à Piracicaba?

Motivado por razões familiares, decidi vir para o interior, o Antonio Alexandre sugeriu que eu procurasse a Rádio Difusora de Piracicaba, FM, que estava em seu inicio, e fazia gravações com Antonio Alexandre. Eu estava sempre vindo para Charqueada, onde a minha esposa tem familiares.Trouxe uma mensagem do Capota para o Luiz Hercoton, sobre umas gravações. Ele pediu que eu gravasse um texto. Gravei Loteamento Ruama e Auto GT Concessionária Fiat para Piracicaba e Região. Gravei também anúncio da Porta Larga. Hercoton chamou o José Soave, disse-lhe: “Ouça isso aqui!”. O operador era o Claudinei Vaz. Em agosto de 1980 vim trabalhar na Rádio Difusora de Piracicaba. Um dia conversando com a proprietária da rádio Dona Maria Figueiredo, ela se referiu a um alemão, que se vestia bem, apresentável, era o maior vendedor da Rádio Difusora. Tenho gratidão aos meus patrocinadores como Charm Cosméticos, Alves Grill, Jaú Serv Supermercados, Drogal, Tanger, De Manos Magazine, Paulo Automóveis, Paulo Imobiliária. Lanchão do Mário.


 
Qual é o seu bordão?

Eu diria que o Lair é arroz com feijão, bife e ovo frito. Dirijo-me ao povão mesmo. Faço programas para as classe B,C,D.E.F e muitas pessoas da classe A me ouvem. Vim do povo, minha origem é essa.



 
Quais são os programas que você apresenta atualmente na Rádio Difusora de Piracicaba?

Faço “Sertanejo Nota 10” das quatro às nove horas da manhã, das 17 às 20 o “Rodeio Difusora”.

 
 

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