PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de setembro de 2016.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de setembro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADO:
ENTREVISTADO:
Pedro Natividade Ferreira de
Camargo nasceu em Piracicaba a 8 de setembro de 1927, filho de Antonio Ferreira
de Camargo e Amélia de Camargo Sampaio que tiveram quatro filhos, sendo que
dois filhos faleceram ainda muito pequenos, e uma filha: Maria Isabel.
O senhor nasceu em que local?
Eu nasci na Santa Casa de
Misericórdia de Piracicaba, na época localizada a Rua José Pinto de Almeida,
entre a Rua XV de Novembro e a Rua Moraes Barros. Os meus pais eram
enfermeiros, ali era o local onde trabalhavam.
O meu avô materno é João Cardoso
casado com a minha avó Joaquina Generosa do Espírito Santo, descendente de
índios. Meu avô tomava conta de uma fazenda entre as cidades de Limeira e Rio
Claro, chamada Fazenda do Conde, foi lá que o meu pai conheceu a minha mãe. Meus
pais casaram-se em 1921. Meu pai ainda muito jovem fazia serviços diversos, na
época não havia o Tiro de Guerra, os jovens em idade de prestar serviço militar
tinham que participar de alguma forma, ele participou como todos os demais
jovens da época, após o tempo regulamentar ele passou a fazer alguns pequenos
trabalhos esporádicos para o Exército. Foi durante esse período que meus pais
se conheceram. Casaram-se e vieram morar com a minha tia Rita, mãe do Celso de
Camargo Sampaio que foi presidente do Sindicato da Alimentação. A casa ficava a
Rua José Pinto de Almeida, onde anteriormente havia residido Miguel Sansigolo.
Foi nessa época que passaram a
trabalhar na Santa Casa de Misericórdia?
Meu pai havia sido convidado para
trabalhar em Jundiaí, no Hospital e Colônia de Juqueri, ele
trabalhou lá uns dois anos e alguns meses, e de lá é que veio para Piracicaba.
Sua função aqui era cuidar dos alienados, que na linguagem popular da época
eram denominados de loucos.
Na
época em Piracicaba havia muitos alienados?
Tinha! Era uma
ala da Santa Casa. Para se ter uma idéia das dimensões, após a Santa Casa
mudar-se para o prédio onde se encontra atualmente, ali foi montada uma fábrica
de móveis de propriedade de Lino Morganti e Miguel Sansigolo. Quando eu passei
a trabalhar foi ali naquele mesmo lugar que eu trabalhei.
Nesse
período em que seus pais trabalhavam na Santa Casa eles moravam em que local?
Moravam na
própria Santa Casa! Ali eles permaneceram por uns três anos. Junto a Rua
Joaquim Pinto de Almeida ficava a parte administrativa da Santa Casa, tinha a
parte dos doentes comuns, e a ala dos alienados, ficava no mesmo prédio, mas
separados dos doentes não alienados.
O que
levou os seus pais deixarem de trabalhar na Santa Casa?
Quando começou
a Revolução de 1932 houve uma grande movimentação de voluntários, foi um
período em que a pessoa poderia estar passando pela rua e alguém, com alguma
autoridade determinar: “-Voluntário!”. Ou seja, um voluntariado por convocação.
Meu pai achou por bem não ser voluntário dessa forma. Saímos de Piracicaba e
fomos para a fazenda onde morava o meu avô, a Fazenda do Conde. Na época eu não
tinha cinco anos. Meu avô era um homem determinado, administrava a fazenda
toda, ele tinha uma parcela dessa propriedade. É a fazenda onde a Rede Globo de
Televisão gravou a novela que tem como tema principal a imigração italiana para
o Brasil. Fica próxima a Santa Gertrudes. Lá o meu avô achou que eu deveria aprender
a manusear arma de fogo, embora tivesse pouca idade, uns cinco anos. Ele pegava
um mamão, e esculpia um alvo o qual eu deveria acertar. Aos sete anos eu já
manuseava todo tipo de arma. Com o
passar do tempo aprendi a atirar em alvo com movimento, ele jogava uma bolinha
e mandava que eu atirasse um pouco mais abaixo, quando ela iria cair por força
da gravidade. Eu aprendi a atirar em alvos com movimentos. Ele então me ensinou
a caçar. Com ele aprendi a lidar com cobras, na época havia muitas. A seguir
ele ensinou-me a montar em animais, em pelo, sem sela. Sempre gostei muito de
cavalos, nessa época tive um chamado Guion. Passei a ter contato com cavalos,
bois, bezerros, vacas, cabras, porcos. Meu avô fazia questão que eu embora
ainda menino, tivesse aptidões para a vida dura do campo. Foi quem me ensinou a nadar, a pescar.
E qual
era a reação do seu pai com relação a esses ensinamentos dados pelo seu avô?
Meu pai achava
sensacional! Assim como a minha mãe, que as vezes preocupava-se um pouco, tinha
receio que eu me machucasse.
A sua
permanência na Fazenda do Conde foi até que idade?
Eu voltei a Piracicaba com a idade entre dez a onze anos. Fui fazer o
curso primário em uma escola que existia dentro da Escola Agrícola, como
chamávamos a Escola de Agronomia Luiz de Queiroz. Essa escola que eu freqüentei
ficava nas imediações onde hoje se situam os animais de maior porte (gado e
cavalos). Ali comecei o curso primário. Nessa época morávamos em uma casa
próxima a Agronomia, o dono do prédio era militar, da família Vasconcelos, pai
do Newton Vasconcelos. Eu ia para a escola a pé. Quando chovia era um barro só.
Naquela época as carteiras escolares eram largas, utilizadas por uma dupla de
alunos. Colocaram-me sentado junto a uma menina. Quando terminava a aula os
meninos vinham me bater na rua, gratuitamente. No primeiro dia apanhei. No
segundo dia apanhei novamente. Com isso eu saia da escola já correndo. Com os
meninos correndo atrás. Até que em um determinado dia um deles escorregou e
caiu. Aproveitei a ocasião e passei a dar-lhe uns safanões. Outro que me
perseguia quando viu a minha a reação, correu. A partir de então quem corria
eram eles. Depois eu sai de lá e vim estudar no Grupo Escolar Prudente de
Moraes. Lembro-me até hoje, que a sala onde eu ficava era onde se situa a
ultima janela do prédio. Dali eu fui estudar no Grupo Escolar Moraes Barros,
onde terminei o meu curso primário. Bem em frente havia a Fábrica de Bebidas
Andrade, de propriedade da família de Thales Castanho de Andrade. (Thales Castanho de Andrade foi professor e escritor. Teve grande importância na
área educacional. Exercendo o magistério no interior de São Paulo, conheceu as
carências do sistema de ensino, principalmente a falta de livros infantis.
Desse conhecimento, resultaram as medidas oficiais tomadas por ele quando foi
diretor geral do Departamento de Educação do Estado de São Paulo. Foi
colaborador de diversos jornais e revistas estaduais. Escreveu livros dirigidos ao público
infantil e juvenil. Publicou sua primeira obra em 1918 – A Filha da Floresta –
em que retrata sua preocupação com a devastação da natureza. Recebeu o título de cidadão paulistano
e foi condecorado com diversas medalhas honoríficas. Escreveu, entre outras
obras, Saudade, Encanto e Verdade e Campo e Cidade. Nasceu em 15 de agosto de 1890, em
Piracicaba, e faleceu em 1º de outubro de 1977. )
O senhor praticava algum esporte?
Pratiquei mais tarde fiz remo, natação, halteres, jiu-jítsu e judô.
Ao
concluir o ensino primário qual foi a próxima etapa de estudo que o senhor fez?
Fui estudar na
Escola de Comércio Cristóvão Colombo, a famosa “Escola do Zanin”. Na época
ficava a Rua Governador Pedro de Toledo. Bem mais tarde a escola mudou-se para
a Praça José Bonifácio. Lá eu me formei como contador.
Nesse
período o senhor chegou a trabalhar em algum lugar?
Eu comecei a
estudar contabilidade em maio de 1945, em frente a Casa Munhoz, no local onde
havia sido a Santa Casa, passou a funcionar a fábrica de móveis do Morganti e
do Sansigolo, o contador na época era Newton Pereira Motta, eu comecei a
aprender contabilidade com ele. Ele saiu, veio Artur Azevedo Ribeiro, irmão do
Álvaro, Rui. Em 1945 eu escriturei um diário de 1.000 páginas. Usavam-se duas
canetas, uma para fazer os títulos, em ronde francesa (Este tipo de letra,
demonstra uma caligrafia redonda e vertical), é utilizada uma caneta com duas
pontas, na época quando se vendia uma mercadoria, recebia o dinheiro, o
lançamento contábil era: “Caixa à mercadorias”. Isso porque em contabilidade
tudo que entra deve, tudo que sai tem “haver”. Com essa caneta escrevíamos:
“Caixa à mercadorias” era caneta com pena metálica. A escrita saia em
duplicidade quando se usava essa caneta. Após escrever essas palavras,
pegávamos outra caneta a comercial inglesa, para fazer o histórico.
E quando se cometia um erro?
Quando errava era um desastre! Há até
uma história sobre o escrivão de cartório, o pai foi registrar o filho, quando
o escrivão perguntou o nome ele disse Diogo. O escrivão escreveu Digo. Não
podia raspar! O escrivão colocou: quando digo Digo não digo Digo, digo Diogo!
Quando errava, na época não tínhamos os recursos que existem hoje, pegava-se
álcool, passava no lugar, pegava uma massinha de trigo, passava em cima para
deixar secar, um acessório essencial era o mata-borrão. Lembro-me que quando
escrevi essas 1.000 páginas eu não via a hora de terminar, não agüentava mais. Levei
uns dois anos. Esse livro foi para o arquivo da Refinadora Paulista, de
propriedade de Lino Morganti e Miguel.
Como se chamava a fábrica de móveis?
Chamava-se Indústria de Moveis Artísticos
Nacional IMA Ltda. Fabricava móveis, fazia tapeçaria, ocupava a quadra inteira
onde anteriormente tinha sido s Santa Casa de Misericórdia, depois é que foram
sendo desmembradas algumas partes da quadra. Essa área toda tinha sido doada
por José Pinto de Almeida para a Santa Casa que ao mudar-se para a Avenida
Independência se desfez da área.
Quanto tempo o senhor permaneceu na
fábrica de móveis?
Posso afirmar que comecei a minha
profissão ali, em maio de 1945. Estudava a noite e trabalhava durante o dia. Eu
me formei em 1949.
A legislação era tão complexa como é
hoje?
Imagine! Nem pensar! Naquela época a
legislação mudava a cada cinco, seis meses, as vezes em um ano. Atualmente ela
muda todos os dias!
Já existia esse cipoal de leis que
existe hoje?
Imagine! De forma alguma! Não existia!
A tributação era voraz como é hoje?
Não. Não era!
Havia mais fiscalização?
A fiscalização não era muito intensa.
Era comum o uso de selos fiscais?
Eram muito
utilizados. Em móveis, em tudo. Tinha que comprar os selos e colocar nas
duplicatas, todos os bens tinham etiquetas e selos. Se a fiscalização pegasse
algum produto sem selo era apreensão imediata. Esses selos eram adquiridos nas
coletorias federais e estaduais. Federal nessa época era chamado de Imposto de
Consumo. O selo do Estado era para selar papéis. O selo da União era para selar
o produto. Havia casos de recolhimento de imposto por estimativa. (Manuel Ferraz de Campos Sales quarto presidente da República, entre 1898 e 1902, recebeu o apelido de Campos Selos, por causa do imposto do selo, sendo vaiado ao deixar a presidência
também por causa de sua política de ajuste financeiro).
Sob o ponto de vista do senhor era um
procedimento mais lógico?
Sem dúvida alguma!
O senhor permaneceu na indústria de
móveis por quanto tempo?
Permaneci até a indústria fechar, foram
uns dez anos de serviços prestados como contador, responsável pelo almoxarifado
e departamento de pessoal. .
Como era o comportamento dos
funcionários naquela época?
Trabalhavam aos sábados, não havia
nenhum tipo de problema, os funcionários que trabalharam lá são meus amigos até
hoje.
Ao lado da fábrica passava a linha de
trem?
Todos os dias passava o trem da Estrada
de Ferro Sorocabana, a linha atravessava a cidade em direção a Vila Rezende,
seguindo em frente. Na esquina havia a Casa Munhoz, um dos proprietários era
Francisco (Paco) Munhoz, lá que o conheci. O bonde passava na Rua José Pinto de
Almeida, em frente a fábrica.
Nessa época como o senhor fazia para
almoçar?
Ia almoçar em casa, tinha tempo para
fazer a refeição, era tudo mais tranqüilo, sem correria. Sempre usando terno e
gravata.
Quando o senhor saiu da fábrica de
móveis foi trabalhar em qual empresa?
Saindo de lá fui trabalhar com Virgilio
Fagundes. O Morganti era cunhado do Virgilio. O escritório era no andar de cima
da Relojoaria Consomagno, na Rua Governador Pedro de Toledo. Em frente aos
Supermercados Brasil, do Lélio Ferrari. Era a Agave Industrial Ltda., o nome da
planta é agave, comumente chamada de pitá e o nome da fibra é o sisal. Muito
utilizado para fazer cordas. Eu executava a contabilidade para o Fagundes,
também cuidava do departamento de pessoal.
É uma atividade de muito risco de
acidentes pessoais?
A manipulação da fibra oferece riscos, era necessário
cuidado redobrado. Naquela época eu executava a contabilidade do Fagundes, do
Lilo Carcanholi (Francisco Eugênio Carcanholi), ele tinha uma loja de consertos
de rádios a Rua Governador Pedro de Toledo, ao lado do Lider Bar, quase esquina
com a Rua São José. Fazia a contabilidade do Lélio Ferrari (Supermercados
Brasil), passei a realizar trabalho de contabilidade para outras empresas
também, contratei funcionários, e cheguei a ter em meu escritório oitenta
funcionários. Onde hoje é o prédio Sisal Center, anteriormente era uma casa, em
que funcionou a Faculdade de Serviço Social, quando eles saíram passei o meu
escritório para lá. Vivi um período em
que não tinha nada do que temos hoje, era tudo manuscrito. Não havia sequer
máquina de somar como temos atualmente. Lembro-me das folhas de pagamento
enormes. As máquinas de somar Facit, com operações feitas através de manivelas,
mais tarde vieram as máquinas de datilografia com o carro maior do que o
normal, para caber as folhas de lançamentos. Cheguei a usar fitas perfuradas,
antecessoras do cartão perfurado. Como o volume de trabalho aumentou muito,
assim que surgiu a informatização fui o primeiro escritório de contabilidade
informatizado da cidade. Fui até a IBM, contratei com eles. Lembro-me que o
Virgilio fez uma longa viagem, junto com sua esposa, e eu fiquei tomando conta
da fábrica para ele, na época havia cerca de 60 funcionários. A fabrica tinha
importado máquinas da Inglaterra, havia a plantação cujas folhas davam origem
as fibras, através de uma máquina especial que triturava as folhas dando a
fibra. O processo era bem avançado para a época, a corda saia prontinha.
O fornecimento da matéria prima vinha de onde?
Era cultura própria. Eram plantadas em vários locais,
somando tudo dava uns vinte alqueires de plantação de agave. Da saída das
Indústrias Dedini em diante era só plantação de “pitá”! Há uma cidade baiana,
Conceição do Coité, grande produtora de sisal,
deu origem a plantação de sisal em Piracicaba.
(Pedro Natividade Ferreira de Camargo nasceu em Piracicaba a 8 de setembro de 1927, aos 89 anos continua
em plena atividade. Ao longo da sua trajetória profissional desempenhou
atividades relevantes, inovou trazendo à Piracicaba o desenvolvimento
tecnológico relativo ao seu trabalho. Soube reconhecer o momento de ir buscar
novas tecnologias, com isso tomou a frente de uma mudança radical, do tempo em
que iniciou, com escrituração contábil manuscrita usando dois tipos de caneta
tinteiro e um mata borrão para a informática em constante dinâmica. Em termos
de História é um tempo relativamente curto, mas as mudanças são extremamente
significativas. Nesta segunda parte da entrevista prosseguimos relatando a saga
de um profissional e de uma categoria. A transição radical, a qual alguns não
souberam compreender. Pedro Natividade esbanja bom humor, está atualizado,
sempre com raciocínio muito rápido. Detentor de inúmeros títulos, certificados,
teve uma atuação muito participativa em muitos setores da sociedade
piracicabana.)
O senhor por muitos anos prestou serviços ao
industrial Virgilio Fagundes, até quando?
Até quando ocorreu o seu
falecimento, trabalhei com ele uns quinze anos ou mais. O seu filho, Antonio
Carlos passou a tomar conta da fábrica de cordas feitas de sisal. Com o passar do tempo houve a entrada de
outros materiais, como a corda sintética, e a indústria baseada no sisal
tornou-se menos rentável. Quando foram construir o edifício Sisal Center eu mudei para o meio da quadra,
propriedade do Dr. Cera, ao lado da Diocese de Piracicaba. Eu era procurador do
Bispo Dom Aniger. A casa para onde mudei o escritório era pequena, o numero de
funcionários que trabalhavam no meu escritório era grande, montei um
estacionamento onde foi construído o Edifício Céu Azul para acolher os veículos
que tinham alguma relação com o escritório.
Como o senhor mudou-se para a
sede atual?
Um dia passando por aqui, estava à
venda, entrei, assim que abri a porta, pensei “É essa casa que vou transformar
em meu escritório!” Isso foi em 1993.
Além de contabilista o senhor é
advogado?
Sou! Como contabilista, eu sempre
trabalhei com empresas, além da contabilidade fazia assessoramento na parte
fiscal, pessoal, administrativa, no estudo de custos. Quando surgiam os autos
de infração, eu mesmo fazia as defesas, quando chegavam as férias judiciais
tinha que entregar para um advogado. Nem todos, mas alguns não entendiam da matéria
tributária. Eu tinha que dar orientações ao advogado. Foi assim que decidi
cursar Direito, comecei o curso em 1965 e terminei em 1970. Agora como contador
completei 71 anos de atividade.
O senhor é o contabilista mais
antigo da cidade e que ainda está trabalhando?
Acredito que sim! Como advogado
eu estou exercendo a profissão há 46 anos, me formei pela Universidade de São
João da Boa Vista.
Qual área traz mais satisfação ao
senhor, o Direito ou a Contabilidade?
Gostos das duas áreas sob o meu
ponto de vista estão intimamente ligadas.
O senhor não atua na advocacia
criminalista?
Só para os que já são clientes.
Já fiz audiência, júri, só que não tenho tempo para diversificar demais minhas
atividades. Na área jurídica atuo na área cívil, comercial, trabalhista,
previdenciário, ambiental, internacional.
O senhor tem atuação na área
internacional?
Já fui com clientes para a
Itália, Espanha, Inglaterra, Portugal, Alemanha, Egito, Israel. Tenho clientes
em Uruguaiana, São Borja, Santa Maria, Porto Alegre, Canoas, Santa Catarina,
São Pulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte, Piauí,
Fortaleza. Forçosamente tive que aprender Espanhol, Italiano, Inglês, um pouco
de Francês e agora estou aprendendo Árabe. Tenho um cliente que quer que o
acompanhe para negócios, assessoramento nos contratos.
Há notáveis diferenças nas
legislações de um país para outro?
Tem, isso é notável. Além disso,
por exemplo, em Nápoles tive uma conversa em italiano, onde compreendi poucas
palavras do que o meu interlocutor dizia, ele estava usando o dialeto
napolitano! Acabei tendo que conhecer um pouco do dialeto napolitano, do
dialeto siciliano. Na Alemanha, por exemplo, um funcionário graduado do Estado,
viaja com o cartão dele. Não tem mordomia.
O senhor acesa normalmente a
internet?
A informática é uma ferramenta
que utilizo há muito tempo, quando trouxe equipamentos da IBM para o meu
escritório, foi o segundo equipamento a ser utilizado para fins comerciais em
Piracicaba, o primeiro foi do Dedini, de onde eu trouxe um casal para vir
trabalhar nessa área conosco. Eu trabalho 15 a 16 horas por dia, achei que
estava levando uma vida sedentária, disse ao meu médico que teu tinha vontade
voltar a fazer natação, musculação. Ele recomendou que eu fizesse alguns exames
antes, isso já faz um ano, eu ainda não fiz os exames. Isso porque quando entro no meu escritório, me
evolvo de tal forma com o serviço. Percebi que cuido dos interesses de todos,
mas não dou a devida atenção a mim mesmo.
O senhor começou a praticar
esportes com que idade?
Comecei a praticar esportes com
12 anos: andando de bicicleta, montando em animais. A noite eu entrava no Rio
Piracicaba, pela chamada “caixa funda”, em frente ao Mirante era a cachoeira,
eu mergulhava na toca, com um saco, pegava os peixes e vendia para a Brasserie.
Nessa época eu tinha uns 14 a 15 anos. Na Rua Alferes José Caetano tinha uma
sapataria, eu namorava a filha do proprietário. Domingo era dia de levar a
namorada ao cinema, meu pai dava algum dinheiro, mas dentro das posses dele,
para arrumar mais algum dinheiro eu fazia isso. Fiz isso diversas noites, até
que certa noite eu estava com o saco de peixes cheio pela metade mais ou menos,
passei a mão, senti uma coisa lisa, na hora pensei: “-É peixe sapo!”. Tirei para
fora, foi quando percebi que era um rolo de cobras, fiquei apavorado! Joguei e
saí rapidamente, ai comecei a escorregar nas pedras, feri tornozelo, canela,
peito, fiz um estrago.
Não era uma temeridade andar no
Rio Piracicaba, à noite, com corredeiras!
Era. Depois disso decidi que
estava na hora de parar.
Quais eram os peixes mais comuns?
Cascudo, lambari, mandi, pegava
de tudo. Eu atravessava o rio em frente ao antigo Mirante, bem mais abaixo do
que o novo. Tem a queda da água, eu entrava por baixo da água. Onde é hoje a
Rua do Porto era tudo terra. A principio eu ia sozinho, depois quem começou a
ir comigo foi o João Perdido, ele trabalhava no correio.
Tinha alguma razão para ele ter
esse cognome?
Era uma pessoa espetacular, ele
perdeu tempo nisso, naquilo, então acabou sendo conhecido como João Perdido.
O judô, karate, o senhor fez
onde?
No Club de
Regatas de Piracicaba, ali pratiquei remo, sandolin, catraia, o Julio era o
“patrão” que comandava o barco, dava as ordens e dirigia o leme, era também
quem tomava conta do clube. Remávamos eu e um colega. Nós descíamos até Santa
Terezinha. No mínimo umas três vezes por semana remávamos. Pratiquei esportes
dos 14 anos até os 24, quando me casei.
Qual é o nome da sua esposa?
Ruth de
Lourdes Moschini de Camargo, ela faleceu com 46 anos, tivemos nove filhos.
Como o senhor e sua esposa se
conheceram?
Foi
“quadrando” jardim! Casamos na Igreja Sagrado Coração de Jesus, conhecida como
Igreja dos Frades em 1951. Meu sogro Augusto e minha sogra Antonieta vieram da
Itália, ele foi maquinista da Estrada de Ferro Sorocabana.
O senhor é fundador de várias entidades
em Piracicaba?
Eu fundei a
Associação dos Contabilistas de Piracicaba, depois eu transformei em sindicato
e fui o Primeiro Presidente, nessa época eu era Delegado do Conselho Regional
de Contabilidade. Fui Presidente do Conselho de Contribuintes da Prefeitura, na
gestão de Humberto de Campos e de José Machado.
Como o senhor ingressou na Política?
Em decorrência
das minhas atividades associativas fiquei conhecendo o pessoal do PR- Partido
Republicano, isso foi em 1962, fui eleito vereador em 1964 e fiquei até 1969, o
prefeito era Luciano Guidotti. Antes de ser vereador eu assessorava o Luciano
Guidotti quando ele tinha agência de carros GM na esquina da Rua Governador
Pedro de Toledo com a Rua São José.
Como era trabalhar com Luciano Guidotti?
Ele era muito
incisivo e determinante. Dizia : “Eu quero assim!” e não tinha conversa. Ele
não era autoritário, era exigente. Ele gostava de trabalhar comigo porque
também sou exigente. Quando ele foi eleito prefeito eu estava sempre no
gabinete, tem até uma passagem pitoresca, a qual presenciei. Determinada
instituição, através de seus representantes foi pedir que aprofundasse o fundo
de um poço existente, o Luciano disse que dentro das características pré-existentes
seria impossível sair água daquele poço. Após muita insistência por parte dos
representantes da instituição, o Luciano convidou-me a ir até o local. O
poceiro já estava lá, tinha colocado várias bananas de dinamite para alargar e
aprofundar o poço. Assim que chegamos,
foi dado o inicio a explosão que deveria teoricamente dar resultado, mas devido
a formação do terreno o Luciano já previra o fracasso da operação. Aceso o
pavio, ocorreu a explosão e houve a implosão, ou seja, o poço foi praticamente
soterrado. Sem se dar conta da recatada platéia, Luciano soltou um sonoro
palavrão, confirmando que o seu diagnóstico feito anteriormente estava correto:
o trabalho a ser feito era bem mais complexo do que supunham as pessoas daquela
instituição. Essa história correu a cidade com todas as letras, pontos e
vírgulas.
Ele era direto?
Era direto! Na
Avenida Dr. Paulo de Moraes era a Garagem Municipal, ele chegava bem cedo, se
via algum funcionário sem fazer nada já dizia poucas e boas, não media as
palavras, lembro-me de uma ocasião em que na saída para São Paulo estava sendo
realizada uma obra, Luciano Guidotti chegou logo cedo, encontrou o pessoal de
braços cruzados, ele ficou profundamente irritado com isso, quis saber o
motivo, recebeu como resposta que estavam esperando o engenheiro responsável
pela obra chegar e traçar a rotatória. Luciano subiu em uma caminhonete, fez um
giro de 360 graus demarcando no chão de terra o circulo da rotatória e disse:
“-Vai ser aqui” O que ele demarcou está até hoje funcionando. Outra obra que
estava em construção era a Avenida Centenário em direção ao Lar dos Velhinhos
de Piracicaba. O pessoal estava em duvida, em que local iria iniciar a avenida.
Com seu linguajar próprio quando ficava nervoso, traçou com o pé o local aonde
iria iniciar-se a avenida. O traçado é o mesmo até hoje. Era assim que o
Luciano decidia: era prático!
O senhor tinha uma relação muito próxima
com o Comendador Mário Dedini?
O meu
escritório era onde hoje é o Edifício Sisal Center, ali era uma residência que
tinha sido adaptada para escritório, muitas noites eu recebi o Comendador Mário
Dedini, em conversas sobre assuntos comerciais que eram fundamentais para
alguma decisão a ser tomada. Lembro-me que o Comendador Mário chamava de
“oficina” o que já era uma das maiores indústrias do Estado de São Paulo, em
seu ramo. Outro que freqüentava a noite o meu escritório era o Leopoldo Dedini,
ele batia na janela e dizia: “-Abra a porta!”. Passava horas conversando. O
Armando Dedini também vinha algumas vezes.
O senhor conheceu a Vereadora Maria Benedicta Pereira Penezzi?
Conheci a
“Ditinha” como era carinhosamente chamada. Ela e eu tinhamos grandes
divergências na Camara Municipal, mas fora eramos bons amigos. Ela era muito
popular. Lembro-me que o Cemitério Municipal tinha suas ruas em chão de terra,
quando o prefeito Luciano decidiu calçar as ruas do cemitério, deu-se uma
enorme discussão na Camara Municipal.
O senhor não pemsou em se reeleger?
Não,
porque o escritório começou a crescer, e eu não tinha mais tempo. Como
vereador, membro de diversas comissões municipais, nunca ganhei um centavo.
Vereador naquela época não tinha salário, nem ajuda de custo, Pagava tudo do
próprio bolso, isso sem contar os mais necessitados que sempre iam buscar junto
ao vereador algum tipo de auxilio, que se fosse dado sairia do bolso do próprio
vereador.
E essa sua famosa paixão pelo automóvel Galaxie, como surgiu?
Meu
primeiro carro foi um Simca. Depois eu adquri um Galaxie Landau, vermelho, ano
1978. A seguir adquri um outro do ano 1982, e tive outro ano 1983. Portanto eu
tinha três Landau. Por um bom tempo tive os três veículos. Um dia chegou um
senhor e perguntou-me: - De quem é esse “tomove”? Respondi- lhe: Esse “tomove”
é meu! Ele enfiou a mão no bolso, tirou um maço de dinheiro e disse-me: “- Não
é mais!”. Disse-lhe: “-Acho que o senhor veio no endereço errado, não quero
vender!”. Ele enfiou a mão em outro bolso, tirou outro pacote de dinheiro, e
disse-me: “- Não é mais!”. Disse-lhe mais uma vez: “Eu já falei ao senhor que
não estou interessado em vender o carro!”. Ele tirou outro pacote maior de
dinheiro, jogou em cima, e disse-me: “Não é mais!”. A primeira nota era de cem
reais, fiquei iaginando o que teria no meio, se eram todas notas de R$ 100,00.
Depois de uns 20 minutos de conversa, disse-lhe que eu não estava interessado
em vender os carros. Ele então perguntou-me se caso eu fosse vender quanto eu
queria. Disse-lhe que queria R$ 50.000,00 cada carro, ele ofereceu-me R$
35.000,00 cada. Fechamos o negócio. Acredito que ele era colecionador, sem
falsa modéstia meus carros estavam impecáveis. At´e hoje tenho saudade do
Galaxie. Era um veículo excepcional, tinha uma potencia fantástica além de um
conforto muito grande.
O senhor trabalhou para alguma empresa de auditoria?
Fui
auditor da Price Waterhouse,
através de Laerte de Souza Carvalho, em uma das oportundades fui fazer sozinho
auditoria na epresa Camargo Correia, a pedido da própria empresa Camargo
Correia. Isso foi por volta de 1961. Asssim que cheguei a empresa, apresentei
as minha credenciais. O cidadão pegou o meu documento, olhou demoradamente. Até
que disse-me: “-Nós somos parentes!”. Disse-lhe que seria possível, a família
Camargo é muito grande, a origem da família Camargo é na Espanha, lá existe uma
área, que é praticamente um Estado, que se chama Camargo. Comecei o meu trabalho,
era uma auditoria de caixa. Conferi o dinheiro do caixa, a meu modo, colocando
nota sobre nota, conforme o valor de cada cédula. O diretor que estava ao meu
lado disse-me: “-Você nem contar dinheiro não sabe!”. Eu, como auditor de uma
empresa internacional, não sabia contar dinheiro? Disse-he: “- Sempre contei
dinheiro assim, nunca tive problemas, e não será aqui na sua empresa que vou
ter problemas!”. O diretor da Camargo Correa disse-me: “- Dinheiro se conta
assim!” Arrumou as cédulas, fez um pacotinho, dobrou e disse-me: “- Dinheiro
conta-se assim: prá mim, pra mim, pra mim...”. Movimentando as cédulas em
direção a ele. Eu disse-lhe, está provado que os Camargo são descendentes de
judeus, e expliquei-lhe, tenho um parente que tem uma loja de ferragem, a tarde
ele faz o caixa, conta como o senhor contou, dobra o dinheiro e coloca um
elático para fazer o depósito. Vai ao banco faz o depósito, com habilidade o
caixa conta o dinheiro, dá-lhe o recibo, entrega-lhe. Ele continua no guichê. O
caixa pergunta: “-Tudo certo?”. Esse meu parente diz: “-Não”. “Mas como!”,
diz-lhe o caixa. “-Já contei o dinheiro, dei-lhe o recibo. O que está
faltando?”. Meu perente simplesmente responde: “-Devolve-me os meus
elásticos!”.