PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 05 de janeiro de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADA: MÁRCIA GONDIM CARNEIRO DA CUNHA E DIAS PACHECO (MÁRCIA PACHECO)
Dra. Márcia Pacheco nasceu em Fortaleza, Ceará, a 26 de dezembro de 1955, filha de Armando Teófilo Carneiro da Cunha e Maria Zélia Gondim Carneiro da Cunha, pais de mais dois filhos, Nelson Gondim Carneiro da Cunha já falecido e do Contra-Almirante Roberto Gondim Carneiro da Cunha. Seu pai era agente federal de rendas e sua mãe professora. Os primeiros estudos de Márcia, aos seis anos, foram em Aracaju, depois prosseguiu em Bauru, São Paulo, Sorocaba.
Onde a senhora cursou medicina?
Não fiz cursinho preparatório para o vestibular de medicina, entrei na Faculdade de Santos e em Sorocaba, cidade pela qual optei. Iniciei o curso em 1974, a duração foi de seis anos, sendo dois anos de estágio em pediatria.
Como a senhora conheceu seu marido Dr. Sérgio José Dias Pacheco, vice-prefeito de Piracicaba por oito anos?
Foi na faculdade. Ele tinha quatro anos de estudos a mais do que eu quando o conheci. Ele era professor assistente.
Tem algum motivo especial para a senhora ter optado em ser médica pediatra?
Sempre gostei muito de criança.
Trabalhando em áreas periféricas, vivenciando a realidade dos fatos qual é a visão da senhora sobre o ECA Estatuto da Criança e do Adolescente?
Trabalho com crianças e adolescentes carentes há 32 anos. Tenho muita critica ao estatuto, em 1991 se reuniram pessoas que se diziam entendidos sem nunca antes terem trabalhado com crianças. Quando fomos criados, a educação impunha limites, esses limites tinham que ser conversado, existia uma penalidade. Se não conseguir estabelecer limites quando a criança é pequena, quando ela for maior ela desafia, se não for rígido, impor um castigo, tirar uma coisa que a criança queira muito, você não consegue educar. Fui educada assim. Eu apanhei muito do meu pai, eu sabia por que estava apanhando, eu era levada, enfrentava meu pai. E estou aqui, amei e amo muito meu pai. Hoje se uma mãe disser que vai colocar uma criança de 10 anos de castigo, ou dar umas boas palmadas no lugar apropriado, essa criança imediatamente diz que irá telefonar para o conselho tutelar. Ameaçam os pais. É um fato interessante, quando chegam às idades entre 10 a 12 anos já ameaçam os pais dizem que vão ligar para o conselho, penso que muitos nem sabem qual é o número do telefone do conselho tutelar. Nunca ouvi dizer que alguém morreu por trabalhar. Porque a criança, o adolescente não pode trabalhar? Não podem empacotar compras em supermercados, não podem fazer uma pequena entrega. Eles permanecem nas ruas e a mãe não tem poder sobre essas crianças. Meio período do dia vão à escola, outro meio período ficam em casa, a televisão fica ligada por muito tempo, atualmente metade das crianças tem acesso a computador, onde o objeto de maior interesse são jogos envolvendo violência. Quando a mãe chega ao final da tarde a criança ficou em frente à televisão, participou de jogos violentos no computador ou ficou por meio período na rua. O ECA impedindo a criança de ter um ofício deixa-a na rua. A criança hoje recebe um volume de informações muito maior do que a criança de algumas décadas. Hoje a televisão, as novelas influenciam muito no comportamento infantil.
Qual é o índice de gravidez entre adolescentes?
É enorme. Trabalhei com crianças de rua, são portadoras de desvios psicológicos adquiridos no próprio meio em que vivem. Passam por um sofrimento intenso, desde crianças. Não tem escala de valores, seus referenciais são os que aprenderam a conhecer. A desorientação é total. Os depoimentos dessas crianças são extremamente tristes, amargos. O profissional que trabalha com elas tem que ter uma estrutura emocional a toda prova. Trabalhei muitos anos no Clubin, criado pelo prefeito Thame e mantido durante a administração de Humberto de Campos. Depois foi extinto. Era um local onde as crianças ficavam no período em que não iam à escola, tinham recreação, esportes, reforço escolar, eu era médica desses Clubin. Dava aulas de educação sexual, higiene, o Clubin trabalhava com crianças até 12 anos. Instruía as meninas que já estavam ficando mocinhas, explicava a importância de manter o corpo saudável. Com a nova administração municipal, do prefeito Machado, fui removida para outro setor, tive que acatar as ordens do novo gestor. As crianças que deixei com 8 ou 9 anos, passaram a ter contato comigo, porém já grávidas.
A senhora é contra a concepção de filhos pela classe menos favorecida?
Acho que a pessoa pode ter os filhos que pode criar. Defendo a vida de uma forma responsável. Essas crianças não poderiam ter filhos agora. Se uma criança tem filho aos 13 anos é uma criança criando outra criança. Tem que ser feitos obrigatoriamente métodos preventivos de gravidez, até que ela tenha o discernimento necessário para escolher um parceiro. Elas acabam tendo filho de um, depois de outro, são filhos das baladas, das noitadas.
O município pode interferir nessa situação?
O município pode fazer um programa de escola em período integral. Há casos muito difíceis de serem recuperados, cabe apenas tratá-los na medida do possível, o próprio organismo sofreu mutilações irreversíveis.
A senhora exerce o mandato de vereadora há quantos anos?
Sou vereadora ha 18 anos, vou para mais um mandato.
O município tem como dar suporte aqueles adolescentes que desejam de fato mudar de comportamento, deixar a dependência química?
Tem que ficar muito claro que os filhos são dos pais, não do Estado. Tem que haver uma parceria, chamar esses pais para a responsabilidade e o município oferecendo condições. Se eu tivesse esse poder, o meu maior esforço seria colocar essas crianças estudando em período integral. Se não investirmos na educação não há mais conserto.
Não há o risco de levarem os maus hábitos para dentro da escola?
Temos que ter o apoio dos deputados federais, alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente tem que serem mudados, se houver parcerias com as empresas de iniciativa privada, sindicatos patronais, a igreja, sindicatos de funcionários, secretarias de educação do estado e do município, delegacia do ensino. Apesar de estar há 32 anos só trabalhando com criança pobre nunca perguntaram qual era a minha opinião a respeito. Tenho um vínculo muito forte com essas crianças, com seus pais.
A senhora tem idéia de quantas crianças já foi madrinha de batizado?
Já perdi a conta. Assim como de casamentos. Em minha opinião temos que trabalhar com crianças em várias frentes: os pequeninos colocar na escola em período integral. Outra frente é chamar as mães e definir quantos filhos elas têm condições de ter, qual é a renda familiar. Tem que haver uma conscientização. Tem que haver a participação das igrejas, bispos, pastores, todos os segmentos religiosos. Se tiver condições para criar cinco filhos ou apenas um filho. O estado não tem mais condições de suportar a falta de planejamento familiar. Isso tem que ficar muito claro ás famílias. Posso citar o exemplo de uma menina que veio do Maranhão para ajudar uma amiga da sua mãe que estava realizando um curso. Aos 12 anos ela engravidou de um menino de 17 anos. Com treze anos essa menina teve duas filhas gêmeas. Ela foi morar na casa do menino, só que a mãe dele não tinha como abrigar a menina e mais duas netas em sua casa. Ela acabou indo morar em um barraco na baixada do Parque dos Sabiás. Com a ajuda de algumas entidades, entre elas o Rotary eu auxiliei essa mãe de 13 anos, com a condição de que mensalmente tomasse as prevenções para não engravidar novamente. Tudo que eu conseguia leite, fraldas, o pai vendia para alimentar a sua dependência química. Eu tinha que entregar o leite com o lacre aberto. Era uma realidade tenebrosa, no fim conseguimos recursos para que essa moça voltasse com suas filhas para a sua terra de origem onde tinha seus familiares.
Essa atividade assistencial pode ser mais ativa por parte da Câmara Municipal?
Pode ser mais ativa, embora não seja função do vereador. Posso propor meios de soluções, não posso ser instrumento, isso transformaria a câmara em entidade de serviço social. Acredito que temos como reunir as pessoas de um bairro, mesmo que tenha que criar algum tipo de atrativo para essas reuniões. Conscientizar esses casais, mesmo enfrentando oposição de alguns setores que são contra o planejamento familiar. As crianças são vitimas de um mercado agressivo, a televisão mostra todo tipo de atrativo, desde alimentos até brinquedos, isso desperta na criança inocente o desejo por algo que nem sempre os pais estão em condições financeiras de proporcionar. A terceira medida é mudar alguns itens desse estatuto da criança e adolescente. Hoje uma criança com 12 anos está tão desenvolvida que pode realizar trabalhos leves e estudar. Os problemas mais graves, envolvendo exploração de trabalho infantil, ocorriam no Nordeste, que passou por uma grande transformação. A quarta iniciativa é dar uma chance á essas crianças com dependência química. É fundamental que o dependente químico queira mudar seus hábitos. Tem que ser criado um local apropriado, que ocupe o dia dessas pessoas com atividades diversas. Se determinada empresa precisa de uniforme dar preferência aos uniformes produzidos nesse local. E assim por diante. Passam a ser produtivos, ganham seu salário e se recuperam. É um esforço de toda a comunidade, da câmara, da prefeitura.
A primeira vez que a senhora foi eleita foi em que ano?
Foi em 1992, tive a segunda melhor votação, os eleitores do Jardim Esplanada em quase sua totalidade votaram em mim, foram 700 votos. Não tive sequer um cabo eleitoral. Foi um voto de amor que a população me concedeu. Eu era amada por aquelas pessoas. Para mim foi uma grande recompensa. Eu conhecia todo mundo pelo nome, descia pela favela, batia nas portas chamava: Joana D'Arc. Edméia. Entrei para a política após sentir um patrulhamento ideológico quando me recusei a ingressar em determinado partido político. Por muitas vezes cheguei à minha casa chorando. Decidi me filiar ao PSDB e concorrer às eleições. A opção por vereadora decorreu da facilidade com que eu os via conseguirem resolver problemas corriqueiros, que sem a interferência deles era muito morosa a solução. No período de campanha eleitoral eu tinha que subir em caminhão para fazer discurso, eu nem sabia fazer um discurso. Ouvia as crianças gritando: “Tia Márcia”. Elas subiam no caminhão, eu ficava preocupada com eles. De forma natural expunha meu programa, meus objetivos políticos.
Após ser eleita a senhora recebeu pedidos exóticos?
Surgiam pessoas de todos os lugares pedindo de tudo. Coleira para cachorro, madeira para fazer barraco, óculos, dentadura, levavam conta de água, de luz, de IPTU. Se fosse um pedido coletivo, para crianças, eu conseguia fornecer. Pedidos individuais não atendo. Temos que educar os eleitores para que não elejam eternamente pessoas pouco qualificadas para o cargo.
Como é ser esposa do vice-prefeito?
É perder um pouco o marido. Somos muito companheiros, ele participa de onze entidades assistenciais. Eu também participo de diversas entidades, além da câmara municipal, dou plantão aos finais de semana. Meu marido é uma pessoa de paz, ponderado, muito humilde. O Sérgio tem o dom de agregar as pessoas. É uma pessoa alegre.
Uma sessão na câmara de vereadores é complexa?
Uma sessão não é complicada, é necessário preparar-se antes de ir à sessão. No mínimo conhecer com antecedência os projetos, o que será votado.
Atualmente a senhora é a única mulher eleita vereadora em Piracicaba?
Já por três mandatos tenho sido a única mulher que participa como vereadora.
Há alguma diferença de tratamento por seus pares?
Nenhuma.
A senhora foi eleita nas últimas eleições com quantos votos?
Tive 2181 votos em uma eleição com 445 candidatos. O colégio eleitoral feminino na cidade é de 51 por cento.
Quais são os projetos da senhora para o próximo mandato?
São muitos. Quero trazer para Piracicaba o CEJUSC - Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, pode-se dizer que é o Poupa-Tempo judiciário. As pessoas podem resolver seus problemas sem contratar advogados, sem entrar com processos no fórum, sem a demora existente. Não há limites de valores envolvidos. Os processos podem ser retirados de um tramite normal dentro do fórum e tratados no CEJUSC. Pode ser tratados direitos de família, parte civil. Engloba todas as áreas. Outra campanha que vou desenvolver é incluir na cesta básica um livro. A criança de seis a sete anos tem necessidade de literatura infantil. Caso a pessoa não tenha filhos nessa faixa etária, podem dar o livro a uma criança vizinha. O que importa é criar uma cultura para as crianças que estão se iniciando agora. Outro projeto é desenvolver no centro da cidade a conscientização de que o pedestre tem prioridade na faixa de pedestre. Há uma grande dificuldade da pessoa, em especial da terceira idade, em atravessar as faixas existentes em torno da Praça José Bonifácio. Simplesmente os veículos não param. Quero ajudar muito uma instituição chamada AUMA - Associação de Pais e Amigos dos Autistas de Piracicaba.