sexta-feira, dezembro 29, 2017

JAIR ANDREATTO


Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 23 de dezembro de 2017

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ENTREVISTADO: JAIR ANDREATTO



 

Jair Andreatto nasceu a 23 de junho de 1947, na cidade de Campinas. Filho de Albino Andreatto e Maria da Costa Andreatto que tiveram nove filhos: Doracy; Nadir; Neide; Jair; José Carlos; Virginia; Angélica; Geni e Beto; seu pai era funcionário do DER – Departamento de Estradas de Rodagem, trabalhava com máquinas motoniveladoras.

Com que idade o senhor veio morar em Piracicaba?

Eu era nenezinho! Nem me lembro! Viemos morar em uma casa situada a Rua Cristiano Cleopath entre a Rua Santa Cruz e a Rua Bom Jesus. Depois mudamos para o então distrito de Saltinho. Fomos morar em uma residência que pertencia ao Estado. Havia um pátio onde eram recolhidos os veículos acidentados. A motoniveladora de marca Allis Chalmers com a qual o meu pai trabalhava ficava ali dentro. Não havia luz elétrica, a água era de poço.

O senhor chegou ainda criança a andar com seu pai nessa motoniveladora?

Eu ia com ele, na época eu tinha uns seis a sete anos,  a região na qual ele tinha que dar a conservação de estrada abrangia: Rio das Pedras, Piracicaba, Tietê.

As estradas eram asfaltadas?

Não! A Rodovia Cornélio Pires era terra. Os caminhões ao passarem com seu peso iam pressionando a terra para os lados da estrada, com a lamina da maquina, meu pai puxava essa terra para o centro de novo. Ia por uma lateral da estrada, voltava pela lateral oposta e depois passava a máquina esparramando a terra que ficava no centro da estrada.

O senhor estudou aonde?

O primeiro e o segundo ano de Grupo Escolar eu estudei em Saltinho. A primeira professora era Dona Ada. O DER construiu o prédio que existe até hoje na Avenida Pádua Dias, saída para São Paulo, viemos morar na última casa da Rua Voluntários da Pátria,  em frente onde hoje está o quartel dos bombeiros. A casa era alugada, meu pai trabalhava no DER. Passei a estudar no Grupo Escolar Dr. Alfredo Cardoso. Depois fiz um curso de ajustagem no SENAI, já estava no mesmo prédio que ocupa até hoje. 

Foi aí que o senhor descobriu a sua paixão por mecânica?

Acredito que sim. Eu sai do SENAI um pouco antes de 1969. Logo em seguida casei-me, no dia 6 de setembro de 1969, com Antonia Cangiani Andreatto na Igreja São Judas, o celebrante foi o Padre Henrique. Tivemos três filhos: Cláudio, Roberto e Andrea.

Nesse período o senhor trabalhou em algum lugar?

Trabalhei, na Floricultura Cobal, na parte da manhã freqüentava o SENAI e depois trabalhava na Cobal. A Floricultura Cobal ficava na Avenida Independência, em frente ao Jardim da Cerveja. No sentido do Ribeirão Piracicamirim era o Sítio dos Facco. Trabalhei uns 20 anos com plantas. Eu morava pertinho, ia a pé mesmo. A Avenida Independência era terra.

O senhor é um grande conhecedor de flores!

Fazíamos a ornamentação de igrejas para casamentos, eu era bom nisso: arranjos, cestas com flores, coroas fúnebres.

A coroa fúnebre tem que ser feita de forma muito rápida?

Tem sim. Lembro-me de quando faleceu Luciano Guidotti era muito grande o número de pessoas que queria fazer uma homenagem para ele. Trabalhamos por dois dias seguidos, sem pararmos, íamos buscar flores em Jaguariúna, naquela época praticamente a Cobal era a fornecedora de flores da cidade. A chácara onde ela situava-se foi feita por um agrônomo chamado Nelson Cobal. Depois Antonio de Pádua Libório adquiriu a Cobal, ele tinha a funerária Serviço Piracicabano de Luto, situada a Rua Benjamin Constant, esquina com a Avenida Independência, era uma loja aberta, os caixões ficam em pé, expostos. O Nelson Cobal tinha uma perua Dodge 1951.

Trabalhar com produtos voltados ao serviço funerário pode sem que a pessoa perceba, trazer um desgaste emocional?   

Não! Acostuma-se com o trabalho. Tem s pessoas que temos que consolar, os que não aceitam a morte.

E casamentos? O senhor ia enfeitar as igrejas? A Igreja dos Frades era a preferida pelas noivas?

A Igreja dos Frades era a mais procurada pelas noivas. Tinha um tapete vermelho que atravessava a igreja toda. Fazíamos uns arranjos que eram colocados nas pontas dos bancos, um cordão isolava o corredor onde passava a noiva. Alguns clientes queriam aproveitar parte da decoração para levar até o salão aonde seria realizada a festa. Fazíamos pirâmides com um floral no topo. A perua ficava estacionada em um local estratégico, enquanto os noivos estavam recebendo os cumprimentos na porta da igreja, saiamos pela porta lateral da Igreja dos Frades, na Rua Alferes José Caetano, colocávamos a peças dentro da perua e tínhamos que levar antes que os noivos chegassem no salão de festas que eles tinham escolhido. Aconteciam situações inusitadas, como em determinado dia um conhecido fotógrafo, buscando o melhor ângulo para fotografar os noivos, foi afastando sem olhar para trás, a noiva saindo, ele aflito em conseguir fotos expressivas, afastava-se, ia de um lado para outro, não percebeu que o tapete tinha formado uma ruga. O fotógrafo caiu de costas! A sua máquina fotográfica, juntamente com uma bolsa de couro que carregava a tiracolo, onde eram colocadas as baterias, filmes, e outras coisas, com o tombo inesperado foi uma chuva de objetos, a máquina caiu longe, a igreja toda despencou em uma gargalhada só.

Solidários, muitos convidados ajudaram-no, a essa altura roxo de vergonha.   

O tão famoso buquê de noiva também era fornecido?

Fazíamos, tem uma flor chamada angélica, perfumada, colocávamos um arame fino e com uns raminhos, o tradicional buquê de flores naturais ainda é a grande preferência das noivas. Os modelos mais comuns são: buquê redondo, cascata e braçada. Após celebrado o casamento a noiva jogava o buquê, quem pegasse era a próxima a se casar. Era uma festa! A moça que estava pensando em casar-se logo realizava uma disputa acirrada. Nesse ramo de floricultura, o início da semana era até folgado. Só que no final de semana, havia muitas festas, lembro-me de uma vez em que ornamentamos o Teatro São José, a volta inteira, é enorme, fizemos uns florões na volta inteira do Teatro. Quando envolvia um serviço muito grande alugávamos um caminhão. As pirâmides de flores que fazíamos eram altas. A camélia era uma das flores preferidas, tanto a rosa como a branca.

E finados como era?

Ficávamos na loja. Montamos uma loja na Rua Moraes Barros quase esquina com a Avenida Independência. Em frente ao estádio Barão de Serra Negra. Era um sobrado, trabalhávamos ali. No dia de finados a flor preferida geralmente era a palma (gladíolo). Era a flor mais procurada, tinha uma durabilidade maior quando imersa em um vaso com água. A flor natural é imbatível, por mais perfeitas que as artificiais sejam.   


Após 20 anos trabalhando com plantas, como surgiu essa sua atração por mecânica?

Comprei uma Lambretta ano 1957, verde e branca. Quando precisava fazer algum reparo eu mesmo dava a manutenção. Meus amigos, proprietários de lambretas começaram a trazer para que eu desse a manutenção. Eu trabalhava em casa. Continuava na floricultura, mas fazia os reparos nas lambretas no tempo que tinha disponível. Eu comprava as peças do Seu Atos Cadioli que era a Revenda Oficial Lambretta de Piracicaba, situada a Rua XV de Novembro quase esquina com a Rua José Pinto de Almeida. Passei a ter bastante serviço em casa, a floricultura estava diminuindo o seu movimento, Por volta de 1975 a 1976 o Seu Atos Cadioli, que era italiano, teve um problema de saúde. Ele trabalhava com tratores da marca Landini, motor com um pistão só, funcionava com óleo queimado, óleo de cozinha, o que fosse colocado virava combustível! Se o motor esfriasse tinha que colocar um maçarico para aquecer o local apropriado e fazer funcionar o motor. Eu ajudei o Seu Atos a reformar um Landini que veio do Paraná, por motivo de saúde Seu Atos não podia fazer pessoalmente o trabalho, eu fui fazendo e ele me orientando. Fiz esse Landini, saiu com a partida acionada na mão. Não precisava nem esquentar o cabeçote do motor. Ele tem uma vela aquecedora dentro, o primeiro ponto da chave faz com que a vela fique avermelhada, quando dava a partida as vezes ele pegava até para trás, tinha que cortar o óleo dele, quando ele estava quase parando, tinha que soltar o óleo, ai ele pegava para frente. Tinha dois “volantes” enormes, era o pêndulo dele. Se deixasse o Landini funcionava o dia todo. Por recomendação médica, o Seu Atos decidiu vender a loja, a Ortema. Ele me ofereceu. Na época eu tinha Fusquinha 1966! Vendi o Fusquinha, dei como entrada, só que eu não pude ficar onde era a loja, o aluguel seria caro. No fundo do prédio ele tinha 18 boxes que ele alugava para os vizinhos guardarem veículos. Fechamos um, que ficou sendo a minha oficina, outro barracãozinho do lado, foi onde colocamos todas s peças da loja, permaneci ali de 1976 a 1982. Guardo até hoje o emblema de Revenda Autorizada Lambretta. Veio de lá. Consegui comprar um barracão na Rua D.Pedro I, entre a Rua São João e Santa Cruz. Atualmente ocupado pelo Bertoncelli que trabalha com uma distribuidora de doces. Ali permaneci por mais de 20 anos, Só Lambretta, Vespa e motos. Lá eu tinha peças de motos também, ai começou a aparecer Honda, Yamaha, Suzuki. Tive uma Moto Jawa 250 cilindradas, preta.


Em sua juventude havia um grupo de rapazes que tinha Lambretta?

Entre Lambretta e Vespa éramos uns 20. Parávamos em frente a catedral, a Rua Moraes Barros e a Rua São José não eram interrompidas na praça, elas continuavam normalmente. As motinhas ficavam todas ali. Íamos aos cinemas Politeama, Broadway, São José. Na época existia o Bar Americano, ali na Praça, alguns iam até lá. Não se usava capacete naquele tempo. Era necessário ter carta de motociclista. No auge da Lambretta, da Vespa, não havia outro tipo de moto só algumas Harley Davidson, Indian, Mas era uma minoria.  Quando surgiu a Lambretta todos os funcionários da Mausa, tinham Lambetta ou Vespa. Estacionavam todos em frente a Mausa, na Rua Santa Cruz, enfileirados lado a lado, passavam uma corda para evitar que alguém mexesse. Por volta de 1971 começou a aparecerem as máquinas japonesas. Todo mundo foi vendendo as Lambrettas.


Qual é a diferença da Vespa para a Lambretta?

A marca é uma delas. A Vespa fabricada pela Piaggio e a Lambretta produzida pela Innocenti ambas empresas italianas. Até 1963 a Vespa tinha 150 cilindradas. As primeiras Lambrettas tinham 150 cilindradas, após 1964 surgiu a de 175 cilindradas. Pesa pouco mais de 100 quilos, comporta duas pessoas. No pneu traseiro colocamos 30 libras de ar, no pneu dianteiro são de 18 a 20 libras. A Lambretta e a Vespa antiga tem partida no acionamento do pedal de partida, a Vespa de 1987 em diante já saiu com partida elétrica. Ambas tem pneu de estepe. 


A transmissão do motor para a roda é feita por corrente?

Na Lambretta até 1960 a transmissão é por cardam. De 1961 em diante já saiu com corrente de malha dupla. Não é simples como de moto e trabalha no meio do óleo. Ela trabalha em uma caixa de óleo, pega o óleo e joga para cima. Circula o óleo dentro do câmbio.





A Lambretta é mais confortável?

Uma das vantagens é ter pneu estepe. A posição em que o condutor fica é mais confortável.

Quantas marchas de velocidade possui a Lambretta?

O modelo LD que foi fabricada até 1960 são três marchas. A LE já são quatro marchas. Não existe marcha-a-ré.


E a velocidade máxima?

A 100 quilômetros por hora já está exigindo um pouco dela. Os freios são com pastilhas, na frente e atrás.

Como o senhor vê a substituição da Lambretta pela motocicleta?

A Lambretta parou no tempo! Na Itália o forte é a Vespa com motor de quatro tempos, antes eram dois tempos, a Vespa e a Lambretta, esse tipo de motor obriga a colocar certa proporção de óleo ao abastecer com gasolina. Torna-se uma mistura de óleo e gasolina. As Vespas italianas são com câmbio automático. As Vespas e Lambrettas são carismáticas!


O senhor está com um veiculo bem antigo sendo montado?

É um automóvel Ford 1929 Model A Roadster também conhecido como “Carro da Sogra”. Isso porque é um automóvel para dois passageiros, sendo que o porta malas pode transformar-se em um terceiro banco, o detalhe é que é conversível, a capota só cobre os dois passageiros da frente. Quem vai atrás está sujeito ao sol, chuva, neve. Diz a lenda que o casal de namorados ia na frente e a sogra sentava-se atrás. Esse veículo estou restaurando.


Qual é o consumo de um carro desses?

Para os padrões de hoje consome bastante. O motor tem 2.300 cilindradas. Com toda a potência do motor ele só alcança 2.200 rotações por minuto, é um motor de biela longa.

Piracicaba já teve corrida de Lambrettas?

Foi na época em faziam corridas de automóveis em ruas de Piracicaba, as vias eram isoladas, e os a automóveis da época DKW, Gordini, Simca, disputavam em plena via pública.  Participavam nomes como: Maks Weiser  Walter Hahn  Junior e muitos outros.

A Polícia usava Lambretta?

Usou bastante! Era para fiscalização de trânsito. Alguns investigadores utilizavam para entregar intimações judiciais, em 1968 a Prefeitura Municipal de Piracicaba adquiriu 10 Lambrettas para a Guarda Civil, que mais tarde foram incorporadas à Polícia Militar. Com essas Lambrettas eles faziam rondas, tinha até um amigo, o Cabo Ademar, que tinha uma Lambretta dessas. Com passar do tempo e a utilização, essas Lambrettas foram sucateadas. A Prefeitura recolheu essas 10 Lambrettas. No início as cores eram Azul e Branca, depois pintaram-nas de cinza, com dois revólveres cruzados nas laterais. Essas Lambrettas, sucateadas, foram doadas para a Associação dos Funcionários Públicos Municipais, o objetivo era vender para arrecadar fundos, eles estavam fazendo o Clube da Associação na Avenida Luciano Guidotti.






Além das Lambrettas e Vespas, o senhor teve participação em diversos times de futebol?

Sempre joguei como quarto zagueiro joguei na Associação Ferroviária de Esportes de Piracicaba, no União Porto, no Esporte Clube Cobal. A Ferroviária não tinha sede, reuníamo-nos na Rua Bela Vista, pegávamos um caminhão e íamos para a disputa com o time adversário. Para o União Porto eu ia de Lambretta, deixava-a no barracão do Largo dos Pescadores, trocava de roupa e ia para a partida de futebol. Era um uniforme vermelho com as listras brancas. A cor do uniforme da Ferroviária era bordô. A Ferroviária ficou campeã da Segunda Divisão da Liga Piracicabana de Futebol, isso foi em 7 de fevereiro de1981. O União Porto também chegou para a final. Jogávamos no Estádio Barão de Serra Negra. Outro time em que joguei foi no Ponte Preta de Piracicaba, também no Barão.







COMPLEMENTO:










MARIA DE LOURDES PEREIRA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de dezembro de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADA: MARIA DE LOURDES PEREIRA

 




Maria de Lourdes Pereira nasceu a 28 de maio, em Franca, filha de Alberto Rodrigues Pereira e Maria da Conceição Taveira, que tiveram mais dois filhos.

Até que idade a senhora permaneceu em Franca?

Eu tinha cinco anos quando a nossa família mudou-se para São Paulo, meu pai era comerciante. Fomos morar em São Miguel Paulista, Zona Leste. Havia uma fábrica enorme a Companhia Nitro Química Brasileira. (Foi criada em 1935 a partir de uma associação entre os empresários José Ermírio de Moraes e Wolf Klabin, da produtora de papel de mesmo nome. Eles importaram uma fábrica inteira dos Estados Unidos de 18 mil toneladas de máquinas, equipamentos e tanques e reconstruíram no Brasil. A Nitro Química começou produzindo seda sintética o fio rayon para ser utilizado pela Votorantim, então uma fabricante de tecidos, dando impulso ao bairro de São Miguel Paulista)

Em São Paulo a senhora iniciou seus estudos em qual escola?

Na Escola Normal Vera Cruz, escola particular. Lembro-me da professora do magistério Dona Guaraciaba.

A atividade da professora era muito valorizada naquela época.

Era muita valorizada. Tudo foi deteriorado. O mundo tem isso, aparecem coisas novas e deterioram-se outras. Após me formar fui fazer estagio.

Recém formada, ainda muito jovem como foi dar aulas pela primeira vez?

Gostei muito! Encontrei-me!

A senhora gostava de dançar?

Dancei muito! Gosto muito de dançar! Ia aos bailes do Clube Piratininga! O bairro do Brás era uma família!

A relação dos professores com os alunos era diferente?

Até hoje! Hoje estive fazendo um trabalho voluntário em uma escola, aqui em Piracicaba. Não gostei não foi pelos alunos, mas pela qualidade do ensino, que se deteriorou muito.

Não é só o aluno que está menos dedicado?

Na minha visão, não. O profissional não está preparado, e não é culpa dele, é culpa social, o momento. É uma situação mundial. O mundo não está acompanhando uma época que se desenvolve tecnologicamente muito rapidamente.

A senhora após um período lecionando decidiu ir para uma região bem distante?

Fui para Belém, (frequentemente chamada de Belém do Pará), eu me inscrevi no Centro Universitário Brasileiro, em São Paulo, fui selecionada, éramos uma equipe de sete professores. Fomos de avião, isso foi em 1963, Belém era muito bonita, sempre foi, aquelas mangueiras, o povo muito bom, gostei muito de lá, o Brasil é maravilhoso!  Trabalhei dando aulas para professores. Didáticas, metodologia, como eu tinha recebido aperfeiçoamento, fui repassar os conhecimentos.

Foi fácil adaptar-se a culinária típica?

Gostei muito! Esses dias estava vendo aqui em Piracicaba o  açai, meu Deus que coisa gostosa! Atualmente existe em nossa cidade, na época não era tão difundido. Não gosto de carne, mas tinha o famoso pato no tucupi, os peixes eram ótimos, uma variedade enorme. Frutas maravilhosas, muitas frutas diferentes das que encontramos aqui. (No século XVII, onde hoje funciona o Mercado Ver-o-Peso, numa área que era formada pelo igarapé do Piri, os portugueses instalaram um posto de fiscalização e tributos dos gêneros trazidos para a sede das capitanias ,Belém. Este posto foi denominado Casa de Haver o Peso que também tinha como atividade o controle do peso dos produtos comercializados. No início do século XIX, o igarapé Piri foi aterrado e, na sua foz, foi construída a doca do Ver-o-Peso. Em 13 Outubro 2002 bombeiros conseguiram controlar, por volta das 8 horas, o incêndio no mercado municipal Ver-o-Peso, em Belém. O fogo teria sido provocado pela explosão de um artefato pirotécnico disparado dentro do prédio histórico.) . (O incêndio ocorreu exatamente no dia da maior festa popular e religiosa de Belém, a do Círio de Nazaré, para a qual são esperadas 1,8 milhões de pessoas). O mercado de Ver-o-Peso está maravilhoso, ele foi reconstruído e está agora funcionando muito bem.

O artesanato é riquíssimo?

Muito! Redes, rendas, cerâmica, trançado em fibras, cuias, trabalho em sementes, gemas e jóias, cerâmica, trançado em fibras, cuias, trabalho em balata e seringa, os brinquedos de miriti. A influência da arte indígena é muito forte.

Vocês professores ficaram hospedados onde?

Nós alugamos uma casa, tínhamos pleno acesso a Secretaria da Educação local, o Secretário nos recebia, foi uma época de muita ética, trabalho,

Havia falta de material para ensino?

Não havia falta de material.

Atualmente há um desperdício enorme de material didático, em particular livros são enviados às escolas às toneladas. A diretoria se vê em uma posição delicada, não tem o que fazer com todo aquele excesso, e não pode descartar por força de lei. A “dinâmica” da “atualização” do material de ensino é assustadoramente voraz. As matérias nunca mudam de forma tão radical em tão curto prazo, de ano para ano. O MEC tinha um programa muito interessante, onde o material escolar era vendido a preço simbólico, subsidiado, com isso o aluno adquiria o necessário sem grandes despesas, e quando nem isso podia fazer havia a famosa “caixinha escolar” que era um fundo arrecadado entre pais e mestres.

Como a senhora vê isso?

Acredito que não seja um fenômeno apenas brasileiro, mas sim mundial, é uma desconexão maluca!

Após permanecer em Belém qual foi o seu próximo rumo?

Permaneci em Belém por cerca de um ano, voltei para São Paulo, já era professora efetiva, lecionava da 1ª a 4ª série, gostei demais, depois fui para Manaus.

Qual foi a sua impressão do Teatro de Manaus?

Nossa! É maravilhoso! (Teatro Amazonas é localizado no largo de São Sebastião, no centro de Manaus,  inaugurado em 1896 é a expressão mais significativa da riqueza de Manaus durante o ciclo da borracha). Gostei muito! Fui algumas vezes ao Teatro. A cidade é linda, os professores que foram eram de outra equipe, também alugamos uma casa, isso foi em 1965, 1966, permanecemos por um ano lá. Quando voltei continuei a trabalhar em São Paulo, após uns oito anos assumi a direção de uma escola, com 1.200 alunos, cerca de 50 professores. Apesar dos números expressivos, alunos e professores tinham apresentação e conduta muito distinta e respeitosa. Muito diferente do que vemos hoje.

Isso é conseqüência da formação familiar?

Eu penso que se confundiu: escola não é para dar educação social, é para dar educação formal. “Sim senhor!”;  “Com licença!”; “Por favor!” são palavras importantes. Eu penso que isso não ocorre só no Brasil.

Antigamente ninguém chamava a professora de “tia”!

(Risos). Não tem nada a ver! Eles pediam licença, quando tinham necessidade real de se retirarem da sala de aula, por motivos de força maior. Eles pegavam uma fichinha de controle que ficava com a professora, quando voltavam à sala devolviam.

Nessa época em que a senhora morava em São Miguel a região era asfaltada?

A Zona Leste já dispunha de asfalto.

Como a senhora vê a violência?

 Infelizmente a violência esta crescendo, no meu entender, no mundo. Penso que o ser humano está deteriorado. O mundo está totalmente diferente. Não sei se estão tentando acabar com o mundo. É o mundo que está caminhando. Estamos caminhando de forma acelerada na parte tecnológica e em proporção muito inferior no relacionamento humano. Há um desnível muito grande. Isso está conduzindo o mundo ao caos.

As diferenças sociais gritantes aceleram esse processo. Onde há pessoas que ganham fortunas enquanto outros estão abaixo da linha da miséria?

Eles não ganham! Apropriam-se! E não é só no Brasil! A Amazônia é maravilhosa, o Brasil é um país maravilhoso!

Qual é a impressão da senhora sobre a Vitória-Régia?

A Vitória-Régia é simplesmente deslumbrante! O povo ainda não sabe dar valor, mas estamos aprendendo! Que Deus não abandone ninguém! Todos nós iremos chegar lá!

A senhora gosta de ler?

Gosto e leio muito, acompanho as notícias, das novelas e programações de televisão não gosto. Ao que parece a mídia eletrônica, em especial o celular, ocupou uma grande fatia do mercado, está acima do normal. As pessoas andam pelas ruas distraídas, se você não estiver atento poderá ser atropelado por um pedestre concentrado em seu celular, eles vem em cima de nós. Eu penso que é um completo desequilíbrio mental. Em minha percepção estamos procurando um aperfeiçoamento e Deus esta permitindo. O ser humano está deslumbrado com tanta coisa bonita, como uma criança em um parque. Essas descobertas de desvios de dinheiro público não é uma exclusividade brasileira, isso ocorre também em países que imaginamos serem perfeitos.

A senhora acredita na evolução humana?

Creio que nos dão chances de melhorar. A caridade faz bem para quem recebe e faz bem para quem faz, porque aumenta a sua carga positiva. Deus é lindo, maravilhoso, ele deixa que você faça o que desejar,  só que depois ele puxa a cordinha. Você vem de joelhos. Existe uma lei na ciência da física que explica isso. É a terceira Lei de Newton estuda a interação entre forças. “Para toda ação surge uma reação de mesma intensidade, mesma direção e sentido oposto”. Se você plantar milho não irá nascer feijão! A auto-exaltação de atos caritativos aos olhos de muitos é mais visível do que a boa ação feita de forma anônima, isso é a pequenez do homem. Nós ainda estamos aqui em progresso. Por isso fazemos muita coisa que achamos que é ótimo, só que não é.  

A seu ver valorizamos inutilidades, futilidades, e deixamos valores significativos de lado?

Isso acontece em decorrência do nosso atraso. Enxergamos o que não sabemos explicar. Insisto em falar que isso é um mal do planeta. Nosso planeta está sendo trabalhado.

O nosso mundo está doente?

Não diria doente, mas sim uma fase que não é muito boa. Vai melhorar, acredito demais nas minhas bases.

Essa espiritualidade da senhora é antiga?

Desde menina! Meus pais pensavam da mesma forma, assim como meus avôs. Sempre respeitamos as formas de pensar de cada pessoa, sem nenhuma crítica ou segregação. Cada um faz aquilo que acha ser correto em seu coração. O exemplo é muito mais importante do que a palavra. Meu pai sempre foi um homem extremamente correto. Perdi a minha mãe quando eu tinha um ano. Fui criada pela mãe do meu pai, chamava-se Crisolita.

A senhora gosta de viajar?

Gosto e eu quero muito conhecer o Brasil, conheço o Paraná, Santa Catarina, Pará, Amazonas, Brasília e Pernambuco.

Qual é a sua visão geográfica e arquitetônica de Brasília?

Acho que Juscelino Kubitschek foi muito inspirado. O Brasil inteiro é maravilhoso, é uma pérola jogada no planeta.

Há uma crítica muito pesada por parte de diversas potências mundiais de que temos um país que talvez seja o melhor país do mundo, porém sem pessoas com capacidade mínima de administrá-lo. Isso é veiculado mundo afora.

É porque assim quis o Criador! Ele colocou criaturas para formar esse país. Temos os índios que deixaram coisas maravilhosas, aqui em Piracicaba mesmo. O povo que está aqui é maravilhoso. A farmácia do índio é a floresta. Posso afirmar que gostei muito da minha profissão, não tenho saudade exagerada, estou plenamente realizada. Já estou aposentada há duas décadas.

Para algumas pessoas a aposentadoria atemoriza um pouco, como a senhora reagiu?

Sempre encontrei o que fazer! Dei aulas para adultos, exercitei a minha filosofia espiritual.

As mudanças que estão ocorrendo são naturais?

É própria do homem, faz parte do planeta. Estamos em transformações constantes.

Essa diferença muito grande onde poucos tem muito e muitos têm quase nada, isso espiritualmente tem um significado?

Eu penso, não posso falar pela filosofia religiosa, cada um está aprendendo do que necessita,na evolução que necessita.

O excesso de dinheiro não traz felicidade?

Parece que não!

As pessoas que passam por desagregação de família, famílias desestruturadas sofrem muito.

Faz parte da evolução, vão aprender muito. Estamos em constante aprendizado. Envolve pessoas com dependência química, apego material, vaidade extremada, tudo isso é parte de um processo evolutivo. Irá provar da pequenez para que possa melhorar. São pessoas pequenas dentro de um contexto filosófico de caráter, de moral, atitudes.

Qual é a solução?

É o que está acontecendo! Deixar que cada um aprenda a sua parte!

No aspecto político há uma crença de que o político irá resolver tudo!

É o que eles deixam transparecer! A pessoa que tem certa vivência sabe que não é isso. Eles não vão arrumar tudo! Além de ser impossível, todos tem que participar, por que só eles? Todos são responsáveis!

Com toda a sua vivência e experiência, qual é o conselho que a senhora dá aos jovens?

Não aconselho nada! Acho que cada um tem que passar a sua parte! O que é bom para mim pode não ser bom para você.

JOSÉ DE OLIVEIRA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
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Sábado 02 de dezembro de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: JOSÉ DE OLIVEIRA

 




José de Oliveira nasceu a 6 de setembro de 1931, em Piracicaba. Do alto dos seus 86 anos, esbanja uma disposição física e mental que impressiona muito. Postura ereta, dicção clara, raciocínio rápido, precisão de lembranças passadas e presentes. Sempre sorridente cuidadoso com sua aparência, faz com que aparente ser mais jovem do que  consta em seu registro de nascimento. Filho de Veridiano de Oliveira e Angelina Pádua que tiveram nove filhos: Alcides, Odair, Manoel, Verediano de Oliveira Filho, Enides Enoeh, José, João e Maria. Só a Enoeh é que foi registrada em Iracemápolis.

O pai do senhor trabalhou em Iracemápolis?

Meu pai trabalhava em uma fazenda, para lá era Iracemápolis, o lugar era chamado de Bate Pau, era muito famosa, eu imaginava que esse nome fosse em função de possíveis brigas, na realidade era em função de uma dança que havia, quase igual a congada, com bate pau, até hoje tenho amigos em Iracemapolis. Ali alem de trabalhar na roça, na usina, havia muitos bailes e jogo de futebol.

O senhor jogava futebol?

Joguei, minha posição era meio de campo, mas nunca fui profissional. Joguei em Piracicaba, no IV Centenário. Eu sou criado no Bairro São Dimas, que naquele tempo se chamava Vila Progresso. Herbert James Simenon Boyes com o irmão Alfred Simenon Boyes, constituiram a Boyes Irmãos & Cia., grupo inglês que adquiriu em 11de março de 1918 a fábrica de tecidos criada por Luiz de Queiroz inaugurada em 1876, inicialmente com a denominação “Santa Francisca”, Luis de Queiróz precisava de energia  criou a primeira usina hidrelétrica de Piracicaba fornecendo luz para a cidade em 1892. Assim como o palacete que ele construiu e no qual habitou, à Rua Prudente de Moraes. A fábrica e o palacete comprados pelos Boyes, eram então propriedades de Rodolfo Nogueira da Costa Miranda que mudou os nomes de ambos para “Arethusina”, desde 1902. Herbert casou-se com Elvira, natural de Piracicaba era filha do diretor técnico Artur D. Sterry, que Luiz de Queiroz trouxe da Bélgica para dirigir sua fábrica de tecidos. Kathleen Mary, uma das filhas do casal Herbert e Elvira, foi diretora- presidente da Companhia Industrial e Agrícola Boyes  residiu no palacete construído por Luiz de Queiroz até falecer em 7 de outubro de 1991. Outra filha, Dóris, casou-se com Norman Ford, que dirigiu a fábrica durante muitos anos. Em fins do século 20, dois filhos do casal, Peter e David, estavam à frente da empresa.

Por volta de 1939 a Boyes tinha 104 casas, eram quatro quadras paralelas, uma era a Rua José Ferraz de Camargo, nós a chamávamos de Rua Larga, era comum uma criança avisar em casa “Estou brincando na Rua Larga”. Depois existiam as ruas estreitas: Rua Alfredo; Rua Alberto; Rua Arthur. Naquele tempo havia uma rivalidade! Na Vila Boyes havia um clube, na Vila Progresso (atual São Dimas) havia outro, ali havia o União Progresso. Orlando Carnio, um vereador, decidiu acabar com essa rivalidade: criou o Bairro São Dimas, devido a igreja.

O nome teve como origem a igreja?

No Largo Santa Cruz havia fixada uma cruz de pedra, retiraram de lá e conduziram em cima de um caminhão até ao local onde permanece até hoje, em seguida fizeram uma capelinha, e hoje é uma igreja de porte, é uma paróquia. O nome da é Matriz Santa Cruz e São Dimas.

Como foi a infância do senhor?

Eu era criança e ia brincar no Lar dos Velhinhos, era conhecido como Chácara das Jabuticabeiras. Onde é o Clube de Campo era do Conde Rodolpho de Lara Campos.

O senhor o conheceu?

Conheci! Era difícil vê-lo. Na chácara dele tinha jabuticaba, todo tipo de fruta. Lembro-me que ele tinha um motorista a quem ele deu um carro de presente. Éramos crianças, eles não vendiam e nem davam nada, reuníamos um grupinho de crianças e íamos “pedir para o pé”. (Apanhar a fruta de forma sorrateira). Abríamos um buraco na cerca e entravamos quatro ou cinco meninos, voltávamos carregados de frutas.

Havia cães?

Tinha e dava muito medo! O Conde não deixava ninguém pescar no Rio Piracicaba em local em que estava a sua propriedade. A Avenida Renato Wagner não existia! A cerca da propriedade do Conde Lara ia até lá! A Estrada de Ferro Sorocabana passava sobre o Rio Piracicaba. Onde hoje é o campinho do Clube de Campo o Córrego Itapeva passava por ali desembocando no Rio Piracicaba.

Existia um moinho bem na cabeceira da Ponte Irmãos Rebouças?

Era a farinheira Eira da Pita!  Nós íamos lá pedir beiju! Era farinha de milho torrada em um enorme chapa. Um dos rapazes de lá jogava futebol no São João da Montanha Futebol Clube , da ESALQ.  Nossos prazeres eram pegar fruta no Lara, nadar na boca do Itapeva, a água do Rio Piracicaba era fria e a água do Itapeva era quentinha. Ficava aproximadamente onde é a loja D. Paschoal, ali passava o Itapeva.

Foi alterado o curso do Itapeva naquele trecho?

Foi! A atual Avenida Dr. Torquato da Silva Leitão era toda calçada com pedregulho, nós chamávamos de Morro do Lara. Nessa região havia muitas chácaras, a chácara do Pedro Rico era onde é a Cidade Jardim, lá também íamos colher frutas “dadas pelo pé”!Às vezes ele dava um tiro de sal na criançada.  (O tiro de sal pode ser dado com espingarda de chumbo troca-se o chumbinho pelo sal).

O senhor fez os seus primeiros estudos aonde?

Fiz no Honorato Faustino! Era nas proximidades do Colégio COC, subindo a rua onde hoje ficam as Irmãs Carmelitas. Em 1939 a Boyes construiu quatro ruas com 13 casas de cada lado, totalizando 104 casas, também deram um grupinho, na época ninguém queria morar na Vila Boyes, isso porque íamos quadrar jardim e o pessoal dizia; “-Ah você mora na Vila Vaca”.Havia uma conotação pejorativa tipo de afirmação totalmente falsa. Nós pagávamos de aluguel o equivalente a R$ 1,00 por mês! Totalmente simbólico! Pagando água, luz, não se gastava dois reais por mês! Já havia luz, só que o chuveiro era de água fria, mesmo sendo água canalizada.

O senhor trabalhava em quê?

Eu fazia qualquer serviço! Até em construção civil eu trabalhei! Sou de família que pegava no guatambu! Meu pai era especializado em olaria. Ele tinha uma sabedoria nata, os fazendeiros chamavam-no para fazer uma obra na fazenda, ele pegava um enxadão, depois cavoucava com uma cavadeira, pegava um pouquinho do barro, experimentava a textura em sua mão, em seguida colocava um pedacinho de barro na boca, mastigava por um bom tempo, dizia ao fazendeiro: “-Seus tijolos estão estourando porque contém areia! Tem que colocar mais tantas carroças de barro forte no picador, onde deve moer tudo” Ou então ele mandava colocar mais saibro. No dente meu pai percebia isso! Hoje é tudo feito através de processos que envolvem análises, adição de produtos químicos. Quando ele ia fazer fogo na olaria ele fazia o “esquente” se fosse 36 horas de fogo, fazia 12 horas de fogo brando, depois ele apertava o fogo. Ele fazia tijolo, telha. Naquele tempo telha francesa ele não fazia. Ele fabricava a chamada telha comum, era do tipo que eram feitas nas coxas pelos escravos, só que no tempo dele já tinha o gualapo. O gualapo era uma espécie de forma de madeira, curva, simulando a curvatura da coxa, côncava, em cima tinha uma espécie de grade com aproximadamente um centímetro de altura, minha mãe e meus irmãos pegavam aquele barro e preenchiam aquele espaço com barro. Passavam uma régua, ficava bem direitinho. Depois puxava devagar, com jeito, ela caia no gualapo como uma se caísse em uma coxa. O gualapo foi a evolução da coxa do escravo. As telhas feitas nas coxas dependiam muito da grossura da coxa de quem estava fazendo, com isso as telhas saiam desiguais. Depois com uma lata de água, meu pai passava a mão molhada, o barro ficava bem liso. Após estar no gualapo, eram colocadas em uma gradinha de ripa, o barro não podia ser muito mole e nem muito duro, tinha que estar no ponto certo. Deixava o barro secar, depois ia para o forno. Naquela época toda criançada trabalhava.

A entrega era feita como?

A maioria era feita com carroça, na época havia poucos caminhões, uma carroça levava 250 tijolos cada vez. Lembro-me até da medida dos tijolos, quando meu pai começou a fabricar a forma era de 28 centímetros, antes eram 30 centímetros, depois passou para 25 centímetros.

O barro era amassado como?

Havia um mecanismo rudimentar tracionado a burros, um chamava Solteiro, outro era o Cabrito, o barro era amassado, tinha uma espécie de boquinha por onde saia o barro amassado, chamado de pastão, e meu irmão ia carregando em uma carriola. Tinha uma turma que ia tirando e colocando na forma.

Em que local ficava a olaria?

Na Usina Boa Vista! Logo após na Cruz Caiada. Tem esse nome porque havia ali uma cruz, símbolo de que naquele local alguém faleceu, para pintar não havia as tintas que existem hoje, tinha que “queimar” a cal virgem e depois pintava, caiava. Havia muitas santas cruzes daqui para lá, algumas eram de madeira.

O senhor trabalhava durante o dia e estudava a noite?

Desde o curso primário, depois fui estudar contabilidade na Escola do Zanin.

Quando o senhor casou-se?

Em 17 de janeiro de 1959 , um sábado, nos casamos na Igreja Metodista, ela é metodista. Ela lecionava em Santo Anastácio, eu fui trabalhar em contabilidade a convite de um vereador daquela cidade. Ai houve uma remoção da minha esposa para Capivari, naquele tempo tinha a Estrada de Ferro Sorocabana. No fim mudamos para lá. Fui trabalhar na Usina Cillos, havia lá e em Santa Bárbara D`Oeste, todos os donos eram parentes, trabalhei um bom tempo na usina, na parte de contabilidade. Minha esposa foi removida para Piracicaba, voltamos para cá, vim morar em uma casa de propriedade de Lineu Krähenbühl, na Rua Gomes Carneiro esquina com a Avenida Armando Salles de Oliveira. Hoje moro perto da Igreja Bom Jesus.

Quantos filhos vocês tiveram?

Tivemos cinco filhos: Ângela, José Lincoln, João Marcos. Paulo e Andréia.

O senhor conheceu o pessoal do cururu?

Conheci todos! Pedro Chiquito, Parafuso, Nhô Serra e outros. Não só conheci como era amigo deles. Um dia estava com a minha neta que mora na Carolina do Norte, fiz uma moda de cururu, ela passou para o inglês! Saiu um cururu em inglês! Eu tocava um pouquinho de acordeom.

O senhor tem algum hobby?

Gosto de cantar bastante. Cantava em orfeon. Fui presidente do Clube da Terceira Idade.

Como surgiu o seu prazer pela música, pela dança?

Meu pai tocava acordeom, naquele tempo ele tocava em bailes. Levava a minha mãe junto, lembro-me disso. Ia a família inteirinha.

Isso no chão de terra?

Na Fazenda Boa Vista, Água Santa. Onde tivesse um rancho, jogavam uma água com regador, passava um rodo, no começo ia bem, depois quando secava vinha aquele poeirão! Varava a noite!

Procissão do Divino o senhor acompanhava?

Eu gostava de assistir!

E o Rio Piracicaba como era?

Não só nadava como bebia água dele! Não na beirada, porque tinha limbo. Ali na Rua do Porto o Adamoli tirava areia com carroça. Nessa época eu tinha uns doze a treze anos.

Vocês nadavam com roupa ou sem roupa?

De qualquer jeito!

Tinha um pessoal que escondia a roupa de quem nadava nu.

Tinha gente malvada sim. Às vezes o próprio pai fazia isso. Quantos amigos meus não vinha embora com duas folhas de mato! Folha de guaiambé! É uma folha utilizada para empalhar garrafão com ela.

O senhor pescava?

Pescava. No Rio Piracicaba as moças pegavam peixes com sombrinha! Não precisava pescar no Rio Piracicaba! Corria o risco de ser advertido pelos fiscais.  O Geraldo Toledo e o Nonô eram os fiscais. Depois que veio o Tutu Medeiros. Manzano e outros. Mas sabe o que as moças faziam? Onde é o aquário, não era daquele jeito, não tinha aquele paredão. Dava para descer até lá embaixo, beirando o rio, era um mato com trilhas. Ficávamos no meio do matinho, às vezes o fiscal nem nos via. Ali não dava para nadar, tinha muito mandi e podia tomar ferroada do mandi, ele tem um ferrão nas costas, parece uma agulha e dois ferrões de lado. As moças desciam, o sol estava quente, usavam a sombrinha, elas enfiavam as sombrinhas nas pocinhas saía cheia de peixe: mandi, lambari, piava. Se não tivesse sombrinha pegava também, com a mão. Conforme o rio dava um balanço, a âgua vinha com tanta força que jogava bastante peixe na barranca do rio. Se não fosse esperto, quando a onda viesse de novo levava o peixe de volta. A redução no volume de água do rio Piracicaba também tem ligações com o Sistema Cantareira, construído na região das nascentes formadoras da bacia hidrográfica ainda na década de 1960 e que desvia grandes volumes de água para o abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo. Acabaram com o nosso rio que tinha até jaú.

 

 

sexta-feira, novembro 24, 2017

OTTO JESU CROCOMO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 25 de novembro de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/


http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: OTTO JESU CROCOMO

 

O Professor Emérito da Universidade de São Paulo/ESALQ Otto Jesu Crocomo nasceu a 23 de 
setembro de 1932 em Piracicaba, a Rua Rangel Pestana esquina com a Rua Benjamin Constant, filho dos imigrantes italianos João Crocomo originário de Ravello, na região de Nápoles e Tereza Vidili Crocomo, da região da Calábria, seu pai ao registrar o nome do filho pronunciou em italiano Gesù e o cartorário manteve a pronuncia de forma aportuguesada. É o oitavo filho, sendo seus irmãos: Tereza, Salvador, Maria, Francisco, Leticia, Lídia e Ada. Otto é casado com Diva Lovadino Crocomo, tiveram cinco filhos: Marco Augusto,Adolfo Egídio, Maria Paula, Carla Maisa e Daniel. Foi um dos fundadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) em 1960.


O pai  do senhor veio da Itália com qual idade?

Meu pai tinha 17 anos, em 1910, quando veio sozinho para o Brasil, o irmão dele, Francisco já morava em Capivari, estava estabelecido, casado. Era caldeireiro, trabalhava com folhas de zinco. Chegando ao Brasil foi para Capivari, trabalhar com o meu tio Francisco. Após algum tempo meu pai foi trabalhar em Jundiaí com Francisco Vidili, que era uma pessoa de muitas posses, pai de dois filhos e duas filhas, uma delas é a minha mãe! Casaram-se em 1914, em 1915 nasceu minha irmã mais velha.

Ele permaneceu em Jundiaí?

Logo que se casou veio para Piracicaba, queria ser independente. Quando eu nasci em 1932 ele já estava bem estabelecido em Piracicaba. Fui criado de forma diferente dos meus irmãos, minha irmã Mariquinha (Maria) cuidava muito de mim, a minha mãe sofria muito com o reumatismo, ela faleceu aos 55 anos, teve um ataque cardíaco. A Mariquinha que me ensinou a ler e escrever, quando entrei na escola já sabia ler e escrever.

A sua primeira escola foi qual?

Foi o Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Tinha sete anos, sabia ler e escrever, eu pulava a janela da escola e fugia, não ia para casa. Um dia fugi da escola e voltei para a minha casa, meu pai me deu uma surra! No dia seguinte fui para a escola não parei mais de estudar. No Barão do Rio Branco fiquei pouco tempo, depois fui para o Externato São José, no prédio situado a Rua D.Pedro II esquina com a Rua Alferes José Caetano, onde mais tarde funcionou a Faculdade de Odontologia de Piracicaba. Lembro-me da primeira professora que tive no Externato, Dona Lurdes, excelente! Lá já aprendi as primeiras coisas em francês. Uma curiosidade, após muitos anos, já formado, o meu primeiro emprego foi de professor na Faculdade de Odontologia!

No Externato São José qual curso o senhor fez?

Fiz o curso primário. Meu irmão mais velho, Salvador, também conhecido como Dudu, era contador, estudou na Escola do Zanin. Meu pai me obrigou a estudar na Escola do Zanin. Eu detestava aquilo ali. Ficava no andar superior de um prédio situado na Praça José Bonifácio, ao lado tinha a Bomboniere do Passarella, eu ficava encantado com aquelas balas grandes, eu e o Didi íamos ao cinema, ou Broadway ou São José. Estudei por um ano ali, mas não me dei bem, foi um ano perdido. Foi bom por ter conhecido muitas pessoas. Disse ao meu pai que não queria continuar estudando lá. Perdi um ano. Para entrar no ginásio tinha que fazer curso de admissão e passar no exame para ingressar. Fiz curso de admissão no Externato São José, passei, permaneci por dois anos estudando lá, tínhamos excelentes professores, o professor João Arruda era psicólogo e dava aulas de matemática também. Quando acabou a guerra, em 1945, o valor do cruzeiro era tão alto que um franco custava Cr$ 0,000058. Eu ia até o correio e comprava revistas, livros e jornais franceses, eu gostava muito de ler, devorava o jornal “O Estadão”. Assim aprendi sozinho o francês, as primeiras letras do francês eu aprendi no quarto ano primário. Estudei francês com o dicionário na mão, lendo essas revistas.

Naquela época a influência da cultura francesa no Brasil era muito grande.

Era muito grande! A parte cultural era de influência francesa e a parte comercial e econômica era de influência inglesa. O meu irmão Dudu falava inglês. Eu vivi nesse ambiente de muitos estudos. Minha mãe me influenciou muito, todas as noites ela contava uma história para mim, ficávamos sentados na porta de casa, na Rua Rangel Pestana, aos 11 anos de idade escrevi um romance, baseado nas histórias que ela me contava.

Foi publicado?

Não! Era um folhetim, eu escrevia a máquina, o Dudu tinha uma máquina de escrever, ali que aprendi sozinho a datilografar, sem a técnica clássica de um datilógrafo. Em 1943 o meu irmão Salvador (Dudu) casou-se com Emília Crocomo.

O seu pai continuava trabalhando?

Ele fazia alambique, lá mesmo, tinha a nossa casa e também a oficina, anexos. Em frente morava o médico Dr. Cera. O Vicente Orlando produzia a famosa gengibirra.itubaina. Até hoje compro! Bem geladinha! É uma delícia! Naquela época ali as ruas eram com pedregulho, praticamente a cidade acabava no Córrego Itapeva (Atualmente, em grande parte fica sob a Avenida Armando Salles de Oliveira), conheci a famosa nascente de água natural conhecida como “Olho da Nhá Rita”. Conheci o Rancho Alegre que ficava próximo a linha de trem da Estrada de Ferro Sorocabana, nas imediações da Avenida 31 de Março. Perto da Estação da Sorocabana que ficava nas imediações onde hoje Terminal Municipal Urbano, no centro, existia uma pontezinha que atravessava o Ribeirão Itapeva, só que quando enchia de água em função das chuvas de fevereiro, havia mortes freqüentes de crianças que se aventuram a nadar na correnteza. Meu pai não deixava que fossemos brincar na água, brincávamos nas pedras do Itapeva. A Rua Rangel Pestana terminava em frente a Estação Sorocabana. Íamos muito até lá porque íamos visitar o meu tio que morava em Capivari, íamos de trem. Meu pai tinha muita amizade com a família Furlan, no bairro Chicó. Nossas férias eram passadas na fazenda dele, íamos de trem.

Voltando a sua trajetória de estudos, qual foi a etapa seguinte?

O Externato São José fechou para meninos, as freiras foram para onde é o Colégio Assunção. Eu fui para o Colégio Piracicabano. Fiz o ginásio, ganhei uma menção honrosa.

o senhor teve professores célebres.

Sim! Josaphat de Araújo Lopes; O professor Pacitti era divertido, professor de ciências, Após concluir o curso científico no Colégio Piracicabano ingressei na ESALQ em 1953.

Para entrar na ESALQ tinha exame vestibular?

Exame escrito e oral. Não era fácil não! Sempre gostei de química, eram três examinadores na prova oral, física também eram três entre eles Admar Cervellini; Prof. Salgado, ele adorava disco voador, viajei muito com ele. Era primo de Salvador de Toledo Pizza. Walter Accorsi foi meu professor.

O curso de Engenheiro Agronomo tem a duração de quantos anos?

São quatro anos, mas teve uma época na década de 60 que passou a ser cinco anos. Não durou muito tempo, voltou para quatro anos. Eu me formei em 1956. Ganhei um prêmio de cinco mil cruzeiros, da Manah, por ter sido o melhor aluno de química. Peguei esse dinheiro e gastei tudo em livros! Sempre eu gostei de livros.

O senhor se casou em que ano?

Em 23 de maio de 1961, na Igreja dos Frades, o Bispo Dom Aniger que celebrou, co-celebrado por mais três padres, o coral de 40 vozes dos alunos do Seminário Seráfico São Fidélis, com Frei Augusto, até hoje me lembro de uma música: Ave Maria, minha mulher canta, ela é soprano.

Qual foi a área da química que o senhor escolheu?

Foi a bioquímica, mas tem uma razão de ser, quando entrei no científico, no Colégio Piracicabano, era a única escola em Piracicaba que tinha laboratório de química,  fui aluno do professor de química Demosthenes Santos Corrêa,engenheiro agrônomo formado pela ESALQ, ele em 1950 ele disse-me: “-Você vai ser um dos alunos que irá participar do debate de química!” Eram alunos do Colégio Piracicabano que debatiam com os alunos do Instituto Educacional "Sud Menucci", aceitei. Isso foi em maio. Aí ele propôs montar a equipe. Disse-me: “-Você vai ser o líder da equipe”. Aos 18 anos fui líder da equipe de 1950, foram três dias de debate. Participei nos três anos do científico. No último ano, em 1952, decidi fazer cursinho, de manhã eu estudava para o cursinho, e a noite eu fazia o último ano do científico. Tivemos um debate entre o curso noturno e o diurno, eu ganhei também. Tudo isso influenciou a minha vida.

Quando se trata de ciências exatas, como química, matemática, que são bases para o desenvolvimento científico, parece que o aluno está vendo um monstro. Talvez porque não tiveram bons professores?

É sempre assim! Não há mágica! Tudo depende do professor. Tive bons professores de matemática! Tinha professores da ESALQ que davam aulas no Colégio Piracicabano, no Externato São José. Quando entrei na ESALQ matéria que era ensinada no primeiro ano eu já tinha aprendido no científico. Depende totalmente do professor. Os grandes nomes do CLQ são meus ex-alunos: Newman, Torigoi, José Arthur.

O que tanto o atrai em química?
O trabalho com substâncias químicas, tubos de ensaio, descobrir as reações, como uma coisa se transforma em outra. Na bioquímica você estuda tudo isso dentro da célula. A bioquímica não é nada mais do que a química dentro da célula.  Para mim é fascinante. Sempre olhei para as pessoas que produzem; as pessoas que vencem; os grandes industriais; grandes escritores, eu li muito. Quando terminei o ginásio, o marido da minha irmã Ada, perguntou-me o que eu queria de presente. Disse-lhe: “- A biografia de Beethoven”. Nunca me senti atraído pela mediocridade. Sempre pensei: “Como é que ele conseguiu? Como é que ele fez?” Isso desde criança. Imagino que tenha sido muito influenciado pelas histórias que a minha mãe contava. Que fique bem claro que não estou menosprezando ninguém, mas procurando seguir o exemplo de quem acertou. Quando entrei na ESALQ queria ser aluno do professor Eurípedes Malavolta,ele estava nos Estados Unidos, insisti e acabei indo trabalhar com os assistentes dele: José Dal Pozzo Arzolla e Domingos Pelegrino, no laboratório. Vinha de noite para repetir coisas que aprendi. Nas férias de julho de 1953 passei o tempo todo no laboratório de química. Repetindo aquilo que tinha aprendido. Em novembro de 1953 Malavolta chegou dos Estados Unidos. Ele disse-me para continuar trabalhando com o Arzolla e o Pelegrino. Naquela época somente quatro ou cinco estudantes se irmanavam no laboratório do campus entre eles: Eneas Salatti, Ari Salibe, eu, o Ari era amicíssimo, nós dois estávamos vindo de bonde para prestar o vestibular, ele estava estudando eu também estava estudando, um ao lado do outro, conversamos alguma coisa. No trote, ele teve que vestir a minha camisa e eu vesti a dele, depois trocamos. Nasceu uma grande amizade, os pais dele vinham em casa, minhas irmãs iam à Limeira onde eles moravam, a nossa amizade era tão grande que parecíamos irmãos. Fizemos vários trabalhos científicos quando estudantes. Fazíamos os congressos de estudantes de agronomia, o primeiro foi na ESALQ, em 1954, o segundo foi na ENA Escola Nacional de Agronomia do Rio de Janeiro, e o terceiro, foi em Viçosa, participei dos três, apresentei trabalhos, Ari apresentou junto. Até hoje alguns colegas me dizem: “-Você trabalhava com a vitamina C da goiaba!” Não só da goiaba, tem uma casa na Rua Prudente de Moraes esquina com a Rua José Pinto de Almeida, essa casa existe até hoje, eles tinham dois pés de cerejinhas das Antilhas, eu batia na porta, e pedia as frutinhas para fazer exame.

O senhor dedicou-se a pesquisa e foi desenvolvendo a carreira.

Formei-me em 1953, eu tinha uma bolsa do CNPq era a Bolsa de Iniciação Científica. Fui até o Instituto Agronômico de Campinas, eu não encontrei nenhuma vantagem em relação ao que estava fazendo trabalhando com o Professor Malavolta. Retornei à Piracicaba. Eu queria fazer o doutoramento, o Malavolta concordou e disse que íamos fazer uns estudos com radioisótopos. Isso foi em 1957, a primeira tese feita com radioisótopos foi a minha. Talvez no Brasil, não sei. Estudamos no café, existia na escola o Instituto Zimotécnico e durante o meu curso de graduação, fui um dos únicos alunos que permitiram que assistisse as palestras. Toda semana tinha as referatas, eu estudava um artigo científico, em inglês sempre, e referia, fazia um resumo. Todos já eram formados, professores, só eu que era aluno. Convidaram-me para fazer uma palestra, nesse ciclo de palestras, apresentei os resultados da minha tese, isso foi no dia 6 de junho de 1958, 20 dias depois encontrei o professor Malavolta no prédio de Química, estava cheio de livros, estudando. Ele disse-me: “-Você vai fazer Livre Docência! ¨. Fui para Curitiba onde fiz um curso de fisiologia de micro-organismos com o professor Metry Bacila da Universidade Federal do Paraná. O curso de livre-docência era quatro dias, cinco provas. Voltei, continuei escrevendo a tese, e estudava, estudava, porque tem uma prova escrita de três horas, sendo que eles dão o tema na hora, você pode pesquisar por até uma hora, o tempo total são quatro horas. No dia seguinte tem a prova prática, de oito horas. Você tem que estar preparado, o tema é escolhido na hora, depois tinha a defesa de tese, a leitura da prova escrita. Depois eu soube que o Metry Bacila veio para me reprovar, porque eu era recém formado, eu tinha dois anos e meio de recém-formado e fazia cinco anos que não tinha livre docência aqui na ESALQ. Depois ele me deu 10. Ficamos amicíssimos, Daí passei a dar aulas naquele curso, todo ano em janeiro, por seis anos dei aula em Curitiba, na UFPR. Em 1964 passei um mês e meio ensinando umas técnicas para o pessoal dele. Eles não trabalhavam com plantas, trabalhavam com microorganismos, alguns trabalhavam com animaizinhos.

O senhor estava na Livre Docência?

Estava, mas não era contratado, o Dr. Ben-Hur Carvalhaes de Paiva, médico cardiologista, era professor de fisiologia na FOP Faculdade de Odontologia de Piracicaba. Ele me mandou um telegrama: “Convido-o para ser meu assistente na parte bioquímica, já conversei com o Professor Malavolta e ele concordou”. Em abril eu já estava contratado pela FOP. Enquanto isso estudava para o concurso, fiz, passei muito bem, o Arzolla também fez, também passou. Por dois anos fiquei um tempo parcial na FOP e outro tempo parcial na ESALQ, Eu não queria saber disso. O Malavolta conseguiu tempo integral para mim. Tive muitos alunos na FOP, um deles é muito meu amigo, Mario Monteiro Terra.  Antonio Abe foi meu aluno, assim como Antonio Carlos Neder. Quando terminei a minha Livre Docência foram quatro dias, 19,20,21 e 22 de setembro de 1959. O Prof. Dr. Carlos Henrique Robertson Liberalli me levou para Campinas para fazer uma palestra, ele fez questão de ir a minha palestra. Eu me dava muito bem com o Lauro Natali, que era aficionado por selos como hobby, foi presidente do Clube Filatélico de Piracicaba. Daqui fui para a Venezuela, a convite do reitor da universidade, onde permaneci por 14 meses, lá nasceu nosso primeiro filho. Foi onde instalei laboratório de radioisótopos, fizemos trabalho de campo, formei pessoal, segundo um amigo me disse há uma sala na universidade da Venezuela com o meu nome.

Da Venezuela o senhor voltou ao Brasil?

Voltei, em seguida fui para os Estados Unidos, com a mulher e dois filhos. Fui para Davis, na Califórnia. Fiz um curso de bioquímica, de manhá cedo eu trabalhava no laboratório, segunda e terça, tinha aulas teóricas, terça feira aula prática começava as sete e meia da noite e ia até as quatro, cinco horas da manhã, na Universidade da Califórnia. Aprendi a trabalhar com informática, a programar pelo método FORTRAN. Aprendi através da televisão, toda terça feira a tarde, antes de começar a aula prática, tínhamos aula de FORTRAN. Tempo do cartão perfurado.

O senhor está reforçando a tese do ensino a distância, que muitos condenam.

Eu não condeno, mas a pessoa precisa se esforçar. Voltei ao Brasil, fiz o concurso para professor associado, em 1966. Eu queria completar a minha carreira, ser professor titular. Não existia mais o título de professor catedrático, em 1970 mudou o sistema. O Malavolta sempre viajava, criou-se o Departamento de Química, juntou-se Química Mineral Analítica com a Bioquímica. Quem ficou chefe foi o Professor Renato Cattani. Em 31 de março e 1 e abril de 1975 fiz o meu concurso para professor titular. Desde 1970 eu era vice-chefe de departamento. O Cattani se aposentou em 1974, eu fiquei chefe do departamento. O Henrique Bergamin Filho trabalhava muito no CENA.

O CENA é uma ponta de tecnologia avançadíssima?

Fui chefe da seção de bioquímica do CENA durante 20 anos. Em 1971 o Malavolta disse que tinha um professor que queria fazer estudos em tecidos de café, na ESALQ. Nós em 1971 introduzimos no Brasil toda tecnologia de cultura de tecido de plantas que depois se transformou, na década de 80 na biotecnologia.

O que é cultura de tecidos de plantas?

Você cultiva plantas, de forma que possa manipulá-la, de forma que pode modificar a célula se quiser, e obter em curtíssimo espaço de tempo, clones iguais, plantas livres de vírus, doenças, podem ser utilizadas as técnicas de radio biologia, dos transgênicos, você consegue manipular essas células in vitro, com essas células você controla plantas, essas plantas crescem e produzem.

O senhor editou algum livro?

Editei nos Estados Unidos “Reflections & Connetions – Uma Jornada Pela Ciência da Vida – foi publicado em Nova Iorque em 2014, fui lá, teve uma festa maravilhosa. Esse livro foi editado por mim, pelo meu amigo Willian R. Sharp  e Julius P. Kreier. 

Quantos livros o senhor tem já publicado?

Tenho um recém publicado nos Estados Unidos, dois que foram publicados na Venezuela, tenho um publicado na década de 60 que é utilizado até hoje. Tenho outros livros publicados em colaboração com ouras pessoas. Participei de 69 congressos, simpósios e congressos no exterior e 69 no Brasil. Eu viajei o mundo!

Quantos idiomas o senhor fala?

Português e inglês entendo francês, italiano, Estudei cinco anos de latim.

Em que ano o senhor aposentou-se?

Aposentei-me em 30 de setembro de 1989, mas continuei na ativa até 2003, dando aula. Nesse meio tempo criei um instituto chamado Centro de Biotecnologia Agrícola, a diretoria colocou o meu nome: Laboratório de Biotecnologia Agrícola "Prof. Otto Jesu Crocomo¨ Em 2003 quando me aposentei de uma vez a bioquímica toda se fundiu com a botânica. Esse centro foi construído com verbas que consegui. A ESALQ me doou uma área de 9.000 metros quadrados, meus projetos eram administrados pela FEALQ. Não vi nenhum tostão, eu só fazia a requisição. Esse prédio foi fundado dia 2 de julho de 1981. Em 27 de outubro de 1988 foi inaugurado esse prédio. Em 1981 fiz o Primeiro Simpósio Internacional de Biotecnologia, em Piracicaba. Depois, durante cinco aos fiz todos os Simpósios de Biotecnologia de Plantas. Cada ano discutindo uma coisa, enquanto isso viajava.  Em 1988 fizemos mais um congresso e mais um livro foi publicado. Este ano recebi um diploma da Universidade de São Paulo, o vice-reitor veio me entregar: de Professor Emérito. Só existem 10 professores eméritos em Piracicaba. Eu sou o número 9. Foi uma festa maravilhosa.

 

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