domingo, março 03, 2019

VICTOR FERREIRA VITOLO PARTE I


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 15 de dezembro de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: VICTOR FERREIRA VITOLO

Victor Ferreira Vitolo nasceu a 1 de dezembro de 1930, na cidade de Olímpia, é filho de Alberto Vitolo e Maria Francisca Vitolo que tiveram nove filhos e uma filha por adoção Clóvis, Nicolina, Maria, Alberto, Victor, Rosalina, Diná, Belmira, Georgina e a filha adotiva Virginia. A profissão do seu pai hoje é denominada de Oficial de Justiça, na época era chamada de Meirinho. Sua mãe cuidava do lar. Foi matriculado em uma escola em Olímpia, tinha 8 anos e poucos messes, naquela época a idade para fazer a matricula era em torno de nove anos. Aqui cabe uma observação muito marcante. Convidado por outros colegas da mesma faixa etária foram “gazetear”, e assim fizeram por diversos dias. A professora muito zelosa, tratou de informar-se o porquê Victor estava faltando tanto. Um desses dias, ao voltar para casa, sua mãe com atitude severa indagou: “Victor, meu filho, você foi à aula? Tem ido todos esses dias?”. Prontamente ele respondeu: “Lógico! Aonde poderia ir...?” Levou uma boa “sova” de rebenque! Depois disso nunca mais faltou às aulas, nem mesmo quando passou a frequentar a  Escola Anita Costa. Em Olímpia não tínha um ginásio estadual, existia um ginásio particular, era o Colégio Reis Neves, estudou lá. Sua primeira professora foi Dona Oscarlina Breda. Um professor marcante foi João Simões Neto. Naquela época os professores eram severos, tinham uma autoridade que parece ter desaparecido, eram pessoas muito consideradas dentro da sociedade.
A sua permanência em Olímpia foi até que idade?
Permaneci até completar 24 anos. Comecei a trabalhar como auxiliar quando completei doze anos em dezembro, fui ajudar no cartório, fazer pequenos serviços, fui substituir por uns dias o Artur, que ia entrar de férias. Varria, abrias as portas do cartório, levava processos para o promotor, ia buscar processos na casa do juiz, na parte da manhã, a tarde eu levava os processos para o fórum. Lá só tinha uma vara, o juiz fazia tudo.  Um dos juízes que trabalhou lá foi Acácio Rebouças que nasceu em Ribeirão Preto em 1909, e formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1931. Ingressou na Magistratura em 1935, como juiz substituto. Ao longo da carreira na primeira instância, também trabalhou em Olímpia. No ano de 1956, assumiu o cargo de juiz do Tribunal de Alçada e, em 1960, foi promovido ao cargo de desembargador. Foi vice-presidente e presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo foi corregedor-geral da Justiça, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Faleceu em 2003.Trabalhei com os juízes Francisco Negrisolo, José Manoel Arruda e outro cujos nomes não me lembro.
Essa proximidade com o juiz dava-lhe um destaque entre seus amigos da mesma idade?
Eu percebia sim, mas não tinha vaidade nenhuma. Após terminar o grupo escolar passei a estudar a noite, trabalhava durante o dia e estudava a noite. Até os doze anos tive uma infância comum, de brincar na rua. Olímpia naquela época era pequena, só as ruas centrais eram calçadas com macadame. Não havia água nem esgoto, usávamos poço e fossa séptica. Minha mãe fazia farinha de mandioca, biju, eram feitas no tacho. Fazia polvilho também. Nós a ajudávamos nas horas vagas. Ela teve um problema de saúde, e o local recomendado para ela ficar era São José dos Campos. Minha mãe ficou praticamente dois anos no hospital para tuberculose. Ela sarou, viveu até os oitenta anos.  Nós ficamos sob os cuidados da minha irmã mais velha e da Virginia. Meu pai chegava à tarde, fazia um sopão, foi um período de grandes dificuldades para sobrevivermos. Naquele tempo não é como hoje que para ter um filho logo que a mulher engravida ela passa a ter uma assistência do Município, do Estado e da União. A meu ver o nascimento de uma criança deve ser preparado com muita conscientização da responsabilidade que representa.
Como foi a sua evolução no cartório?
Aprendi a escrever a máquina escondido do meu patrão, ele não deixava mexer na máquina. Eu chegava no cartório as sete horas, o Oficial Maior comprou um livrinho de datilografia e disse-me: “-Você vem de manhã, antes do expediente, a máquina era uma Remington, assim aprendi a datilografar. Quando o escrevente que trabalhava no fórum foi para São Paulo surgiu uma oportunidade, lá era acumulado: Civil, Criminal, Menores, Júri, Corregedoria Permanente, Eleitoral, Tabelionato. Era tudo acumulado em um cartório só. Com isso tive a oportunidade de ter um conhecimento muito grande na área. O Cartório de Registro de Imóveis era separado, trabalhei um ano e meio depois lá. Naquela época os titulares dos cartórios, pegavam o cartório em um concurso. O meu patrão Olímpio Campos, comprou o cartório, naquele tempo podia comprar um cartório. Depois é que veio o período em que se adquiria um cartório através de concursos. Teve um período em que o cartório era vitalício, hoje voltou a ser. Extrajudicial. Os cartórios judiciais são do fórum. Tínhamos que acumular todos os anexos, e muitos anexos eram praticamente gratuitos. O governo com os cartórios só obtém arrecadação, sem nenhuma contrapartida, sequer um lápis. Além de recolher os emolumentos, o cartório era obrigado a carregar serviços fins, tinha que ter bons funcionários, para renderem no serviço e o cartório ter algum ganho no tabelionato: escritura, procuração, autenticação e reconhecimento de firma. Naquela época não existia autenticação. Era muito raro o uso da autenticação.
O seu cargo era qual?
Era fiel. Praticava atos mas não podia assinar nada. Escritura, procuração, não podia fazer sem ser habilitado como escrevente. Tinha um escrevente que era muito bom, ele mudou-se para São Paulo. O Seu Olímpio, dono do cartório, ficou preocupado. Como iria fazer? Não havia gente para substitui-lo. O Oficia-Maior, o Rochinha, que tinha me mandado aprender a escrever a máquina escondido, aprendi a teclar sem olhar no teclado, precisava ser bom datilógrafo Tornando-se escrevente e indo para o serviço do fórum, sendo o escrivão que fica ao lado do juiz, tem que ser bom datilógrafo e rápido. O juiz não vai ficar esperando. Sei que naquela situação, o Rochinha disse ao Seu Olímpio: “-Temos o Vitinho aí!”. Seu Olímpio retrucou: “-Ele não sabe nem datilografar, como é que vamos fazer?” O Rochinha sugeriu que fizesse uma prova para que eu mostrasse o que sabia fazer. Seu Olímpio disse: “–Depois que fechar o cartório vamos fazer!”.
A tarde, cartório fechado, Seu Olímpio disse-me: “- Sente aí! Copie isso aqui”. Eu já tinha praticado a rapidez, datilografei.  Ele então disse-me: “Agora vou fazer um ditado!” Fez o ditado, virou para o lado e disse: “-Rochinha, ele está bom mesmo! Ele vai para o fórum, para fazer audiências com o juiz”. Passei a escrevente, e continuei estudando a noite. Após o colegial fiz o técnico em contabilidade. Tudo na Escola Reis Neves. No penúltimo ano de contabilidade eu tive uma proposta de uma pessoa que era escrivão em São Roque ele era de Olímpia, tinha feito o concurso e pegou o cartório em São Roque. A uma certa altura ele precisou de escrevente, fez uma proposta para mim, a minha intenção já era de ir para São Paulo. Eu queria ficar perto dos concursos de cartório. Estava muito interessado na carreira. Pedi a exoneração do cartório onde trabalhava e fui transferido para o Segundo Tabelionato de São Roque.
O senhor era funcionário do cartório, não era do Estado?
Nunca fui funcionário do Estado. Até algum tempo éramos considerados funcionários públicos, há até decisão do Supremo Tribunal Federal. Depois a lei mudou. Os titulares dos cartórios são permissionários. Só que é uma carreira ainda, tem que fazer o concurso. Fui para São Roque, passei a trabalhar no cartório, só que não existia Escola de Contabilidade na cidade. Tive que fazer o último ano de contabilidade na OSE - Organização Sorocabana de Ensino, de Sorocaba. Eu trabalhava até as cinco e meia, ia para o Hotel São Roque, onde morava, jantava, e pegava o ônibus da Viação Cometa que passava em frente. O que eu senti muito nessa mudança foi o frio. Tive que mandar fazer roupa de inverno. Foi um ano difícil, tive que me adptar a um estilo de ensino mais rigoroso, com persistência e fé eu conclui. Quando ele convidou-me para ir para São Roque, deu a entender que sua intenção era de permanecer por algum tempo e depois iria me arrendar o cartório, disse que não andava bem de saúde. Com o passar do tempo, percebi que ele não tocava mais no assunto. Ele ia me nomear Oficial Maior, nomeou a mulher dele. Fiquei quieto.  Estava desgostoso, assim mesmo fiquei de 1954 a 1956, até que apareceu uma vaga no Décimo Tabelionato de Notas, ficava na Rua Boa Vista, no prédio da Associação Comercial de São Paulo.  Fiquei no Setor de Procurações. Ali eu tive a oportunidade de estar sempre no Tribunal para ver a possibilidade de ter algum concurso para cartório no interior. Permaneci lá até 1961. Eu assinava o Diário Oficial em meu nome, eu que pagava a assinatura. Eu sabia que se você fosse titular de um cartório e sofresse desmembramento de território as leis anteriores davam o direito a quem perdesse território: seria removido para um cartório bem melhor. Em 1956 eu casei com uma moça de São Roque. Ela ingressou no magistério em Piedade. Tivemos duas filhas: Cintia Maria e Márcia Regina. A minha esposa removeu-se para São Paulo, para o bairro Capela do Socorro. Morávcamos na Rua Coronel Oscar Porto, no bairro Paraiso. O bonde saia da Praça João Mendes (centro) e ia até a ponte da Capela do Socorro. Arrumei um sobradinho, as duas meninas eram pequeninhas. Eu ia trabalhar de bonde. Era rapidinho. Trabalhei ali até ser promovido como titular ou Oficial do Registro Civil  (Proprietário) para um cartório em Paranapuã, na Comarca de Jales. Fui tomar  posse em setembro, Minha senhora ficou em São Paulo. Só em dezembro é que ela poderia escolher o local para lecionar. Dentro do Décimo Cartório de São Paulo trabalhavam quatro ou cinco colegas da mesma origem, inclusive o Rochinha. Lá só faziamos escritura, procuração, autenticação e reconhecimento de firma. Éramos mais ou menos 15 escreventes. Fora os auxiliares e datilógrafos. Era grande, um dos bons catórios naquela ocasião. Tinhamos depois cartórios que chegaram a ter 60 escreventes! Era o Sétimo Tabelionato de São Paulo. Em 1961 fui para Paranapuã, perante o juiz tomei posse.
Como se dá a posse do cartório?
É feita perante o juiz, o promotor e o escrivão permanente da comarca. É elaborado o termo de posse.
E a corregedoria do cartório como funciona?
Durante todo o período em que trabalhei na minha vida, havia a Corregedoria Geral, Corregedoria do Juiz da Comarca , lá no Itaim-Paulista tinha o Juiz Corregedor que era em SãoMiguel Paulista. Os juízes eram obrigados a fazer uma Correição Geral em todos os cartórios da comarca, sede distrito e distritos também.
O que é Correição Geral?
Naquele tempo usava-se selo. O juiz ia acompanhado de um fiscal do Estado, o juiz e o promotor, pegam um livro de escritura e verificam os atos. Uma das falhas comuns era a falta de assinatura de testemunhas, era comum naquela ´epoca sempre ter duas pessoas ligadas ao cartório que se prestavam como testemunhas, muitas vezes deixava para assinar depois, por estar ocupado no momento, não era má fé, era simplesmente para agilizar o processo. Testamento não, só o tabelião podia lavrar o testamento público, cinco testemunhas têm que estar presentes durante a leitura, tem que qualificar e endereçar todos. Testemunha por testemunha. Na hora que você vai ler para o testador pode fazer um ato interno, não precisa ser exposto. As testemunhas tem que estar  presentes. O tabelião lê, pergunta se é aquilo mesmo que ele está testando.(CONTINUA).


VICTOR FERREIRA VITOLO (CONTINUAÇÃO)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 22 de dezembro de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/          
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: VICTOR FERREIRA VITOLO (CONTINUAÇÃO)
Victor Ferreira Vitolo nasceu a 1 de dezembro de 1930, na cidade de Olímpia, é filho de Alberto Vitolo e Maria Francisca Vitolo. Do alto dos seus 88 anos, pode ser encontrado pela manhã, em sua caminhada matinal, com passos firmes, raciocínio rápido, descontraído, carrega consigo a experiência de muitas dificuldades vencidas, graças a um objetivo estabelecido e perseguido com incessante persistência. Casado em segundas núpcias com a Dra. Claudete Restani.  A narrativa da sua trajetória envolve décadas, fatos como a perda dos pais precocemente, já com 12 anos iniciou sua vida como auxiliar de cartório. Um faz-de-tudo. Fora das vistas do patrão, aprendeu e praticou datilografia. A máquina de escrever Remington era quase uma entidade intocável. Com a cumplicidade do seu chefe, o Rochinha, Victor como um predestinado estava dando os primeiros passos para uma carreira de sucesso. Tornou-se grande conhecedor das lides cartoriais. Recebeu um convite irrecusável, que logo percebeu que queriam de fato o seu conhecimento, sem a contrapartida que o atraiu. Removeu-se para o Décimo Cartório de São Paulo, onde trabalhou como escrevente. Em 1961 foi para Paranapuã, onde perante o juiz tomou posse como Oficial do Registro Civil  (Proprietário).  Bacharel em Direito formado em Itu, teve como professor de Direito Constitucional o atual Preseidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia.
O senhor chegou a realizar testamentos?
Só fiz um como serventuário público, de um colega do sub-distrito de Itaquera. Naquela época era o juiz que tinha que assinar o termo de abertura de todos os livros do cartório. Hoje o próprio titular autentica as folhas do livro. Quando era procurado para realizar um documento de testamento, em benefício da pessoa e dos envolvidos, eu aconselhava que a pessoa fizesse a doação com reserva de usofruto.
A sua família em dezembro de 1961 mudou-se para Paranapuã?
Exatamente! Eu sempre tive muita fé, e em todos os lugara para onde fui sempre encontrei um amigo. Amigos na vida, encontramos poucos. No período em que fiquei sózinho em Paranapuã, hospedei-me em uma pensão da família Salmazi, originária de Olímpia. Fui verificar o cartório, tinha um escrevente respondendo pelo cartório até ser provido. De imediato verifiquei que havia muitas falhas técnicas, Fui até o forum e requeri para o juiz fazer uma correição no cartório. Eu iria assumir, o cartório ficaria sob a minha responsabilidade. O juiz marcou a data, a pessoa que trabalhava lá não gostou muito, O juiz chegou, verificou que tinha muita coisa com rascunho, ou cópia com papel carbono, não havia sido transcrito no livro. O juiz determinou que eu fizesse todos os atos. Outra falha encontrada foi que não tinha sido recolhido o valor dos selos de impostos e taxas. O juiz disse-me: “- O senhor adquiriu os ativos e passivos. Aos poucos vai colocando tudo em dia”. Não aplicou penalidade nenhuma. Paranapã tinha uma característica: Trabalhávamos só na safra! Nascia uma criança, ou tinha um casamento, a pessoa vinha e dizia: “-Seu Victor, nasceu a criança, preciso do registro”. Eu fazia, e marcava em uma caderneta! Igual a caderneta que os armazéns usavam. Eu marcava e depois ele me pagavam na safra! Cheguei a fazer até escritura, a pessoa precisava da escritura para fazer financiamento bancário. Minha senhora lecionava no Grupo Escolar da cidade, eu comecei também a ser professor sustituto. Inclusive fui professor do segundo ano escolar da minha filha mais velha, a Cintia. No final do ano ela não passou, repetiu. Reprovei a minha filha! Ao lado da escola havia uma padaria que tinha um gerador de energia para movimentar as máquinas de fazer pão, fornecer luzes e demais aplicações. Fui lá e perguntei se o dono da padaria poderia fornecer energia. Ele forneceu. Coloquei uma bomba de água no poço, uma caixa d`água, nós tomávamos banho no chuveiro conhecido popularmente como “enforcado”. É um chuveiro com um depósito de água, o depósito é cheio e através de uma carretilha erguido acima da cabeça do banhista. Era uma região muito quente, mas caso desejasse poderia colocar uma parte de água aquecida. Com o depósito no seu lugar, era só abrir a torneirinha. Funcionava perfeitamente! Estamos falando de 1962, 1963!
Falar que não havia energia elétrica naquela região do Estado de São Paulo, nessa época parece uma coisa muito estranha. 
Aqui cabe uma observação, Paranapuã era um distrito pertencente a outro município, Dolcinópolis, onde havia energia elétrica. Usei um pouco dos meus conhecimentos para transformar Paranapuã em municipio. A arrecadação do nosso distrito era maior do que a arrecadação de Dolcinópolis. Eles recebiam a verba e não aplicavam nada em Paranapuã. Comecei a trabalhar para criar o municipio de Paranapuã. E chegamos lá, em dezembro de 1963 tinhamos criado o municipio! Só que veio a Revolução em março de 1964, tinha que ser realizada a eleição para primeiro prefeito, primeiro vereador. Com a Revolução foram suspensas todas as eleições.
O municipio já havia sido criado, mas não tinha autonomia?
A época das eleições chegaram, mas ainda dependíamos politicamente de Dolcinópolis. Um povoado chamado Mesópolis, foi elevado a Distrito. Eu perdi território, lá iria abrir um cartório. Em Paranapuã ficamos esperando as decisões políticas para realizar as eleições na cidade. Um grupo me indicou para ser prefeito de Dolcinópolis, Outro grupo indicou outro candidato. Na convenção eu ganhei. Fui candidato a prefeito. Lançaram um candidato de Mesópolis, Fomos à rádio, fizemos comícios, carreatas, estava uma beleza! Uns dias antes das eleições, escreveram nas paredes de Paranapuã: “Somos assim: a enxada contra a caneta.” Isso em uma região puramente rural. Outra frase: “ Cuidado com a caneta”. Outra frase: “Ele é um forasteiro.” Eu tinha muito conhecimento em Jales, lá era a sede da Comarca, conhecia todos os advogados, inclusive eles me levavam serviço. Captei serviço na cidade de Jales, onde havia dois outros tabelionatos, até o Oficial da Comarca quando tinha algum serviço complicado mandava para nosso cartório. Eu fazia muitos contratos de arrendamentos, tinha um moço, cujo pai havia conseguido uma área de 1600 alqueires (cada alqueire mede 24,200 metros quadrados), ele deveria lotear áquela área e implantar uma reforma agrária. Flávio era o nome do filho, ele foi me procurar no cartório, ele e o pai moravam em São Paulo. Conversamos por um bom tempo, até que ele me perguntou: “-Você tem onde morar?” Disse-lhe: “-Estou procurando!” Na fazenda havia uma casa modesta, que ele havia cedido para as professoras morarem lá. Fomos até a casa, ele disse: “A partir de dezembro o Seu Victor vai mudar para cá com a família”. Ele disse ter sido muito bom eu ter ido para Paranapuã, o escrivão anterior não era dedicado. O pai dele loteou os 1.600 alqueires, em lotes de 10, 20, 30 até 50 alqueires. E vendeu como reforma agrária. Ele fez a cidade com lotes de 10X25 metros, a corretagem ele passou para mim, comecei a ganhar um dinheirinho. A casa que ele cedeu para que eu morasse, disse que quando eu pudesse pagar ele falaria quanto era, ele nunca disse o valor!
Você tem algum hobby?           
Era trabalhar! Mas em 1980, nessa época eu morava em Indaiatuba, em uma ocasião, com uns colegas, fomos pescar no Rio Coxim, em Mato Grosso do Sul. Estávamos subindo o rio, com uma filmadora eu estava registrando a nossa aventura. Um barco passou por nós, provocando um forte movimento de água. Para ter uma visão melhor, eu estava sentado em uma cadeira de praia...sem ser fixada. Fui lançado na água. Com roupa jeans, mangas protetoras, botina, afundei, só que sempre tive a instrução para não perder a calma, sabendo nadar, “boeei” a uns 200 ou 300 metros do barco. Procurei nadar no sentido do barranco mais próximo. O barqueiro virou a direção do barco, me alcançou e fui recolhido, todo molhado. Os companheiros queriam encerrar a pescaria ali, eu fui firme, agradeci a gentileza e disse: “ Vamos continuar a pescaria!” Continuamos, passamos um dia normal, com uma boa coleta de peixes!
Em Paranapuã quanto tempo o senhor permaneceu?
Fiquei de 1961 até janeiro de 1967. Eu era o preparador eleitoral de Paranapuã, aumentei o eleitorado. Muitas pessoas ainda mantinham ao titulo eleitoral com a cidade de origem, não tinham feito a transferência. Em menos de um ano fomos autorizados a fazer a eleição em Paranapuã. Fiz uma viagem para São Paulo, para acertar os detalhes da eleição no Tribunal, fui com José Ribeiro, amigo da política, Viajamos pela Estrada de Ferro Araraquara, fomos jantar no trem, conversamos, até que ele disse “-Vamos conversar de homem para homem. Na eleição agora você vai ser candidato?”  Disse-lhe: “- Se me escolherem novamente serei candidato”. Foi quando ele disse-me: “ Eu vou ser candidato!”. Disse-lhe: “Nesse caso não serei candidato”. Ele sugeriu, eu aceitei a ser candidato a vereador. Ganhamos a eleição. Fui eleito com a maioria de votos, por consequência tornei-me o Presidente da Câmara. Instalamos a Câmara Municipal de Paranapuã. Naaquela época vereador não tinha salário, não ganhava nada. Só tinha despesas do próprio bolso. Pedi ao meu Oficial Maior do Cartório para ser meu secretário na Câmara. Também não ganhava nada. Faziamos duas ou três reuniões por mês. A noite, no salão iluminado com gerador a diesel. Fui presidente da Câmara de 21 de março de 1965 a 21 de março de 1966. As coisas começaram a funcionar normalmente, até que começaram a desandar. O prefeito nomeou o cunhado dele como tesoureiro da prefeitura, o que é proibido por lei, nomear parentes até terceiro grau. Eu o alertei. De nada adiantou. Disse-lhe: “ Toda compra acima de “X” só pode ser feita por concorrência pública”. Uns dez ou quinze dias depois ele apareceu com uma caminhonete novinha. Após assumir o “puder” como diz um famoso politico, ele tornou-se outra pessoa. Virou um bicho. Era tudo estrada de terra, precisávamos de uma motoniveladora. Vim na Caterpillar de Campinas. Ficava em noventa e dois milhões na moeda da época. Seria paga através de crédito consignado do fundo de participação dos municipios. A caminhoenete ele devolveu! Eu disse a ele:  “ Eu não aprovo isso!”.  Dois meses depois ele passou no cartório e me pegou no fusquinha dele, estavamos na estrada de Jales, chão de terra. Ele parou, e disse-me: “ Aquele projeto que eu mandei para a Câmara eu quero que você aprove até amanhã!”. Era para pagar uma motoniveladora usada que ele tinha comprado. Ela estava no posto do Nenê, no centro de Jales. No dia seguinte fui ver a motoniveladora. Custou sessenta e dois milhões. Os pneus estavam três arriados, no chão. Tinham pintado com uma tinta que parecia de parede. Voltrei para Paranapuã, peguei mais dois vereadores e levei para ver a motoniveladora. A documentação estava rasurada, era um veículo com mais de doze anos, tinham alterado a data. Uma falsificação grosseira. Na Câmara expus tudo o que constatei. Resultado da votação: ¨X” a favor dele, inclusive um vereador era irmão dele.
O que o senhor fez?
Disse-lhe: “ Está aprovado! Só que vou denunciar!” Fiz um ofício e mandei para o Presidente da República Humberto de Alencar Castello Branco. Disse isso publicamente, e o prefeito estava ali fora do prédio. De fora ele gritou: “Se você me denunciar ou denunciou, uma das mulheres, minha ou sua vai chorar viuvez”. O povo todo ficava alvoroçado, estava pegando fogo na política do lugarejo. Eu não tinha intenção nenhuma de matar uma pessoa, não nasci para isso. Os dois policiais militares de Paranapuã Altervir e Wanderlei frequentavam o cartório, ali todos se conheciam. Eles disseram-me: “O José Ribeiro anda dizendo que se for cassado é melhor você se prevenir, porque ele anda armado”. Comecei a trabalhar no cartório com o revólver em cima da mesa. Um dia encontrei-me com Roberto Rollemberg, era deputado federal, ele convidou-me para sentarmos e conversarmos. Então disse-me: “Sou seu amigo, tenha cuidado com o Zé Ribeiro, ele disse-me que se receber um IPM (Inquérito Policial Militar) ele te mata”. Um dia fui ao Fórum levar um documento para o Juiz Dr. Joaquim Ribeiro do Val. Ele disse-me “-Está um buchicho que o Zé Ribeiro está muito bravo com você”. Expliquei ao Dr. Joaquim toda a história, as bravatas do Zé Ribeiro que dizia: “-Eu sou o prefeito, eu é que mando!”. “O meu papel como vereador é a de fiscalizar os atos do prefeito. Assim como a Assembleia Legislativa fiscaliza o Governo do Estado, o Congresso fiscaliza o Governo Federal”
Qual foi a sua atitude?
Diante das circunstâncias, o mais razoável seria usar a inteligência a meu favor. Poderia destruir a minha vida se agisse por impulso. Em dezembro, peguei meu Volkswagen e passei por muitas cidades, disse à minha mulher: “Você vai escolher onde quer morar!”. Ela escolheu Indaiatuba. Ela passou a lecionar em um grupo escolar de Indaiatuba. Pedi para o Oficial Maior ficar cuidando do cartório. Sai de Paranapuã com a minha família e a mudança, sem avisar ninguém. Quando o povo descobriu que eu tinha ido embora queriam ir me buscar, foram dissuadidos pelo Edmundo, o Oficial Maior. Eu tinha sido secretário da Associação de Escreventes e Fiéis em São Paulo, arrumei uma casa em Indaiatuba que pertencia a um amigo dessa época. Os vizinhos ajudaram a descarregar a mudança! Tirei licença da Câmara de Paranapuã, naquele tempo os cartórios abriam aos sábados, entrei no Primeiro Cartório de Notas e Registro de Imóveis, perguntei quem era o serventuário, era o Seu Lita, o nome dele era Luiz Teixeira de Camargo, ele perguntou-me o que eu sabia fazer de cartório. Disse-lhe que sabia fazer tudo. Ele disse que estavam precisando de alguém para fazer serviços de fórum. Na segunda-feira comecei a trabalhar como auxiliar, enquanto não me exonerasse de Paranapuã não poderia ser nomeado em Indaiatuba. Ele tinha um filho, José Luiz Teixeira de Camargo. o Zé Lito, era o oficial maior. O Edmundo vinha todo mês, prestava contas. Renunciei ao cargo de vereador, pedi demissão do cartório e fui nomeado escrevente em Indaiatuba.
Como estava a situação política em Paranapuã?
Em Indaiatuba recebi um comunicado para participar de um IPM em Dolcinópolis. Fui para lá, só que antes pernoitei em Jales. Lá tinha muitos amigos, disseram que as coisas estavam feias lá em Paranapuã. Fui até Dolcinópolis, um tenente-coronel e um escrivão me receberam, perguntaram-me se eu tinha feito a representação, disse que sim, confirmei. Peguei meu carrinho e vim embora. Gostava de viajar a noite.
Que fim levou o IPM?
Não sei, porque o José Ferreira faleceu em um acidente com a caminhonete da prefeitura dirigida por um funcionário. O vice-prefeito assumiu.
E em Indaiatuba?
O Seu Lita era titular do Cartório de Registro Civil e Anexos. Indaiatuba passou a ser Comarca ele teve o direito de escolher o cartório que ele quizesse: Primeiro, Registro de Imóveis, Anexos, Tabelionato, ele não quiz o Registro Civil. O Rochinha foi nomeado para o Registro Civil, eu continuei despachando com o juiz, fiz juri. Os criminosos presos em flagrante negavam com total convicção. Negar o mal feito é regra geral. Talvez se a confissão abrandasse a pena alguns confessariam. O Rochinha foi aposentado compulsóriamente. Aí entrei no concurso. Eu já tinha sido convidado a ser candidato a prefeito de Indaiatuba. Era muito bem relacionado com o povo. Não aceitei por aconselhamento familiar. Eu desejava ir para São Paulo. Descobri que havia um distrito de São Paulo chamado Itaim-Paulista. O Tribunal não abria o concurso porque o local estava subordinado ao Cartório de São Miguel Paulista. Fui falar com o presidente da Assembléia Lagislativa Luis Carlos Santos. Expliquei todos os detalhes, era um local com mais de 100.000 habitantes, sem cartório. Fui até o Palácio dos Bandeirantes, dali a uma semana saiu o decrete para instalar o Cartório de Itaim-Paulista e responder cumulativamente pelo Cartório de Indaiatuba. Um outro amigo, João Genésio de Almeida, escrevente do Sexto Tabelião de São Paulo, viu o decreto me nomeando, fui para São Paulo, em seguida fomos para Itaim-Paulista, procurar um salão para instalar o cartório. Achamos um que estava para alugar, o proprietário tinha construido para ele colococar um cartório! Quando soube, ficou pasmo, acabou alugando. Fui até a Corregedoria, me deram posse. O João Genésio deu-me a chave da sua caminhonete para trazer metade dos móveis que eu tinha em Indaiatuba. E funcionários? Como eu iria arrumar pessoas aptas? Escrevente você não arruma num estalar de dedos. Conversei com duas funcionárias do meu cartório, aluguei um apartamento para as duas, e trouxe também o José Messias Bertolino, que era um menino que começou a trabalhar comigo aos catorze anos. Uma moça que passou lá, viu que tinha sido instalado um cartório , contratei ela também. Ela trabalhava no Cartório de São Miguel Paulista, trouxe mais duas funcionárias. A primeira vez que fui visitar o Cartório de São Miguel Paulista o Oficial (proprietário) do cartório achou que era um velhinho caquético, pelo número de pontos que eu tinha acumulado em minha carreira! Pedi afastamento de Indaiatuba, deixei o Oficial Maior. Fui exonerado do cartório de Itaim Paulista e nomearam uma pessoa de Itaquaquecetuba. Fui falar com o juiz, expliquei o fato. Os advogados foram até a rádio, fizeram um manifesto, em meio dia conseguiram seiscentas assinaturas a meu favor. Mandaram uma cópia para o juiz também. O juiz perguntou quanto eu gastei até o momento, com aluguéis de dois apartamentos, um para mim e outro para funcionárias, do prédio, enfim minhas despesas. Calculei em 90.000 reais. O juiz mandou chamar o cartorário recém empossado. Apresentou-nos um ao outro, Disse-lhe: “O senhor Victor gastou para instalar o cartório, trazer funcionários, fora os aborrecimentos. O senhor tem que depositar 90.000 reais para exercer o cargo de interino”. “Ele respondeu: “Eu não tenho nem 9.000 reais doutor, me arrumaram isso aí!”. O juiz perguntou: “Então o senhor não vai tomar posse?”. Ele disse: “De jeito nenhum!” Após algumas providências o juiz me nomeou. Continuei lá, comecei a fazer propaganda do cartório. Paguei para um carro com alto-falante, anunciar o cartório. Conseguimos, o Messias trouxe a sua família. Nisso abriu o concurso para assumir o cartório. Eu entrei, tinha a melhor pontuação, busquei cartas de referências de juízes, desembargadores. Fui nomeado. Fiquei por oito anos quando completei 50 anos de serviço em cartório pedi a aposentadoria, isso foi em dezembro de 1992. Deu mais porque no período em eu trabalhava não tinha férias, licença-prêmio, não sai de licença. Fui Comissário de Menores em Olímpia e São Roque. 
Na comemoração dos 105 anos de nosso Lar dos Velhinhos, denominado Primeira |Cidade Geriátrica do Brasil, o ilustre presidente Dr. Jairo Ribeiro de Mattos pediu a todos os moradores e beneméritos a colaborarem na edição 1906-2011, o que fizemos conforme consta nas páginas 83 e 84 o artigo “A Procura”.


sábado, março 02, 2019

LUIS ALBERTO AGUIAR GODOY


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de março de 2019.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: LUIS ALBERTO AGUIAR GODOY
Luís Alberto Aguiar Godoy nos recebe em seu apartamento, no Lar dos Velhinhos de Piracicaba. É um morador que chegou há pouco tempo. Seu quarto tem uma cama de solteiro, um guarda roupas e uma mesinha ao lado da cama. É confortável, porém sem nenhum adereço, como quadros, imagens, fotografias. Luís Alberto dispensou o que lhe é supérfluo. Psicólogo, professor de línguas, foi funcionário público municipal, sempre teve grande apreço pela pintura. Pintou inúmeras telas. Hoje não guarda nenhuma em seu quarto. Encontro em Luís um homem simpático, de bom humor, que sorri, jamais se lamentou no tempo em que conversamos. Luís é cego, ou diríamos de forma politicamente correta: portador de total deficiência visual. Portador do glaucoma, uma doença ocular que altera o nervo óptico e leva a um dano irreversível das fibras nervosas, doença causada pela pressão ocular ou alteração do fluxo sanguíneo do nervo óptico. Luís calmamente conduz seu ouvinte a uma reflexão profunda sobre as maravilhas do corpo humano, da natureza. Suas palavras saem de forma natural, mas calam profundamente. Sua garra em descobrir a sua nova realidade, com otimismo, torna-se uma grande lição. Ao sabor do bate-papo, diz: “Deixei de ver o mundo exterior para conhecer o meu mundo interior, tem sido muito importante em minha vida.” Luís Alberto Aguiar Godoy casou-se, tem um filho: Douglas Robert.
Em que dia o senhor nasceu?
Nasci no dia 17 de maio de 1951 aqui mesmo em Piracicaba, meus pai moravam na rua Luiz de Queiroz, próximo ao Rio Piracicaba. Meu pai é Antonio Di Santi Godoy e minha mãe Maria José de Aguiar Godoy. Tiveram seis filhos: Celina, Celso, Ademir, Aristides, Luís e José Sérgio.
Qual era a profissão do seu pai?
Meu pai era enfermeiro. Minha mãe era do lar.
O curso primário o senhor estudou em qual escola?
Estudei no Grupo Escolar Moraes Barros, minha primeira professora foi Da. Maria Ângela, Seu José Piedade, Inês e Gleisi Morini. Fui estudar o Curso Técnico Agrícola no Colégio Agrícola Dr. José Coury em Rio das Pedras. Depois fiz o curso Técnico em Eletrônica e Telecomunicações no COTIP Colégio Técnico de Piracicaba. Depois fiz a Faculdade de Psicologia, na Unimep. É um estudo que está no sangue! Depois estudei Inglês, Espanhol, Italiano. Trabalhei por 30 anos na Escola Fisk, em Piracicaba e diversas cidades da região. Abrimos várias escolas, eu acompanhei o andamento, eu estava sempre em atividade. O idioma que predominava era o inglês. Inicialmente a Fisk ficava na rua Rangel Pestana, 940. Depois transferimos para rua Benjamin Constant, entre a rua Treze de Maio e a Rua Voluntários de Piracicaba.
Nesses 30 anos lecionando, o senhor conheceu muita gente!
Conheci! Parei de lecionar assim que comecei a dar sinais de perda visão. Dei aulas no Centro Cívico, na Prefeitura. Trabalhei muito tempo na Prefeitura Municipal de Piracicaba como agente de zoonose. Nessas andanças começaram os sintomas da cegueira. Dei por muitos anos aulas de inglês para a Guarda-Civil, Bombeiros, Polícia Civil, Polícia Militar.
Como se deu o processo de perda de visão?
Foi um processo aos poucos, houve uma evolução da catarata, procurei diversos especialistas, como a Dra. Keila em Campinas, na Unicamp, estive em Ribeirão Preto, em Sorocaba no BOS Banco de Olhos de Sorocaba, Um bom tempo em São Paulo no Instituto Suel Abujamra, tive um bom acompanhamento, infelizmente o glaucoma é muito alto e tornou-se impossível a intervenção cirúrgica.
Não tem nenhuma relação com diabetes?
Graças a Deus eu não tenho esse problema! (Risos)
Cuidar da saúde, realizando exames preventivos com regularidade é uma medida que principalmente os homens, devem tomar?
Com certeza! Eu tive câncer de próstata, felizmente era um tumor benigno, fiz a cirurgia e fiquei curado.
AVISTAR é uma entidade sem fins lucrativos, que visa promover condições favoráveis ao pleno desenvolvimento das pessoas com deficiência visual, o senhor já a conhece?
Devo começar a frequentar em abril próximo. São muito simpáticos, gostei muito deles. Lá sei que vou poder experimentar todos os recursos disponíveis. Eles tem recursos e muito apoio. Fornecem muitos cursos, posso ter a felicidade de ganhar um cão guia. (Luís emociona-se), sempre fui muito ativo, não parava, o pessoal dizia: “Você parece que tem formiga no pé!”.
Há quanto tempo o senhor perdeu a visão?
Perdi a visão há doze anos.
O seu mundo transforma-se totalmente?
Com certeza! O mundo está todo dentro de mim. Não estou isolado, estou sempre em contato com o mundo. Sou quieto. Dentro de mim tenho a percepção, só faltou a visão, tenho muita percepção, no tato, a audição é hipersensível, isso as vezes até me atrapalha. Escuto muita coisa.
Isso significa que o senhor já adaptou-se nesse período?
Não é muito fácil receber um diagnóstico dessa natureza, a cautela faz-se necessária. Quando recebi a notícia tive que repensar a minha vida. Parar. Refletir. Analisar.
O fato de ser psicólogo o ajudou?
Essa condição me levou a fazer uma autoanálise profunda. Cada momento, cada dia, estou me analisando. O por que dos porquês? Por que isso? Porque sim, porque não. Sem uma busca do fato, mas sim da razão que provocou o fato.
Obviamente que o senhor gostaria de desfrutar das belezas que o mundo nos dá, mas também tem a compensação, que é a reflexão profunda do seu conteúdo interno?
Em meu íntimo, sinto pena de algumas pessoas, que embora tenham visão perfeita, são ofuscados pelo poder, pela ambição, enxergam menos do que eu.
Quando jovem o senhor frequentava cinema, clube?
Frequentava de tudo! Era sócio do Clube Cristóvão Colombo, ia nas baladas, nos bailes, nas brincadeiras dançantes, eu morava na rua Riachuelo, próximo ao SESC situado a quatro ou cinco quarteirões de casa. Eu não saia do SESC.
Na rua Ipiranga morava um senhor que tinha uma perna de pau, conheceu?
O Zé Pirata! Morava em frente de casa! Ele era locutor na rodoviária de Piracicaba, anunciava as partidas de ônibus. Eu tinha bastante amizade com ele. Ele ganhou uma perna mecânica, mas não se adaptou. Ficou com a perna de pau mesmo, até falecer. Na rua do Rosário, onde termina a rua D.Pedro II tinha a piscina do Colégio Piracicabano, navia uma escadaria enorme, ia até a piscina, nadei muitas vezes lá. Na rua do Rosário há uma igreja, ali funcionava o Dispensário dos Pobres, eu ia assistir missas nessa igreja. Nessa época eu participava do movimento jovem, nos reuníamos na Igreja dos Frades, eu tinha um grupo de oração no Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe, na rua Boa Morte.
Algumas pessoas passam por situações que modificam a sua vida, acidentes com sequelas, são pessoas que lutam com muita garra. O senhor como se posiciona perante a vida?

Nunca pensei, aconteceu isso, acabou a minha vida. Pelo contrário, dentro de mim fica agitado, movimentado. Tive muita atividade, tenho muita coisa dentro da minha cabeça. A perda da minha visão não significa que a vida morreu para mim. Pelo contrário, eu adquiri muita coisa, e pretendo fazer muita coisa. Eu fui pintor de quadros, participava de Salão de Belas Artes, tenho um no Museu Prudente de Moraes. Minha pintura é acadêmica. Pintava a óleo, aquarela, nanquim, bico de pena. Meu forte era pintura a óleo. Frequentei escola de pintura, mas o meu mestre foi Alberto Thomazi, aprendi muita coisa com ele. Ele morava vizinho de casa, eu não saia da casa dele. Aprendi a fazer escultura barroca, santos barrocos, tudo esculpido em madeira. Tive obras premiadas em Piracicaba. Participei de várias exposições em cidades vizinhas. A pintura me expandiu bastante. Eu gostava muito de pintura.

Quais sentimentos a pintura e a escultura trazem ao senhor?
Transmitia muita calma, por exemplo, ia para Tietê, escolhia um lugar, sentava um cavalete, procurava ver a natureza, tentar transmitir para a tela o que via e sentia.
O senhor dirigia automóvel, motocicleta?
Cheguei a fazer o curso de moto na Honda Moto Way, meu primeiro automóvel foi um Fusca vermelho.
O senhor acompanha os noticiários?
Gosto muito das reportagens!
Qual é a sua opinião sobre o mundo atual?
O mundo está indomável! A humanidade está muito materialista, demais. A ambição é demais. Ela cresce na cabeça da pessoa, a pessoa se transforma completamente, perde todo sentimento, o querer ter o poder na mão!
Com a sua experiência, seria útil se cada pessoa parasse diariamente, por dez minutos, fechasse os olhos, e olhasse em seu próprio interior?
É o que eu faço! Não digo 24 horas, mas um bom tempo em que fico aqui. Sento-me e fico meditando. Se as pessoas fechassem os olhos todos os dias, por 10 minutos e fizessem uma auto crítica, este mundo seria muito diferente. Nesses 10 minutos interiorizar-se e aos poucos ir soltando-se, liberando coisas que está em seu interior. Nem você mesmo sabe o que está dentro de você! São muito poucos os que conhecem a si próprio! Chega depois aquele ponto em que a pessoa diz a si mesma: “Ah! Se eu fizesse isso! Ah! Se eu fizesse aquilo! Ah! Se eu deixasse isso! Ah! Se eu deixasse aquilo!”. Se assim que você levantar ou deitar, por 10 minutos fechar o olho e não pensar em nada, irá se libertar de tudo e de todos! Irá sentir uma paz de espírito tão grande!
O senhor acredita em Deus?
Com certeza! Se não fosse Ele eu não estaria aqui! E Ele não estaria fazendo tantas maravilhas comigo ainda! Sempre há uma esperança.
O senhor reza?
Antes de você chegar eu estava meditando, que é uma forma de oração, a oração convencional cristã eu faço ao me levantar e ao deitar. Quando termino de orar, minha cabeça fica agitando, memorizando, agradecendo, procurando que Ele me esclareça as coisas que estão ao meu redor, dar entendimento para discernir o “sim” do “não”, o certo do errado, é difícil, mas a gente tenta! O mundo é tão maravilhoso, tão gratificante! Mesmo para um cego há tantas coisas maravilhosas nesse mundo! Quem enxerga bem não enxerga tanta coisa como um cego enxerga!
O senhor costuma sonhar?
Quem não sonha? Também quando durmo sonho bastante! Vejo as imagem bem nítidas! Vejo imagens muito coloridas!
Quem escolhe suas roupas para usar durante o dia?
Sou muito independente, a cuidadora só me conduz quando necessário. Mas os cuidados de higiene, minha barba, eu mesmo faço.
Àquelas pessoas que acham que só elas tem problemas, qual é o seu conselho?
Independentemente da posição social que a pessoa ocupa, acredito que ela deve ter momentos de autocritica, autocontrole, autoanálise. Parar, pensar, analisar por que dos porquês. Tentar, tentar, é difícil, aos poucos ir se enquadrando dentro dos seus limites.
Pessoas que ocupam altos cargos, tem poder aquisitivo muito alto, em muitos casos vivem uma vida de aparências?
A maior parte sim. É interessante que essas pessoas façam uma reflexão enquanto ainda podem mudar. A doença não escolhe momento ou lugar. Independentemente do tipo da doença.
Do que o senhor gosta de Piracicaba?
Sempre gostei de Piracicaba. Nasci e me criei aqui. Saia na Escola de Samba Zoom-Zoom. Eu, meus irmãos, em casa era a concentração do nosso grupo. Sou da época das escuderias: Zoom-Zoom, Equypelanca, Equype-Chato, Equiperalta. Havia uma competição acirrada entre as escuderias. A Rádio Difusora fazia as célebres gincanas. Embaixo do Clube Coronel Barbosa tinha a lanchonete da moda:  Karamba`s. Depois veio o Daytona, na esquina da rua São José com a Praça da Catedral, onde há um banco hoje. Tinha a réplica de um carro de corrida, em tamanho natural, ficava em um nicho inclinado. Andei muito de bonde, até para ir para a escola. Geralmente ia no estribo do bonde, descia com o bonde andando.
Com quantos anos você começou a trabalhar?
Com treze anos comecei a trabalhar no Restaurante Mirante, era cumim (auxiliar de garçom), ia levar cafezinho, refrigerante, limpava a mesa, arrumava a mesa. Eram três proprietários: Argeu Pires Neto, Olindo Rondino, morava em Campinas, o irmão dele, Júlio Rondino, que morava em São Paulo, foram donos do Restaurante Mirante. Saí de lá depois que fiz o Tiro de Guerra. Nesse período o restaurante foi vendido para Antonio Benitez, Oswaldo Fernandes, que era goleiro do XV de Piracicaba, Henrique Cardoso, proprietário da Bobinas Mopar. Conheci os filhos do Benitez: Ariovaldo Benitez, o Vado, Antonio Carlos,  Augustinho Benitez,  o Gustinho.
Você lembra-se de alguma pessoa famosa que foi atendida por você?
Quem estava sempre lá era o ex-ministro da agricultura, Dr. Hugo de Almeida Leme, inclusive, lá ele teve o seu primeiro infarto. O Restaurante Mirante era um cartão de visitas da cidade, situado à beira do Rio Piracicaba recebeu inúmeras personalidades. O peixe pintado, feito na brasa, foi uma das marcas registradas de Piracicaba. O que eu ganhava de caixinha! Vinha com os bolsos cheios, minha mãe esquentava o ferro de passar roupa e passava nas notas. Minha mãe abriu uma poupança para mim no Banco Moreira Salles, que mais tarde passou a ser o Unibanco. Foi lá no Mirante que nasceu a minha vontade em cursar línguas, atendia muitos visitantes de outros países. Conheci uma senhora americana, Eva Wilson. Ela me orientava. Fiz um quadro do Pavilhão Central da Esalq refletindo naquele lago. Dei à ela.

SHEILA CONCEIÇÃO TRICÂNICO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 23 de fevereiro de 2019.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 

ENTREVISTADA: SHEILA CONCEIÇÃO TRICÂNICO

Sheila Conceição Tricânico nasceu a 23 de outubro de 1947, no Bairro Alto, Piracicaba. Filha de José Antonio Tricânico e Argemira Belluco Tricânico que tiveram os filhos: Madalena, João, Sheila e Marina.
Você estudou inicialmente em qual escola?
O curso primário estudei no Grupo Escolar Dr. Prudente de Moraes. Morava a duas quadras e meia da escola! Em seguida fui estudar no Instituto de Educação "Sud Mennucci", onde fiz o ginásio e o colegial.
Qual era a profissão do seu pai?
Meu pai trabalhou a vida inteira na Prefeitura Municipal de Piracicaba como agrimensor, habilitado para medir, dividir ou demarcar terras ou propriedades. Meu irmão João era também topografo na Prefeitura.
Os seus avós vieram da Itália?
Os 4 avós vieram da Itália! Da Calábria! A minha avó materna não veio da Calábria. Meus avós paternos eram João Tricânico e Maria Madalena Tricânico. Avós maternos eram Lucia Tavernari e Ernesto Belluco.
Você reside na Vila Rezende há quantos anos?
A casa em que estamos foi construída há 50 anos. A obra foi feita por um grupo de funcionários que se cotizaram, alguns trabalhavam na Prefeitura, Companhia Paulista de Força e Luz, Banco do Brasil, além de mais alguns funcionários de outas empresas. Construíram uma série de casas dando origem ao bairro Cidade Azul. A empresa que construiu era de Rio Claro, quem deu o nome foi Diocleciano Villar só que agora pertence ao Jardim Monumento, embora na documentação conste como Cidade Azul. Quando me casei sai desta casa, só voltei muitos anos depois. O Hospital dos Fornecedores de Cana HFC já existia, só que era ainda pequeno. Aqui nada era asfaltado.
Após concluir seus estudos no Instituto Sud Mennucci você foi trabalhar?
Com 21 anos fui trabalhar como propagandista de laboratório farmacêutico! Fui a primeira propagandista de laboratório da região! Era o Laboratório Pinheiro Guimarães, hoje não existe mais. Era um laboratório que também fabricava o soro antiofídico. Eu visitava todas as cidades: Piracicaba, Limeira, Rio Claro, Americana, fui para Pirassununga, entre os 120 propagandistas do laboratório no Brasil, eu era a melhor. Era quem ganhava mais prêmios. Eu não vendia, só visitava os médicos, tinha um vendedor que atendia as farmácias nos locais onde eu trabalhava, era dos vendedores o que mais ganhava prêmios. Todas as vezes que tinha reuniões em Campinas ou São Paulo, eu era a loirinha de Campinas que sobressaia. Eles queriam saber porque o meu vendedor vendia! Eu era super encabulada! Eu entrava nos consultórios médicos, visitava todos os consultórios de Piracicaba, isso por volta de 1971. Eu entrava no consultório, a minha roupa era muito bonita, chamava muito a atenção.
O que tinha de tão especial a sua roupa?
Eu me vestia como uma aeromoça!
Você comprou aqui em Piracicaba mesmo?
Foi feito por um alfaiate. Era um terninho azul Royal, blusa branca de golinha, gravata vermelha de crochê, meia de nylon, sapato social e uma bolsa muito bonita. Era tudo feito com materiais da melhor qualidade, o laboratório pagava tudo.  Tanto que o primeiro dia em que eu estava na Praça José Bonifácio o fotógrafo Cícero Corrêa dos Santos, quis registrar a “aeromoça” que estava causando furor no centro da cidade. Algo incomum a cidade ter uma aeromoça!
Você locomovia-se como?
A única coisa que eu não quis foi carro. Usava taxi, em Rio Claro andava de charrete. Quando eu chegava no consultório os colegas representantes falavam: “Atenção! Atenção! Vai partir o voo 734 pela Varig! Embarque portão 5!” Entravamos na sala do médico todos os representantes dos laboratórios que estavam presentes, a rigor, como mulher eu deveria ser atendida primeiro, eu não falava nada, porque no meio de 10 a 15 homens, o que eu iria falar? Eu tinha 21 a 22 anos! Só que os remédios que eu representava eram bons.
Qual era o remédio que fazia mais sucesso?
Era a Leiba ! Melhora o funcionamento intestinal, dificultando o desenvolvimento de flora bacteriana patogênica. Eptosse. Taquicurim que era um anestésico para intervenções cirúrgicas rápidas. Eu descrevia as propriedades dos produtos, mas o médico percebia que eu estava encabulada dizia: “Filha! Pode deixar, eu sei tudo!”. E receitava tudo mesmo! Quando eles lançaram Eptosse, esgotou na praça. Os médicos ficaram loucos da vida. Liguei para o laboratório e disse: “-Como vocês mandam fazer uma propaganda depois não tem o produto para entregar?”. A resposta foi: “- Nós queríamos testar a capacidade das propagandistas!”. Tinha propagandista na Argentina e eu era melhor do que o propagandista da Argentina também!

Aconteciam fatos curiosos?        

Aconteciam! Um dia eu estava em Rio Claro, bati em alguma coisa, a minha bolsa abriu. Caiu toda a minha Leiba no chão, quebrou tudo. Eu fiquei desesperada, o médico não sabia o que fazer, nem a secretária, a enfermeira. Fiquei arrasada, vim embora, pensei nem vou mais trabalhar, agora vão me mandar embora. Disse ao médico: “-Agora vão me mandar embora doutor! Como vou fazer após um vexame desses?”. Eu era nova, o Nelson, marido da minha irmã Madalena, era propagandista também, e ele que tinha dito que o laboratório estava precisando de propagandista do sexo feminino. O vexame seria maior ainda. Eu adorei ser propagandista. Após essa situação o laboratório vendeu muito Leiba. Outra vez estava em um restaurante, em Rio Claro também, pedi um filé mignon, não era comum eu comer carne. Veio o prato, quando coloquei um pedaço na boca percebi que a carne estava estragada, com vergonha de voltar o pedaço ao prato, engoli. Pensei: Não vou comer mais, chamei a menina e disse-lhe: “Olha bem, essa carne não está boa!” Nunca desmaiei na minha vida, cheguei no consultório médico, desmaiei! Fecharam o restaurante! O médico ficou louco da vida! Foi um episódio que repercutiu na cidade! A propagandista do Laboratório Pinheiro...e seguia a história sendo contada! Tenho um paladar aguçado, consigo detectar detalhes do alimento. Assim como tenho um olfato muito apurado. Sinto o aroma de longe.
Como você conheceu Diocleciano Goursand Hermida Villar, mais conhecido como Villar?
Eu era propagandista, fui ao Banco do Brasil pagar uma conta para o meu irmão, nos conhecemos e estabelecemos uma amizade. Como propagandista não era permitido namora, não podia tomar taxi com outro propagandista, se eu começasse a namorar teria que sair do laboratório. Quando decidimos casar tive que sair do laboratório, não permitiam mulher casada.
Quanto tempo foi a sua permanência no laboratório?
Foram três anos.
Como era o Villar?
Em 1965, o Sindicato dos Bancários de Piracicaba e Região foi assumido por Diocleciano Villar, funcionário do Banco do Brasil, que comandou a entidade até 1967. O Villar foi considerado pelos próprios companheiros de sindicato, como honesto ao extremo. Faziam até brincadeiras a respeito da sua postura e conduta de pessoa honestíssima. Jamais usou veículo que não fosse o dele, pagava as suas refeições do próprio bolso. Quando viajávamos para o Sindicato dos Bancários de Piracicaba íamos com o nosso carro. Ele foi candidato a vereador pelo MDB, junto com João Hermann Neto. Ai que começamos a trabalhar na campanha do João Hermann Netto. Quando fui trabalhar com o Dr. Mário Monteiro Terra em “O Diário”, era para vender uma página do jornal, eu vendi quatro! Isso foi por volta de 1980. Casei em 1974. Mudamos 13 vezes: para São Paulo, Caraguatatuba, por ele ser presidente foi tomar conta da Colônia de Férias de Caraguatatuba, existia um problema sério lá. O Sindicato dos Bancários de Piracicaba era ligado a Federação dos Bancários de São Paulo. Foi quando ele conheceu o Lula.
Você conheceu o Lula?
Ele esteve em minha casa.
O que você achou dele?
Ele é um homem superinteligente, dialogava com todos os políticos, industriais, era articulado. Quando o Villar trouxe ele para Piracicaba, em 1979, o prefeito era o João Hermann Neto, por sinal o Villar estava estremecido em sua relação com João Hermann Neto, mas ele foi à reunião que aconteceu no então Cine Broadway. Quando o Villar convidou o Lula para vir à Piracicaba ele disse que não poderia vir porque a Marisa estava com um nenê com quarenta dias. O Villar disse: “Pode ir que lá tem uma excelente babá para cuidar do seu filho!”. Eu morava na Rua Benjamin Constant, em frente ao Tite e Atílio, isso quando casei, depois que fomos morar na Rua do Rosário, em uma casinha em frente a antiga sede do Sindicato dos Bancários. Ali que o Lula veio, e ali que foi feito o comitê do Lula, essa casa não existe mais. Quando o Lula chegou em casa, o recebi, já peguei o nenê, era o Lulinha, primeiro filho dele. Fizeram a reunião, na volta o Lula disse: “Eu queria ir para Águas de São Pedro, almoçar lá. Eles nunca tinham saído de São Bernardo do Campo. Almoçamos no Restaurante do Lago, para voltar, o nenê estava precisando ser trocado, paramos na chácara do Sérgio Caldaro, da Metalúrgica Santin,  o Lula chegou na chácara situada da barranca do rio uns 100 metros. Quando ele viu o emblema do Corinthians na cabeceira da cama, só tinha alusões ao Corinthians, ele disse: “Villar, tenho que ficar aqui! Não vou embora hoje, vamos dormir aqui!”. O Villar falou com o Sérgio, que mandou tudo, roupa de cama, até o cozinheiro, o Pedrassa! Fui dar banho no Lulinha, peguei a bacia que o cozinheiro temperava a carne, eu não sabia que aquela bacia era para ser usada com alimentos, para mim era uma bacia de uso normal. O Pedrassa teve que comprar outra bacia. Fiz bolinho de chuva, ficaram lá, adoraram o final de semana. Voltaram depois outra vez.
Como era a Marisa, esposa do Lula?
Era de uma simplicidade! Pé no chão. Humilde. O Sergio Caldaro era muito humilde, a Hilda esposa dele nos recebeu muito bem.
O Lula ainda estava no início da fama?
Depois que aconteceu um problema em São Paulo e ele deu uma entrevista na revista Veja, foi aí que ele começou a ter projeção maior. Surgiu o PT, em Piracicaba, eu e o Diocleciano estávamos na reunião em que foi fundado o PT. Se não me engano,  a sede do PT foi no Sindicato dos Bancários. Nessa reunião de fundação estava o José Machado, o reitor Elias Boaventura, e outros que não me recordo o nome no momento. Teve um congresso, se não me engano em Bauru, chegou um menino que tinha acabado de deixar a guarda-mirim, o Villar viu o potencial dele, é o Paiva!
O PT que vocês fundaram é o mesmo PT de hoje?
Não é o mesmo. Tanto que aqueles que fundaram o PT junto com o Villar saíram: Plínio de Arruda Sampaio, Hélio Bicudo. Ambos estiveram em minha casa. A ala da igreja. Eu acreditei no PT por essa ala. Dom Evaristo Arns, Arcebispo de São Paulo, estava envolvido com o PT.
A sua descrição mostra uma outra face do Lula, a seu ver ele foi envolvendo-se com pessoas não aconselháveis?
Infelizmente, imagino, que o Lula se encantou com o poder. E acreditou em pessoas em quem ele nunca poderia acreditar. Todos do PT eu recebia em casa, o Luiz Gushiken foi um deles. Eu adoro política, sai como candidata a vereadora. Infelizmente o PT de Piracicaba não me apoiou como eu esperava. A Esther Rocha me convidou para ser candidata e eu aceitei. Foi um tempo muito interessante. Saiamos: eu, o Villar, o José Borghesi, Ricardo Bortolai, Alceu Marozzi Righetto, éramos uns seis casais, que éramos do MDB.
Como surgiu a idéia de criar o PT em Piracicaba?

Foi o Lula com o Villar. Depois vieram outros adeptos. Dom Eduardo Koaik - 3º Bispo Diocesano hospedava o Eduardo Suplicy. A Igreja promoveu diversos encontros denominados Fé e Política. Com o passar do tempo, houve um crescimento desordenado do PT, e as coisas desandaram, a ponto do Villar deixar o partido antes de falecer. Nós ficamos casados por 30 anos. De 1974 a 2004.]

Quem é esse rapaz que entrou na sala?

Esse é o Paulinho! O Villar adorava ele. Por algum tempo ele morou com a Paula, a Branca, do basquete, juntamente com a mãe delas Dona Hilda. Esse menino estava preso no fórum, a minha irmã Madalena trabalhava no fórum, ela ficou com dó dele, já fazia dois dias que ele estava lá. A assistente social não conseguia nada com ele, a Madalena conseguiu. Ele tinha 12 anos. Eu fui busca-lo, quando cheguei em casa o Pecente e o Gelsio Diniz estavam lá. O Paulinho hoje está com 50 anos. Ele era da rua, morava no Ginásio de Esportes. Ele é surdo e mudo. Eu e o Villar ficamos tutores dele, ele iria para a Febem.
Vocês fizeram campanha política em Piracicaba?
Fizemos para o Lula, para o Villar, sempre com o nosso dinheiro. Pegávamos umas 50 radiografias, pintava Lula, colocava em um pauzinho de vassoura e ia para a praça. Nunca recebemos um tostão.
Quando você decidiu deixar o PT?
Há uns oito anos. Li uma entrevista com o Plínio de Arruda Sampaio na Veja, e tudo aquilo o Villar já tinha me dito. A mudança de tudo foi muito grande, a Marisa me contava da simplicidade da sua vida, quando era pequena, a mãe dela a levava para a roça, e como de costume, fazia-se um buraco, de tal forma que a criança ficava com parte do corpo dentro, e isso a protegia e dava para a mãe trabalhar sem tanta preocupação. Uma das coisas que me lembro, quando o Lula esteve na chácara do Sergio Caldaro, eles conversaram, o Sérgio desse: “Villar, esse homem ainda vai ser presidente do Brasil!”. A maioria dos industriais de Piracicaba apoiaram o Lula. Muitos políticos de expressão nacional dialogavam com o Lula e saiam encantados.
Qual é a impressão que João Herm,ann Neto deixou para você?
O Villar dizia que ele era a Medusa (Da mitologia grega, Medusa era uma deusa, quem quer que olhasse diretamente para ela era transformado em pedra.) Ou seja a pessoa não podia olhar diretamente para o João, ou se apaixonava por ele. Eu era relações públicas do Museu Prudente de Moraes, quando o Suplicy convidou a Gloria Silveira Mello para ir receber uma homenagem, fomos, ela e eu, ao chegarmos no congresso, o João Hermann em altos brados, festivo, disse: “Gente! Olha quem está aqui! Foi ela quem recebeu o Lula na primeira vez que ele esteve em Piracicaba!”. Ele fez uma festa para mim. João Hermann era muito inteligente. O Villar nos seus últimos anos de vida estava muito triste com os rumos que o PT estava tomando. Eu admirei muito o Lula, as vezes em que estive com ele, ele se mostrou um homem integro, honesto. O que aconteceu com ele me entristeceu muito.




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