domingo, janeiro 22, 2006

PÉROLA

Não existe meia gravidez. Não existe verdade parcial, existe meia mentira!
Tem dias que acordo achando que a humanidade não acordou.
Hábitos são vícios.

Pensando assim, Clara caminhava pela calçada irregular. Óculos escuros modernos. Bem vestida, chamava a atenção quando passava. Alta. Esguia. Tinha sonhado muito em sua vida. Sonhos de uma mulher normal. Acreditara na sinceridade. O amor foi a droga mais forte que havia conhecido. Nunca experimentara outra, mas em seus tempos de paixão nada impedia que realizasse seus desejos. Queria tudo, ou simplesmente não queria nada. Parte não a deixava satisfeita. Sentia-se incapaz, insegura. Os homens a desejavam. Corpo perfeito, sorriso sempre a mostra, parecia ser mais alta do que era. Seus 1,83 metros de altura, contrastava, com a maioria das mulheres brasileiras. Já não ingeria carboidratos por um longo tempo. Era compulsiva. Sabia que não se fartaria com apenas um pãozinho.
Conhecia bem a composição química dos alimentos, como médica, fazia parte da sua formação curricular. Tinha tido um longo namoro, que com o tempo transformou-se em amizade. Adorava João Pedro. Pareciam feitos um para o outro. Mas, o tempo, mostrou que eram apenas bons camaradas. O sexo deixou de representar um complemento importante. Eram apenas carinhosos um com o outro. A escolha da profissão deu uma satisfação pessoal muito grande. Financeiramente tinha uma vida acima da média normal da população.
Conhecera Marcelo em uma recepção no Clube Médico. Com seus 36 anos, cabelos negros lisos, olhos azuis, 1,87 metros de altura, 78 quilos, malhava na academia, era o motivo dos suspiros femininos no fórum (más línguas diziam que até havia alguns suspiros masculinos). Marcelo é o que podemos chamar de bem nascido. Filho de família abastada, seu sobrenome já denunciava a sua origem estrangeira. Clara e Marcelo ao se conhecerem pareciam duas tomadas de luz que se encaixavam. A energia corria nas veias, no brilho dos olhares, ao menor gesto sentia-se a eletricidade no ar. Clara, com seus 32 anos, parecia um raio de sol. Marcelo um deus grego. Algumas semanas depois passaram pelo vexame de no auge da paixão destruir o estrado da cama tal a intensidade dos momentos de pura entrega.
A pérola sempre foi um símbolo desejo feminino.
Para Clara foi o símbolo da tragédia. Uma noite, resolveu fazer uma surpresa a Marcelo. Como magistrado ele permanecia até tarde estudando os processos. O vigia reconheceu Clara e prontamente deu-lhe acesso ao prédio. Clara subiu calmamente os dois andares, até a sala de Marcelo. Alguns metros antes, escutou suspiros familiares. Ao entrar na sala encontrou Marceo totalmente despido, que atendia seus desejos sexuais com o faxineiro da noite, um negro alto, forte, quase azul de tão negro, conhecido pela alcunha de Pérola.
Clara, sem dizer palavra alguma, lembrou-se do dia que atendera a adolescente cuja mãe dissera que ela estava meio grávida! Não existia explicação. Nem justificativa. Apenas a dor que destrói sem medida. Lágrimas são apenas uma reação primária. A dor maior não é a preferência, cada um consome o que lhe dá mais prazer. A mentira, profunda, enraizada, o prazer proibido disfarçado em uma verdade mentirosa. Isso queimava as faces de Clara, uma mistura de lágrimas, que transbordavam o vulcão que explodia em seu peito. Não sabia se sentia ódio ou nojo. Apenas a figura daquela criança esquálida aparecia em sua frente, cumpria um plantão quando teve que atender aquela adolescente e ouvir da mãe desesperada: Acho que a minha filha está meio grávida! A cada dia o ser humano se supera em seus absurdos. Isso faz dos animais criaturas mais sensatas! Clara calmamente deixou o local.Sentia ter injetado uma dolantina imaginária em seus sentimentos.

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