PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 13 de julho de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: MAURICIO CARDOSO
Advogado formado pela PUC de Campinas, jornalista, escritor, professor, estudioso com profundos conhecimentos em Cabala, Mauricio Cardoso militou por décadas na imprensa piracicabana: em “O Diário”, “Jornal de Piracicaba” e “ A Tribuna Piracicabana”. Transitou nas mais diversas áreas do jornalismo, com maestria, sendo que sua coluna “Mini Notas” por muitos anos foi a coqueluche da cidade. Ao abrir o jornal o leitor ia imediatamente à seção, era a primeira a ser lida. Maurício conseguiu formular um noticiário abrangente, que despertava o interesse de todos os segmentos de leitores. Nascido a 21 de março de 1932 em Tatuí, na Rua Coronel Bento Pires, 212, coincidentemente na mesma rua em que nasceu a sua esposa e que ele não a conhecia, Jurema Ferraz Cardoso. Na ilha ártica de Spitsbergen, na Noruega, a quase 1.500 quilômetros do Polo Norte, estão armazenadas mais de meio milhão de sementes de todo o mundo. A "Arca de Noé botânica" é mantida pelo governo norueguês isso mostra como o tema Cabala é atual.
O nome Mauricio Cardoso pode ter origem no que chamam de “cristão-novo”?
Tenho a convicção de que sou “cristão-novo”. Dizem que “Cardoso” significa “Cheio de Espinhos”, e Mauricio vem de mouro.
O senhor começou a estudar em que escola?
No Grupo Escolar Florêncio de Abreu, lembro-me das professoras Dona Conceição e Dona Zenaide, mãe do Presidente do Supremo Tribunal Federal Dr. Celso de Mello, ele é tatuiano, O ginásio e Curso Normal. estudei no Barão de Sarui onde me formei professor. Por concurso do Estado ganhei uma cadeira no Mirante do Paranapanema. \para chegar lá eram 18 horas de viagem.
Antes de ir lecionar ao Mirante do Paranapanema o senhor protagonizou uma peça teatral?
Fiz uma peça teatral em Piracicaba, intitulada “Compra-se um Marido”. Sou um dos privilegiados em ter trabalhado e encenado no Teatro Santo Estevão. Era lindo demais. Tinha uma acústica perfeita, camarotes todos pintados em dourado, aquilo tudo era sensacional. Nessa peça que vim encenar fiquei conhecendo minha esposa, ele é filha do jornalista Sebastião Ferraz. No intervalo entre um ato e outro da peça, levávamos um conjunto para tocar, tirei-a para dançar e estamos dançando até hoje. O nosso casamento civil foi em Tatuí. O casamento religioso foi realizado na Matriz de Santo Antonio em Piracicaba. Eu gostava muito de teatro. Tinha ido de Tatuí morar em São Paulo, a minha dificuldade era conseguir dinheiro para me manter. Morava na Rua Javaés, no Bom Retiro. Era professor na Avenida Casper Libero no Instituto de Ciências e Letras Colégio Alfredo Pucca. Eu era professor coringa, faltava o professor de física nuclear lá ia o Mauricio. Eu soube que tinha uma escola de arte dramática que dava uma sopinha com pão a tarde. Essa sopinha com pão me levou até a Escola de Arte Dramática, ficava na Avenida Angélica, era de propriedade de Alfredo Mesquita do “Estadão”. Passei no exame. Um dos meus contemporâneos era o Francisco Cuoco. Eu era para ser um artista Global mesmo. Desisti de terminar a escola por que veio um teatrólogo italiano, Rogério Jacob que ia dar uns cursos gratuitamente no Conservatório de São Paulo, na Avenida São João. Inscrevi-me, os professores que compunham banca examinadora eram Sérgio Cardoso e Cacilda Becker. Tive o privilégio de ficar por cinco a des minutos com ambos em minha frente. Fizeram esse curso comigo Laura Cardoso e Flávio Migliaccio.
Por que o senhor deixou o teatro?
Porque era uma vida muito sacrificada, eu queria ter uma família, o teatro era visto de forma diferente da que é visto hoje, quando o indivíduo se identificava como ator era um demérito. As pessoas que atuavam de fato na profissão eram totalmente designadas para isso. Cheguei a ser convidado para fazer a ponta de um filme, mas recusei. Conheci Berta Zemel, Fran Carlos que era de Piracicaba, nomes dessa grandeza. Cheguei apresentar uma peça infantil no Teatro da Concórdia, muito interessante, eram só números. No Parque do Ibirapuera trabalhei em uma peça com Célia Camargo e Altair Lima. Depois eu vim fazer a peça em Piracicaba, conheci a minha esposa, fui lecionar no Mirante do Paranapanema, apareceu uma vaga, mandei um telegrama para ela que foi lecionar comigo lá.
O senhor foi morar em que local ao ir lecionar no Mirante do Paranapanema?
Fui morar em uma pensãozinha em Água da Saúde distante do Mirante do Paranapanema uns vinte ou trinta quilômetros. Depois arrumei um lugarzinho em Mirante do Paranapanema e lá fiquei. Tinha uma escola lá, comigo tinha mais uns quatro ou cinco professores. Eram uns 200 alunos, vinham de toda região, eram classes mistas.
Após se casar o senhor mudou-se para Piracicaba?
Inicialmente vim comissionado no Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes. A diretora era Luci Do Marco.
O museu recebia muitas visitas?
Principalmente as escolas visitavam muito o museu. Não faz parte da cultura popular freqüentar museus. Muitas pessoas doaram peças importantes, assim como algumas doavam algum objeto que para um museu fugia do contexto. Acabávamos aceitando a doação, que geralmente permanecia eternamente na reserva técnica do museu.
Qual é a origem dessa falta de importância que temos para com a história, muito diferente do britânico que preserva e valoriza suas tradições?
Acho que é da idade, do país e nossa. Não temos o habito de guardar esse tipo de memória. Toda noite eu guardo a minha memória familiar, rezo para noventa pessoas, pelo nome. Não é nenhuma reza especial, apenas uma seqüência. Rezo dentro de um contexto hebraico.
O senhor conheceu a sinagoga que existiu em Piracicaba?
No dia em que fiquei sabendo da existência dessa sinagoga em Piracicaba, fui até lá, na Rua Ipiranga. Havia no local apenas um terreno vazio, ela tinha sido demolida. Fui então falar com o Jaime Rosenthal, pegar alguns detalhes sobre esse fato. Faço essa minha reza para noventa e poucas pessoas, parentes, amigos. Tenho um clube em Tatuí, chama-se “Clube 17”. Éramos 17 jovens e fizemos o clube. O tempo foi passando, fizemos o “Clube 34”, composto por mais pessoas, senão com a morte dos integrantes terminaria o clube. Hoje temos apenas 17 vivos, os demais faleceram. É um clube fechado, onde não recebemos mais associados. São quase 50 anos de clube. Nos reunimos anualmente em um almoço, para relembrar as nossas passagens. Dia 13 de julho um dos “dezessetudos” irá dar um almoço em São Paulo, de Tatuí sairão duas vans para levar o pessoal para lá. Mensalmente dou uma palestra no Centro Espírita Manoel Girão.
Como professor em Piracicaba o senhor lecionou até que data?
Até uns 20 anos atrás, nas escolas “Alfredo Cardoso”, “Dario Brasil”. Tive experiências extraordinárias no ensino. Fui Secretário de Esportes no tempo do prefeito Luciano Guidotti. Começamos meio estremecidos, ele chegou até a publicar no Diário Oficial que eu era comunista. O Luciano Guidotti era formidável, uma criatura puríssima. Muito honesto. Uma vez ele nos disse que iria abrir uma avenida, que por sinal hoje tem o seu nome, em frente ao Cemitério Parque da Ressurreição. Ele disse na reunião: “- Se eu souber que alguém que participou desta reunião adquiriu algum terreno lá, suspendo a construção da avenida”. Tinha diversas autoridades presentes, inclusive vereadores. Luciano Guidotti era um tocador de obras, ele queria dar à Piracicaba um jeito de respirar.
O senhor era secretário quando houve a queda do Comurba?
Era sim. Afetou até o esporte na cidade. Onde hoje é o Estádio Municipal Barão de Serra Negra era um bosque, Luciano Guidotti foi quem construiu o estádio.
O senhor trabalhou no prédio onde funcionava a Prefeitura Municipal, na esquina da Rua São José com Rua Alferes José Caetano, que foi o palacete do Barão de Serra Negra, depois demolido e hoje é estacionamento de veículos. Aquela construção imponente trazia-lhe alguma sensação especial?
Era gostoso trabalhar ali. Energizante.
Como advogado o senhor atuou em que áreas do direito?
Fiz de tudo. Tem um caso em que o juiz me nomeou para ser advogado de defesa de um individuo que matou o seu vizinho, isso foi na Rua do Porto. Ele matou o vizinho porque o galo pertencente ao mesmo, ia até a sua mesa para se alimentar. Um dia o galo estava como de habito comendo sobre a mesa, ele simplesmente pegou um revolver e matou o vizinho.
Ele não matou o galo, matou o vizinho?
É a lição moral que tiro disso tudo. Havia formas de impedir o acesso da ave, com uma cerca ou qualquer outro tipo de providencia mais lógica. Fui até o presídio, conversei com o assassino, disse-lhe: “- Você matou uma pessoa por causa de um galo!”. Ele disse-me: “ O senhor já se imaginou, conviver todos os dias com um galo aborrecendo-lhe?”. Como eu gostava de fazer júri, fui ver o local dos fatos. Dirigi-me até a Rua do Porto, entrei na casa, a esposa do assassino estava lá, me apresentei como advogado do marido dela, disse-lhe que gostaria de conhecer a cozinha da casa. Ela me convidou para entrar. Sabe quem estava em cima da mesa da cozinha? O galo! Perguntei-lhe: “- Dona, esse é o galo que provocou a tragédia?”. Ela me respondeu: “-É o próprio!”. São lições que tive em minha vida. Existem casamentos que terminam porque o marido deixou a toalha de banho no meio da sala, ou porque o marido esqueceu o chinelo no meio do quarto. São coisas minúsculas, banais.
Isso não é a gota d’água que faltava para terminar uma relação desgastada?
É uma gota d’água, mas não justifica que seja suficiente para determinar o fim de um casamento. É dar muito valor para a gota d água. Para segurar um casamento pode jorrar água do copo e não terminar por causa de uma gota.
Quantos livros o senhor já escreveu?
Tenho três livros. “Dezessete das Pedras”, é a história do “Clube dos 17” que eu escrevi, foi uma experiência que eu queria fazer, nunca li um romance, a não ser um livro que li quando estava ainda na escola Barão de Surui, fui até a biblioteca e peguei um livro de romance, fino, o título era “A Beleza Dolorida de Getúlio Schelling”. Escrevi “ Sua Majestade O Pé Esquerdo” e um terceiro que está em processo de lançamento. Estou concluindo outro que é sobre a capacidade de harmonizar opostos. Esse é mais cabala. Estou rascunhando uma peça jurídica. Menciono que escutei um político dizendo: “Precisamos ouvir a voz da rua.”. Digo: “- Você tem que começar a ouvir na sua casa, a voz da sua empregada, do seu jardineiro, a voz do seu açougueiro, a voz da pessoa que limpa a rua, até chegar a ouvir a voz da sua consciência”. Não venha com essa maquiagem intelectual. Rua não fala.
O senhor escolheu esse romance ao acaso?
Ao acaso, eu gostava muito de ir á biblioteca, para ler livros mais pesados. Quando eu trabalhava na área de Direito tinha uma biblioteca de 4.000 livros.
Nesse período em que o senhor cursou Direito como era a sua rotina?
Ia e voltava todos os dias a Campinas. Saia daqui às seis horas da manhã, com uns colegas que tinham carro, ao meio dia entrava no museu, onde estava comissionado, ficava até as seis horas, ia para “O Diário” de onde saia a meia noite.
Qual era a atividade do senhor em “O Diário”?
Fazia a reportagem policial e tinha uma coluna chamada “Mini Notas”. Reportagem policial é uma barra, éramos uma trindade: eu, Rubens Lemaire de Moraes e o Tuca Barreiros, que também tinha a coluna “O Prato Do Dia”. Nós tres éramos inseparáveis. Fizemos uma denuncia contra um traficante, na época a maconha era a droga do momento, isso na decada de 60, um dia jogaram um carro contra nós três em plena Praça José Bonifácio. Escapamos de morrer por muito pouco.
Vocês eram repórteres investigativos?
Metidos a bestas! Fomos fazer batidas juntos com delegados. Ficamos em meio a tiroteio entre policiais e traficantes. Isso é um trabalho policial e não para jornalistas. Fui reporter policial por uns 10 anos. Mais marcante para mim foi na época em que houve um escandalo de drogas em Piracicaba. Dei uma entrevista para o jornal “O Estado de São Paulo”, que recebeu o título dado pelo entrevistador: “A Amesterdam Brasileira”. Essse reporter faleceu atropelado na Avenida São João em São Paulo.
Quer dizer que o cognome que Piracicaba ganhou de Amesterdam Brasileira é fruto de uma reportagem feita com o senhor?
Isso mesmo. Naquela época as coisas estavam feias. Eu tinha tido um aluno de 12 anos que ao ser descoberto fumando maconha suicidou-se. Aquilo repercurtiu muito, tive que tomar uma atitude. O jornal “Estadão” entrou em contato comigo. Ele veio até aqui, fez a matéria, um advogado do “Estadão”, Dr. Manoel Afonso Alceu, me telefonou pedindo que fosse á São Paulo. Disse-me: “ A sua entrevista está na minha mão, estou achando muito pesada, pode trazer-lhe consequencias”. Eu confirmei que deveria ser publicada, nessa época eu já era advogado.
Como surgiu “Mini Notas”?
Sei que surgiu como uma coisa muito gostosa. Tudo na vida é tempero. Fazer jornalismo é como fazer um bolo, uma feijoada. Se faltar algum ingrediente não fica bom. Se for fazer uma coluna tem que temperar com uma notícia curiosa, outra noticia desagradável: “Fulano separou-se da mulher, fulano está doente!”. Cicrano ganhou na loteria, nasceu o filho de tal pessoa, fulano foi viajar, foi enterrado ontem fulano de tal. Tem que fazer o tempero. Outro dia li no “Estadão” a coluna de uma jornalista, ela repetiu a mesma noticia por cinco vezes em sua matéria, perdi o interesse em ler a coluna dessa moça. “Mini Notas” não era uma coluna social, era um caldeirão de noticias. Segundo diziam-me as pessoas que liam, quando o jornal chegava, a primeira parte que liam era “Mini Notas”. Eu fazia pilulas de informação. Quem pesquisar em “Mini Notas” saberá fatos curiosos da época. ”Mini Notas” permaneceu sendo publicada por uns 20 anos: primeiro em “O Diário”, depois no Jornal de Piracicaba e mais tarde na Tribuna Piracicabana.
O senhor ganhou muito dinheiro publicando “Mini Notas” que foi coqueluche na cidade?
Não ganhei nada, Graças a Deus! Havia quem imaginava que eu ganhava muito dinheiro publicando “Mini Notas”.
O que é Cabala?
Para mim é um sistema de pensamento, que você aplica na existencia de Deus, na existencia do mundo, na sua vida, para voce comprar sorvete, para escrever alguma coisa, constituir uma empresa. Você que decide o que quer aplicar. Ela tem uma figura chave que se chama “Arvore da Vida”, que você aplica em tudo que irá fazer. Pela Árvore da Vida você começa a dscobrir que o saber é importante. Cabala, que soletrada em hebraico é QBLH, deriva da raiz Qibel e significa "receber". Basta eu saber? Não! É necessário entender e compreender o saber. Tem muita gente que sabe muito, mas não entende aquilo que sabe. Há outro tipo de pessoa que compreende aquilo que ela sabe, mas não sai disso. Não conhece, conhecer é aplicar. É importante que você saiba, compreenda e aplique. Há pessoas que são eruditas, mas não crescem na vida, na família, no casamento. Fica parada. Ela não sabe aplicar em sua casa tudo que ela vê.
Quando foi o início da Cabala?
Alguns estudiosos afirmam que ela vem do tempo de Noé, 3.000 anos antes de Cristo. “Arca” em hebraico quer dizer palavra. Noé colocou um casal de cada animal que ele tinha que preservar, dentro da arca, isso simbolicamente. Há estudos que afirmam que Noé montou um banco de espermatozóide na Arca. Ele queria preservar a semente.
Não teria que ser mantido congelado?
Na realidade a idéia passada é que se deve ter muito cuidado com a semente. Os estudos da Cabala levam você a ter preocupação com a palavra, para a Cabala letra é vida. Ela ensina que a letra é viva. Existe a letra masculina e feminina. Tudo na vida é casamento. Tudo na vida tem espermatozóide e ovo.
Na sua visão o que move o mundo, dinheiro ou sexo?
Eu acho que é o sexo. Já vi muito sexo fazer sumir o dinheiro! Você faz as coisas por que tem prazer.
O senhor foi candidato a algum cargo político?
Fui presidente de partido político o PR, Partido Republicano do Governador Laudo Natel. Fundamos o partido 45 dias antes das eleições. Escolhemos a dedo um quadro de candidatos a vereador. Conseguimos ser o partido majoritário em Piracicaba. Nenhum dos candidatos a vereador podia fazer campanha individual, quem fazia campanha de um fazia campanha de 40. O Rubens Braga foi um dos eleitos, inclusive como presidente da câmara municipal. Outro eleito foi Lázaro Pinto Sampaio. Elias Jorge foi vereador também. Waldemar Romano. Isso no tempo em que vereador não ganhava nada para trabalhar.
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