sexta-feira, junho 13, 2014

GERALDO CLARET DE MELLO AYRES


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de junho de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADO: GERALDO CLARET DE MELLO AYRES

 

Geraldo Claret de Mello Ayres nasceu a 22 de outubro de 1928 em Pirassununga, é filho de Elias de Mello Ayres e Maria Amélia de Aguiar Ayres que de 1920 a 1936 moraram e trabalharam em Pirassununga e tiveram os filhos: Maria Aparecida, Maria Benedita, Maria Cecília, Maria Estela, que foi freira, e Geraldo.

Qual era a atividade dos seus pais em Pirassununga?

Meu pai era professor de Biologia Educacional da Escola Normal Oficial de Pirassununga e minha mãe professora no Grupo Escolar Anexo. Em 1936 os dois vieram para Piracicaba, nessa época eu tinha oito anos de vida. Cheguei a cursar o primeiro ano da Escola Normal Oficial de Pirassununga, hoje Instituto de Educação de Pirassununga. Minha primeira professora, que me alfabetizou foi a professora Maria das Dores Pinto, conhecida como “Dona Dora”.

Em que local seus pais vieram morar em Piracicaba?

Meu pai veio e adquiriu a casa na Rua José Pinto de Almeida entre a Rua Prudente de Moraes e Rua São José. Essa casa e mais outra ao lado foram recentemente demolidas dando lugar a um novo edifício.

O pai do senhor veio exercer a função de professor?

Ele veio lecionar na Escola Normal Oficial de Piracicaba, mais tarde denominada “Sud Mennucci”. Minha mãe era professora adjunta no Curso Primário Anexo da Escola Normal Oficial. É importante salientar que eles mudaram para Piracicaba em 1936, meus pais não tiveram nenhum ganho extra como premio de loteria, herança, eles, um casal de professores, adquiriram com seus salários uma das 10 casas mais bonitas de Piracicaba. Atualmente isso é impossível, com isso nota-se a degradação da função do professor.

Em Piracicaba o senhor matriculou-se em que escola?

Em Piracicaba passei a estudar o segundo ano do curso primário, tenho uma característica, fui primeiro aluno de ponta a ponta. Tenho boletim escolar guardado, as professoras escreviam “100 com louvor”.  O aluno segundo colocado era nota 100. Formei-me no quarto ano no Curso Primário Anexo a Escola Normal Oficial de Piracicaba

A segunda professora primária do senhor qual era o nome dela?

Foi Hercília Junqueira, conhecida como “Dona Ziloca”. Ela foi também a minha professora de terceiro ano. No quarto ano foi a Dona Cecita, o nome dela era Maria Cecília Almeida. Em setembro ela aposentou-se, foi substituída pelo professor Mário Gatti, cuja filha mais tarde foi minha aluna.

Qual foi a próxima etapa?

Eu fiz o ginásio, fui cursar no Externato São José, a sessão masculina do Colégio Assunção. Na época localizado a Rua D.Pedro II esquina com a Rua Alferes José Caetano, prédio onde mais tarde funcionou a FOP – Faculdade de Odontologia de Piracicaba. Lá onde cursei o ginásio depois fui ser professor titular. O Externato São José era administrado pelas Irmãs de São José, com casa provincial em Itu, mas de origem francesa. O Colégio Piracicabano estava se expandindo, de filosofia metodista, o bispo pediu às irmãs que enquanto não viesse à Piracicaba o Colégio Dom Bosco, de orientação católica, funcionasse ali no Colégio São José também a sessão masculina. Terminei a quarta série lá.

Como o senhor ia da sua casa até lá?

Ia a pé, sozinho, saia da Rua José Pinto de Almeida, era pertinho. A rua de casa não era asfaltada, passava o bonde, mas era com pedregulho. Após me formar no Externato São José tive que prestar um vestibularzinho. Uma seleção para ingressar no curso científico no Sud Mennuccci. O científico era uma prolongação do ginásio. Éramos 29 alunos que prestamos esse exame.

O senhor entrou em primeiro lugar?

Entrei em primeiro lugar. Foi uma glória muito grande. Durante o curso científico tive professores memoráveis: Hélio Penteado de Castro, Francisco Mariano da Costa, tive a primeira aula lecionada por Erotides de Campos.

Como era Erotides de Campos?

Ele dava aulas de química. Foi amicíssimo do meu pai. A amizade deles já tinha se iniciado em Pirassununga. Quando vieram para cá, continuaram a amizade, toda festinha, aniversário, ele e sua esposa Dona Tita, iam em casa. Quantas vezes vi o Erotides de Campos tocar piano em casa! Uma das músicas que ele fez em Pirassununga recebeu o nome de “As Covinhas do Teu Rosto”, em homenagem a minha irmã mais velha, que na ocasião era uma criança. Eu nem tinha nascido ainda. Sei pela tradição. Erotides era uma alma pura, não tinha vaidade, ele era mulato, cortava o cabelo bem rentinho, os amigos passavam a mão e brincavam dizendo: “-Como vai o cafezal ai!”. Ele perdeu os dentes, mandou fazer dentadura. Isso me lembro muito bem, ele dizia ao meu pai: “-Mello, dentadura é uma coisa ótima! Eu só tiro para mastigar!”. Faleceu nos braços do meu pai. A nossa casa era na Rua José Pinto de Almeida, na Prudente de Moraes era a casa dele e da Dona Tita. Após o almoço ele sentiu-se mal, estava acabando de fazer a capa de uma musica que ele fez em parceria com o meu pai. Música dele, letra do meu pai. A Dona Tia, esposa dele, quando viu que ele estava esquisito correu em casa buscar meu pai. Meu pai de pijama, saiu, correu lá, amparou a cabeça do Erotides, ele morreu. Foi assim. Após a morte de Erotides, uns quinze ou trinta dias depois, veio substituí-lo Demosthenes dos Santos Correa, fui aluno da primeira turma daquele professor extraordinário. Tive aula com Archimedes Dutra, Rossini Dutra filho do Benedito Dutra.

Como eles eram?

O Benedito Dutra gostava de ser músico, e era músico. O hino do Colégio Assunção a música é dele e a letra é do meu pai.  Benedito teve dois filhos, aos quais deu os nomes de dois musicos famosos: Rossini e Mozart, este era cirurgião dentista. O Rossini foi professor de música.

Após completar o cientifico o senhor foi fazer qual curso?

Eu não fiz cursinho. Tive um mês, dia sim, dia não, aulas de física, com o Ésio Apesato que era aluno da agronomia. Prestei o vestibular e entrei em décimo primeiro lugar na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, já era da USP. A Luiz de Queiroz foi criada em 1902, Luiz de Queiroz era proprietário da Fazenda São João da Montanha.  Não tinha filhos, doou para o Estado com a condição do Estado instalar ali uma escola agrícola. E foi intalada a escola agrícola. Tanto que por muito tempo foi denominada Escola Agrícola.  No próprio bonde vinha escrito o destino como Escola Agrícola. Quando Adhemar de Barros criou a USP em 1934, a Luiz de Queiroz foi incorporada na condição de instituto de ensino superior.

O senhor chegou a conhecer Walter Accorsi?

Fui aluno dele e depois amigo.

E os balancês, o senhor participou também?

Sim, tinha o balancê e o chaparê. O balancê era balançar o bonde no sentido do seu comprimento, principalmente quando tinha uma prova dificil os alunos queriam adiar, quando o bonde chegava na curva da Rua José Pinto de Almeida, com a Rua Marechal Deodoro, faziam o balancê, até levantar a roda do bonde do trilho, ai o pessoal da manutenção tinha que colocar o bonde no trilho, para isso tinham que usar um macaco, já não dava mais tempo de aplicarem a prova. Os professores também estavam no bonde, em sua maioria. Os alunos fazisso mais no “Cara-Dura”, como era chamado o reboque. Ia um bonde na frente puxando o “Cara-Dura”, logo atraz ia outro bonde, para na volta trazer a reboque o “Cara-Dura”. Com o balancê, paravam o “Cara-Dura”, o bonde da frente e o bonde de traz. Eu não sou e não fui um engenheiro agronomo vocacionado. Não sou de família de fazendeiros. Meu desejo era cursar Direito. Só que eu não tinha condições físicas nem econômicas para morar em São Paulo. Quando eu entrei no Grupo Escolar pesava 16 quilos, quando ingressei no ginásio pesava 24 quilos, quando fiz doutoramento na Esalq, já era casado, pesava 48 quilos. Um colega, Carlos Alberto Ditt,o pai dele era corretor de café em Santos, era magro, alto, pela midia ele viu que nos Estados Unidos um cidadão chamado Charles Atlas, era tão fraco que não aguentava andar de bicicleta. Esse cidadão criou uma série de exercícios físicos, que foi praticando até que dali alguns anos foi eleito Mister Estados Unidos. Ele vendia a programação dele por 200 dólares. Esse meu amigo, escreveu e recebeu esse manual, começou a praticar e ensinou alguns exercícios para mim. Fui um asmático terrivel. Após inumeras crises, um dia surgiu em Piracicaba, oriundo de São João da Boa Vista, o médico Dr. Sérgio Caruso, com dois tubinhos de cortisona, o remédio era Decadron, do laboratório Organon, nunca mais tive asma. Fui muito doentio. Não tive infância, adolescência nem juventude. Eu tinha a impressão de que não iria viver até os 30 anos. Talvez por isso eu tenha decidido casar cedo. O que Deus não permitiu que eu tivesse nessas épocas, que foi saúde, eu tive depois na maturidade. Eu me cuidei, quando percebi que tinha que dar um jeito, comecei a fazer exercícios, ginástica, andar, nadar, e até hoje faço exercícios. Faço musculação inclusive. Com 85 anos. Com isso tenho uma esplendida forma física e mental. Na Esalq tive professores extraordinários, Salvador Toledo Pizza, Walter Radamés Accorsi, Frederico Gustavo Brieger, José de Mello Moraes “Melinho”, Graner, Jaime Rocha de Almeida. Até o segundo ano eu não me encontrei muito na escola. Quando me casei, nas férias de julho do terceiro ano de Esalq, passei a ser um excelente aluno. Comecei a sentir atração pela química agrícola. Quando passei para o quarto ano e fui aluno do Dr. Jaime Rocha de Almeida, que foi o maior mestre que eu tive, me empolguei com a tecnologia do açucar e do alcool. Fui um excelente aluno do Dr. Jaime, o que representou um ponto crucial em minha vida. Em novembro de 1952, de uma turma de 57 alunos, oito se formaram por média, não precisaram fazer os exames finais. Eu estava entre esses oito. A escola nos deu uma declaração de que estávamos formados, só faltava a colação de grau. Já casado, fui atrás de emprego. Ganhei acho que a primeira bolsa do Instituto Brasileiro do Café, fui trabalhar no Instituto Agronômico de Campinas. Trabalhei um ano lá. Minha função era estudar a micro-anatomia do cafeeiro. Que até então não existia no Brasil. Isso foi em 1953. O diretor era o Dr. Carlos Arnaldo Krug. O chefe da botânica era uma pessoa extraordinária, Dalvo Mattos Dedecca. Comecei a notar que as pessoas que se dedicam a botânica, aos vegetais, ou são pessoas puras ou vão ficando mais puras. Fiz esse trabalho sob a orientação dele. Dois anos depois ele apresentou como tese na Esalq e recebeu o título de doutor. Por um ano eu morei em Campinas, aluguei uma casa lá, foi um drama para a minha esposa, lá ela não conhecia ninguém.

Como o senhor conheceu a sua esposa?

Conheci Jurema Rstom de Mello Ayres, filha de Isaac Jorge Rstom, proprietário da Loja Tigre, ao lado do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, seus pais vieram adultos do Líbano. A conheci quadrando o jardim. Eu estava com mais dois amigos, e tinha duas moças uma mignom e outra mais avantajada. Após algumas voltas e alguns fleters eu disse ao meu amigo: “-Adolfo, com qual eu vou sair?”. Ele me disse: “-Arrisca a menorzinha, é tão delicadinha!”. Me aproximei e começou o namoro. Isso foi em 18 de dezembro de 1946.

Como foi a abordagem que o senhor fez?

Foi na cara de pau. Disse-lhe: “-Vamos dar uma saidinha?”. Ela ficou enrubescida, e saimos andar na Rua Governador Pedro de Toledo. Esse era o passeio.

Qual era a idade de ambos?

Eu tinha 18 anos e ela 13 anos e seis meses. Namoramos quatro anos e meio. Quando ela fez 18 e eu 22  nos casamos na Catedral de Santo Antonio. O padre era amigão meu, veio de Capivari, ele tinha sido aluno da minha mãe em Pirassununga, quando criança. Era o Conego Alécio Adani. O casamento civil foi realizado na casa do meu sogro, o juiz de paz foi até lá, estavam presentes seu pai, sua madrasta Lucia Ferro. Minha esposa foi morar na casa da minha irmã, pela regulamentação da igreja católica, jamais o noivo poderia conviver com a noiva antes de casar. Na quinta feira a tarde casamos no religioso.

Na época não era muito comum, mas chegaram a viajar em lua de mel?

Viajamos, fomos para Campinas. Fomos de taxi, eram poucos aqueles que tinham carro. Passamos uma semana e voltamos à Piracicaba. Fomos morar na casa dos meus pais, era uma casa muito grande, tinha quatro dormitórios. Três das minhas irmãs se casaram e a quarta foi para o convento. Naquele casarão ficamos meu pai, minha mãe e eu. Por um ano e meio, até me formar, moramos juntos com meus pais. Em 1952 eu me formei.

Quantos filhos o senhor  tem?

Quando eu ainda era estudante nasceu a minha primeira filha. Tivemos Maria Estela, Maria de Fátima, Elias e Lilian Regina.

Como o senhor voltou à Piracicaba?

A Dona Aurora, esposa do Dr. Jaime, encontrou-se com a minha mãe no ponto de bonde, atrás da Catedral, disse-lhe: “- Dona Amélia, o seu filho Geraldo está bem em Campinas?”. Tem uma vaga aqui com o Jaime. Tenho certeza de que o Dr. Jaime vai querer ele no departamento. Vim para ser assistente do Dr. Jaime Rocha de Almeida. Vim morar ao lado da casa do meu pai. Nese meio tempo eu ganhei uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para ficar um ano no departamento de bioquímica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.

Como agrônomo o que o senhor foi fazer em uma escola de medicina?

Fui indicado para a bioquimica, bio é vida, quimica estuda a matéria e suas transformações. Bioquimica estuda a matéria e suas transformações que acontecem nos seres vivos. Estuda todos os componentes dos seres vivos. Seja uma bactéria, um virus, uma levedura, um fungo, vegetal, animal, água, peixes.

Mas esse tipo de estudo não está mais relacionado a medicina do que a agronomia?

A bioquimica é uma ciência relativamente nova, não tem ainda 150 anos. Mas se desenvoveu tanto que uma pesquisa de um professor eminente de Curitiba, Metry Bacila, de quem fui aluno, ele fez um levantamento na década de 60, de todos os trabalhos científicos publicados no mundo, 70% é de bioquímica. A bioquímica estuda, faz o que pode para conhecer a chamada matéria viva. Fisiologia é bioquímica. Todo fenômeno biológico é bioquímica em sua essência. Ao dobrar um dedo da mão, realizo uma contração muscular, isso é fruto de um processo bioquímico. Digestão é um processo bioquímico. Reconstrução das nossas proteínas, nossos componentes todos é bioquímica. O estudo dos micro-organismos, a microbiologia é bioquímica. Não é tão importante a descrição do microorganismo, se era uma bactéria que tinha um revestimento tipo geléia, se tinha flagelo, se tinha um cílio. Muito mais importante é saber o que esse microorganismo faz. O que ele produz. Se é patógeno, se produz moléstias em nós, se é de interesse para a indústria. Os fármacos não criam funções, remédio nenhum faz milagre, por isso se chama remédio. Remédio remedeia, não cura. Se curasse 100% bastava dar uma injeção em um cadáver e ele ressuscitaria. A ação do remédio que é farmacodinâmica é bioquímica. A interação entre receptores nossos e medicamentos é bioquímica.  A genética clássica, de Mendel é válida, claro. Mas hoje genética é bioquímica. Sabe-se que toda proteína que os seres vivos sintetizam são realizadas através da codificação genética, essa codificação é que determina quais aminoácidos irão se ligar. Assim como com 25 letras você escreve uma biblioteca, com 20 e poucos aminoácidos a natureza constrói todas as proteínas do nosso universo. Cada vez que um organismo aceita uma proteína estranha ele aceita como um antígeno. Sintetiza outra proteína que é o anticorpo. Por defesa. Se eu sofro a agressão de um vírus da gripe, que é uma nucleoproteína aquilo é estranho ao meu organismo. Imediatamente meu organismo sintetiza anticorpos. As proteínas são essencialmente críticas para cada organismo. Toda ciência biológica dinâmica é bioquímica.

O senhor mudou-se com a sua família para Ribeirão Preto?

Fui com a minha esposa e a minha filha mais velha. Perdemos outra filha ainda muito nova. Lá foi gerado e gestado meu filho, que nasceu em Piracicaba. Ribeirão Preto foi uma fase muito agradável para mim. Representou um marco científico na minha vida. Esse meu filho, Elias de Mello Ayres Neto, é musicista, foi solo da orquestra do Maestro Ernest Mahle, com 17 anos e meio, prestou exame em cinco faculdades de medicina, entrou nas cinco. Sem fazer cursinho. Escolheu a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Cursando medicina ainda dava aulas de flauta. Tocou na orquestra de Ribeirão Preto. Formou-se, fez três anos de residência em cardiologia em Ribeirão Preto. Passados três anos ele foi indicado ara ficar dois anos com o Dr. Jatene e equipe.

O senhor voltou para Piracicaba após o período em que permaneceu em Ribeirão Preto?

Voltei e fiquei no Instituto Zimotécnico, na Esalq, zimotécnico estuda a técnica da fermentação, que foi um sonho concretizado em parte, do Dr. Jaime Rocha de Almeida.

O objetivo era melhorar a fermentação da cana?

Até de outros tipos. Não deu tempo, ele faleceu com pouco mais de cinqüenta anos. Dr. Jaime era uma figura marcante, flautista da Orquestra Piracicabana, regida pelo Maestro Dutra, foi ele quem ensinou flauta à Celso Woltzenlogel que era filho de Luiz ( Lulu) Barbeiro que tinha salão de barbearia do lado da catedral.  O Celso Woltzenlogel hoje está em Londres, e é um dos maiores flautistas brasileiros.

O senhor continuou trabalhando no Instituto Zimotécnico?

Lá eu trabalhava em tempo parcial. Nesse meio tempo foi criada por força inclusive do Rotary Clube de Piracicaba e outras forças vivas da cidade a Faculdade de Odontologia de Piracicaba, como Instituto Isolado do Ensino Superior do Estado de São Paulo. No segundo ano do seu funcionamento, o catedrático contratado de fisiologia era o Dr. Ben-Hur Carvalhaes de Paiva, tinha consultório junto com Plinio Alves de Moraes que era prorietário de Laboratório de Análises Clinicas. Não sei como Dr. Plinio lembrou-se de mim, convidou-me para durante um ano trabalhar com ele, no sentido de aperfeiçoar a metodologia. Fui, fiquei uma semana no Hospital das Clínicas, só na parte laboratorial, fiquei mais uma semana no Laboratório Fleury, vim com toda metodologia nova e instalei no Laboratório do Dr. Plínio. Dr. Ben-Hur viu o meu trabalho. Passado um ano, quando na odontologia ele precisou de um bioquimico, e não tinha na cidade e região dentista credenciado para instalar e ministrar bioquimica, para dar uma disciplina ela tem que constar do seu curriculo. A maioria das faculdades de odontologia não tinha a disciplina de bioqimica. Fui convidado para instalar a bioquimica. Acumulei, ficava um período na Esalq e outro na FOP, instalando a disciplina, sob todos os aspectos, desde programação até laboratório, compra de material. Fui pioneiro como outros foram pioneiros nas outras disciplinas. Passado um ano o Dr. Jaime conseguiu tempo integral para os pesquisadores do Instituto Zimotécnico. Tive que deixar a FOP. Nesse meio tempo fui fazer cursos em Curitiba por quatro vezes, com bolsa, na Universidade Federal do Paraná com Metry Bacila e colaboradores. Foi quando o primeiro diretor da FOP, Carlos Henrique Robertson Liberalli, que era carioca, com sotaque característico ( Dr. Geraldo Claret o interpreta com perfeição), disse-me: “ – Mello Ayres! Você vai ser professor de bioquímica!”. Disse-lhe que bioquimica eu tinha consciênca de que sabia um pouco, agora fisiologia eu apenas estudei. Com seu sotaque carioca, Professor Liberalli disse-me: “- É mais fácil um bioquímico estudar fisiologia do que um fisiologista estudar bioquimica!”. Assim passei mais um ano acumulando, após um ano fui graças a Deus muito bem aceito pelos cirurgiões-dentistas, por todos os profesores, funcionários, alunos da FOP, dali um ano eu tive coragem, pedi demissão da USP e passei para a Faculdade de Odontologia, como Professor Catedrático Contratado. Responsável pela fisiologia e bioquimica. Naquele tempo havia a Escolinha Walita que ensinava receitas de bolos para as madames para vender material. Apelidaram a FOP de Escolinha Walita. Acharam que era uma escolinha incipiente. Chegaram a me parar na rua dizendo: “- Geraldo! Você vai sair da USP para ser profesor na Escolinha Walita?”. Disse: “- Vou! Sabe por que? Porque nós vamos crescer juntos!”. A minha profecia, que era compartilhada por outros, se concretizou. Fiquei na Ododontologia, fui muito bem aceito, fiz toda a carreira universitária, me aposentei na posição mais alta: professor titular. Fui pioneiro da bioquimica, como Ben-Hur foi pioneiro da fisiologia, Nobilo na protese, Merzel na anatomia.

As dificuldades foram grandes?

Muitas. Uma delas foi quando o Governador Adhemar de Barros deu um aumento substancial para a USP e não deu para os institutos isolados de Piracicaba, Araçatuba, Bauru, Ribeirão Preto, Araraquara, São José dos Campos, Rio Claro. Era um absurdo o Estado manter dois niveis salariais para o ensino superior. Foi criada a Comissão dos Institutos Isolados do Ensino Superior do Estado de São Paulo o Merzel era o presidente e eu era o secretário. Sempre fui idealista. Me empolguei nessa luta e viajei por muitas cidades onde havia Institutos Isolados, arrebanhando a turma para fazer greve. Assembléias memoráveis que varavam as madrugadas. A luta foi vencida, saiu a equiparação. O professor Raphael Lia Rolfsen que me conheceu nessa movimentação toda em Araraquara, passando pelo gabinete Enio Rocha, funcionário de confiança de Adhemar de Barros, funcionava como “reitorzinho” dessas faculdades, tinha sobre a sua mesa o meu nome e o do Merzel para sermos dispensados. Dr. Raphael imediatamente tomou partido a nosso favor, afirmando que éramos dois rofessors dignos, competentes e honestos. Fiquei sabendo disso mais tarde.

 

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