sábado, maio 30, 2015

ÁUREA DE MORAES LIBARDI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 

JOÃO UMBERTO NASSIF 

Jornalista e Radialista 

joaonassif@gmail.com 

Sábado 30 de maio de 2015

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana 

As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 

ENTREVISTADA: ÁUREA DE MORAES LIBARDI

                

Áurea de Moraes Libardi, nasceu em Piracicaba a 12 de janeiro de 1940, filha de José Humberto Libardi e Lázara de Moraes Libardi. Seu pai trabalhava com seus avós paternos na lavoura de fumo, no Bairrinho. Filha única do casamento do seu pai em suas segundas núpcias. Ele foi casado em primeiras núpcias com Paulina Zandoná. A mãe de Áurea foi professora na Água Branca, Pederneiras. A última escola em que ela lecionou foi no bairro então denominado “Bimboca”, hoje Nhô Quim. Lá ela faleceu antes mesmo de aposentar-se. Seu tio Romeu Cândido de Moraes foi um homem muito conhecido em Piracicaba, quando começaram a aparecer os receptores de rádio, ele era um dos poucos técnicos que consertavam esse aparelho inovador, geralmente adquirido por famílias de posses. Romeu viveu uma grande paixão: o cinema, mais propriamente a sala de projeção e as complicadas e difíceis técnicas de realizar uma projeção de um filme com o menor número de falhas possíveis, um quase precursor do filme “Cine Paradiso”. Romeu amava o cinema. Formou-se professor, mas nunca exerceu a função. Outra paixão inexplicável era pelos automóveis da marca Dauphine e Gordini, chegou a ter seis veículos dessas duas marcas. Quem faz um relato da sua própria trajetória e a de seu tio Romeu é Áurea de Moraes Libardi.


A senhora começou seus estudos em que escola?
O primário  estudei no Grupo Escolar Moraes Barros, minha primeira professora foi Dona Áurea Godinho, no terceiro ano tive aulas com a professora Irene Gatti Bergamin, no quarto ano minha professora foi Dona Antonia Martins.
Existia nas imediações do Grupo Moraes Barros um estabelecimento característico daquela época, o tradicional empório ou pequena venda, a senhora chegou a conhecer?
Conheci! Era de propriedade do “Bento Chulé”, minha avó não gostava quando dizíamos que tínhamos ido até o “Bento Chulé”. Ela dizia que tínhamos que chamá-lo pelo nome correto: Bento Sampaio. O seu estabelecimento ficava na Rua do Rosário na esquina com a Rua Voluntários de Piracicaba, onde mais tarde a família Maluf adquiriu e construiu a casa que existe até hoje. Onde hoje é o Estádio Barão de Serra Negra, era um bosque. Lembro-me do Itapeva, eu ia brincar aqui embaixo, com as minhas amigas ( Nas proximidades de onde hoje é o Clube de Campo de Piracicaba). Íamos sem que nossos pais soubessem.
Como era o Seu Bento Sampaio?
Ele tinha esse barzinho, morava ao lado, era um senhor encorpado, cabelos brancos, era uma pessoa muito boa, tratava todo mundo bem. Tinha aqueles doces típicos de vitrine de bar, que a criançada olhava com olhar guloso.  Minha avó não deixava comermos aqueles doces. Quando minha mãe faleceu vim morar com a minha avó materna, Maria Cândida de Moraes, ela morava na Rua Tiradentes.

Após concluir o primário em qual escola a senhora estudou?
Fui fazer o ginásio no Instituto de Educação Piracicabano, na Rua Boa Morte. A seguir fiz o curso normal, e me formei professora em 1961. Meu pai faleceu no dia 10 de junho de 1961.
Após formar-se, a senhora foi lecionar em qual escola?
De 1962 a 1964 fui professora substituta no Grupo Escolar Prudente de Moraes. O diretor era Seu Dagoberto de Souza Coelho. Após esse período, com outras colegas fomos para São Bernardo do Campo, isso foi em 1965.  Lá fui professora substituta tanto na escola estadual como na escola municipal. Em São Bernardo dei aulas na escola do Jardim Ipê. Pela prefeitura lecionei no bairro Baeta Neves. Permaneci lecionando lá por uns três anos. Prestei concurso no Estado em 1964 só fui conseguir ser efetivada em 1968, em Salesópolis. Passei a residir lá. Fiquei de outubro até março do ano seguinte só que para chegar até a escola andava a pé seis quilômetros para ir e mais seis para voltar. Quando chovia era triste! Pedi remoção e volte para São Bernardo do Campo mesmo. O Dr. Cesarino foi Secretário da Educação, ele foi daqui de Piracicaba. Dei aula no bairro de Ferrazopolis, em São Bernardo do Campo de 1970 a 1976. Dei aulas em Santo André em um bairro chamado Cidade dos Meninos, pedi remoção para uma escola em São Bernardo do Campo, aonde as escolas eram bem atendidas pela prefeitura. Infelizmente, quando voltei lá, para mostrar ao meu filho a escola onde trabalhei, eu chorei. Tudo deteriorado! Antes a prefeitura cuidava daquilo com zelo. São Bernardo do Campo já teve a vocação de cidade do setor moveleiro, fabricava muitos móveis. Em 1976 eu voltei à Piracicaba. Fui dar aula no bairro do Recreio, próximo a Charqueada. Conheci Roberto de Morais, a família dele, eles tinham armazém lá, chamavam de Turqui, que é o sobrenome da família da mãe dele. Lá dei aula de 1980 até 1989. Dei aula por um ano no Jardim Sonia, em Santa Terezinha, o diretor era o Seu Tuffi Dumiti.
A senhora chegou a usar o famoso flanelógrafo para dar aulas?
Usei muito! De um lado era flanela e tinha uma espécie de lixa para fixar, era utilizado como material didático. Antigamente as crianças iam à escola para aprender, a educação era dada em casa.
A senhora vivenciou um período político agitado?
Conheci o Lula!  Eu ficava esperando o ônibus onde era a Brastemp, isso foi quando eu dava aulas em Ferrazópolis e mesmo no Jardim Ipê. O Lula passava todos os dias por ali. Passava a pé, todo mundo mexia com ele: Hei Lula! Já usava barba. Parece que ele ia até onde era o sindicato. E de vez em quando ele ia preso. Ele passava, cumprimentava.
Cumprimentava a senhora também?
Cumprimentava! Eu tenho a impressão que gostavam dele, todo mundo o cumprimentava, era bem popular.
A senhora é sobrinha de uma das pessoas que tinha uma importante função nos cinemas de Piracicaba?
Sou sobrinha de Romeu Cândido de Moraes. Ele sempre gostou de rádio, eletrônica, era técnico em conserto de rádios. Ele formou-se como professor na Escola Normal, hoje Sud Mennucci, só que nunca lecionou. A turma dele, de 1946, todo ano reunia-se, assistiam a missa na catedral e depois iam até o restaurante Brasserie para confraternizarem-se. A grande paixão dele era o cinema. Romeu Cândido de Moraes nasceu a 23 de abril de 1917, em Piracicaba. Ele mantinha uma oficina de consertos de rádios na casa da minha avó, isso no tempo em que o rádio funcionava com válvulas.
                                              Romeu Cândido de Moraes
Além do rádio, Romeu era apaixonado por cinema, isso o levou a trabalhar nos cinemas de Piracicaba?
Ele começou como ajudante de operador na Empresa José R. Andrade, o famoso Andrade de São Paulo, foi registrado no dia 1° de abril de 1938. Ele trabalhava nos cinemas a noite e a tarde quando tinha matinê. Às vezes ele ficava até altas horas consertando rádios.

Quando a senhora era mocinha chegou a ir ao cinema assistir filmes com o seu tio Romeu operando os projetores?
Ah, sim! Nós tínhamos o que chamavam de “permanente”, dava acesso livre a qualquer cinema onde ele trabalhava. Eram dois projetores, ele que fazia a troca dos rolos de filmes. Com isso eu assistia a muitos filmes, foi um tempo muito bom. Tive uma professora, Dona Melita, ela tocava piano e o marido tocava violino, isso no tempo do cinema mudo. Meu tio Romeu falava muito do Cine Íris, que segundo sei, ficava na atual Rua Governador Pedro de Toledo
Os filmes eram em forma de rolos e vinham de São Paulo?
Vinham de ônibus, pelo Expresso Piracicabano, eram rolos, dentro de uma embalagem metálica, um único filme muitas vezes era composto por várias latas, cada lata tinha uma parte do filme, era função do projetista deixar a continuidade do filme “no ponto” para não parar a projeção. 

Acontecia de quebrar parte da fita durante a projeção?
Era relativamente comum. Tinha que colar um pedaço do filme no outro. A platéia manifestava-se em uma grande algazarra. O Cine São José, hoje Teatro São José, era carinhosamente chamado pelo povo de “pulgueiro”. Minha tia gostava mais do São José do que do Broadway, ela achava o São José mais espaçoso, mais gostoso. Bastante gente daqui, como a família Tolaine, morava na esquina da Rua Tiradentes com a Rua Monsenhor Rosa, lá também tinham o Armazém do Tolaine, Dona Chiquinha Tolaine gostava de ir ao Cine São José. Eu ia a todos os cinemas, Politeama, Broadway. Minha tia, Lidioneta de Moraes Francisco casada com João Francisco, irmã do meu tio Romeu, era fanática por cinema, ela gostava muito de costurar, e se vestia muito bem. Ela via os modelos nos filmes e fazia idênticos. O Broadway depois mudou seu nome para Tiffany.

Artistas de filmes brasileiros vinham à Piracicaba para o lançamento do filme?
Lembro-me do filme “Armas da Vingança”, com a participação do piracicabano Gregório Marchiori. No Colégio Piracicabano estudava um índio, que foi criado pelos missionários ainda menino, ele estudava no Colégio Piracicabano, chamava-se Tapir Caiuá, ele fez cenas junto com o Gregório. A Olga Marchiori, mãe do Gregório, fazia fisioterapia com o filho do Tapir.
Seriados vocês não perdiam?
Seriados não se podia perder! Naquele tempo vendia-se bala dentro do cinema, os meninos com um tabuleiro ofereciam balas.
Seu tio Romeu, tinha outra paixão além do rádio e do cinema?
Ele gostava muito dos carros Dauphine e Gordini. Ele chegou a ter seis veículos dessa marca. O ultimo eu vendi. Era um Dauphine, a um senhor que já tinha insistido muito com o meu tio para vender esse carro. Ele não vendia. Após o seu falecimento, pensei o que vou fazer com esse carro?  Passado algum tempo, o homem que sempre se interessou por esse carro me procurou. Ele é de Limeira. Eu vendi. Após algum tempo ele trouxe-me o carro para que eu visse. A paixão desse homem de Limeira era esse Dauphine que saiu em1962, ele restaurou o carro todinho, colocou tudo original. Trouxe peças até da Argentina. Isso foi em um dia Sete de Setembro, muitas pessoas pararam para ver o carro.

O Seu Romeu faleceu em que ano?
Ele faleceu em 04 de março de 2006, com 88 anos. Ele andava sempre de paletó, até mesmo para ir fazer compras no supermercado. Antigamente até mesmo os balconistas e atendentes de lojas usavam roupa social, gravata. No cinema ninguém entrava se não estivesse usando gravata.
O tio da senhora, o Seu Romeu, comentava sobre os filmes que estavam em cartaz?
O Romeu era muito calado no ambiente doméstico. Na rua ele conversava. Quem era muito amigo dele era João Breglia. Ele ficava junto com um grupo seleto de amigos, em frente ao Cinema Politeama.
Ao lado do Cine Politeama existia uma bomboniere que deixou saudades?
Era o Passarela! Como eu gostava de ir lá! Ele tinha umas balas de coco queimado que era uma delicia. As queijadinhas, empadas.
O Romeu tinha algum colega de profissão com quem mantinha uma amizade mais próxima?
Tinha o Horácio Gorga. Ele gostava muito do Seu Max Graner. O Dr. Filipini era também um grande amigo. Ele conheceu Erotides de Campos. O Romeu gostava muito de ler, tinha enciclopédias, falava inglês. Meu avô, pai de Romeu teve açougue, minha avó contava que o açougue ficava na Rua Tiradentes, depois tiveram açougue em frente ao Grupo Moraes Barros, eles moraram aí. Depois se mudaram para o início da Rua do Rosário, antes do viaduto (que não existia naquela época), ali o bonde virava para ir para a Vila Rezende, era próximo a empresa ABIL existente hoje. Era uma casa que ia até o Itapeva, parecia um sítio. Nessa época que meu avô trabalhou muito com gado, cavalo, o pai do meu tio Romeu tinha propriedades, estava bem de vida. Meu avô em 1895 comprou um jazigo no Cemitério da Saudade para enterrar uma filha. Lembro-me  de que na Rua São José, quase na esquina da Rua Alferes José Caetano havia uma fábrica de gelo.


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