PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 9 de maio de 2015
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: ANSELMO PEREIRA RODRIGUEZ
Anselmo Pereira Rodriguez nasceu
a 16 de março de 1937, em Ponte Vedra, Provincia de Galícia, Espanha.Filho de
Domingos Pereira Presa e Pilar Rodriguez Esteves. Casado com Neyde Marly Barnez
Rodriguez, nascida em São Paulo, nascida a 23 de junho de 1937, filha de
imigrantes espanhóis. Anselmo é o filho mais novo de seis irmãos: Maria,
Manoel, José, Domingos, Antonio e Anselmo. Atualmente Anselmo e Neyde residem
em Piracicaba.
Os pais do senhor exerciam qual atividade na
Espanha?
Eram agricultores, um agricultor
espanhol geralmente plantava de tudo: milho, centeio, trigo, muita uva. Meu pai
tinha uma serraria. Naquela época para curtir couro usava-se casca de carvalho.
Ela era retirada, deixava secar e depois se mandava para as indústrias.
Nessa época a energia era fornecida através
de usinas ou era energia gerada por moinho com roda água?
Já existia a energia elétrica e também se usava a energia
gerada em moinhos movidos a roda de água. A energia elétrica era utilizada na
serraria que trabalhava com carvalho, pinho de riga e a energia do moinho de
água era mais para moer grãos: trigo, milho. Como na época havia muito pouco
trigo fazia-se muito pão de milho, assado no forno a lenha. Era um pão forte,
fazia-se o que era chamado de “miga”, um pão amassado composto por uva e alho.
O pão era amassado primeiro com o alho, eram cozidos, formava-se uma pasta,
tinha-se uva a vontade ao lado e se comia. Era um prato forte, essa é uma
característica que tínhamos na Espanha, todos os alimentos eram muito fortes. Meu
pai fazia vinho, tínhamos o tinto e branco. Fazíamos o vinho xerez , em castelhano, jerez, um tipo de vinho fortificado,
licoroso o vinho alvarinho. Estávamos muito próximos da fronteira, da minha
casa até Portugal levava uns quarenta minutos. Tínhamos dois pontos para
atravessar a fronteira: Salvaterra de Miño e por Tui, onde havia a ponte internacional, muito
vigiada no tempo de Francisco Paulino Hermenegildo Teódulo Franco y
Barramonde, ou simplesmente Francisco Franco, general
e chefe de estado espanhol. Franco liderou um governo de orientação fascista na Espanha de 1936 até sua morte, em 1975. Essa ponte
tem uma curiosidade, só passava trem da Espanha para Portugal, há uma história
que se conta, de que quando foi inaugurada, era uma ponte muito alta, Portugal
e Espanha fizeram um tratado, o trem que conseguisse passar primeiro tinha o
direito de vir para a cidade, dizem que os portugueses foram até a metade da
ponte, parece que voltaram. Já o maquinista espanhol pôs toda a velocidade na
maquina dizendo: “-Se cair, que caia!” e passou! E assim ficou, a Espanha tinha
o direito de ir à Portugal, mas Portugal não tinha o direito de atravessar a
ponte para vir a Espanha.
Havia escola nas proximidades?
Tinha, não podíamos faltar. Trabalhávamos no campo
ajudava. Na época da colheita o dia clareia cedo, íamos para o campo com os
pais.
Com que idade o senhor começou a trabalhar?
Acho que comecei a trabalhar com a idade que comecei a
comer. Andava na frente do boi, naquela época não tinha trator. A terra era
arada por quatro bois. Os bois recebiam o nome de Malhado, Pintado, Galhado.
Como o tempo esquentava muito tínhamos que estar de madrugada no campo, depois
esquentava muito e os bois se cansavam. Saíamos cedinho, nem tinha clareado e
já estávamos no campo. Tinha que levar o adubo, colocar o adubo todo no campo.
Depois vinha o arado. Alguns iam ajudando com as enxadas, nos cantos, onde não
entrava o arado direito, meus irmãos e minha mãe iam fazendo esse trabalho. Umas
nove, nove pouco, a minha mãe vinha em casa, pegava o almoço e levava para o
campo. Era uma vida muito difícil, embora sempre estivéssemos sempre alegres e
muito contentes. Era tuda na tração animal e pessoal, não havia maquina
nenhuma.
O senhor tinha noção do tamanho da propriedade?
Nós tínhamos muitas propriedades, não muito grandes, mas
eram propriedades muito boas. Nós íamos para o campo, em torno das oito horas
da manhã, minha mãe nos arrumava direitinho e íamos para a escola, a pé.
Fazíamos uma corrida com a piçarra debaixo do braço.
O que era piçarra?
Não havia caderno. Era uma pequena lousa de piçarra, com
madeira em torno dela e um piçarrim para escrever nela. Era uma lousa (de
piçarra) e uma espécie de giz (piçarrim).
E para apagar o que tinha escrito como se fazia?
Apagava-se com a mão ou com um paninho.
O senhor lembra-se do nome de alguma professora?
Lembro-me do nome de um professor, Dom Antonio, naquela
época não estudavam meninos e meninas na mesma classe. Havia classe de homens
de um lado e classe de mulheres do outro lado. Tive outro professor por dois
anos, José Açores, que por sinal depois ele veio para o Brasil. (José Ozores ou José Açores é o famoso Pepe
Gordo que foi procurador do Pelé). Ele tinha muita amizade com o meu pai, vinha
tomar chocolate quente em casa, com meu pai. Aprendi muita coisa com ele, se
não aprendesse apanhava! Professor naquela época usava palmatória, dava sopapo.
Depois fui estudar com Dom Francisco, sacerdote da nossa aldeia. Ele disse ao
meu pai: “- Domingos! Você poderia colocar este seu filho para estudar no
seminário. Aí eu já não ia mais para o campo. Ia de manhã para a escola,
voltava, almoçava e ia estudar com o sacerdote.
Qual era o padroeiro?
O santo padroeiro da nossa cidade era São Pelágio (ou Paio),
natural da Galícia. Após a preparação, entrei para o Seminário Diocesano de
Tui. Era encostado com o Rio Minho, de Portugal. Lá permaneci por dois anos
como seminarista interno.
A vida como seminarista interno era rigorosa?
Era muito rigorosa. Pior do que se estivesse no exército. A
comida era horrível, os padres muito rigorosos. Tinha sempre um cheiro forte de
lentilha. Se aparecesse uma lacraia na alface, tirava-se aquele pedaço e comia
o resto. Ou comia aquilo ou não comia nada, não havia outra coisa para comer.
Naquela época existiam poucos seminários na Espanha, portanto estavam todos
muito cheios. Havia poucos padres, nós chamamos os padres de curas, os padres
das cidades incentivam os pais para mandarem os filhos para o seminário.
Como funcionava, havia um dormitório amplo?
Era um salão muito grande, as caminhas uma ao lado da outra,
isso logo que o seminarista ingressava ao seminário, os alunos do terceiro ano
ficavam em um salão, os do quarto ano em outro salão, eram todos separados por
ano que estudavam. E sempre passavam os chamados reitores de disciplina,
andavam de um lado para outro, para ver se estávamos dormindo, conversando com
um amigo. Por volta das oito horas da noite batiam o sino todos tinham que ir
dormir. As seis horas da manhã tocava o sino, lavávamos rapidinho. Naquele frio
tinha que tomar banho frio e andar sempre limpinhos. As vezes usávamos a
alça-coelho, era colocado no pescoço, branquinho, algumas vezes jogávamos
futebol, toda semana ou de quinze em quinze dias, a minha mãe, meu pai ou minha
irmã, iam me levar um pouco de comida e roupas limpas. Nos seminaristas, às vezes lavávamos alguma
peça de roupa, púnhamos embaixo do colchão, de manhã estava sequinha! De manhã
levantávamos íamos à capela, fazíamos a oração, tudo em latim, depois íamos
tomar café, em seguida íamos para a aula, tínhamos aulas o tempo todo, até o a
hora do almoço, em seguida tinha o recreio, voltávamos, descansávamos uns
quinze ou vinte minutos, íamos fazer a oração da tarde, essa era a nossa rotina
de segunda a segunda, aos domingos era bom porque tínhamos as visitas. Só íamos
de férias para casa no Natal. Aí passávamos um mês e pouco em casa.
Quanto tempo de estudo o senhor tinha para tornar-se padre?
Eram doze anos de estudos, eu estudei dois. Eram dois anos de
latim, cinco de filosofia e cinco anos de teologia. Eu entrei para o seminário
com doze anos. Durante as nossas férias havia muitas festas religiosas, em
louvor ao nosso padroeiro. Eu acabava voltando para o seminário porque tinha
medo em dizer ao meu pai que não queria ir mais.
Até que o senhor decidiu não continuar no seminário?
Eu cheguei junto ao padre orientador espiritual e disse-lhe
que não suportava mais aquela vida. Ele escreveu uma cartinha muito bonita para
o meu pai, Disse-me: “-Já que você não tem vocação, leva esta carta e entrega
ao seu pai!”. Entreguei. Meu pai não gostou muito. Voltei a trabalhar na
lavoura, onde permaneci até os 18 anos. Nesse meio tempo meu pai faleceu,
quando ele era vivo ninguém saia de perto dele. Apareceram uns parentes da
minha mãe que estavam aqui no Brasil, foram visitar a minha mãe. Conversei,
perguntei se não poderia vir ao Brasil com eles. Tinha que ter uma carta
convite emitida no Brasil, com o trabalho garantido aqui. Havia uma lei que
determinava que em cada dez funcionários sete devesse ser brasileiros e três
poderiam ser estrangeiros. Acabei embarcando no navio
Santa Maria, vapor português, no Porto de Vigo 16 de abril de 1955.
Santa Maria, vapor português, no Porto de Vigo 16 de abril de 1955.
A viagem demorou quantos dias?
Foram treze dias de viagem, aportei em Salvador, Bahia. Meu
primo já estava me esperando, fiquei morando com eles na Cidade Alta, na
Avenida Sete de Setembro. Eles tinham um estabelecimento comercial, a Sequeiros
& Rodriguez Cia. Ltda., fui trabalhar com eles na Cidade Baixa, na Rua
Campos Salles,63. Fiquei lá quatro anos.
O senhor sentiu-se mais livre no Brasil?
Aqui eu tinha muito mais liberdade, na
Espanha as regras eram rígidas. Tinha muitos espanhóis, nos reuníamos para ir à
praia aos domingos. Com a língua logo me adaptei.
Sai dessa empresa e fui de ônibus para o
Rio de Janeiro, tentar a sorte lá. Não consegui nada, fui então para Belo
Horizonte. Também não arrumei nada lá, vim para São Paulo. Em São Paulo fiquei
no Bairro Santa Cecília. Fiquei muito impressionado com aquelas avenidas
enorme. Fui até a Praça da Republica, tinha um primo que trabalhava lá no
escritório da Swift, onde era promotor. Ele era muito conhecido dos
supermercados Peg-Pag. O primeiro supermercado do Brasil foi o Sirva-se, aberto
em 1953 em São Paulo. Em 1957 São Paulo ainda vivia com seu comércio de armazém
e vendas, mercearias e quitandas; foi aí que inauguraram o primeiro
supermercado na Rua das Palmeiras: o Peg Pag.Fui trabalhar como repositor.Em
pouco tempo passei a ser chefe do depósito. Permaneci lá por uns dois anos. Tinha
que digitar o valor e a seção a qual pertencia o produto. Aos sábados eu
trabalhava nos caixas também. Naquela época caixa trabalhava com gravata. Para
entrar no cinema tinha que ir de gravata. Isso foi por volta de 1959. O centro
de São Paulo era muito bonito, você podia andar tranqüilo. Conheci a minha
esposa em uma festa de família, nos casamos na Igraja Santa Margarida Maria, no
bairro Aclimação, fomos morar ali perto em um apartamento na Aclimação mesmo.
(No Brasil o primeiro
supermercado da cidade, e do Brasil, foi inaugurado em agosto de 1953, com o
nome 'Sirva-se'. Ficava na esquina da rua da Consolação com a alameda Santos.
Os proprietários tentavam pela primeira vez implantar aqui o sistema
norte-americano de vendas no varejo, o auto-serviço, como era chamado, que
possibilitava uma escolha mais livre dos produtos por parte do consumidor, dispensando
a presença do vendedor.
O Estado de S. Paulo - 4/9/1953)
No Brasil. O primeiro supermercado da cidade, e do Brasil, foi inaugurado em agosto de 1953, co
Como o senhor fazia para ir trabalhar na Rua das Palmeiras
morando na Rua Lins de Vasconcellos na Aclimação?
Ia de ônibus, bonde. Havia muitos
restaurantes espanhóis no Brás, o La Coruña já existia. No Largo da Concórdia tinha dois ou três
restaurantes espanhóis. Íamos comer o cozido, o puchero, polvo. Os espanhóis todos tinham uma bota de
vinho.
O senhor
continuou no Peg Pag?
Não, eu saí para montar um barzinho na Rua Japurá, na Bela Vista. É uma
região onde moravam muitos italianos e espanhóis. Ali tive a honra de conhecer
Agostinho dos Santos
AGOSTINHO DOS SANTOS
e José de Vasconcellos,
JOSE DE VASCOLNCELLOS
foram tomar café ali em uma madrugada. Após uns oito meses vendemos e fomos para a Pompéia. Compramos um restaurante, trabalhávamos em baixo e morávamos em cima. Era na Avenida Pompéia próximo ao campo do Palmeiras. Ali os jogadores do Palmeiras vinha comer bife na chapa com cerveja. Conheci vários jogadores do Palmeiras: Gilmar, Ademir da Guia. Estávamos começando a ter um progresso maior, quando deu uma enchente muito forte. Perdemos tudo. Fomos para a casa da minha cunhada. Arrumamos um apartamento na Rua Vergueiro e mudamos para lá. Eu arrumei um serviço na Rua Pinheiros. Voltei a trabalhar como empregado de uns franceses que tinham comprado As “Lojas Três Leões" uma loja de departamentos. Eles transformaram nos “Supermercados Sugar”. Ficava próximo ao Largo da Batata. Ali permaneci cerca de um ano. Fui trabalhar com um primo meu que tinha um hotel no Brás. Trabalhei um bom tempo lá.
e José de Vasconcellos,
JOSE DE VASCOLNCELLOS
foram tomar café ali em uma madrugada. Após uns oito meses vendemos e fomos para a Pompéia. Compramos um restaurante, trabalhávamos em baixo e morávamos em cima. Era na Avenida Pompéia próximo ao campo do Palmeiras. Ali os jogadores do Palmeiras vinha comer bife na chapa com cerveja. Conheci vários jogadores do Palmeiras: Gilmar, Ademir da Guia. Estávamos começando a ter um progresso maior, quando deu uma enchente muito forte. Perdemos tudo. Fomos para a casa da minha cunhada. Arrumamos um apartamento na Rua Vergueiro e mudamos para lá. Eu arrumei um serviço na Rua Pinheiros. Voltei a trabalhar como empregado de uns franceses que tinham comprado As “Lojas Três Leões" uma loja de departamentos. Eles transformaram nos “Supermercados Sugar”. Ficava próximo ao Largo da Batata. Ali permaneci cerca de um ano. Fui trabalhar com um primo meu que tinha um hotel no Brás. Trabalhei um bom tempo lá.
Associei-me a um espanhol, adquirimos
um bar na Rua Augusta, dois quarteirões abaixo da Avenida Paulista, no sentido
centro. Era um desfile de uma multidão aos finais de semana. Ali foi bar,
lanchonete. Ficamos ali um bocado de tempo.
É um ponto excelente?
Muito bom. Coloquei certas
restrições, pela manhã não vendia bebida alcoólica. Tinha muitas boates na
redondeza, o pessoal saia das boates e queriam continuar a beber. Atrapalhava
os clientes que queriam tomar o café da manhã.
ROBERTA CLOSE A Roberta Close tomou muito café ali. Era uma menina perfeita, muito bonita. Muito educada. Ela sempre vinha com as amigas tomava café. Eu abria o estabelecimento as seis horas da manhã, meu sócio fechava em torno da meia noite. Ali passavam muitos artistas para tomar café. Tínhamos seis funcionários.
ROBERTA CLOSE A Roberta Close tomou muito café ali. Era uma menina perfeita, muito bonita. Muito educada. Ela sempre vinha com as amigas tomava café. Eu abria o estabelecimento as seis horas da manhã, meu sócio fechava em torno da meia noite. Ali passavam muitos artistas para tomar café. Tínhamos seis funcionários.
O senhor era querido ali naquela
região?
Era respeitado.
O ultimo emprego do senhor foi onde?
Foi em um hotel de propriedade de
dois primos na Rua General Olimpio da Silveira.
O senhor voltou à Espanha?
Estive diversas vezes, a passeio, ficava
hospedado na casa paterna. A Espanha
evoluiu muito, os campos hoje são todos trabalhados com máquinas, cada um com seu
celular.
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