PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 01 de abril de 2017.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 01 de abril de 2017.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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http://blognassif.blogspot.com/
Nair Moretti Amaro Lopes nasceu
em Piracicaba a 10 de julho de 1926, filha
de Antonio Amaro e Maria Moretti que tiveram quatro filhos: Romildo, Nair,
Ibrahim, e um quarto filho que faleceu ainda muito jovem.
O que faz com que a senhora do
alto da sua experiência tenha essa disposição admirável?
Eu sempre tive uma vida calma,
regrada, sou vegetariana, nunca fumei, raramente eu tomava um copo de cerveja
com o meu marido. Depois que ele faleceu, eu não tomei mais cerveja.
Qual era a profissão do seu pai?
Ele era seleiro, fabricava selas
para cavalos. Quando eu era criança, até meus cinco anos, morava em Piracicaba,
depois meu pai foi morar em Saltinho onde permanecemos por uns cinco anos.
Voltamos para Piracicaba, meu pai logo faleceu, aos 42 anos. Na época morávamos
na Rua Joaquim André entre a Rua Governador Pedro de Toledo e a Rua Boa Morte.
Minha avó morava nesse local, em sua casa, e anexa havia outra casa onde
passamos a residir. Na esquina da Rua Joaquim André com a Rua Governador Pedro
de Toledo havia uma loja de calçados do Joanim Fustaino. O Sbravatti tinha um
bar na esquina da Rua Boa Morte com a Rua Joaquim André (Onde hoje é a padaria
Assagio), no lado o oposto, na esquina, onde hoje é um terreno vazio ficava o
Hotel Paulista.
A família Angeli morava nas
imediações?
A família Angeli eu conheci desde
Saltinho, eles fabricavam fumo de corda. Meu tio Lázaro, irmão do meu pai,
morava em Bairrinho, fabricava fumo de corda, era pai de 21 filhos.
Os seus estudos foram feitos em
que escola?
Estudei em Saltinho. Meu desejo
era ser enfermeira. Com o falecimento prematuro do meu pai, aos 14 anos
precisei trabalhar para sustentar a família.
Foi trabalhar em que setor?
Eu aprendi a costurar com a Dona
Hermínia Zagatto casada com Vitório Zagatto.Ela era excelente, até hoje tem
noites que sonho com ela e olha que vou fazer 91 anos agora em julho! Ela me
queria muito bem, minha primeira máquina de costura foi uma da marca Singer.
Após alguns anos saí do ateliê de costura da Dona Hermínia, havia a necessidade
de aumentar a minha renda para arcar com as despesas. Não foi fácil, mas sempre
fiz com amor e satisfação, até hoje faço tudo com amor e satisfação. Trabalhei,
minha mãe me ajudou muito, ela foi uma excelente mãe. Até me emociono quando
falo dela.
Lembra-se do trem da Companhia
Paulista de Estrada de Ferro?
Nossa! Viajei muito de trem!Ia
muito para São Paulo, ia à casa do meu tio Lázaro que depois foi morar em São
Paulo. Ia sozinha. Senti muito quando acabou o trem.
E o bonde?
Eu tomava muito o bonde para ir
trabalhar no ateliê da Dona Hermínia Zagatto. A Farmácia Raya situava-se a Rua
Governador Pedro de Toledo esquina com a Rua Moraes Barros, ao lado na Rua
Moraes Barros ficava a Dona Hermínia.
O ateliê da Dona Hermínia Zagatto
era voltado a alta costura?
Ela costurava para as moças e
senhoras da alta sociedade, como por exemplo, as da Família Morgantti, só
costura feminina.
Quantas funcionárias havia
trabalhando com a Dona Hermínia?
Não posso afirmar com certeza,
mas acredito que tinha umas vinte moças que costuravam com ela.
Lá a senhora aprendeu a cortar?
Aprendi a cortar, ela dava a
roupa para fazermos e dava os moldes. Aprendi olhando nos moldes. Eu tirava as
medidas do corpo da cliente. Eu não trabalho mais, mas até hoje tenho freguesas
que insistem, querem que eu faça as roupas delas. Vou fazer para a semana que
vem um vestido longo, para uma freguesa que vai ser madrinha de um casamento,
isso aos meus 91 anos de idade! Posso afirmar que a minha vida foi de batalha
mesmo!
Quando surgiu a decisão de montar
o seu próprio ateliê?
Após alguns anos trabalhando no
ateliê da Dona Hermínia montei o meu próprio ateliê, tive excelentes clientes,
pessoas de nível financeiro elevado, isso porque modéstia a parte, eu sou muito
caprichosa. Faço bem feito.
O seu primeiro ateliê ficava em
que local?
Em todos os lugares em que montei
o ateliê foi em minha casa mesmo. O primeiro foi a Rua Joaquim André, mudei
para a Rua Boa Morte, entre a Rua Floriano Peixoto e a Rua Riachuelo, a seguir
mudei para a Rua Floriano Peixoto no meio do quarteirão, lá eu já tinha umas
moças que me ajudavam. Mudei-me para a Rua Governador Pedro de Toledo, em
frente a um posto de gasolina de propriedade de Sebastião Dias, o Tião, na
esquina com a Rua Riachuelo. Eu morava em um sobradinho que existe até hoje.
Fui para a Cidade Alta onde permaneci morando por um ano. De lá fui para a Rua
São João onde permaneci por cinco anos. Sempre costurando. Sempre tinha uma
edícula, era onde eu trabalhava. Adquiri a minha casa, nas proximidades do
Fórum, onde tenho a minha edícula. Meu marido reformou-a E ainda continuo lá
trabalhando!
A senhora usa óculos?
Não! Tenho óculos, mas não uso!
Leio os jornais de Piracicaba todos os dias. Antes eu levantava de madrugada,
agora levanto mais tarde. Todo serviço que eu faço, faço com amor e carinho. Desde
mocinha, quando morava no bairro da Paulista, trabalhei na Igreja dos Frades.
Fazia roupas para a igreja. Conheci Frei Liberato, Frei Evaristo, Frei
Guilherme, naquela época conhecia todos. Trabalhávamos em uma sala, os frades
iam todos lá para conversar com as pessoas. Havia outras moças e senhoras que
trabalhávamos juntas. Eu era voluntária,
sempre fui voluntária. Fui muito amiga de uma senhora chamada Isabel Nassif,
conheci também sua irmã Georgina, além de um irmão delas, acho que se chamava
Jorge. Em dezembro último tive que fazer uma cirurgia para a retirada de
cálculos (pedras). Mas nunca fiquei doente. Não sei como agradecer a Deus. Não
sei! Trabalhei também por muitos anos no Dispensário dos Pobres, situado a Rua
do Rosário, entre a Rua XV de Novembro e Rua Rangel Pestana. Isso foi no tempo
da Irmã Maria, eu viajava com ela quando tinha que fazer compras em São Paulo.
Íamos de trem. Conheci muita gente, principalmente na Paulista onde morei por
muitos anos. Conheci o Del Nero, a Vera Del Nero, depois parece que se mudou
para São Paulo. Conheci o Norival Tedesco, sua esposa Dona Tita. Fui diversas vezes com a minha avó até o Lar
Escola Maria Nossa Mãe, conheci muito Madre Cecília, minha avó, Antonia Dalla Libera Moretti, era
amiga dela.
Como a senhora arrumava tempo
para fazer isso tudo?
Não sei! Sinceramente, não sei!
Até hoje fico pensando, quando eu era moça fazia enxoval. Já bordei uma
infinidade de roupas, fico pensando, como eu tinha tempo de fazer todas essas
coisas? Pano de prato era tudo bordado, com crochê, e modéstia a parte: fui e
sou caprichosa! Eu não sei onde eu encontrava o tempo para fazer isso! Fui
voluntária no Centro Espírita próximo ao Correio, no inicio da Rua Benjamin
Constant. Trabalhei anos nessa entidade, até que a chefe de lá saiu e me
convidou para ir servir como voluntária no Lar dos Velhinhos, onde atuo até
hoje como voluntária. Já são 13 anos que estou nessa instituição como
voluntária, resido na minha casa, e venho dirigindo o meu carro, acompanhada do
meu fiel companheiro o Pitico (Um amável cãozinho). Eu não gosto de ficar
pedindo favor à outras pessoas, como por exemplo que alguém me leve até o Lar.
Todas as pessoas têm os seus compromissos. Todas!
A senhora casou-se?
Casei-me com Mário Puga Lopes.
Conheci-o através do seu irmão Francisco Puga que era padeiro, entregou pão a
vida toda, ele chegava em casa para entregar pão, tomava café ficava batendo
papo conosco, com a minha mãe. Meu marido foi uma pessoa excelente.
Qual era a profissão dele?
Ele era viajante da Bosch. Vendia
máquinas Bosch. Foi um excelente profissional, todo ano ganhava prêmios como
melhor vendedor. Como marido sempre foi muito correto, honesto. Faz seis anos
que ele faleceu.
Qual é a sua religião?
Sou católica, rezo terço todos os
dias, as vezes duas vezes, outras três, quatro vezes ao dia.
O que significa para a senhora
rezar o terço?
Pode até ser que não acredite,
mas às vezes tenho insônia, não consigo dormir, fico virando na cama de um lado
para outro, rezo o terço, viro, durmo! Minha avó era católica assim como a
minha mãe. Meu marido era espírita.
A senhora conheceu o médico Oswaldo
Cambiaghi?
Conheci!
Era quase meu vizinho. Ele morava na Rua Governador Pedro de Toledo, em um
sobradinho. Eu morava na Rua Floriano Peixoto. Conheci o advogado Dr. João
Basílio, a sua esposa era minha cliente. As moças da família Salles eram todas
minhas amigas. Passeavamos juntas, íamos ao cinema, época do Broadway, São
José. Eu cheguei a assistir filmes no Cine Plaza, que ficava junto ao prédio
COMURBA que mais tarde caiu, Conheci bem a família Coury, o Raul casado com a
Anita costurava para ela e outras mulheres da família.
E vestidos de noivas?
Fiz
uma infinidade! Eu ia até a igreja para arrumar a noiva.
Qual era a sua sensação em
ver a sua obra de arte sendo desfilada e admirada pelo povo?
A
sensação era muito grande!
Os tecidos eram adquiridos
aqui ou em São Paulo?
Alguns
eram adquiridos em Piracicaba outros tecidos era comprados em São Paulo. As
vezes a própria cliente trazia o corte de tecido.
E os adereços utilizados nos
vestidos de noiva?
Eu fazia tudo: colocava
canutilho, vidrilho, miçanga. Houve um vestido que fiz e preguei 15.000 pérolas
(artificiais). Na semana seguinte fiz
outro vestido e preguei mais quinze mil pérolas no vestido. Então em duas
semanas distintas preguei 30.000 pérolas
em dois vestidos.
Não fica pesado o vestido?
Não fica. Até ajuda a queda do
vestido.
Era utilizada uma armação sob o
vestido? Era composta do que?
Usava-se uma armação, eu fazia. Era
um tecido apropriado, meio duro. Fazia a saia de babados. Bem ajustadinha na
cintura., até a cadeira. Depois eram os babados para armar o vestido.
As noivas de alguns anos não eram
tão magras, o vestido assentava melhor?
Eu fazia o vestido, a noiva
experimentava uma vez, assentava o vestido no corpo, depois eu acertava, fazia
tudo o que tinha que fazer, quando estava quase pronto eu tornava a
experimentar, para ver se tinha alguns detalhes que tinha que mudar. Esta
semana mesmo eu experimentei um vestido longo, a freguesa vai ser madrinha, é
um vestido moderno, eu até tenho pensado a noite como fazer para resolver,
trata-se de um vestido moderno, com um decote bem acentuado, tem uma ampla área
desnuda nas costas, estou imaginando como vou fazer para segurá-lo sem que
possa cair e criar um vexame!
Faz algumas décadas que o padre
que estava celebrando o casamento não aceitava determinadas roupas “avançadas”
para a época?
Quando tinha alguma moça que
estava fora dos padrões por eles concebidos, eles traziam uma capa que usavam
quando fazia muito frio e colocavam sobre as convidadas que exageravam
ultrapassando os costumes da época. Hoje algumas moças vão vestidas de forma
não apropriada para o local. Eu faço a roupa conforme me pedem.
O glamour está no saber vestir e
não no exagero?
Lógico! Quando morávamos perto da
igreja íamos assistir os casamentos para termos novas idéias, tipos de
materiais utilizados, formas. Íamos e observávamos. Eu sou muito observadora. A
Igreja Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida como Igreja dos Frades era a
igreja que mais fazia casamentos. Eu assinava revistas especializadas,
inclusive a Vogue.
Quantas costureiras trabalhavam
para a senhora?
Umas seis ou sete. Todas já
faleceram.
Como é a história da Praça Mário
Puga Lopes?
Meu marido tinha um amigo que
morava em Rio Claro e tinha ido combater na Segunda Guerra, eles tinham muita
amizade, nós sempre íamos até Rio Claro na casa desse amigo. Ele pintava. Meu
marido comprou uma porção de quadros desse amigo. Quando meu marido faleceu, eu
pensei qual seria o destino que ia dar àqueles quadros. Doei para a Pinacoteca
Municipal, em reconhecimento eles denominaram uma praça com o nome do meu
marido.
Qual é a importância do vestido
de noiva para a noiva?
A satisfação dela é inexplicável! Elas querem o mais bonito! Eu me esforçava
tudo que elas achavam que era bonito, eu fazia. Elas davam uma pequena idéia do
que queriam, eu fazia e ficava bonito! Eu fiz vestido de noiva para uma moça
que foi morar nos Estados Unidos, quando ela vinha a Piracicaba, trazia os
cortes de tecido de lá, ficava um mês aqui e eu fazia a roupa. Fiz muitos
vestidos para baile, carnaval, tenho até hoje panos brilhantes que sobraram,
fiz muitos vestidos para desfile de miss, debutante.
Quem fica mais nervosa quando
está sendo feito o vestido, a noiva ou a mãe da noiva?
Eu acho que é a mãe da noiva, a
noiva é sempre muito novinha, a mãe da noiva já tem experiência.
Tem noiva que deseja que a cauda
do vestido seja longa?
Algumas queriam dois metros
arrastando pelo chão. Eu sempre acompanhei as noivas até a porta da igreja. Eu
segurava a cauda para não arrastar no chão e sujar. Sempre fiz as coisas com
amor e carinho, então eu não sofri.
Quanto tempo a senhora demora para fazer um vestido?
Depende do modelo! Quando eu era
moça usava-se o modelo “tubinho”. Era um vestido certinho no corpo, abaixo do
joelho. Não tinha muitos detalhes. Cheguei a fazer cinco vestidos por dia.
Levantava de manhã, sentava junto a maquina de costura e levantava só a tarde.
Quantas noites e mais noites passei a noite inteira trabalhando? Isso acontecia
aos sábados, no dia seguinte, de manhã tinha a missa na Igreja dos Frades, as
cinco e meia da manhã, eu levantava da máquina, ia a missa e depois voltava trabalhando na máquina
de costura domingo o dia inteiro. Fui uma pessoa dedicadíssima ao trabalho. E
sou dedicada até hoje.
A senhora passeava também?
Conheci quase o Brasil inteiro.
Só não conheci o Rio Grande do Sul quando nós íamos indo para o Rio Grande do
Sul faleceu um irmão do meu marido, fomos avisados, precisamos voltar.
Em que ano a senhora tirou a
carteira de motorista?
Foi em 1970, na época comprei um
automóvel Volkswagen. Até hoje tenho saudade do Volks, foi um carro não dava
nenhum problema.
REZAR
- NIZAN GUANAES (FOLHA DE S.PAULO 23/12)
Publicado em 23 de dezembro de 2015 PAULO TEIXEIRA JUNIOR
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