PROGRAMA PIRACICABA
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 26 de maio de 2018.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 26 de maio de 2018.
Entrevista: Publicada aos
sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: NILDA BORGES VIDAL
ENTREVISTADA: NILDA BORGES VIDAL
Nilda Borges Vidal é nascida a 12 de março de 1938, no município de
Barretos, mais propriamente em um sítio, filha de Marcondes Borges da Silva e
Laurentina de Azevedo Borges que tiveram 14 filhos, sendo que três faleceram
com pouco tempo de vida.
Qual era a
atividade do pai da senhora?
Ele herdou da minha avó um cafezal, a mãe dele tinha uma fazenda muito
grande.
A senhora
trabalhou no cafezal?
Trabalhei! Tinha uns 10 anos de idade já apanhava café. Puxava os grãos
da vara (galho), saia os grãos e com uma peneira embaixo onde eles caiam.
Quando a peneira está cheia, você separa o joio do trigo. O trigo é o café bom.
Tirava folhas, ciscos, e algum grão de café inservível. Ao abanar a peneira já
é feita a separação. ( Da. Nilda faz gestos de quem está levantando e abaixando
uma peneira, abanando).
De que cor é o
café quando é apanhado?
É vermelho. O desenvolvimento do fruto exige cerca de seis meses
e, quando maduro, tem uma cor vermelho profundo e é conhecido como
"cereja". Após a colheita no
campo, possui certa umidade, que irá variar de acordo com o estado de maturação
sendo necessário fazer sua secagem para que não ocorram fatores que venham a
prejudicar a qualidade do produto. Nós usávamos o processo mais comum de
secagem que é feito em terreiro exposto ao sol para retirar a umidade dos
grãos. O tempo de secagem poderá variar de 8 até 30 dias de acordo com o tipo
de café, terreiro e condições climáticas.
Todas as noites, porém, são juntadas e cobertas com lonas para protegê-las do
orvalho, pois a umidade neste estágio seria prejudicial. No dia seguinte,
esparrama-se o café somente quando o orvalho do terreiro já tiver evaporado. Quando
o café está totalmente seco, a película externa torna-se quebradiça e pode ser
removida facilmente. Cada arbusto produz anualmente até um quilo e meio de
café, depois do quarto ou quinto ano. Os cafeeiros podem produzir até os 100
anos de idade, mas seu período mais produtivo vai do 5º ao 50º ano. A folhagem
é de um verde escuro brilhante. As flores são pequenas em formato de estrelas,
perfumadas, e crescem em cachos. No meio
do cafezal plantávamos melancia, que é rasteira, pé de mamão. Para o uso em
casa, os grãos de café que tinham ficado secando ao sol eram colocados em um
pilão de madeira e socados. Coava em uma peneira e deixava o café limpo. Eu
mesma muitas vezes soquei café no pilão. Depois esse pó era torrado. O artefato era
feito de metal e madeira, em formato esférico, movido por uma manivela, que
girava lentamente os grãos, em movimentos circulares, para evitar que eles
ficassem queimados; além de garantir uma torra uniforme. O recipiente esférico que tinha
contato com o fogo, era ligado à manivela em aço, que ao final dela tinha uma
proteção madeira, que o fazia girar. A proteção era de madeira para proteção
das mãos de quem a movia. Minha mãe já sabia a hora que estava pronto, dava um
aroma delicioso. Após torrado era guardado em uma lata. Todo dia quando ia
fazer o café moía os grãos em moedor próprio para moer café. Lembra um pouco
uma máquina de moer carne. Tenho um tio, Augusto, que mora na região de
Olímpia, ainda usa esse processo para consumo próprio. As melancias e os mamões
muitas vezes nós consumíamos na própria roça.
E para tomar água?
Levávamos
moringas que ficava na sombra, a água fresquinha. Tínhamos uma plantação de
arroz, feijão, quanto algodão eu apanhei! Apanhava e punha em um balaio. Eu
trabalhava com uma égua chamada Bainha, com ela arava a terra. O pessoal dizia ao meu pai em tom de
admiração: “ A Nilda é o filho homem que você não teve!”. Isso porque eu
trabalhava como um adulto, isso aos 15 anos. Sempre ajudei muito o meu pai.
Sempre comi de tudo.
A senhora estudou no período em que
morou no sítio?
Estudei! Na Fazenda Cachoeira
da minha avó e na Fazenda Lagoinha que era do meu tio, os meus pais mudaram
várias vezes de residência, sempre em busca de progresso. A minha avó paterna
chamava-se Ana, mas todos a chamavam de
Donana. Nunca a chamei de avó e sim de madrinha. O meu avô materno chamava-se
Nestálio. Não conheci meu avô paterno e nem a minha avó materna. Eram todos
brasileiros. Fiz o primeiro ano primário na Fazenda Cachoeira, as professoras
eram terríveis! Tinha uma régua de bambu, eu estava na classe “A” que era a
melhor. Um dia baixei a cabeça na carteira, a professora bateu com a vara na
carteira, levei um tremendo susto. Ela chamava-se Taís. Você vê como foi tão
marcante que não esqueci nem o nome da professora. Nessa escola estudei o
segundo ano. No ano seguinte mudamos para a Fazenda Lagoinha, Meu pai fez um
armazém na beira da estrada. Tinha campo de bocce. Ao lado da nossa casa era a
escola, em seguida a igreja. Nessa escola estudei o terceiro ano. Era um
vilarejo. A minha professora precisava de alguém que a ajudasse em casa. Eu
tinha uns 10 anos. Sai da escola e fui trabalhar como empregada doméstica. Lá
eu trabalhei até o meu pai mudar com a família para outro lugar.
Foram morar em que local?
Fomos para São José do Rio
Preto. Continuei trabalhando como empregada doméstica. Éramos pobres. Meu pai
tinha conseguido comprar uma casa. Algum tempo depois mudamos para Barretos.
Foi lá que a senhora
conheceu o seu futuro marido?
Eu tinha uma prima, de nome
Batista, era comum chamá-la de Tita que morava em São Caetano do Sul, foi em
casa e disse-me: “Nilda, eu vou para São Paulo, você quer ir comigo?”.
Disse-lhe: “Lógico!” Eu queria fazer a minha independência, ter uma renda
melhor, e tinha a curiosidade de conhecer São Paulo. Pedi para o papai, ele
disse-me: “-Você não vai! São Paulo é perigoso! Só se você pedir para a mamãe,
se ela deixar também deixo.” Mamãe era a mãe dele. A Ana, fazendeira. Minha avó
morava do outro lado de Barretos. Eu fui imediatamente até lá a pé. Disse-lhe
“Madrinha, a senhora me deixa ir para São Paulo?” Ela respondeu “-Minha filha,
lógico que eu deixo! Quem sabe você não encontra um bom casamento por lá?” Eu
estava com 18 anos. Abracei-a, ela ficou feliz, anteriormente eu tinha tido um
namorado que não era a pessoa certa. Viemos para São Paulo, de
trem, fiquei na casa dela, no sábado fomos ao cinema, estávamos minha prima
Tita, eu, suas filhas de 11 e 12 anos. O filme era impróprio para a idade
delas. No cinema seguinte também o filme era proibido. Fomos ao Cine Lido, isso
em São Caetano do Sul. A Tita disse que ia comprar os ingressos, para
esperarmos ali mesmo na ante-sala do cinema. Nisso eu vi um moço comprando um
ingresso, falei para a minha prima: “-Vou namorar esse moço!”. Eu sempre fui
muito brincalhona. Quando ele virou nossos olhares se encontraram! Nessa época,
antes de entrar para assistir o filme, havia uma sala onde as pessoas ficavam
esperando o horário de inicio do filme. Eu olhava para ele, ele olhava para
mim. Na hora de entrar ele fez um movimento de cabeça, significando afirmativamente,
eu correspondi com o mesmo movimento. Ele sentou-se ao meu lado e permanecemos
juntos por sessenta anos.
Qual era o nome dele?
Meu marido chamava-se
Divino Vidal. Ele era divino, maravilhoso de corpo e de alma. Inteligente. Não
havia uma pessoa que não gostasse dele. Ele era muito bom. Uma benção de Deus.
Casamos no dia 18 de maio de 1960 em Barretos. Só que era do tipo “machão”. Nunca
mais nos separamos.
Qual era o
trabalho dele?
Ele trabalhava em uma retífica de motor a diesel. Era especialista em
motores a diesel. Levantava as cinco horas da manhã para ir de trem até o local
de trabalho.
A senhora
trabalhava?
Não! Ele dizia: “Mulher minha não trabalha”. Com o passar do tempo, de
tanto a minha sogra falar com ele, acabou permitindo que eu comprasse uma
máquina de costura Singer. Eu tinha aprendido a costurar quando morava em
Barretos. Durante o dia eu trabalhava como cozinheira em uma casa e a tarde, lá
pelas 3 horas, começava a aula.
A senhora deve
cozinhar bem?
Cozinho muito bem, graças a Deus! Não essas comidas modernas, mas a
tradicional sei fazer com muita habilidade. O ritmo de vida das mulheres
atualmente faz com que elas comprem o alimento pronto. E há uma grande
diferença no sabor, na composição dos alimentos feitos em casa e em escala
empresarial.
Vocês tiveram
filhos?
Tivemos três: Ezilda, Elisabete e Divino Vidal Júnior.
O seu marido
continuou na mesma empresa?
Além de trabalhar na retífica o meu marido, foi jogador de futebol,
jogava no Cerâmica
São Caetano Futebol Clube, era um homem bonito, quando ele teve uma filha o pai
dele disse-lhe: “-Você vai sustentar sua família como? No futebol você não
ganha nada, você joga porque gosta”. Ele então parou de jogar. Como ele era um
bom mecânico diesel, muito dedicado, alguém da Cofap viu o seu trabalho e
levou-o para trabalhar na Cofap Companhia Fabricadora de Peças. Passou a
ganhar mais, entrar um pouco mais tarde.
Como a costura entrou em sua vida?
Desde criança eu sempre gostei muito de costurar, e a minha
mãe com essa filharada toda, costurava para nós. Eu era pequena e dizia: “Mãe,
dá a tesoura!” Minha mãe mandava eu ir brincar. Eu disse-lhe: “Quando eu
crescer vou trabalhar tanto na máquina que a senhora vai ter que levar água
para mim!”. Quando eu estava grávida da minha primeira filha, minha sogra e eu
fomos juntas e compramos a máquina de costura. Fiz roupa para uma cunhada, para
outra, fazia para mim, camisa para meu marido, Após um ano mudamos, fomos morar
no Bairro Marlene, em São Caetano do Sul, moramos ali por 19 anos. Compramos
uma casa na Rua Marlene, 713 em São Caetano do Sul. A casa precisava ser
reformada, era um terreno de 450 metros quadrados. Reformamos ela todinha.
Nessa época meu marido tinha um bom salário. Morei 38 anos nessa casa.
Quando a senhora começou a pedalar a máquina de costura?
Pedalei pouco tempo! Mandei adaptar um motorzinho na máquina! As
roupinhas da minha primeira filha eu que fiz. Casaquinho de tricô, as roupinhas
eram feitas de um paninho macio,
A sua fama
como boa costureira logo se espalhou?
Após ter as minhas duas filhas, passei a ser costureira profissional,
tinha uma moça que morava perto, chamava-se Rita, disse-lhe que costurava, ela
achou ótimo. Um dia ela veio com um lenço grande, disse-me: “-Nilda, eu vou
para a praia, você faz um vestido desse lenço?”. Eu fiz, estilo “Tomara que
Caia”. Ela amou. A freguesia foi aumentando, eu ia guardando o dinheiro. Meu
marido não sabia que eu costurava. Não tinha geladeira, não tinha televisão.
Mas era muito feliz! (Dona Nilda emociona-se ). Arrumei uma menina para brincar
com as crianças e eu poder costurar. Eu costurando e ganhando dinheiro. Um dia
disse a ele: “- Olha o que eu ganhei!”. Ele disse-me: “- Onde você ganhou
isso?” Disse-lhe; “Costurando!”. Expliquei que desejava ajudá-lo. Enfim o
convenci e ele concordou. Tinha uma cliente chamada Marli, dona de uma empresa,
toda semana eu fazia um vestido para ela. Eu ia até a Tecelagem Vânia, trazia a amostra
do tecido, ela escolhia, eu ia lá, ganhava no pano e na confecção.
Como a senhora criava o modelo do vestido?
Eu tinha uns figurinos, mas geralmente as clientes
não gostavam de ver. Eu criava, nasci para isso. Até hoje tenho vontade de
criar, costurar.
A senhora desenhava o vestido?
Desenhava, mas não como estilista. Fazia um risco do
meu jeito. Tirava a medida, fazia o molde, fiz o Curso Vogue em Barretos, com a
mesma professora fiz o Curso Prático. Eu fazia o molde da frente e das costas
em um molde só. Rendia tempo e papel.
Quanto tempo a senhora demorava em fazer um vestido?
Depende. Do tecido, do modelo. Na segunda–feira eu cortava
na terça-feira eu armava os vestidos, cheguei a fazer 10 vestidos por semana.
Sozinha. Ai eu arrumei uma moça para churiar, não havia máquina Zig Zag ainda. Fazia
barra de vestido a mão, Saia Godê Guarda-Chuva, que agora voltou a moda. O meu vestido de noiva eu
mesma fiz. Eu fazia vestido para casamento, vestido para madrinha, de noiva. Só
de criança que eu nunca gostei de fazer, só fazia para minhas filhas.
Trabalhava com costura fina.
Quais eram os tecidos mais
usados na época?
Tafetá, organza,
linho, seda, algodão também. Eu ia na Tecelagem Vânia e comprava. Nessa época
as moças faziam de tudo para ficar com a cintura fina, tinha umas moças que
até usavam corpete. Eu tinha que seguir
a moda. Fazia o vestido Godê Guarda-Chuva ficava exuberante, muito bonito.
Algumas moças tomavam vinagre para emagrecer! Costurei por 35 anos, parei por
aconselhamento médico, tinha muita dor no pescoço. Tenho desgaste nas
vértebras.
Suas filhas gostam de
costurar?
Não, nenhuma das
duas.
O seu marido aposentou-se
com quantos anos?
Aposentou-se com
45 anos. Chegou em casa, pegou meu filho no colo e disse: “-Papai
aposentou-se!” Eu disse-lhe: “Parabéns que você conseguiu aposentar-se, mas só
que com essa aposentadoria não vai dar não! Temos que trabalhar!” As crianças
eram adolescentes.
O que ele fez?
Foi trabalhar na
empresa de Evaristo Comolatti,
fundador do Grupo
Comolatti. Lá ele ganhou uma perua para trabalhar, permaneceu lá até
60 a 65 anos. Ai parou de vez. Nossos filhos casaram, a casa era grande, tinha
que dar manutenção. Meu marido era muito católico, dava palestras. Vendemos a
casa e compramos um apartamento no Bairro Nova Gerty em São Caetano
do Sul. Após oito anos meu marido faleceu. Fiquei mais dois anos no
apartamento. Através da Maria Fornari, amiga da minha filha, mudei para
Piracicaba, estou amando!
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