sábado, setembro 08, 2018

NILDA BORGES VIDAL


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 26 de maio de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: NILDA BORGES VIDAL
 
Nilda Borges Vidal é nascida a 12 de março de 1938, no município de Barretos, mais propriamente em um sítio, filha de Marcondes Borges da Silva e Laurentina de Azevedo Borges que tiveram 14 filhos, sendo que três faleceram com pouco tempo de vida.
Qual era a atividade do pai da senhora?
Ele herdou da minha avó um cafezal, a mãe dele tinha uma fazenda muito grande.
A senhora trabalhou no cafezal?
Trabalhei! Tinha uns 10 anos de idade já apanhava café. Puxava os grãos da vara (galho), saia os grãos e com uma peneira embaixo onde eles caiam. Quando a peneira está cheia, você separa o joio do trigo. O trigo é o café bom. Tirava folhas, ciscos, e algum grão de café inservível. Ao abanar a peneira já é feita a separação. ( Da. Nilda faz gestos de quem está levantando e abaixando uma peneira, abanando).
De que cor é o café quando é apanhado?
É vermelho. O desenvolvimento do fruto exige cerca de seis meses e, quando maduro, tem uma cor vermelho profundo e é conhecido como "cereja". Após a colheita no campo, possui certa umidade, que irá variar de acordo com o estado de maturação sendo necessário fazer sua secagem para que não ocorram fatores que venham a prejudicar a qualidade do produto. Nós usávamos o processo mais comum de secagem que é feito em terreiro exposto ao sol para retirar a umidade dos grãos. O tempo de secagem poderá variar de 8 até 30 dias de acordo com o tipo de café, terreiro e condições climáticas. Todas as noites, porém, são juntadas e cobertas com lonas para protegê-las do orvalho, pois a umidade neste estágio seria prejudicial. No dia seguinte, esparrama-se o café somente quando o orvalho do terreiro já tiver evaporado. Quando o café está totalmente seco, a película externa torna-se quebradiça e pode ser removida facilmente. Cada arbusto produz anualmente até um quilo e meio de café, depois do quarto ou quinto ano. Os cafeeiros podem produzir até os 100 anos de idade, mas seu período mais produtivo vai do 5º ao 50º ano. A folhagem é de um verde escuro brilhante. As flores são pequenas em formato de estrelas, perfumadas, e crescem em cachos. No meio do cafezal plantávamos melancia, que é rasteira, pé de mamão. Para o uso em casa, os grãos de café que tinham ficado secando ao sol eram colocados em um pilão de madeira e socados. Coava em uma peneira e deixava o café limpo. Eu mesma muitas vezes soquei café no pilão. Depois esse pó era torrado. O artefato era feito de metal e madeira, em formato esférico, movido por uma manivela, que girava lentamente os grãos, em movimentos circulares, para evitar que eles ficassem queimados; além de garantir uma torra uniforme. O recipiente esférico que tinha contato com o fogo, era ligado à manivela em aço, que ao final dela tinha uma proteção madeira, que o fazia girar. A proteção era de madeira para proteção das mãos de quem a movia. Minha mãe já sabia a hora que estava pronto, dava um aroma delicioso. Após torrado era guardado em uma lata. Todo dia quando ia fazer o café moía os grãos em moedor próprio para moer café. Lembra um pouco uma máquina de moer carne. Tenho um tio, Augusto, que mora na região de Olímpia, ainda usa esse processo para consumo próprio. As melancias e os mamões muitas vezes nós consumíamos na própria roça.
E para tomar água?
Levávamos moringas que ficava na sombra, a água fresquinha. Tínhamos uma plantação de arroz, feijão, quanto algodão eu apanhei! Apanhava e punha em um balaio. Eu trabalhava com uma égua chamada Bainha, com ela arava a terra.  O pessoal dizia ao meu pai em tom de admiração: “ A Nilda é o filho homem que você não teve!”. Isso porque eu trabalhava como um adulto, isso aos 15 anos. Sempre ajudei muito o meu pai. Sempre comi de tudo.
A senhora estudou no período em que morou no sítio?
Estudei! Na Fazenda Cachoeira da minha avó e na Fazenda Lagoinha que era do meu tio, os meus pais mudaram várias vezes de residência, sempre em busca de progresso. A minha avó paterna chamava-se Ana, mas todos a chamavam  de Donana. Nunca a chamei de avó e sim de madrinha. O meu avô materno chamava-se Nestálio. Não conheci meu avô paterno e nem a minha avó materna. Eram todos brasileiros. Fiz o primeiro ano primário na Fazenda Cachoeira, as professoras eram terríveis! Tinha uma régua de bambu, eu estava na classe “A” que era a melhor. Um dia baixei a cabeça na carteira, a professora bateu com a vara na carteira, levei um tremendo susto. Ela chamava-se Taís. Você vê como foi tão marcante que não esqueci nem o nome da professora. Nessa escola estudei o segundo ano. No ano seguinte mudamos para a Fazenda Lagoinha, Meu pai fez um armazém na beira da estrada. Tinha campo de bocce. Ao lado da nossa casa era a escola, em seguida a igreja. Nessa escola estudei o terceiro ano. Era um vilarejo. A minha professora precisava de alguém que a ajudasse em casa. Eu tinha uns 10 anos. Sai da escola e fui trabalhar como empregada doméstica. Lá eu trabalhei até o meu pai mudar com a família para outro lugar.  
Foram morar em que local?
Fomos para São José do Rio Preto. Continuei trabalhando como empregada doméstica. Éramos pobres. Meu pai tinha conseguido comprar uma casa. Algum tempo depois mudamos para Barretos.
Foi lá que a senhora conheceu o seu futuro marido?
Eu tinha uma prima, de nome Batista, era comum chamá-la de Tita que morava em São Caetano do Sul, foi em casa e disse-me: “Nilda, eu vou para São Paulo, você quer ir comigo?”. Disse-lhe: “Lógico!” Eu queria fazer a minha independência, ter uma renda melhor, e tinha a curiosidade de conhecer São Paulo. Pedi para o papai, ele disse-me: “-Você não vai! São Paulo é perigoso! Só se você pedir para a mamãe, se ela deixar também deixo.” Mamãe era a mãe dele. A Ana, fazendeira. Minha avó morava do outro lado de Barretos. Eu fui imediatamente até lá a pé. Disse-lhe “Madrinha, a senhora me deixa ir para São Paulo?” Ela respondeu “-Minha filha, lógico que eu deixo! Quem sabe você não encontra um bom casamento por lá?” Eu estava com 18 anos. Abracei-a, ela ficou feliz, anteriormente eu tinha tido um namorado que não era a pessoa certa. Viemos para São Paulo, de trem, fiquei na casa dela, no sábado fomos ao cinema, estávamos minha prima Tita, eu, suas filhas de 11 e 12 anos. O filme era impróprio para a idade delas. No cinema seguinte também o filme era proibido. Fomos ao Cine Lido, isso em São Caetano do Sul. A Tita disse que ia comprar os ingressos, para esperarmos ali mesmo na ante-sala do cinema. Nisso eu vi um moço comprando um ingresso, falei para a minha prima: “-Vou namorar esse moço!”. Eu sempre fui muito brincalhona. Quando ele virou nossos olhares se encontraram! Nessa época, antes de entrar para assistir o filme, havia uma sala onde as pessoas ficavam esperando o horário de inicio do filme. Eu olhava para ele, ele olhava para mim. Na hora de entrar ele fez um movimento de cabeça, significando afirmativamente, eu correspondi com o mesmo movimento. Ele sentou-se ao meu lado e permanecemos juntos por sessenta anos.
Qual era o nome dele?
Meu marido chamava-se Divino Vidal. Ele era divino, maravilhoso de corpo e de alma. Inteligente. Não havia uma pessoa que não gostasse dele. Ele era muito bom. Uma benção de Deus. Casamos no dia 18 de maio de 1960 em Barretos. Só que era do tipo “machão”. Nunca mais nos separamos.
Qual era o trabalho dele?
Ele trabalhava em uma retífica de motor a diesel. Era especialista em motores a diesel. Levantava as cinco horas da manhã para ir de trem até o local de trabalho.
A senhora trabalhava?
Não! Ele dizia: “Mulher minha não trabalha”. Com o passar do tempo, de tanto a minha sogra falar com ele, acabou permitindo que eu comprasse uma máquina de costura Singer. Eu tinha aprendido a costurar quando morava em Barretos. Durante o dia eu trabalhava como cozinheira em uma casa e a tarde, lá pelas 3 horas, começava a aula.
A senhora deve cozinhar bem?
Cozinho muito bem, graças a Deus! Não essas comidas modernas, mas a tradicional sei fazer com muita habilidade. O ritmo de vida das mulheres atualmente faz com que elas comprem o alimento pronto. E há uma grande diferença no sabor, na composição dos alimentos feitos em casa e em escala empresarial.
Vocês tiveram filhos?
Tivemos três: Ezilda, Elisabete e Divino Vidal Júnior.
O seu marido continuou na mesma empresa?
Além de trabalhar na retífica o meu marido, foi jogador de futebol, jogava no Cerâmica São Caetano Futebol Clube, era um homem bonito, quando ele teve uma filha o pai dele disse-lhe: “-Você vai sustentar sua família como? No futebol você não ganha nada, você joga porque gosta”. Ele então parou de jogar. Como ele era um bom mecânico diesel, muito dedicado, alguém da Cofap viu o seu trabalho e levou-o para trabalhar na Cofap Companhia Fabricadora de Peças. Passou a ganhar mais, entrar um pouco mais tarde.
Como a costura entrou em sua vida?
Desde criança eu sempre gostei muito de costurar, e a minha mãe com essa filharada toda, costurava para nós. Eu era pequena e dizia: “Mãe, dá a tesoura!” Minha mãe mandava eu ir brincar. Eu disse-lhe: “Quando eu crescer vou trabalhar tanto na máquina que a senhora vai ter que levar água para mim!”. Quando eu estava grávida da minha primeira filha, minha sogra e eu fomos juntas e compramos a máquina de costura. Fiz roupa para uma cunhada, para outra, fazia para mim, camisa para meu marido, Após um ano mudamos, fomos morar no Bairro Marlene, em São Caetano do Sul, moramos ali por 19 anos. Compramos uma casa na Rua Marlene, 713 em São Caetano do Sul. A casa precisava ser reformada, era um terreno de 450 metros quadrados. Reformamos ela todinha. Nessa época meu marido tinha um bom salário. Morei 38 anos nessa casa.
Quando a senhora começou a pedalar a máquina de costura?
Pedalei pouco tempo! Mandei adaptar um motorzinho na máquina! As roupinhas da minha primeira filha eu que fiz. Casaquinho de tricô, as roupinhas eram feitas de um paninho macio,
A sua fama como boa costureira logo se espalhou?
Após ter as minhas duas filhas, passei a ser costureira profissional, tinha uma moça que morava perto, chamava-se Rita, disse-lhe que costurava, ela achou ótimo. Um dia ela veio com um lenço grande, disse-me: “-Nilda, eu vou para a praia, você faz um vestido desse lenço?”. Eu fiz, estilo “Tomara que Caia”. Ela amou. A freguesia foi aumentando, eu ia guardando o dinheiro. Meu marido não sabia que eu costurava. Não tinha geladeira, não tinha televisão. Mas era muito feliz! (Dona Nilda emociona-se ). Arrumei uma menina para brincar com as crianças e eu poder costurar. Eu costurando e ganhando dinheiro. Um dia disse a ele: “- Olha o que eu ganhei!”. Ele disse-me: “- Onde você ganhou isso?” Disse-lhe; “Costurando!”. Expliquei que desejava ajudá-lo. Enfim o convenci e ele concordou. Tinha uma cliente chamada Marli, dona de uma empresa, toda semana eu fazia um vestido para ela. Eu ia até a Tecelagem Vânia, trazia a amostra do tecido, ela escolhia, eu ia lá, ganhava no pano e na confecção.
Como a senhora criava o modelo do vestido?
Eu tinha uns figurinos, mas geralmente as clientes não gostavam de ver. Eu criava, nasci para isso. Até hoje tenho vontade de criar, costurar.
A senhora desenhava o vestido?
Desenhava, mas não como estilista. Fazia um risco do meu jeito. Tirava a medida, fazia o molde, fiz o Curso Vogue em Barretos, com a mesma professora fiz o Curso Prático. Eu fazia o molde da frente e das costas em um molde só. Rendia tempo e papel.
Quanto tempo a senhora demorava em fazer um vestido?
Depende. Do tecido, do modelo. Na segunda–feira eu cortava na terça-feira eu armava os vestidos, cheguei a fazer 10 vestidos por semana. Sozinha. Ai eu arrumei uma moça para churiar, não havia máquina Zig Zag ainda. Fazia barra de vestido a mão, Saia Godê Guarda-Chuva, que agora voltou a moda. O meu vestido de noiva eu mesma fiz. Eu fazia vestido para casamento, vestido para madrinha, de noiva. Só de criança que eu nunca gostei de fazer, só fazia para minhas filhas. Trabalhava com costura fina.
Quais eram os tecidos mais usados na época?
Tafetá, organza, linho, seda, algodão também. Eu ia na Tecelagem Vânia e comprava. Nessa época as moças faziam de tudo para ficar com a cintura fina, tinha umas moças que até  usavam corpete. Eu tinha que seguir a moda. Fazia o vestido Godê Guarda-Chuva ficava exuberante, muito bonito. Algumas moças tomavam vinagre para emagrecer! Costurei por 35 anos, parei por aconselhamento médico, tinha muita dor no pescoço. Tenho desgaste nas vértebras.
Suas filhas gostam de costurar?
Não, nenhuma das duas.
O seu marido aposentou-se com quantos anos?
Aposentou-se com 45 anos. Chegou em casa, pegou meu filho no colo e disse: “-Papai aposentou-se!” Eu disse-lhe: “Parabéns que você conseguiu aposentar-se, mas só que com essa aposentadoria não vai dar não! Temos que trabalhar!” As crianças eram adolescentes.
O que ele fez?
Foi trabalhar na empresa de Evaristo Comolatti, fundador do Grupo Comolatti. Lá ele ganhou uma perua para trabalhar, permaneceu lá até 60 a 65 anos. Ai parou de vez. Nossos filhos casaram, a casa era grande, tinha que dar manutenção. Meu marido era muito católico, dava palestras. Vendemos a casa e compramos um apartamento no Bairro Nova Gerty em São Caetano do Sul. Após oito anos meu marido faleceu. Fiquei mais dois anos no apartamento. Através da Maria Fornari, amiga da minha filha, mudei para Piracicaba, estou amando!

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