JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 04 de dezembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: ALTINO JORGE VIEIRA
Em um dos cursos de fotografia promovido pela Fuji Photo Film do Brasil um dos participantes perguntou ao renomado professor que ministrava as aulas: “-Qual máquina o senhor considera como a melhor para realizarmos fotografias?”. Imediatamente ele respondeu: “- O fotógrafo com sua sensibilidade e suas habilidades é quem define a importância e a qualidade da fotografia, nem sempre o equipamento mais avançado irá representar o melhor trabalho fotográfico, portanto a melhor “maquina” é o indivíduo que opera a câmera fotográfica”. Altino Jorge Vieira é uma das figuras mais populares de Piracicaba Ainda estudante foi um dos comandantes da famosa Fanfarra do Industrial, que deu muitas alegrias á Piracicaba, tocando no Maracanã por ocasião do IV Centenário da Cidade Maravilhosa. Como fotógrafo trabalhou em um período de grandes mudanças no campo da fotografia, retratou os eventos mais importantes de Piracicaba. O arquivo fotográfico que Jorge mantinha em seu estúdio foi inutilizado após uma forte chuva, que reduziu a lixo a quase totalidade do seu acervo pessoal, uma perda inestimável para ele e para Piracicaba. Jorge teve uma foto sua publicada ocupando metade da primeira página do jornal “Estado de São Paulo”, foi na queda do Comurba. Teve intensa participação junto ao Clube Ítalo Brasileiro, desde o seu surgimento até o encerramento de suas atividades. Nascido em Piracicaba no dia 23 de junho de 1940, na Rua Riachuelo, seu pai era o português Altino Vieira, que aos 19 anos aportou no Brasil, sua mãe é a piracicabana Valdomira Ferraz Vieira, eles tiveram seis filhos, sendo que dois faleceram ainda muito novos. Os filhos que permaneceram vivos são: Antonio, José, Altino Jorge e Manoel. Jorge casou-se com Antonia Lazara Di Bene, sendo pai de dois filhos a Ana Lucia e o Jorge Paulo.
Como se deu a vinda do seu pai á Piracicaba?
Meu pai morou em São Paulo e no Rio de Janeiro, até que a Light começou a implantar os bondes em Piracicaba, ele era chefe de turma dos eletricistas, radicando-se em Piracicaba, tendo contraído matrimonio com a minha mãe ele foi chefiar o setor de eletricidade do Engenho Central, onde se aposentou.
Em que escolas você realizou os seus estudos?
O primário eu estudei no Grupo Escolar Dr. João Conceição que na época funcionava ao lado da Igreja dos Frades, em um prédio que existe até hoje, lembro-me das professoras Dona Maria, Dona Elvira, do professor Conca, do diretor, o Professor Negri. Na época eu morava na Rua do Rosário, na altura do número 1700, cheguei a ver a Rua do Rosário receber o asfalto, uma inovação que na época foi muito desfrutada pela criançada com seus carrinhos de rolimã, algo hoje impensável! O Bairro da Paulista era em grande parte ocupado por plantação de algodão. Na Rua Riachuelo havia até a bem pouco tempo a famosa Chácara do Vevé, a Rua Riachuelo terminava onde começava a chácara, um recinto de milionários. Cheguei a jogar futebol nessa chácara, minha posição era de half direito, o time era o Juvenil Riachuelo. O médico José Francisco Botelho, neto dos proprietários da chácara, era praticamente o dono do time. Eu cheguei a jogar contra o Coutinho (José Wilson Honório, nascido em Piracicaba a 11 de junho de 1946, foi um dos jogadores da Era Pelé do Santos, com quem fazia as célebres tabelinhas.). Onde hoje é o SESC era parte da Chácara do Vevé, assim como a área de lazer logo adiante.
Você freqüentava a Igreja dos Frades?
Cheguei a ser mariano, cordigero. Havia a projeção de filmes em um salão junto à igreja. Sempre tive facilidade em me comunicar, o grande violonista Antonio Carlos Coimbra estudava na minha classe, na festinha de quarto ano primário fui o apresentador e o Antonio Carlos com o violão se apresentou. Isso ficou em minha memória. O pai dele, o Miguelzinho, tocava muito bem violão. O ginásio eu fui estudar no Instituto Piracicabano, no Colégio Industrial conclui os meus estudos formando-me como técnico em Desenho Mecânico. Um dos motivos que me levou a estudar no Industrial era a Banda Marcial existente naquela escola. Além de participar fui um dos dirigentes, dos grandes amigos que encontrei lá um deles foi o professor Danilo Sancinetti. Nessa época, aos 17 anos, eu estudava a noite e trabalhava durante o dia na Casa Bischof , foi o inicio do meu trabalho com fotografia.
Na Banda Marcial da Escola Industrial que instrumento você tocava?
Comecei tocando o bumbo, eu ia á frente da banda, fazendo as evoluções. Ocorreu um episódio interessante, Paulo Clarício, Danilo Sancinetti e eu, acompanhando a Banda Marcial da Escola Industrial fomos a um concurso de bandas em São Paulo, o nosso uniforme era muito simples, a representação da cidade de Jaú deu um tremendo show. Ao voltarmos á Piracicaba, disse ao Danilo que deveríamos fazer uma campanha para arrecadar dinheiro e confeccionar um uniforme para a nossa banda. A nossa banda era muito querida, todos os grandes eventos cívicos que ocorriam na cidade eram efusivamente comemorados com a participação da Banda Marcial da Escola Industrial. Nessa época eu já fotografava os eventos, usava uma câmera Rolleiflex. O Comendador Antonio Romano foi quem deu-nos o empurrão inicial para a aquisição do uniforme. Reunimos um pequeno grupo e expusemos ao comendador o nosso plano, queríamos comprar um automóvel para sortear, com o dinheiro arrecadado pagaríamos o carro e empregaríamos o lucro na compra de 90 uniformes de gala, completos, para 90 pessoas, era caríssimo. A alfaiataria que fazia esse tipo de uniforme localizava-se na cidade de Jaú, tudo feito sob medida para cada integrante da banda. A Silvia Hage era nossa baliza, mais tarde ela foi eleita Miss São Paulo. O Comendador Antonio Romano disse que poderíamos adquirir o carro que ele avalizava a aquisição. O carro da época era o Gordini! Onde hoje é o Bradesco, na Praça José Bonifácio, era o Cine Politeama, havia um hall na entrada do cinema, conseguimos expor ali o Gordini que seria rifado. Com o uniforme da Banda Marcial revezávamo-nos oferecendo a rifa. A aceitação por parte do povo piracicabano foi tão grande que em uma semana vendemos todos os números, a nossa previsão era para serem vendidos no prazo de um mês. Devolvemos o dinheiro para o Comendador Antonio Romano. Ele doou do seu próprio bolso um valor adicional, assim como o Comendador Mário Dedini e o Comendador Luciano Guidotti também fizeram doações pessoais. Com essas arrecadações confeccionamos um uniforme muito garboso, lembrava muito o uniforme do soldado da rainha da Inglaterra. Foi feita uma grande apresentação em Piracicaba para apresentar o uniforme á cidade. Apresentamo-nos em São Paulo, tínhamos um toque muito bonito, que incluía marcha de banda, mas incluía também musica popular. Os concursos realizados no Vale do Anhangabaú apresentavam 40 a 50 bandas, eram enormes. A comissão julgadora era composta por militares de alta patente, o próprio governador Adhemar de Barros assistiu nossos desfiles. Quando a nossa banda entrou, arrasou. Isso foi em 1963. Apareceram convites de muitas cidades para que fossemos nos apresentar aos seus moradores. Viajamos por mais de 40 cidades. Lotávamos três ônibus. A televisão transmitia os desfiles do Vale do Anhangabaú. Com isso alcançamos uma repercussão muito grande.
Como era a composição da Banda Marcial do Colégio Industrial?
Á frente ia a baliza, em seguida três harpas, umas três porta bandeiras, duas fileiras com quatro bumbos cada uma, em seguida vinham 10 surdos, umas 20 tarolas, em seguida os instrumentos de sopro, incluindo dois trombones, totalizando 90 pessoas. Era uma coisa maravilhosa. Em 1964 houve os Jogos Mundiais da Primavera no Rio de Janeiro, foi realizado no Maracanã. Estivemos lá, tocando ao lado da famosa Banda dos Fuzileiros Navais, por ocasião do IV Centenário do Rio de Janeiro, o governador Carlos Lacerda foi nosso anfitrião.
O que determinou o fim da Banda Marcial da Escola Industrial?
É difícil afirmar especificamente o que aconteceu. Por mais de 10 anos tivemos muito sucesso em todos os lugares em que nos apresentamos. Participávamos de muitos concursos entre bandas, lembro-me de um concurso em Araraquara onde de 10 troféus conquistamos sete! Ganhávamos troféu de melhor apresentação, melhor repertório, ritmo, e assim sucessivamente.
Como era o ensaio?
Ensaiávamos uma vez por semana, na rua próxima a Escola Industrial, também no local onde atualmente é a Biblioteca Municipal. O evento que você imaginar era abrilhantado pela banda, até mesmo no sepultamento do Comendador Mário Dedini, nós executamos a marcha fúnebre. Quando éramos convidados a tocar em outras cidades era comum sermos a última banda a tocar para não desmotivar a platéia a assistir as demais, com apresentações inferiores a nossa. Nosso desfile em Piracicaba descia pela Rua Boa Morte, todo colégio tinha a sua fanfarra, nenhum fazia sombra para nós, embora o Colégio Dom Bosco, o Instituto Piracicabano e mais tarde o Jerônimo Gallo tivessem boas fanfarras.
Quando foi o momento em que se decidiu que não dava mais para continuar a existir a fanfarra do Colégio Industrial?
Não houve um momento determinante, com o passar do tempo os instrumentos foram deteriorando-se, os uniformes também foram gastando-se, quando o Danilo Sancinetti aposentou-se mudou a diretoria do Colégio Industrial, a escola então recolheu os instrumentos e hoje nem sei mais em que situação se encontra. Os jovens da época tomaram seus destinos, a nova geração infelizmente tem novas formas de ocupação de seu tempo, algumas até prejudiciais a sua educação.
As músicas eram tocadas de ouvido?
Exatamente, eram tocadas de ouvido, não líamos as notas musicais para serem executadas.
Quando foi despertado o seu interesse pela fotografia?
Na época as coisas eram um pouco diferentes do que é hoje, eu fiz amizade com os proprietários da Casa Bischof, situada na Rua Governador Pedro de Toledo, 1005, os proprietários eram o Rodolfo e o José Bischof. Eles tinham um laboratório de revelação de fotografias que o pai tinha construído e que estava sem ser utilizado. Nós só revelávamos fotografias em branco e preto, não existiam fotos coloridas. Os filmes eram revelados em tanques grandes com revelador, água e fixador. Havia o ampliador, mas usavam-se mais a copiadeira. “A parte mais difícil era após revelar, saber qual foto perterncia a quem”! Os filmes eram chapas grandes, 6 por 9, 6 por 6, com 8 e 12 fotos respectivamente.
As fotografias tinham quais motivos principais?
Eram fotografadas crianças, cães e gatos. Ninguém da família tirava fotos de eventos, se fizesse um aniversário era contratado um fotografo profissional, que na época eram poucos, isso em 1960. Na ocasião os fotógrafos de destaque eram o Lacorte, o Caprecci, o Filetti, o Cícero. Na Vila Rezende tinha o Mário Curvinha, ficava na segunda casa após a curva em que inicia a Avenida Rui Barbosa.
Você chegou a fotografar pessoas falecidas antes de serem sepultadas?
Muitas pessoas vindas de outras regiões do país tinham por costume guardar como lembrança a foto do rosto do falecido, principalmente se fossem crianças. Essas fotografias eram muito utilizadas para serem transpostas para a porcelana e colocadas nos túmulos. Houve um caso em Piracicaba que se tornou célebre, ocorreu com o Filetti, a pessoa veio de algum sítio da redondeza, procurou um fotografo para retratar o rosto da criança falecida, só que já era tarde, não dava mais para sepultar naquele dia. Foi quando o responsável pediu para deixar o corpo no estúdio até o dia seguinte. E assim foi feito. Em 1965 eu já era reconhecido como fotógrafo. Quase ninguém tinha máquina fotográfica. Assim como existia o médico da família, o barbeiro da família havia também o fotógrafo da família. A foto da capa do primeiro LP do Pedro Alexandrino foi feita por mim. Fui free-lance de “O Diário”. A foto da queda do Comurba, em 1964 aconteceu quando eu estava na porta do Bischof, ouvi o enorme barulho, meu irmão Antonio era proprietário da relojoaria Esmeralda, que era bem próxima ao Comurba, na hora pensei no que podia ter acontecido á ele. Graças a Deus ele estava no fundo da relojoaria. Pequei a minha máquina Yashica e tirei algumas fotos, não se tirava a quantidade de fotos que se tira hoje.
Como a sua fotografia foi ocupar metade da primeira página do “Estadão”?
O Rocha Netto foi um apaixonado por fotografia, era colaborador da Gazeta Esportiva. Ele disse-me: “- Jorge você tem alguma fotografia da queda do Comurba, o Estadão me ligou pedindo.”, foi então que lhe passei a fotografia que dias depois foi publicada na primeira página do jornal.
Você recebeu algum pagamento pela foto?
Não recebemos nada, naquele tempo não havia essa postura comercial como hoje. Ninguém se preocupava em ser remunerado por alguma foto interessante. Era um prazer ver uma foto de sua autoria ser publicada em um veiculo tão importante. Colaborei muito com a imprensa de Piracicaba, nunca cobrei nada, eu ganhava dinheiro fazendo fotografias de eventos. Tirei uma foto histórica, no dia em que o Presidente Emílio Garrastazu Médici veio a Piracicaba, fotografei quando ele descia a Rua Moraes Barros, a rua foi isolada e o fluxo de transito passou a ser na mão contraria para que o carro presidencial fizesse o percurso até o centro. Fotografei Ulisses Guimarães em Piracicaba, fotografei Janio Quadros em um jantar na Chácara Nazareth eu dei essas fotos para o Deputado Francisco Antonio Coelho.
Você mantém um arquivo de fotos e negativos?
Eu tinha um estúdio na Rua Benjamin Constant, 1123, as calhas do prédio eram antigas. No fundo havia um quarto, onde fiz uma prateleira, com umas 100 caixas de sapato onde eu colocava as fotos e os negativos, bem organizados. Em 1988 tivemos uns três dias de chuvas constantes, que transbordaram pelas calhas do meu estúdio sem que eu percebesse. Uns dias após ter cessado a chuva desci até um laboratório desativado que ficava no porão, fui surpreendido por sinais de água que vinham de cima. Abri a sala onde estava meu arquivo fotográfico e vi que estava tudo perdido. Chorei o dia todo.
Quando você entrou no Clube Ítalo Brasileiro?
Eu tinha uns 30 anos, entrei no Ítalo por acaso, a sede da Sociedade Italiana (Società Italiana di Muto Soccorso di Piracicaba) na Rua D.Pedro I, estava parada, de vez em quando os sócios faziam uma reunião. O Banzato era o zelador do prédio. O Walter que tinha como apelido Italianinho me procurou e disse que o seu pai queria movimentar o espaço. Foi formada uma diretoria, independente da diretoria e fundado o Clube Ítalo Brasileiro, que funcionava em espaço cedido pela Sociedade Italiana. Fomos agrupando pessoas interessadas, montamos algumas peças teatrais, onde inclusive atuei, a primeira delas foi a peça “O Mundo Não Me Quis” de Procópio Ferreira.. Aos poucos conquistamos mais espaço físico no prédio da Sociedade Italiana, passamos a realizar bailes, sendo que o primeiro baile do Hawai realizado em Piracicaba foi trazido por mim, que havia participado de uma festa semelhante em Jundiaí. O Professor Joaquim do Marco foi o primeiro presidente do Clube Ítalo Brasileiro, eu fui diretor social. Começamos com 100 associados, com o passar do tempo adquirimos a área onde seriam construídas as instalações do clube. A ferragem da primeira piscina foi doada por Armando Dedini, coube-lhe o título de associado número 007. Passamos a fazer festas já na sede do clube.
Porque os clubes sociais estão em declínio?
As atividades do Ítalo cessaram em 2008, chegamos a ter 2.200 sócios, ultimamente eram apenas 300 sócios. A família ia ao clube, o menino ia ao futebol, á piscina, ao boche, outros dançavam cada um se encontrava em uma ocupação. Atualmente o jovem não quer saber de ficar com a família.