Copyright © 2000 by João U. Nassif. Direitos reservados na forma da lei. Nenhuma parte pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida sem a permissão expressa e por escrito do Organizador. Lei 9.610 de 19/02/1998. Direito de uso privado, e não coletivo,com fins de apresentação sobre tela único e individual A violação destas disposições submete ao infrator, e a toda pessoa responsável, às penas civis e penais previstas pela lei. Contato:joaonassif@gmail.com
segunda-feira, junho 04, 2007
Fatos e notícias
"Meldungen stürzen die Welt nie um. Das tun die Tatsachen, die wir nun einmal nicht ändern können, da sie schon geschehen sind, wenn die Meldungen eintreffen."
(Notícias nunca derrubam o mundo. O que o derruba são os fatos, que nós não podemos modificar, pois que já aconteceram quando as notícias nos chegam.)
Dürrenmatt
(Notícias nunca derrubam o mundo. O que o derruba são os fatos, que nós não podemos modificar, pois que já aconteceram quando as notícias nos chegam.)
Dürrenmatt
domingo, junho 03, 2007
sábado, junho 02, 2007
sábado, maio 19, 2007
sexta-feira, maio 18, 2007
quinta-feira, maio 17, 2007
domingo, maio 06, 2007
terça-feira, maio 01, 2007
domingo, abril 29, 2007
domingo, março 25, 2007
sábado, fevereiro 24, 2007
sábado, fevereiro 17, 2007
PARQUE DA LUZ
A criação do Parque da Luz:uma estratégia da metrópole portuguesa no Brasil ColôniaConsiderado como o jardim público mais antigo da cidade, o atual Parque da Luz já foi tema de inúmeros estudos pelas mãos de grandes historiadores – veja uma pequena relação dessas obras no final deste artigo.Através dessas pesquisas ficamos sabendo, por exemplo, que no dia 19 de novembro de 1798, uma ordem régia determinava ao então capitão-general de São Paulo, Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça, a construção de um jardim botânico. O local escolhido para esse empreendimento recaiu sobre um grande terreno localizado no antigo “arrabalde do Guarepe”, imediações da Capela de Nossa Senhora da Luz. Para este local estava sendo projetada a construção de um quartel militar e, para financiar as obras, uma subscrição pública estava em andamento. Recebida, porém, a ordem de criação de um horto, parte do dinheiro arrecadado foi utilizado nessa nova empreitada. Uma primeira conclusão, portanto, é que o Parque da Luz nasceu como jardim ou horto botânico.Revelado esse aspecto inicial do tradicional Jardim da Luz, os estudos até agora empreendidos não deram conta de explicar os reais motivos que nortearam a fundação de tal empreendimento em São Paulo ou, em outras palavras, poderíamos perguntar: por que desejavam criar um jardim botânico em São Paulo? De quem partiu a idéia e qual a necessidade de um equipamento desse tipo entre finais do século XVIII e início do XIX? Esta é uma questão um tanto nebulosa na nossa história que, a partir de agora, tentaremos desvendar.
Na mesma época em que chegava a ordem de construção do horto, a rainha de Portugal, D. Maria I, determinava através de uma longa memória que pesquisas fossem realizadas em São Paulo com o fim de se "promover a agricultura", especialmente com os gêneros mais próprios às condições da capitania. Mais ainda, determinava a soberana que o capitão-general deveria promover a "transplantação e introdução de novas plantas" que se adaptassem ao clima paulista e, dentre as novas culturas citadas como promissoras para São Paulo, estavam o cacau – que já produzia "vantajosamente no Rio de Janeiro" – e a baunilha, planta esta que crescia espontaneamente nos "matos silvestres" da Capitania de São Paulo, conforme fora informada a rainha.
Mais ainda, data daquele mesmo ano uma outra ordem de Sua Majestade: pesquisas deveriam ser realizadas com várias madeiras nativas na capitania para saber quais delas poderiam ser utilizadas na fabricação de papel. Diante dessa preocupação da coroa portuguesa com as madeiras e plantas brasileiras – em especial com as nativas e as que poderiam se adaptar ao solo e clima da então Capitania de São Paulo –, o Conde de Linhares, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, poderoso ministro do governo português, enviaria uma missiva ao capitão-general de São Paulo. Nela, o conde informava que, no Pará, o general D. Francisco de Sousa havia fundado um horto botânico e ordenava ao capitão o mesmo fizesse em São Paulo. A carta datava de 19 de dezembro de 1798 – e não de 19 de novembro, conforme registraram vários historiadores. Erro de data, aliás, que impossibilitou a vários pesquisadores o resgate do original.Em resposta, o capitão-general de São Paulo, Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça escreveria ao Conde de Linhares:
Ilmo. e Exmo. Sr. - Por aviso de 19 de dezembro de 1798, me participa V. Exa. o estabelecimento de um Horto Botânico que o Ilmo. e Exmo. Sr. D. Francisco de Souza, general do Pará ali havia formado, ordenando-me que com a menor despesa possível, executasse o mesmo nesta capitania, procurando propagar de sementes as Árvores de Madeira própria de construção para serem semeadas nas Matas Reais. Eu tenho há meses intentado construir um Hospital militar por meio de uma subscrição voluntária, a que de bom ânimo se prestou toda a gente; havia determinado que junto a ele houvesse um Quintal grande para uma coleção de plantas mais medicinais; porém, com o aviso de V. Exa., lancei mão de um maior terreno nos subúrbios desta cidade, cujas terras devolutas este mês principio a cercar, e logo que o engenheiro acabe os mapas, de que se acha encarregado, terei a satisfação de enviar a V. Exa. [...] Deus Guarde a V. Exa. S. Paulo 12 de abril de 1799. Esta carta, por sua vez, não ficou sem resposta. Em novembro de 1799, comunicou o Conde de Linhares ao governante paulista:
Sua Alteza Real lizongea-se, como V. Sª propoem, que sem maior gravame da Fazenda Real, e servindo-se de subscrições voluntárias, poderá construir um Hospital Militar, e o Horto Botânico, onde se reunam as Plantas naturaes, e exóticas, que possam merecer ser cultivadas na Capitania, certamente um e outro objeto são do maior interesse [...] D. Maria I, a rainha de Portugal naquela época, dedicava especial atenção às ciências e, principalmente, aos produtos agrícolas de suas colônias. Ela viabilizou, por exemplo, a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa em 1779 e, em 1790, promoveu a introdução do café na ilha de São Nicolau, uma possessão portuguesa. Com respeito ao Brasil, tivemos várias iniciativas nessa área, não obstante a mesma soberana ter proibido a fundação de indústrias no país tendo, inclusive, emitido uma ordem em 1785 mandando "destruir as fábricas do Brasil”.Devido aos seus problemas de saúde, com crises de insanidade, D. Maria I era auxiliada pelo filho, futuro D. João VI, e pelo ministro Conde de Linhares, este considerado o mais ilustrado do corpo administrativo. O conde, aliás, acumulava o cargo de ministro com o de inspetor geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda. Com a transferência da Família Real para o Rio de Janeiro em 1808, o Conde de Linhares também participou da fundação do Jardim Botânico desta última cidade.
Jardim Público ou Horto Botânico: o grande espaço na parte superior corresponde a trecho da atual avenida Tiradentes. Detalhe da Planta da Imperial Cidade de São Paulo em 1810, levantada pelo Capitão Engenheiro Rufino J. Felizardo e Costa.Prefeitura do Município de São Paulo. São Paulo Antigo: Plantas da Cidade. São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954. Eis, portanto, o que conseguimos desvendar a respeito da fundação do nosso tradicional Jardim da Luz. Foi ele parte de um processo político-econômico que obedecia a algumas estratégias da metrópole portuguesa. Sugestivo, nesse caso, foi um detalhe que poderia passar despercebido na carta do capitão-general de São Paulo datada de 1799 (uma verdadeira "certidão de nascimento" do Jardim da Luz): reproduziu ele um argumento do próprio Conde de Linhares, ou seja, de que era preciso "propagar sementes de árvores de madeira próprias de construção" e, aqui, não podemos nos esquecer da indústria naval portuguesa, que necessitava dessa matéria-prima para a construção de navios.Apesar de não ter mantido essa característica nos anos que se seguiram, este foi o real motivo que fundamentou a criação do Parque da Luz.
Luís Soares de Camargo
O Jardim Botânico, em registro executado no período 1844-1847. Detalhe do Mapa da Cidade de São Paulo e seus Subúrbios, levantada pelo engenheiro C. A. Bresser. Prefeitura do Município de São Paulo. São Paulo Antigo: Plantas da Cidade. São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954
Na mesma época em que chegava a ordem de construção do horto, a rainha de Portugal, D. Maria I, determinava através de uma longa memória que pesquisas fossem realizadas em São Paulo com o fim de se "promover a agricultura", especialmente com os gêneros mais próprios às condições da capitania. Mais ainda, determinava a soberana que o capitão-general deveria promover a "transplantação e introdução de novas plantas" que se adaptassem ao clima paulista e, dentre as novas culturas citadas como promissoras para São Paulo, estavam o cacau – que já produzia "vantajosamente no Rio de Janeiro" – e a baunilha, planta esta que crescia espontaneamente nos "matos silvestres" da Capitania de São Paulo, conforme fora informada a rainha.
Mais ainda, data daquele mesmo ano uma outra ordem de Sua Majestade: pesquisas deveriam ser realizadas com várias madeiras nativas na capitania para saber quais delas poderiam ser utilizadas na fabricação de papel. Diante dessa preocupação da coroa portuguesa com as madeiras e plantas brasileiras – em especial com as nativas e as que poderiam se adaptar ao solo e clima da então Capitania de São Paulo –, o Conde de Linhares, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, poderoso ministro do governo português, enviaria uma missiva ao capitão-general de São Paulo. Nela, o conde informava que, no Pará, o general D. Francisco de Sousa havia fundado um horto botânico e ordenava ao capitão o mesmo fizesse em São Paulo. A carta datava de 19 de dezembro de 1798 – e não de 19 de novembro, conforme registraram vários historiadores. Erro de data, aliás, que impossibilitou a vários pesquisadores o resgate do original.Em resposta, o capitão-general de São Paulo, Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça escreveria ao Conde de Linhares:
Ilmo. e Exmo. Sr. - Por aviso de 19 de dezembro de 1798, me participa V. Exa. o estabelecimento de um Horto Botânico que o Ilmo. e Exmo. Sr. D. Francisco de Souza, general do Pará ali havia formado, ordenando-me que com a menor despesa possível, executasse o mesmo nesta capitania, procurando propagar de sementes as Árvores de Madeira própria de construção para serem semeadas nas Matas Reais. Eu tenho há meses intentado construir um Hospital militar por meio de uma subscrição voluntária, a que de bom ânimo se prestou toda a gente; havia determinado que junto a ele houvesse um Quintal grande para uma coleção de plantas mais medicinais; porém, com o aviso de V. Exa., lancei mão de um maior terreno nos subúrbios desta cidade, cujas terras devolutas este mês principio a cercar, e logo que o engenheiro acabe os mapas, de que se acha encarregado, terei a satisfação de enviar a V. Exa. [...] Deus Guarde a V. Exa. S. Paulo 12 de abril de 1799. Esta carta, por sua vez, não ficou sem resposta. Em novembro de 1799, comunicou o Conde de Linhares ao governante paulista:
Sua Alteza Real lizongea-se, como V. Sª propoem, que sem maior gravame da Fazenda Real, e servindo-se de subscrições voluntárias, poderá construir um Hospital Militar, e o Horto Botânico, onde se reunam as Plantas naturaes, e exóticas, que possam merecer ser cultivadas na Capitania, certamente um e outro objeto são do maior interesse [...] D. Maria I, a rainha de Portugal naquela época, dedicava especial atenção às ciências e, principalmente, aos produtos agrícolas de suas colônias. Ela viabilizou, por exemplo, a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa em 1779 e, em 1790, promoveu a introdução do café na ilha de São Nicolau, uma possessão portuguesa. Com respeito ao Brasil, tivemos várias iniciativas nessa área, não obstante a mesma soberana ter proibido a fundação de indústrias no país tendo, inclusive, emitido uma ordem em 1785 mandando "destruir as fábricas do Brasil”.Devido aos seus problemas de saúde, com crises de insanidade, D. Maria I era auxiliada pelo filho, futuro D. João VI, e pelo ministro Conde de Linhares, este considerado o mais ilustrado do corpo administrativo. O conde, aliás, acumulava o cargo de ministro com o de inspetor geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda. Com a transferência da Família Real para o Rio de Janeiro em 1808, o Conde de Linhares também participou da fundação do Jardim Botânico desta última cidade.
Jardim Público ou Horto Botânico: o grande espaço na parte superior corresponde a trecho da atual avenida Tiradentes. Detalhe da Planta da Imperial Cidade de São Paulo em 1810, levantada pelo Capitão Engenheiro Rufino J. Felizardo e Costa.Prefeitura do Município de São Paulo. São Paulo Antigo: Plantas da Cidade. São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954. Eis, portanto, o que conseguimos desvendar a respeito da fundação do nosso tradicional Jardim da Luz. Foi ele parte de um processo político-econômico que obedecia a algumas estratégias da metrópole portuguesa. Sugestivo, nesse caso, foi um detalhe que poderia passar despercebido na carta do capitão-general de São Paulo datada de 1799 (uma verdadeira "certidão de nascimento" do Jardim da Luz): reproduziu ele um argumento do próprio Conde de Linhares, ou seja, de que era preciso "propagar sementes de árvores de madeira próprias de construção" e, aqui, não podemos nos esquecer da indústria naval portuguesa, que necessitava dessa matéria-prima para a construção de navios.Apesar de não ter mantido essa característica nos anos que se seguiram, este foi o real motivo que fundamentou a criação do Parque da Luz.
Luís Soares de Camargo
O Jardim Botânico, em registro executado no período 1844-1847. Detalhe do Mapa da Cidade de São Paulo e seus Subúrbios, levantada pelo engenheiro C. A. Bresser. Prefeitura do Município de São Paulo. São Paulo Antigo: Plantas da Cidade. São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954
GOSTAR DO TRABALHO
"Gosto muito do trabalho ; fascina-me. Posso sentar-me e contemplá-lo horas a fio."
Jerome K. Jerome (1859-1927) escritor e humorista inglês
Jerome K. Jerome (1859-1927) escritor e humorista inglês
REFLEXÕES REFLEXÍVEIS.
João Hélio e a "falência" do Estado brasileiro
Atahualpa Fernandez*
É possível que o alto e descontrolado índice de criminalidade, violência e insegurança de que tem sido vítima a sociedade brasileira seja um fenômeno que não tenha a dimensão e a transcendência que parece. É possível. Também pode ser o contrário: que por razões nada difíceis de imaginar nossas instituições públicas não estejam dando a devida importância à tarefa de garantir a liberdade e a segurança dos cidadãos brasileiros. Sem menosprezar o papel útil, em termos de utilidade mediática e de interesse pessoal, dos discursos proferidos por nossos governantes toda vez que surge uma vítima inocente da barbárie que vivenciamos em nosso cotidiano, tenho a sensação - compartida, por certo, com muitas pessoas - de que o atual modelo de Estado brasileiro deveria tomar outro rumo completamente distinto.
Algo passa com o Estado brasileiro e, nomeadamente, com nossos governantes. E é já um tanto ridículo a esta altura seguir falando de “ aumento da maioridade penal”, “rapidez da justiça”, “aumento das penas privativas de liberdade”, “alteração da legislação”, etc., na medida em que tais especulações encontram-se profundamente arraigadas em posturas que estão fora de lugar, são parte do problema, e não parte da solução, e temos o dever ético de nos desviar delas da melhor forma possível.
Qualquer discurso malévolo que use imagens ou argumentos como camuflagem para dissimular um problema real deveria pesar muito na consciência de todos os que se dizem governantes. Enquanto nossos dirigentes não atuem rápida e explicitamente na solução do problema da criminalidade, da violência e da insegurança pública, são todos eles cúmplices. Episódicas expressões de consternação não somente não são (definitivamente) suficientes senão que já não há mais tempo e nem motivos para este tipo de comportamento: a “pusilanimidade”, a “inércia”, a “indiferença” – chame-se como queira – de nossas instituições é fenômeno inconcusso que deveria fazer-nos reflexionar vivamente sobre o ponto de estancamento a que estas chegaram.
Mas o que salta à vista, por mais que possam negá-lo – que certamente não o fazem - as autoridades e as instituições responsáveis pela segurança cidadã, desde as esferas federais até as que dirigem Estados específicos passando pelas que efetivamente dispõem dos instrumentos para tanto (a polícia), é que, já faz algum tempo, alcançamos sobre essa questão uma situação de stress, reprovável e feia. E que isso esteja sucedendo ademais com vítimas inocentes e até mesmo com crianças supõe algo de tanta gravidade que deveria preocupar a todos. Porque é a própria sociedade em concreto a ameaçada e constantemente violada, com bem negras perspectivas no horizonte.
As conseqüências dessa situação de quebra do Estado brasileiro entendido como via imprescindível para a construção de uma sociedade “livre, justa, segura e solidária” se comprova sem mais que folhear qualquer jornal, ver a televisão ou passear por qualquer cidade brasileira. Isso , por si só, já deveria ser suficiente para perceber o aberrante e desmesurado fracasso que cada dia suporta a dignidade de nossos cidadãos: ontem os escândalos de corrupção envolvendo legisladores e membros do executivo , hoje a morte inescrupulosa de uma criança que, a continuar o atual status quo, não passará de mais um número na larga e degradante estatística da criminalidade brasileira. E isto apenas para citar algumas das circunstâncias que caracterizam o circular e perverso desprezo estatal pelo reconhecimento e garantia dos direitos, deveres e garantias assegurados a todo e qualquer cidadão brasileiro.
De fato, qualquer parecido com o que caberia chamar um verdadeiro Estado republicano brilha de maneira clamorosa por sua ausência. Vivemos em um contexto em que a idéia de liberdade e segurança parecem ter perdido qualquer sentido de valor: e isto porque não existe propriamente liberdade sem segurança. A insegurança implica ela mesma uma falta de liberdade, tanto mais profunda quanto mais dramática seja essa insegurança. Porque falta de liberdade – de decidir , de fazer e ainda de rechaçar e resistir – é a que tem o cidadão que apenas chega ao fim do dia e não sabe se amanhã conservará a sua vida; é a que sofrem todas as mães que dependem da exígua caridade dos assaltantes e seqüestradores de seus filhos. Falta de liberdade é a que sofrem as famílias brasileiras porque necessidades e desejos vitais para elas já não dependem de instituições que dão suporte a uma vida digna e segura. Falta de liberdade, enfim, é o que padece aquele que vive (ou sobrevive) com a permissão de delinqüentes . Por onde se vê , a sociedade brasileira, porque vive sob o manto perverso de um Estado impotente e ineficaz ( que continua a distribuir de forma tão grosseiramente desigual recursos, oportunidades e riqueza) , padece de um profundo e crônico problema de falta de liberdade.
Postas assim as coisas, caberia então perguntar: sabem nossos governantes governar? A resposta mais sincera disponível , diante do alarmante índice de criminalidade e insegurança pública, diz que não. Mas: sabem ao menos em que consiste governar? Repetir a negativa seria tremendo e espantoso. E sem embargo parece ser essa a impressão que dão à sociedade. Talvez fosse bom recordar a respeito algumas trivialidades. A primeira, que se governa sobretudo por meio de uma participação e um compromisso integral dos dirigentes das instituições públicas estatais. A segunda, que somente por meio de instituições permanentemente atuantes, vigilantes e eficazes é possível viabilizar o florescimento e o crescimento de comunidades éticas. A terceira, que a ausência de segurança por detrás de qualquer interesse meramente político ou desinteresse institucional, condena qualquer tipo de formação ética e liberdade à ruína . Enquanto olvidemos essas verdades, o fracasso do Estado brasileiro estará garantido.
E se continuarmos a dar essa situação por normal, se não fazemos nada para corrigi-la, talvez possamos economizar os gastos que se investem em segurança pública porque, de uma maneira ou outra, não servirão de grande coisa. Assim que me preocupa a atitude de nossas instituições e governantes quando, ainda diante de casos como o do pequeno João Hélio (6 anos), continuam a insistir em um modelo de Estado que não trata de defender nossa liberdade, de proteger-nos frente aos abusos e a inércia dos poderes públicos , de prevenir e condenar com eficácia a ação delitiva, de inviabilizar qualquer forma de existência indigna ou de criminalidade, de promover a igualdade entre os indivíduos, de tutelar e garantir (de forma incondicional) a inviolável segurança de toda criança, de por fim a um modelo de sociedade que se encontra a mercê de uma violência descontrolada, enfim, de atuar como agente construtor de uma comunidade de homens livres e iguais , unidos por uma comum e consensual adesão ao direito e em pleno e permanente exercício de sua cidadania. E por aí poderíamos seguir.
Mas podem nossos governantes ter ainda a pretensão de não olvidar a vinculação necessária entre suas atuações e a dignidade humana? Parece que sim, desde que considerem que a atividade de governar deve estar permeada pela pretensão de que suas atuações sejam moralmente corretas, justas e sem solução de continuidade. A ela (atividade) lhe corresponde a intenção e o dever de agir pronta e corretamente , de que não é suficiente para resolver o atual, alarmante e desconcertante problema da criminalidade e da insegurança pública o recurso a acontecimentos trágicos , sempre permeados por uma retórica dessorada, inoportuna e vazia de conteúdo.
Neste caso, o ato de governar carrega consigo a virtuosa intenção e disposição de mudar um Estado de coisas de conformidade com algo que se pretenda justo , isto é, com a idéia de que todo cidadão brasileiro, ao invés de se converter em objeto de estatísticas estatais, sempre deve ser respeitado como um fim em si mesmo e não como instrumento de episódicos e injustificados interesses políticos. Somente sob essa perspectiva poderá vir o Estado brasileiro a afirmar-se como instituição preocupada com a justiça e com a Constituição da República , não somente controlando toda a desregrada maquinaria estatal em suas funções administrativas e legais , senão também assegurando de forma efetiva os princípios , direitos e garantias constitucionais. Em resumo, como diria Rawls, do que “deve ser” próprio da atividade de uma instituição justa.
É preciso reconhecer que enquanto houver indivíduos vivendo na miséria gerada pela total falta de segurança e com o permissão de outros - “no pior de todos os mundos possíveis”, para usar a expressão de Schopenhauer –,ética, liberdade e igualdade , não são para eles sequer meras possibilidade humanas. Depois, para ser um bom governante não basta com ter capacidade argumentativa ( “de palanque eleitoral”) , senão que é necessário também ter outras virtudes como sentido da justiça , compaixão , determinação e valentia – aliás, como bem alertado pela mãe do pequeno João Hélio.
Mas se em realidade nada disso importa, pior para todos. Sem embargo, a mensagem que há que enviar àqueles que estão governando é que não é insignificante ou “sem sentido” o que está sucedendo: que a indiferença, a pusilanimidade e a falta de uma adequada atuação e vigilância estatal não são ( e não devem ser) a regra. Que a simples suspeita de que algo vai mal (e vai) já constitui razão suficiente para ficar atento e pressionar as instituições públicas até averiguar o que efetivamente está ocorrendo. E que, depois de tudo, se obrará em conseqüência.
Afinal, o ato de governar não é apenas uma questão instrumental, mas acima de tudo reflexo do imperativo moral ( e constitucional) de que capacitar o ser humano para o exercício virtuoso da cidadania, como valor primeiro, somente se afirma a partir do respeito incondicional por sua vida e sua dignidade: não somente do cidadão como objeto de interesses e oportunismos meramente políticos, mas de um ser humano com plena aptidão para sentir, reagir, amar, eleger, cooperar, dialogar e de ser, em última instância, capaz de autodeterminar-se livremente no âmbito de sua secular e peculiar existência.
Parafraseando Charles Darwin : se a miséria de nossos cidadãos não é causada por leis da natureza mas por nossas próprias instituições, imenso é o nosso pecado. O resto é mitologia.
___________
*Professor, Advogado e Membro do MPU (aposentado)
Atahualpa Fernandez*
É possível que o alto e descontrolado índice de criminalidade, violência e insegurança de que tem sido vítima a sociedade brasileira seja um fenômeno que não tenha a dimensão e a transcendência que parece. É possível. Também pode ser o contrário: que por razões nada difíceis de imaginar nossas instituições públicas não estejam dando a devida importância à tarefa de garantir a liberdade e a segurança dos cidadãos brasileiros. Sem menosprezar o papel útil, em termos de utilidade mediática e de interesse pessoal, dos discursos proferidos por nossos governantes toda vez que surge uma vítima inocente da barbárie que vivenciamos em nosso cotidiano, tenho a sensação - compartida, por certo, com muitas pessoas - de que o atual modelo de Estado brasileiro deveria tomar outro rumo completamente distinto.
Algo passa com o Estado brasileiro e, nomeadamente, com nossos governantes. E é já um tanto ridículo a esta altura seguir falando de “ aumento da maioridade penal”, “rapidez da justiça”, “aumento das penas privativas de liberdade”, “alteração da legislação”, etc., na medida em que tais especulações encontram-se profundamente arraigadas em posturas que estão fora de lugar, são parte do problema, e não parte da solução, e temos o dever ético de nos desviar delas da melhor forma possível.
Qualquer discurso malévolo que use imagens ou argumentos como camuflagem para dissimular um problema real deveria pesar muito na consciência de todos os que se dizem governantes. Enquanto nossos dirigentes não atuem rápida e explicitamente na solução do problema da criminalidade, da violência e da insegurança pública, são todos eles cúmplices. Episódicas expressões de consternação não somente não são (definitivamente) suficientes senão que já não há mais tempo e nem motivos para este tipo de comportamento: a “pusilanimidade”, a “inércia”, a “indiferença” – chame-se como queira – de nossas instituições é fenômeno inconcusso que deveria fazer-nos reflexionar vivamente sobre o ponto de estancamento a que estas chegaram.
Mas o que salta à vista, por mais que possam negá-lo – que certamente não o fazem - as autoridades e as instituições responsáveis pela segurança cidadã, desde as esferas federais até as que dirigem Estados específicos passando pelas que efetivamente dispõem dos instrumentos para tanto (a polícia), é que, já faz algum tempo, alcançamos sobre essa questão uma situação de stress, reprovável e feia. E que isso esteja sucedendo ademais com vítimas inocentes e até mesmo com crianças supõe algo de tanta gravidade que deveria preocupar a todos. Porque é a própria sociedade em concreto a ameaçada e constantemente violada, com bem negras perspectivas no horizonte.
As conseqüências dessa situação de quebra do Estado brasileiro entendido como via imprescindível para a construção de uma sociedade “livre, justa, segura e solidária” se comprova sem mais que folhear qualquer jornal, ver a televisão ou passear por qualquer cidade brasileira. Isso , por si só, já deveria ser suficiente para perceber o aberrante e desmesurado fracasso que cada dia suporta a dignidade de nossos cidadãos: ontem os escândalos de corrupção envolvendo legisladores e membros do executivo , hoje a morte inescrupulosa de uma criança que, a continuar o atual status quo, não passará de mais um número na larga e degradante estatística da criminalidade brasileira. E isto apenas para citar algumas das circunstâncias que caracterizam o circular e perverso desprezo estatal pelo reconhecimento e garantia dos direitos, deveres e garantias assegurados a todo e qualquer cidadão brasileiro.
De fato, qualquer parecido com o que caberia chamar um verdadeiro Estado republicano brilha de maneira clamorosa por sua ausência. Vivemos em um contexto em que a idéia de liberdade e segurança parecem ter perdido qualquer sentido de valor: e isto porque não existe propriamente liberdade sem segurança. A insegurança implica ela mesma uma falta de liberdade, tanto mais profunda quanto mais dramática seja essa insegurança. Porque falta de liberdade – de decidir , de fazer e ainda de rechaçar e resistir – é a que tem o cidadão que apenas chega ao fim do dia e não sabe se amanhã conservará a sua vida; é a que sofrem todas as mães que dependem da exígua caridade dos assaltantes e seqüestradores de seus filhos. Falta de liberdade é a que sofrem as famílias brasileiras porque necessidades e desejos vitais para elas já não dependem de instituições que dão suporte a uma vida digna e segura. Falta de liberdade, enfim, é o que padece aquele que vive (ou sobrevive) com a permissão de delinqüentes . Por onde se vê , a sociedade brasileira, porque vive sob o manto perverso de um Estado impotente e ineficaz ( que continua a distribuir de forma tão grosseiramente desigual recursos, oportunidades e riqueza) , padece de um profundo e crônico problema de falta de liberdade.
Postas assim as coisas, caberia então perguntar: sabem nossos governantes governar? A resposta mais sincera disponível , diante do alarmante índice de criminalidade e insegurança pública, diz que não. Mas: sabem ao menos em que consiste governar? Repetir a negativa seria tremendo e espantoso. E sem embargo parece ser essa a impressão que dão à sociedade. Talvez fosse bom recordar a respeito algumas trivialidades. A primeira, que se governa sobretudo por meio de uma participação e um compromisso integral dos dirigentes das instituições públicas estatais. A segunda, que somente por meio de instituições permanentemente atuantes, vigilantes e eficazes é possível viabilizar o florescimento e o crescimento de comunidades éticas. A terceira, que a ausência de segurança por detrás de qualquer interesse meramente político ou desinteresse institucional, condena qualquer tipo de formação ética e liberdade à ruína . Enquanto olvidemos essas verdades, o fracasso do Estado brasileiro estará garantido.
E se continuarmos a dar essa situação por normal, se não fazemos nada para corrigi-la, talvez possamos economizar os gastos que se investem em segurança pública porque, de uma maneira ou outra, não servirão de grande coisa. Assim que me preocupa a atitude de nossas instituições e governantes quando, ainda diante de casos como o do pequeno João Hélio (6 anos), continuam a insistir em um modelo de Estado que não trata de defender nossa liberdade, de proteger-nos frente aos abusos e a inércia dos poderes públicos , de prevenir e condenar com eficácia a ação delitiva, de inviabilizar qualquer forma de existência indigna ou de criminalidade, de promover a igualdade entre os indivíduos, de tutelar e garantir (de forma incondicional) a inviolável segurança de toda criança, de por fim a um modelo de sociedade que se encontra a mercê de uma violência descontrolada, enfim, de atuar como agente construtor de uma comunidade de homens livres e iguais , unidos por uma comum e consensual adesão ao direito e em pleno e permanente exercício de sua cidadania. E por aí poderíamos seguir.
Mas podem nossos governantes ter ainda a pretensão de não olvidar a vinculação necessária entre suas atuações e a dignidade humana? Parece que sim, desde que considerem que a atividade de governar deve estar permeada pela pretensão de que suas atuações sejam moralmente corretas, justas e sem solução de continuidade. A ela (atividade) lhe corresponde a intenção e o dever de agir pronta e corretamente , de que não é suficiente para resolver o atual, alarmante e desconcertante problema da criminalidade e da insegurança pública o recurso a acontecimentos trágicos , sempre permeados por uma retórica dessorada, inoportuna e vazia de conteúdo.
Neste caso, o ato de governar carrega consigo a virtuosa intenção e disposição de mudar um Estado de coisas de conformidade com algo que se pretenda justo , isto é, com a idéia de que todo cidadão brasileiro, ao invés de se converter em objeto de estatísticas estatais, sempre deve ser respeitado como um fim em si mesmo e não como instrumento de episódicos e injustificados interesses políticos. Somente sob essa perspectiva poderá vir o Estado brasileiro a afirmar-se como instituição preocupada com a justiça e com a Constituição da República , não somente controlando toda a desregrada maquinaria estatal em suas funções administrativas e legais , senão também assegurando de forma efetiva os princípios , direitos e garantias constitucionais. Em resumo, como diria Rawls, do que “deve ser” próprio da atividade de uma instituição justa.
É preciso reconhecer que enquanto houver indivíduos vivendo na miséria gerada pela total falta de segurança e com o permissão de outros - “no pior de todos os mundos possíveis”, para usar a expressão de Schopenhauer –,ética, liberdade e igualdade , não são para eles sequer meras possibilidade humanas. Depois, para ser um bom governante não basta com ter capacidade argumentativa ( “de palanque eleitoral”) , senão que é necessário também ter outras virtudes como sentido da justiça , compaixão , determinação e valentia – aliás, como bem alertado pela mãe do pequeno João Hélio.
Mas se em realidade nada disso importa, pior para todos. Sem embargo, a mensagem que há que enviar àqueles que estão governando é que não é insignificante ou “sem sentido” o que está sucedendo: que a indiferença, a pusilanimidade e a falta de uma adequada atuação e vigilância estatal não são ( e não devem ser) a regra. Que a simples suspeita de que algo vai mal (e vai) já constitui razão suficiente para ficar atento e pressionar as instituições públicas até averiguar o que efetivamente está ocorrendo. E que, depois de tudo, se obrará em conseqüência.
Afinal, o ato de governar não é apenas uma questão instrumental, mas acima de tudo reflexo do imperativo moral ( e constitucional) de que capacitar o ser humano para o exercício virtuoso da cidadania, como valor primeiro, somente se afirma a partir do respeito incondicional por sua vida e sua dignidade: não somente do cidadão como objeto de interesses e oportunismos meramente políticos, mas de um ser humano com plena aptidão para sentir, reagir, amar, eleger, cooperar, dialogar e de ser, em última instância, capaz de autodeterminar-se livremente no âmbito de sua secular e peculiar existência.
Parafraseando Charles Darwin : se a miséria de nossos cidadãos não é causada por leis da natureza mas por nossas próprias instituições, imenso é o nosso pecado. O resto é mitologia.
___________
*Professor, Advogado e Membro do MPU (aposentado)
Assinar:
Postagens (Atom)
Postagem em destaque
-
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS JOÃO UMBERTO NASSIF Jornalista e Radialista joaonassif@gmail.com Sábado 02 de setembro de 2...
-
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS JOÃO UMBERTO NASSIF Jornalista e Radialista joaonassif@gmail.com Sábado 15 de março de 2013. ...
-
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS JOÃO UMBERTO NASSIF Jornalista e Radialista joaonassif@gmail.com Sábado 18 de março de 2017 ...