PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 26 de fevereiro de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADA: MARLY THEREZINHA GERMANO PERECIN
A Profa. Dra. Marly Therezinha Germano Perecin e a Profa. Valdiza Caprânico formaram uma das mais felizes parcerias em um empreendimento de fôlego e quem vai ganhar muito com isso é Piracicaba. Em uma iniciativa pioneira, passaram a catalogar símbolos próprios da nossa cidade e discorrer sobre eles, de uma forma objetiva e sintética, bem ao gosto do leitor da nossa época. Contaram com a participação de Thiago Guerreiro, um jovem artista plástico que realizou as belíssimas ilustrações. A obra é composta por 10 volumes e foi lançada na quinta feira, dia 24 na Biblioteca Publica Municipal, em cerimônia marcante contando com grande afluxo de pessoas, incluindo expoentes da intelectualidade piracicabana. A Profa.Valdiza concedeu entrevista á Tribuna Piracicabana no lançamento desse projeto, a profa. Marly discorre sobre aspectos envolvidos nessa obra, agora que parte dela está concluída. Dra. Marly é autora entre outras obras de: “A Síntese Urbana”, que recebeu o Premio Clio de História pela Academia Paulistana de História; “Candeias em Espelho D`Àgua”, Prêmio Especial de Melhor Texto Paradidático sobre a Revolução Liberal de 1842; “Ypié (Maria dos Anjos); “O Instituto Baronesa de Rezende”; “Os Passos do Saber”. Pelo lado materno descende de antiga família de tropeiros de Jundiaí; pelo lado paterno de velho tronco ituano, a família Germano é originária de 1827, junto a barranca do Rio Piracicaba, pelo casamento de Mariana Dias com o lionês Jean Germain (João Germano de França).
Dra. Marly a senhora é natural de qual cidade?
Meus pais começaram suas carreiras na região araraquarense, eu nasci em Taquaritinga a 6 de novembro de 1936, meu pai era piracicabano da gema, o seu desejo era retornar a Piracicaba, como funcionários públicos, de remoção a remoção acabaram voltando a Piracicaba, quatro anos após o meu nascimento. Meu pai ao retornar, disse uma frase: “-Minha filha, tiramos as rodinhas da mobília!” Estudei em Piracicaba até ingressar no curso de História na PUC – Pontifícia Universidade de Campinas.
Viajava todos os dias?
Morei lá certo tempo, após me casar viajava todos os dias. Em Campinas morei no famoso Pensionato das Irmãs de São José, na Rua Culto á Ciência, era reservado ás meninas que tinham o melhor aproveitamento escolar na faculdade, a seleção era feita desde o exame vestibular. Nós éramos o xodó da Madre Ruth. O fundador da Universidade Monsenhor Emilio José Salim zelava pelo pensionato, assim como o Cardeal Agnelo Rossi, um santo homem, estava sempre presente, ele foi meu professor, tive a oportunidade de encontrá-lo em Roma já como Cardeal e posteriormente em uma visita que fez ao Lar dos Velhinhos de Piracicaba. O Bispo Castanho foi outra presença religiosa muito marcante.
A senhora em algum momento almejou seguir a carreira religiosa?
Nunca! Tenho uma tendência mística, mas que não se afina com nenhuma das confissões religiosas. Estudei religião católica, meus pais eram espíritas, morei em colégio de freira, meu marido era protestante. Nunca consegui ter três coisas: partido político, confissão religiosa e doutrina filosófica. Sou muito céptica!
A senhora é céptica, mas tem elementos de expressivo cunho religioso em seu ambiente de trabalho!
São símbolos muito fortes, como a Bandeira do Divino! Ela é cultural na minha família, a minha tetravó, bisavó, avó, eram devotas do Divino! Sempre participaram com o sal e a carne do Divino. Esse culto na família do meu pai é muito antigo. As novas gerações cresceram e passaram a achar que a Festa do Divino era coisa de somenos importância, como eu sou a ultima neta da família Germano, esse legado acabou ficando para mim, afeiçoei-me muito com essa antiga tradição, cultivo folcloricamente, socialmente, culturalmente a Festa do Divino e tenho uma fé com uma das pessoas das pessoas da Santíssima Trindade, o Consolador Prometido por Jesus. Na minha singularidade isso desempenha uma idéia-força muito importante. Oro na minha intimidade e oro socialmente. Gosto muito de orar!
A senhora tem elos fortes com a Escola Sud Mennucci.
Lá eu fui tudo, fui aluna, sai formada como professora, voltei, dei aulas, desempenhei outras funções na escola e lá permaneci até me aposentar.em 1995.
Algumas pessoas afirmam que Piracicaba em seu início era a “terra do degredo”. Qual é a sua opinião?
Essa historia do degredo é uma expressão muito usada entre os primeiros tempos da expansão povoadora no oeste paulista. Quem eram os degredados de Portugal? Geralmente os injustiçados, os cristãos novos, nem todos eram criminosos embora fossem perseguidos pela justiça por inveja, malquerença, comportamento, dinheiro, acusava-se de judeu e confiscavam-se os bens. Há casos que ocorreram em São Paulo. A história do degredo já vem de Portugal, os degredados eram enviados aos povoados distantes, para iniciarem a ocupação do local. Isso era muito comum. Diz-se que para Piracicaba vieram indivíduos de ínfima plebe, índios vadios, isso está no documento do capitão-mor Vicente Taques da Costa. A sociedade da época era dividida em três classes: clero, nobreza e povo. O povo tinha as suas gradações, individuo de ínfima plebe era o ultimo degrau da pobreza. A raspa do tacho. Onde se incluíam bêbados, arruaceiros, prostitutas e as que não eram tão prostitutas, mas as ditas mulheres do fado, mulheres de má vida. As bruxas. Essa gente toda era banida para populações distantes. Os índios vadios não eram vagabundos, eles não estavam com ocupação definida, eram os índios preados, que ficavam em campos de concentração, as aldeias indígenas ao redor de São Paulo, Barueri é uma delas, assim como Itapevi, Pinheiros. Esses índios eram depositados nessas aldeias. Administrados. Esses são os tais índios vadios trazidos pelo Capitão Antonio Correia Barbosa para Piracicaba. Pequenos agricultores, artesãos também foram convencidos a vir. Piracicaba teve uma vanguarda que era o Forte de Iguatemi, outra colônia povoadora. Para lá foi a chamada ralé da ralé, padres apóstrofos, frades amaldiçoados, bruxas, muitas prostitutas, desertores, bandidos. Iguatemi se agüentou por 10 anos, quando a fortaleza foi tomada pelos espanhóis. Ali é chamado de “cemitério dos paulistas”, a maleita ceifava centenas de vidas. Era um processo de “limpeza” e ocupação. Quando trato do assunto em “Águas do Adeus” significava que quem descia pelo Rio Tiete para Iguatemi não voltava mais. Após a conquista de Iguatemi pelos espanhóis, por dois anos havia gente voltando á Porto Feliz.
Qual era o tempo de duração dessa volta?
Correndo tudo bem quatro meses. Mais da metade ficava sepultada pelo caminho. Ao chegar a Porto Feliz, havia uma ordem, os soldados eram considerados culpados pela derrota, eram presos. Muitos soldados que voltavam com a família ao invés de ir a Porto Feliz tomavam o caminho para Piracicaba, sabiam que o Capitão Antonio Correia Barbosa acolhia essa gente.
Qual era o perfil do Capitão Antonio Correia Barbosa?
Admirável sob todos os pontos de vista! Era um bom construtor de barcos, sua origem é de família pobre, era inteligente, ambicioso. Quando para o Real Serviço foram convocadas pessoas do Terceiro Estado, da sessão dos pobres, ele foi indicado pelo Capitão Dias de Almeida, armador das monções para o Baixo Tiete. Quando uma pessoa desempenhava funções ás suas próprias custas, e que fizesse parte do plano real, como fundar povoações, fazer expedição de desbravamento, fundar uma cidade mais extrema, essa pessoa inteligente, ambiciosa, e com posses entrava para o Real Serviço. Se o seu desempenho desse certo ele acabava ganhando um título de nobreza, como por exemplo, “capitão” e angariava pensões do governo. Todos os paulistas eram sertanistas, iam ao mato procurar riquezas.
Por qual motivo fala-se mal de Antonio Correia Barbosa?
Ele entrou em conflito com o padre! O padre queria os dízimos para a sobrevivência da igreja. Houve três padres com os quais ele se indispôs. Os rendimentos de Piracicaba eram muito pequenos. Houve o conflito entre o poder temporal e o clero. Isso é multimilenar na história da civilização ocidental. A produção de canoas que era a riqueza de Piracicaba deveria ser usada para o desenvolvimento de Piracicaba. O governo da capitania quando viu que era uma riqueza apropriou-se dela. O Barbosa ficou vitima dos capitalistas de Porto Feliz e Itu. Ele foi obrigado a fazer o povoamento do Tietê, fato que só se consumou no século XX, com as cidades que vão até Itapura. Imagine onde Barbosa poderia obter recursos para fundar cidades do Baixo e do Médio Tietê? As despesas que o Barbosa teve que enfrentar implodiu o projeto de Piracicaba.
A tão decantada história da mudança de padroeiro de Piracicaba como se deu?
O capitão general Dom Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Mateus, era uma pessoa de difícil trato, usava e abusava do poder que detinha, foi um dos piores tiranos da história de São Paulo. Seu sucessor provou que as povoações fundadas pelo Morgado não passava de um pau fincado em uma praça com meia dúzia de choças. Esse homem foi o autor da desgraça de Iguatemi. Foi o algoz dos paulistas. Algumas das povoações que ele mandou fundar deram certo, como a de Lages, em Santa Catarina, ou Guaratuba, Itapetininga, elas estavam situadas em pontos estratégicos da estrada para o sul. Ele implodiu o projeto de desenvolvimento de Piracicaba pela sua ganância ao dinheiro das embarcações. Motivo pelo qual Barbosa saiu de Piracicaba com a roupa do corpo, indo abrir uma sesmaria para o lado de Mogi - Mirim. Seus filhos foram herdeiros das terras á margem direita do Rio Piracicaba que posteriormente foram adquiridas pelo Barão de Rezende. O capitão general manda nas suas tropas e é autoridade civil, o bispo manda na igreja e é autoridade religiosa, quem decide quem será o orago (santo padroeiro) de uma igreja é o bispo. Não importava que o capitão general desejasse que fosse Nossa Senhora dos Prazeres, que ele dizia ser sua madrinha. O bispo quis, declarou, ordenou e assinou o documento: será Santo Antonio! A igreja foi inaugurada com o orago Santo Antonio. Nunca tivemos Nossa Senhora dos Prazeres no altar da igrejinha de Piracicaba! A história de que jogaram a santa no rio não passa de uma balela. É uma lenda! Por isso estamos escrevendo e publicando essa coletânea, para tirar duvidas!
Piracicaba recebeu o cognome de Ateneu ou Atenas Paulista?
O intelectual italiano, Roberto Capri foi quem denominou Piracicaba de Ateneu Paulista. Em visita a nossa cidade ele viu que aqui havia muitas escolas, um fenômeno para a época, proporcionalmente tínhamos mais escolas do que Campinas e Santos, na época as maiores cidades do estado. Eram tantas escolas que ele chamou Piracicaba de “Ateneu Paulista”. Ateneu é o local onde os intelectuais se reúnem centro de intelectuais, ele jamais poderia falar que aqui era Atenas, pois Atenas é a pátria da democracia e aqui era a terra dos coronéis!
Com relação a Casa do Povoador?
Nunca foi e nem poderia ser! Barbosa fundou Piracicaba na margem direita, a chamada Casa do Povoador está na margem esquerda. Caso ele se mudasse para a margem esquerda perderia a posse das terras da margem direita, ele era posseiro, uma vez que a cidade mudou-se de lugar e ele foi a Itu comprar a esquerda, encontrei a escritura dessa compra em Itu. Mesmo ele saindo de Piracicaba as terras da margem direita continuaram de sua propriedade. A construção existente, a chamada Casa do Povoador, é do inicio do século XIX, com alguns recursos arquitetônicos do século XVIII, como a construção com taipa de mão. Aquela não é uma habitação residencial, é apenas um sobradinho, com duas janelas de frente com vista para a corredeira Itaipava do Vai-e-Vem. Era provavelmente a Casa da Ponte, onde o vigia fiscalizava a ponte e cobrava os pedágios. Não podemos dizer se foi da primeira ponte construída em 1823, ou se foi de outras duas pontes posteriores construídas entre 1824 e 1827. O primeiro construtor de ponte ali foi o meu tetravô Manuel Dias Ribeiro.
O que é esse trabalho que está sendo apresentado á Piracicaba?
É uma coletânea de 10 volumes sobre os ícones piracicabanos. Qual é a árvore símbolo de Piracicaba? É o tamboril, justamente a árvore com que Barbosa construiu a sua frota de barcos. Qual é o peixe símbolo do Rio Piracicaba? É o dourado! O animal símbolo de Piracicaba? Ai vai outro desmancha mitos, o Rio Piracicaba se chama Piracicaba na nossa região, antes ele tem outro nome, ele se chama Jaguari, mineiro que atravessa todo o Estado de São Paulo. O que é jaguari? Jaguary com “Y” significa rio, o rio do jaguar, o animal de grande porte, furor da selva, era o jaguar, a onça pintada! E porque Piracicaba? Por causa da sua própria geografia, quando qualquer criança diz: “Piracicaba é o lugar onde o peixe para!” Por que ela diz isso? Por que tem um salto? E como se fala salto? Piracicaba é o salto! A região de Piracicaba é a região do salto, que deu nome a uma vasta região. Piracicaba significa lugar onde cai o rio, o peixe para porque ali tem um salto.
Um dos volumes da coletânea é sobre o XV de Novembro, a senhora é quinzista?
Na minha família todos nascem de camiseta! Pedi ao meu pai que me levasse a um jogo do XV, eu precisava ver como era isso, era uma religião! Na época os espectadores iam de terno, chapéu e gravata. Assisti De Sordi jogando.
Outros ícones piracicabanos tratados nessa coletânea?
A fruta símbolo é a pitanga, a flor símbolo é a orquídea, o parque Beira Rio. São 10 volumes: “O meu amigo Tamboril”, “O Diário de uma Onça Pintada”, “O Show do Rio”. “A Festa do Divino”, “ O XV ÃO”, “Vôos de Liberdade”, “Doces Sabores de Nossa Terra”, “Piracicaba Cheia de Flores”, “O Parque da Beira Rio”, “O Rio de Piracicaba”, e um complemento pedagógico, o caça-palavras referente aos temas abordados..