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sexta-feira, setembro 21, 2007
O mês de setembro é um mês muito importante para a história dos gaúchos. É tempo de ver os tradicionalistas, as escolas ensinando e entoando o hino do Rio Grande do Sul, que por sinal, é lindo, e nos faz estufar o peito cada vez que cantamos. 20 de setembro, é o dia mais importante do mês, pois é o Dia do Gaúcho.
sábado, setembro 15, 2007
Trabalhei os cinco anos da São Francisco com o Professor Theotonio Negrão e Paulo Fernando Lopes Franco. Formado fui trabalhar com os professores José Frederico Marques, Manuel Alceu Affonso Ferreira, Helena Frascino de Mingo e Priscila M. P. Correia da Fonseca. Ao todo, somei oito anos de experiência advocatícia privilegiada. Quis ser juiz porque queria ser juiz, mas mantendo presente o presente de Theotonio Negrão: Os dez Mandamentos do Advogado, de Eduardo Couture, assim como guardo na memória o presente de José Frederico Marques: abra o Código e decida. Quarenta anos se passaram e eu que não sabia nada do tempo. Sinto-me mais ou menos, muito menos do que mais, como o poeta que à janela contempla a Tabacaria. Vejo juiz agindo como advogado e advogado agindo como juiz; promotor público (era assim que se chamava) agindo como juiz e juiz agindo como promotor público e promotor público agindo como advogado e advogado agindo como promotor público. Mas o pior, o mais nefasto e decadente estou vendo: todos os três agindo e sendo políticos. E aí fecho a janela para ficar cismando sobre o que escreveu Fernando Pessoa: 'A decadência é a perda total da inconsciência'."
Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda - desembargador do Tribunal de Justiça de S. Paulo
Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda - desembargador do Tribunal de Justiça de S. Paulo
sexta-feira, setembro 14, 2007
Itaú
O gigante relógio luminoso instalado no início dos anos de 1960 no alto do Conjunto Nacional, quase no fim da avenida Paulista, vai sobreviver à lei Cidade Limpa, mas não intacto. A Comissão de Proteção à Paisagem Urbana decidiu, ontem, que a logomarca do Banco Itaú, instalada em 1975, terá que sair. O argumento de que o equipamento, depois de tombado em 2005, passou a ser um bem de valor cultural não foi aceito. O relógio, estrategicamente colocado sobre o espigão da Paulista, pode ser visto de muitos lugares da capital.
O gigante relógio luminoso instalado no início dos anos de 1960 no alto do Conjunto Nacional, quase no fim da avenida Paulista, vai sobreviver à lei Cidade Limpa, mas não intacto. A Comissão de Proteção à Paisagem Urbana decidiu, ontem, que a logomarca do Banco Itaú, instalada em 1975, terá que sair. O argumento de que o equipamento, depois de tombado em 2005, passou a ser um bem de valor cultural não foi aceito. O relógio, estrategicamente colocado sobre o espigão da Paulista, pode ser visto de muitos lugares da capital.
quinta-feira, setembro 13, 2007
quarta-feira, setembro 12, 2007
EDUCAÇÃO
Conferência na Esalq, 10.9.2007 Samuel Pfromm Netto
Psicólogo e pedagogo. Professor aposentado do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Aprendi nos anos 40, na Sud Mennucci, com José Rodrigues de Arruda, Jethro Vaz de Toledo, Antônio Martins Belmudes de Toledo e Laudelina Cotrim de Castro, que educar significa ensinar e aprender. Que educação é a passagem da herança cultural de uma sociedade à sua geração jovem pela geração adulta. Desde então, o mundo deu muitas voltas, mas esse significado essencial da educação não mudou. Educar, educação: reverberam na minha alma, hoje e sempre, os versos singelos do Adeus, escola que Honorato Faustino compôs e Benedito Dutra Teixeira nos ensinou a cantar: versos que falam da velha escola “onde aprendemos sábias lições e ensinamentos. Onde solícitos colhemos a flor de puros sentimentos”... Mas é evidente que quem nos educa não são apenas os professores incumbidos da nossa educação formal. São, primeiro, os nossos pais. Os nossos familiares. Os vizinhos, parentes e amigos. São os companheiros de folguedos na infância. É a mídia sob a forma de livros, jornais e revistas, rádio e televisão, e agora a Internet. Crescemos respirando educação nesta nossa espaçonave chamada mundo, e respirando o ar puro (ou viciado) do que todos esses agentes nos ensinam, formal ou informalmente, de modo intencional, deliberado, ou sem que nos apercebamos que estamos aprendendo e que os outros estão ensinando. Geralmente associamos à palavra educação um sentindo positivo de aprendizagem do que é bom, belo e verdadeiro, que nos ajude a compreender os demais, o mundo, a ciência e as técnicas, as artes, a prática da profissão e os valores morais e espirituais. Tendemos a esquecer que, infelizmente, o roubo, o crime, o ódio, o cinismo, o desrespeito, a velhacaria, o despudor, a desfaçatez, o opróbrio são igualmente passíveis de aprendizagem e ensino, intencionais ou não. Ao longo da minha vida de pesquisador em psicologia e educação, de mais de meio século das minhas pesquisas científicas nesses domínios –, tenho continuamente repetido as palavras amargas de Lee De Forest, o inventor do triodo que resultou no rádio e na televisão, em uma homenande aprendemos sTeixeira nos ensinou a cantar: versos que falam da velha escola " ensinar e aprender. gem que lhe prestaram nos anos cinqüenta, quase ao fim da sua vida: “O que vocês fizeram com meu filho? Criei um veículo eletrônico para uma forma superior de ensino e entretenimento, para tornar melhores, mais cultas, mais sensíveis e mais responsáveis as pessoas... E vocês, no entanto, o converteram nisso que aí esta, um instrumento degradante, nauseabundo, de envilecimento humano desde a mais tenra idade!” Mal podia imaginar o inventor e cientista De Forest, “pai do rádio e avô da televisão”, que igualmente desempenhou papel pioneiro na sonorização dos filmes cinematográficos, e que viveu de 1873 a 1961, mal podia ele supor que chegaríamos neste início do novo milênio a essa espécie de dejetos impressos, falados, cantados e mostrados na mídia de agora. Um lixo imenso, que penetra com toda a desfaçatez nos lares e nas mentes e corações das pessoas – notadamente nas mentes e nos corações da faixa mais frágil da espécie humana, a que se compõe de crianças e adolescentes.
Recorro à massuda Penguin Encyclopedia publicada pelos ingleses – são cerca de 1700 páginas na edição que tenho, datada de 2004 –, recorro a ela, em busca de uma boa definição contemporânea de educação. Diz a enciclopédia que “educação é o que ocorre quando seres humanos aprendem algo a partir dos outros, mas às vezes a partir de si próprios. Isto pode se dar durante o dia em prédios especialmente construídos para tal finalidade, com professores qualificados, em consonância com cursos estruturados e aprovados, baseados em livros, equipamentos e atividades; ou, mais informalmente, longe de instituições específicas, nos lares, ruas e locais nos quais as pessoas se reúnem. Não é confinada às matérias escolares tradicionais, como matemática ou história, muito embora estas igualmente constituam uma parte importante dela. Não é oferecida somente por professores remunerados para isso, já que pais e irmãos e irmãs mais velhos podem igualmente desempenhar um papel central nesse sentido. Cada vez mais a educação é encarada como algo que deve desenvolver a pessoa como um todo, e não apenas como um preparo acadêmico estrito. Dessa forma, em ampla variedade de locais, no mundo inteiro, desde edifícios ricamente equipados com os mais recentes equipamentos de laboratório até simples cabanas nas regiões mais pobres, crianças e adultos estão aprendendo as habilidades básicas de leitura, escrita e aritmética, estão desenvolvendo qualidades valiosas para a vida adulta no lar ou no trabalho, e em muitos casos submetendo-se a programas de retreinamento por causa das transformações ocorridas no trabalho para o qual foram originalmente preparadas”. A descomunal amplitude de tudo quanto se acha compreendido neste vocábulo de oito letras originário do latim condena, de partida, ao malogro qualquer tentativa de abranger em menos de uma hora tamanha riqueza de significados. Educação formal ou informal? Educação entendida como tarefa de que se incumbem os pais e notadamente as mães das crianças, ou entendida como ensino e aprendizagem nas escolas? Em classes de educação infantil ou no ensino fundamental, no ensino médio, ou no ensino superior? Em cursos formativos gerais ou em cursos especializados, ligados a diferentes áreas de atuação profissional? Se nos limitarmos apenas à educação de nível superior, trata-se de graduação ou se trata de cursos pós-graduados? Mestrado, doutorado ou pós-doutorado? E em que área? Agronomia, direito, medicina, teologia, música, astronomia, ciência da computação? Estás e tantas outras – são muitas e muitas dezenas de domínios do conhecimento e da prática profissional que se escondem por trás do rótulo do ensino superior, cada um deles com as suas singularidades, seus distintos enfoques metodológicos e conceituais, suas exigências específicas. Mais e mais estou desconfiado de que, nesse genérico e pomposo ensino superior, o que temos é uma verdadeira arca de Noé, e que já é tempo de levar muito mais a sério o que singulariza cada um desses domínios, o que os faz diferentes um do outro, opondo-nos, assim, a uma uniformização que encara a formação de médicos, advogados, agrônomos, músicos, teólogos, técnicos esportivos etc. enquadrando-os a todos no mesmo figurino, nas mesmas normas, no mesmo formato de preparo em nível superior. Não é isso o que ocorre nos países onde o ensino superior se acha mais avançado. Estes não são obviamente o lugar nem o momento adequados para trabalhar a problemática de uma educação superior básica ou geral e a sua articulação com cursos específicos em cada uma das múltiplas áreas de cultura e atuação profissional diferenciadas. Passemos, pois, a outros planetas desta galáxia que é a educação. Por exemplo, o da formação de professores para o ensino elementar, que se fazia em escolas normais com seus cursos básicos e de especialização até 1970, e que de um momento para outro foram extintos – as normais e seus cursos –, incumbindo-se, desde então, as universidades e faculdades dessa formação. Com resultados, nesses quase quarenta anos, que considero verdadeiramente catastróficos. Para reparar o mal feito, foram criados a trouxe-mouxe os cursos normais superiores. Há três anos atrás, existiam 1373 cursos superiores de pedagogia e 765 cursos normais superiores no país, mas uns e outros não parecem dar conta do recado, se considerarmos os recentes indicadores de que qualitativamente não vai nada bem o ensino elementar no Brasil. Além disso, desabaram sobre o nosso ensino esses incríveis parâmetros curriculares concebidos por certos luminares caboclos ou importados, que não têm a mínima idéia do que é uma sala de aula do ensino elementar ou médio, do que é ensinar de fato e aprender de fato. A calamidade é tamanha que, quando surgiram, apelidei-os de “burrâmetros curriculares nacionais”... E o preparo dos professores para o nosso ensino médio? Os indicadores aqui também são alarmantes. No nº. 1224 da revista Educação, correspondente ao mês de agosto, lê-se que, em relatório recente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, esta se refere a um “apagão do ensino médio” e pede “providências urgentes”. Em anos recentes, de acordo com a mesma revista, havia uma demanda estimada de cinqüenta e cinco mil e duzentos professores de física para o ensino médio, mas só se licenciaram efetivamente em física pouco mais de 7 mil professores, que correspondem apenas a mais ou menos uns 13% do total necessário de professores de física no país.
Há uma boa porção de outras facetas ou modalidades de educação que não foram mencionadas até aqui, como a educação de adultos, herdeira do ensino supletivo do passado, os cursos de cunho técnico, a educação a distância, os cursos como os do Senai e Senac, os programas para a terceira idade, a educação do excepcionais, a miríade de cursos de idiomas, cursos de computação, cursos das escolas de enfermagem, cursos de cabeleireiros, corte e costura e assim por diante. Tentar juntar num só saco essa miríade de modalidades, instituições e desafios acobertados pelo rótulo genérico de educação é algo, de partida, fadado ao fracasso, algo desalentador. Temos, além disso, que considerar tanto a educação de que se incumbem as escolas públicas como a das escolas particulares, em todos os níveis e modalidades de ensino.
Frente a essa desnorteadora multiplicidade de instituições, aspectos, problemas e perspectivas, centremo-nos em algo que talvez nos ajude a trilhar uma clareira na floresta da educação. Recorramos a uma imagem singela que talvez facilite essa caminhada. Somos nós, seres humanos, dotados de duas pernas e é graças a ambas que permanecemos de pé, andamos, corremos, pulamos, dançamos, praticamos inúmeros esportes. Que tal pensarmos nas duas pernas da educação? Uma delas é a perna do passado. Assim como não precisamos inventar novamente a roda nem o avião, educar crianças, jovens e adultos está sodidamente alicerçado em tradição, em passado, em conquistas que a nossa espécie fez desde o início da aventura humana sobre a face da terra, que, diga-se de passagem, teve início no solo africano. À luz das evidências que dispomos, tal como assevera a inscrição nos portais do museu da Smithsonian Institution nos Estados Unidos, dentro de cada um de nós, seres humanos, sem exceção, corre o sangue africano herdado dos nossos mais remotos ancestrais. Acho tão bonito esse reconhecimento, e a lição de tolerância, de congraçamento, de fraternidade que encerra – o reconhecimento de que, afinal de contas, geneticamente somos todos africanos! Tradição, passado, herança cultural, tesouros acumulados de conhecimento, sensibilidade, valores, habilidades etc. vêm sendo, ao longo de todo esse passado envolto nas brumas dos tempos pré-históricos e históricos, uma das pernas de sustentação da nossa espécie – e uma das pernas da educação. Parte disso integra o patrimônio comum dos seres humanos. Outras partes dizem respeito ao nosso patrimônio mais específico da cultura ocidental, e da tradição dos povos lusíadas que nos une aos nossos avós portugueses no idioma, na religião, nos costumes, na arquitetura e assim por diante. Faz igualmente parte dessa nossa perna de passado na educação o que nos singulariza como brasileiros, como paulistas, como piracicabanos. Incomoda-me um bocado e me entristece sobremaneira ver como essa fabulosa, essa riquíssima herança vem sendo mal cultivada nas nossas crianças e nos nossos jovens brasileiros, paulistas, piracicabanos. É necessário, com urgência e de modo competente, cultivar na meninada de hoje e de amanhã essa riquíssima fortuna cultural que existe no nosso idioma, na matemática, nas ciências, nas técnicas, nas festas tradicionais, nos nossos modos de pensar, de fazer, de sentir e de ser.
Como não somos sacis capengando em uma perna só, mas temos duas pernas, passo agora ao segundo apêndice que, tal como a perna anatômica, nos serve de suporte e deslocamento no âmbito da educação. Essa segunda perna da humanidade é o futuro. Não como o tempo em si, mas como as coisas que virão, como as “novas realidades” de que falava Peter Drucker. O tempo dos futurólogos, da proação, da evolução, da prospectiva. Uma educação verdadeiramente digna desse nome faz uso competente das suas duas pernas: a da tradição e a das possibilidades, riscos, desdobramentos e responsabilidades, individualmente e como espécie humana, a perna do futuro, levando em conta indícios, tendências e perplexidades que se manifestam no presente. Se no quadro genérico da educação brasileira não vai nada bem a perna da tradição – referindo-me, é claro, não a um razoável percentual de brasileiros que se mostram destros no emprego dessa perna, mas à maior parte da população e mais particularmente ao seu segmento infanto-juvenil e de jovens adultos – se essa perna da tradição não está dando conta do recado e corre o risco de gangrenar pelo mau uso ou pelos abusos, o estado da outra, da perna do nosso preparo para o amanhã, não é menos inquietador. Creio que está faltando em boa parte do que se faz, do que se diz, do que se pensa e sente nestes brasis, essa presença efetiva de um preocupar-se com o amanhã, um sintonizar-se com esse amanhã a partir das dicas e constatações que nos ajudam a ver, a entender e a lidar com o amanhã a curto e médio prazo. Mais uma vez, não estou me referindo aos “happy few”, à pequena parcela dos que, previdentes e proativos, se preparam para viver e conviver bem neste mundo em transformação nos próximos 2010, 2015, 2020, 2025 – para nos limitarmos aos dezoito anos que virão e que se esboçam, que sinalizam esperanças e medos, promessas e desafios. Refiro-me não a esses felizardos, mas aos brasileiros de todos os quadrantes, ai de nós, armados de estilingue ou de espingarda tico-tico na melhor das hipóteses, para penetrar na “jungle” do amanhã, para se ajustarem a mudanças que, queiramos ou não, vão acontecer e poderão pegar em cheio milhões de cidadãos despreparados, desprevenidos, fragilizados nas suas convicções ingênuas de que “o futuro a Deus pertence”. Há aqui lugar, aliás, para distinguir entre, de um lado, tolices e charlatanismos de bolas-de-cristal, tarôs, quiromancia e assemelhados, e de outro, antecipações inteligentes, bem fundamentadas e com apoio em metodologia sólida, do que nos espera e do que precisamos fazer, ao longo dos próximos anos. Uma bela contribuição brasileira nesse sentido é o livro de Ethevaldo Siqueira intitulado 2015. Se ainda não o leram, comecem logo a leitura desse livro notável. Tenho certeza de que irão até as páginas derradeiras, nessa incursão bem urdida, bem instigante e bem norteadora da nossa caminhada num amanhã que precisamos trilhar de modo competente, bem informado e responsável.
Preocupam, e muito, a miopia, a superficialidade, a lerdeza e a irresponsabilidade que pesam tanto, e tanto, na educação brasileira de agora, da pré-escola à pós-graduação, nas escolas, nos lares, na sociedade, na mídia eletrônica. Uma educação brasileira de qualidade não é compatível com professores mal preparados, mal selecionados, mal conduzidos e pessimamente remunerados. Nem com essa enxurrada de literatura pedagógica, psicológica e sociológica que só serve para iludir e confundir, com sua superficialidade, suas propostas de rebeldia romântica e seus blá-blá-blás intermináveis e estéreis. Uma educação de qualidade demanda pessoal, instalações, equipamentos e recursos que não existem, na maioria das nossas escolas. Demanda uma reengenharia urgente de organismos que, nos âmbitos federal, estadual e municipal, têm a ver diretamente com o ensino e as escolas. Requer gestores atualizados em administração de organizações, que dominem muito bem as idéias e as práticas da B.A. das empresas de hoje. Requer computadores em larguíssima escala, disponíveis para todos os alunos, docentes e pessoal administrativo e auxiliar. E deve combater sem tréguas os analfabetismos e semi-analfabetismos múltiplos que estão desgraçando o Brasil. Analfabetismo e semi-analfabetismo em leitura, escrita e cálculo, em conhecimentos e gerais, em economia e política. Analfabetismo e semi-analfabetismo em ciência e tecnologia. Analfabetismo e semi-analfabetismo em civismo, em ética, em cultura, em artes, no domínio de pelo menos um idioma estrangeiro – como o inglês, o francês, o italiano, o alemão. Analfabetismo e semi-analfabetismo em matéria de higiene, saúde e prevenção de doenças. Já é o tempo de termos uma educação que acabe, de uma vez por todas, com essa tragédia de três quartos de analfabetos e semi-analfabetos nessas e em outras áreas, no Brasil dos nossos dias. Buckminster Fuller advertia-nos, há tempos, de que nesta nossa gigantesca espaçonave Terra, não somos passageiros, somos tripulantes, todos igualmente responsáveis.
Não vão nada bem, no seu conjunto, as nossas pré-escolas e as escolas de ensino fundamental e médio. No ensino superior, amargamos a classificação humilhante de país com um percentual muito baixo de jovens em idades de freqüentá-lo que efetivamente o fazem. Segundo o Book of the year da Enciclopédia Britânica de 2007, nossos magros 21% contrastam terrivelmente com os 74% da Argentina, os 42% do Chile, os 40% da Venezuela, os 37% do Uruguai. Até o Paraguai nos supera, com 27%. Temos só 21%. A Finlândia tem 88% e a Coréia 85%. Tanto os Estados Unidos como a Suécia tem 83%. Na Austrália e também na Nova Zelândia são 74%. No Reino Unido, 64%. Em Portugal 56%. E nós brasileiros amargamos esses esquálidos 21%: apenas um em cada cinco jovens com cerca de 18 a 21 anos de idade estuda em curso superior no Brasil. Uma espécie de tsunami cultural e educacional brasileiro parece cada vez mais ameaçador, gerando bem fundadas apreensões sobre o nosso futuro como povo, como nação e como pessoas responsáveis, cultas, sensíveis, preocupadas com o bem comum e desejosas de viver uma vida verdadeiramente civilizada e sadia – física, mental e moralmente sadia. Sou, contudo, incuravelmente adepto de uma crença na nossa capacidade de resolver problemas, de engendrar soluções criativas, de buscar caminhos novos, de enfrentar desafios – com as bênçãos de Deus. Prova disso é o Brasil-nação de hoje, quando comparado com o Brasil dos séculos 16 a 19, um país que amadureceu em meio às suas incontáveis vicissitudes, às turbulências da sua história nestes 507 anos. Nossos avós diziam que não há bem que não se acabe, mas diziam igualmente que não há mal que sempre dure. Que lateje em cada um de nós essa parte final da frase. Dêem-me um ponto de apoio e uma alavanca e moverei o mundo. O ponto de apoio é a gente brasileira, em sua maioria: essa gente batuta, generosa e simples que vive seu dia-a-dia de trabalho, família, criação de filhos, religiosidade, convívio sadio, companheirismo solidário, que cultiva alegrias antigas e ingênuas de cururus, rodas de samba, futebol, cantigas bonitas, peixadas, festas do Divino, pamonha e pipoca. O ponto de apoio é, pois, esse nosso povo bom e sofrido. A alavanca? A educação. Uma educação bem concebida, bem conduzida, vigorosa e responsável, liberta de figurinos e cantos de sereia políticos e ideológicos. Centrada em excelência. Em competência. Em ensino-aprendizagem de fato, às crianças e aos jovens, de conhecimentos, idéias, habilidades, práticas, sentimentos, valores e atitudes que os façam verdadeiramente humanos.
LEITURAS SUGERIDAS
Bransford JD, Brown AL, Cocking RR, org. 2007. Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola. São Paulo: Senac
Castro CM. 2005. Crônicas de uma educação vacilante. Rio de Janeiro: Rocco
Delors J. 1999. Educação: um tesouro a descobrir. 3ª ed. São Paulo/Brasília: Cortez/Mec-Unesco
Gross ML. 1999. The conspiracy of ignorance: the failure of American public schools. New York: HarperCollins
Heinich R e col. 1999. Instructional media and technologies for learning. Upper Saddle River: Prentice Hall
Morin E. 2000. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ª ed. São Paulo/Brasília: Cortez/Unesco
Morrison GR, Ross SM, Kemp JE. 2004. Designing effective instruction. 4ª ed. Hoboken: Wiley
Niskier A, Nathanael P. 2006. Educação, estágio e trabalho. São Paulo: Integrare
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos/Ball C, Kelly AE, org. 2003. Compreendendo o cérebro – Rumo a uma nova ciência da aprendizagem. São Paulo: Senac
Pfromm Netto S. 1987. Psicologia da aprendizagem e do ensino. São Paulo: Epu/Edusp
Pfromm Netto S. 2001. Telas que ensinam. 2ª ed. Campinas: Alínea
Siqueira E. 2005. 2015 – Como viveremos. São Paulo: Saraiva
Terry WS. 2003. Learning and memory. Boston: Allyn and Beacon
Zuffo JA. 2003-4. A sociedade e a economia no novo milênio. 3 vol. São Paulo: Manole
Conferência na Esalq, 10.9.2007 Samuel Pfromm Netto
Psicólogo e pedagogo. Professor aposentado do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Aprendi nos anos 40, na Sud Mennucci, com José Rodrigues de Arruda, Jethro Vaz de Toledo, Antônio Martins Belmudes de Toledo e Laudelina Cotrim de Castro, que educar significa ensinar e aprender. Que educação é a passagem da herança cultural de uma sociedade à sua geração jovem pela geração adulta. Desde então, o mundo deu muitas voltas, mas esse significado essencial da educação não mudou. Educar, educação: reverberam na minha alma, hoje e sempre, os versos singelos do Adeus, escola que Honorato Faustino compôs e Benedito Dutra Teixeira nos ensinou a cantar: versos que falam da velha escola “onde aprendemos sábias lições e ensinamentos. Onde solícitos colhemos a flor de puros sentimentos”... Mas é evidente que quem nos educa não são apenas os professores incumbidos da nossa educação formal. São, primeiro, os nossos pais. Os nossos familiares. Os vizinhos, parentes e amigos. São os companheiros de folguedos na infância. É a mídia sob a forma de livros, jornais e revistas, rádio e televisão, e agora a Internet. Crescemos respirando educação nesta nossa espaçonave chamada mundo, e respirando o ar puro (ou viciado) do que todos esses agentes nos ensinam, formal ou informalmente, de modo intencional, deliberado, ou sem que nos apercebamos que estamos aprendendo e que os outros estão ensinando. Geralmente associamos à palavra educação um sentindo positivo de aprendizagem do que é bom, belo e verdadeiro, que nos ajude a compreender os demais, o mundo, a ciência e as técnicas, as artes, a prática da profissão e os valores morais e espirituais. Tendemos a esquecer que, infelizmente, o roubo, o crime, o ódio, o cinismo, o desrespeito, a velhacaria, o despudor, a desfaçatez, o opróbrio são igualmente passíveis de aprendizagem e ensino, intencionais ou não. Ao longo da minha vida de pesquisador em psicologia e educação, de mais de meio século das minhas pesquisas científicas nesses domínios –, tenho continuamente repetido as palavras amargas de Lee De Forest, o inventor do triodo que resultou no rádio e na televisão, em uma homenande aprendemos sTeixeira nos ensinou a cantar: versos que falam da velha escola " ensinar e aprender. gem que lhe prestaram nos anos cinqüenta, quase ao fim da sua vida: “O que vocês fizeram com meu filho? Criei um veículo eletrônico para uma forma superior de ensino e entretenimento, para tornar melhores, mais cultas, mais sensíveis e mais responsáveis as pessoas... E vocês, no entanto, o converteram nisso que aí esta, um instrumento degradante, nauseabundo, de envilecimento humano desde a mais tenra idade!” Mal podia imaginar o inventor e cientista De Forest, “pai do rádio e avô da televisão”, que igualmente desempenhou papel pioneiro na sonorização dos filmes cinematográficos, e que viveu de 1873 a 1961, mal podia ele supor que chegaríamos neste início do novo milênio a essa espécie de dejetos impressos, falados, cantados e mostrados na mídia de agora. Um lixo imenso, que penetra com toda a desfaçatez nos lares e nas mentes e corações das pessoas – notadamente nas mentes e nos corações da faixa mais frágil da espécie humana, a que se compõe de crianças e adolescentes.
Recorro à massuda Penguin Encyclopedia publicada pelos ingleses – são cerca de 1700 páginas na edição que tenho, datada de 2004 –, recorro a ela, em busca de uma boa definição contemporânea de educação. Diz a enciclopédia que “educação é o que ocorre quando seres humanos aprendem algo a partir dos outros, mas às vezes a partir de si próprios. Isto pode se dar durante o dia em prédios especialmente construídos para tal finalidade, com professores qualificados, em consonância com cursos estruturados e aprovados, baseados em livros, equipamentos e atividades; ou, mais informalmente, longe de instituições específicas, nos lares, ruas e locais nos quais as pessoas se reúnem. Não é confinada às matérias escolares tradicionais, como matemática ou história, muito embora estas igualmente constituam uma parte importante dela. Não é oferecida somente por professores remunerados para isso, já que pais e irmãos e irmãs mais velhos podem igualmente desempenhar um papel central nesse sentido. Cada vez mais a educação é encarada como algo que deve desenvolver a pessoa como um todo, e não apenas como um preparo acadêmico estrito. Dessa forma, em ampla variedade de locais, no mundo inteiro, desde edifícios ricamente equipados com os mais recentes equipamentos de laboratório até simples cabanas nas regiões mais pobres, crianças e adultos estão aprendendo as habilidades básicas de leitura, escrita e aritmética, estão desenvolvendo qualidades valiosas para a vida adulta no lar ou no trabalho, e em muitos casos submetendo-se a programas de retreinamento por causa das transformações ocorridas no trabalho para o qual foram originalmente preparadas”. A descomunal amplitude de tudo quanto se acha compreendido neste vocábulo de oito letras originário do latim condena, de partida, ao malogro qualquer tentativa de abranger em menos de uma hora tamanha riqueza de significados. Educação formal ou informal? Educação entendida como tarefa de que se incumbem os pais e notadamente as mães das crianças, ou entendida como ensino e aprendizagem nas escolas? Em classes de educação infantil ou no ensino fundamental, no ensino médio, ou no ensino superior? Em cursos formativos gerais ou em cursos especializados, ligados a diferentes áreas de atuação profissional? Se nos limitarmos apenas à educação de nível superior, trata-se de graduação ou se trata de cursos pós-graduados? Mestrado, doutorado ou pós-doutorado? E em que área? Agronomia, direito, medicina, teologia, música, astronomia, ciência da computação? Estás e tantas outras – são muitas e muitas dezenas de domínios do conhecimento e da prática profissional que se escondem por trás do rótulo do ensino superior, cada um deles com as suas singularidades, seus distintos enfoques metodológicos e conceituais, suas exigências específicas. Mais e mais estou desconfiado de que, nesse genérico e pomposo ensino superior, o que temos é uma verdadeira arca de Noé, e que já é tempo de levar muito mais a sério o que singulariza cada um desses domínios, o que os faz diferentes um do outro, opondo-nos, assim, a uma uniformização que encara a formação de médicos, advogados, agrônomos, músicos, teólogos, técnicos esportivos etc. enquadrando-os a todos no mesmo figurino, nas mesmas normas, no mesmo formato de preparo em nível superior. Não é isso o que ocorre nos países onde o ensino superior se acha mais avançado. Estes não são obviamente o lugar nem o momento adequados para trabalhar a problemática de uma educação superior básica ou geral e a sua articulação com cursos específicos em cada uma das múltiplas áreas de cultura e atuação profissional diferenciadas. Passemos, pois, a outros planetas desta galáxia que é a educação. Por exemplo, o da formação de professores para o ensino elementar, que se fazia em escolas normais com seus cursos básicos e de especialização até 1970, e que de um momento para outro foram extintos – as normais e seus cursos –, incumbindo-se, desde então, as universidades e faculdades dessa formação. Com resultados, nesses quase quarenta anos, que considero verdadeiramente catastróficos. Para reparar o mal feito, foram criados a trouxe-mouxe os cursos normais superiores. Há três anos atrás, existiam 1373 cursos superiores de pedagogia e 765 cursos normais superiores no país, mas uns e outros não parecem dar conta do recado, se considerarmos os recentes indicadores de que qualitativamente não vai nada bem o ensino elementar no Brasil. Além disso, desabaram sobre o nosso ensino esses incríveis parâmetros curriculares concebidos por certos luminares caboclos ou importados, que não têm a mínima idéia do que é uma sala de aula do ensino elementar ou médio, do que é ensinar de fato e aprender de fato. A calamidade é tamanha que, quando surgiram, apelidei-os de “burrâmetros curriculares nacionais”... E o preparo dos professores para o nosso ensino médio? Os indicadores aqui também são alarmantes. No nº. 1224 da revista Educação, correspondente ao mês de agosto, lê-se que, em relatório recente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, esta se refere a um “apagão do ensino médio” e pede “providências urgentes”. Em anos recentes, de acordo com a mesma revista, havia uma demanda estimada de cinqüenta e cinco mil e duzentos professores de física para o ensino médio, mas só se licenciaram efetivamente em física pouco mais de 7 mil professores, que correspondem apenas a mais ou menos uns 13% do total necessário de professores de física no país.
Há uma boa porção de outras facetas ou modalidades de educação que não foram mencionadas até aqui, como a educação de adultos, herdeira do ensino supletivo do passado, os cursos de cunho técnico, a educação a distância, os cursos como os do Senai e Senac, os programas para a terceira idade, a educação do excepcionais, a miríade de cursos de idiomas, cursos de computação, cursos das escolas de enfermagem, cursos de cabeleireiros, corte e costura e assim por diante. Tentar juntar num só saco essa miríade de modalidades, instituições e desafios acobertados pelo rótulo genérico de educação é algo, de partida, fadado ao fracasso, algo desalentador. Temos, além disso, que considerar tanto a educação de que se incumbem as escolas públicas como a das escolas particulares, em todos os níveis e modalidades de ensino.
Frente a essa desnorteadora multiplicidade de instituições, aspectos, problemas e perspectivas, centremo-nos em algo que talvez nos ajude a trilhar uma clareira na floresta da educação. Recorramos a uma imagem singela que talvez facilite essa caminhada. Somos nós, seres humanos, dotados de duas pernas e é graças a ambas que permanecemos de pé, andamos, corremos, pulamos, dançamos, praticamos inúmeros esportes. Que tal pensarmos nas duas pernas da educação? Uma delas é a perna do passado. Assim como não precisamos inventar novamente a roda nem o avião, educar crianças, jovens e adultos está sodidamente alicerçado em tradição, em passado, em conquistas que a nossa espécie fez desde o início da aventura humana sobre a face da terra, que, diga-se de passagem, teve início no solo africano. À luz das evidências que dispomos, tal como assevera a inscrição nos portais do museu da Smithsonian Institution nos Estados Unidos, dentro de cada um de nós, seres humanos, sem exceção, corre o sangue africano herdado dos nossos mais remotos ancestrais. Acho tão bonito esse reconhecimento, e a lição de tolerância, de congraçamento, de fraternidade que encerra – o reconhecimento de que, afinal de contas, geneticamente somos todos africanos! Tradição, passado, herança cultural, tesouros acumulados de conhecimento, sensibilidade, valores, habilidades etc. vêm sendo, ao longo de todo esse passado envolto nas brumas dos tempos pré-históricos e históricos, uma das pernas de sustentação da nossa espécie – e uma das pernas da educação. Parte disso integra o patrimônio comum dos seres humanos. Outras partes dizem respeito ao nosso patrimônio mais específico da cultura ocidental, e da tradição dos povos lusíadas que nos une aos nossos avós portugueses no idioma, na religião, nos costumes, na arquitetura e assim por diante. Faz igualmente parte dessa nossa perna de passado na educação o que nos singulariza como brasileiros, como paulistas, como piracicabanos. Incomoda-me um bocado e me entristece sobremaneira ver como essa fabulosa, essa riquíssima herança vem sendo mal cultivada nas nossas crianças e nos nossos jovens brasileiros, paulistas, piracicabanos. É necessário, com urgência e de modo competente, cultivar na meninada de hoje e de amanhã essa riquíssima fortuna cultural que existe no nosso idioma, na matemática, nas ciências, nas técnicas, nas festas tradicionais, nos nossos modos de pensar, de fazer, de sentir e de ser.
Como não somos sacis capengando em uma perna só, mas temos duas pernas, passo agora ao segundo apêndice que, tal como a perna anatômica, nos serve de suporte e deslocamento no âmbito da educação. Essa segunda perna da humanidade é o futuro. Não como o tempo em si, mas como as coisas que virão, como as “novas realidades” de que falava Peter Drucker. O tempo dos futurólogos, da proação, da evolução, da prospectiva. Uma educação verdadeiramente digna desse nome faz uso competente das suas duas pernas: a da tradição e a das possibilidades, riscos, desdobramentos e responsabilidades, individualmente e como espécie humana, a perna do futuro, levando em conta indícios, tendências e perplexidades que se manifestam no presente. Se no quadro genérico da educação brasileira não vai nada bem a perna da tradição – referindo-me, é claro, não a um razoável percentual de brasileiros que se mostram destros no emprego dessa perna, mas à maior parte da população e mais particularmente ao seu segmento infanto-juvenil e de jovens adultos – se essa perna da tradição não está dando conta do recado e corre o risco de gangrenar pelo mau uso ou pelos abusos, o estado da outra, da perna do nosso preparo para o amanhã, não é menos inquietador. Creio que está faltando em boa parte do que se faz, do que se diz, do que se pensa e sente nestes brasis, essa presença efetiva de um preocupar-se com o amanhã, um sintonizar-se com esse amanhã a partir das dicas e constatações que nos ajudam a ver, a entender e a lidar com o amanhã a curto e médio prazo. Mais uma vez, não estou me referindo aos “happy few”, à pequena parcela dos que, previdentes e proativos, se preparam para viver e conviver bem neste mundo em transformação nos próximos 2010, 2015, 2020, 2025 – para nos limitarmos aos dezoito anos que virão e que se esboçam, que sinalizam esperanças e medos, promessas e desafios. Refiro-me não a esses felizardos, mas aos brasileiros de todos os quadrantes, ai de nós, armados de estilingue ou de espingarda tico-tico na melhor das hipóteses, para penetrar na “jungle” do amanhã, para se ajustarem a mudanças que, queiramos ou não, vão acontecer e poderão pegar em cheio milhões de cidadãos despreparados, desprevenidos, fragilizados nas suas convicções ingênuas de que “o futuro a Deus pertence”. Há aqui lugar, aliás, para distinguir entre, de um lado, tolices e charlatanismos de bolas-de-cristal, tarôs, quiromancia e assemelhados, e de outro, antecipações inteligentes, bem fundamentadas e com apoio em metodologia sólida, do que nos espera e do que precisamos fazer, ao longo dos próximos anos. Uma bela contribuição brasileira nesse sentido é o livro de Ethevaldo Siqueira intitulado 2015. Se ainda não o leram, comecem logo a leitura desse livro notável. Tenho certeza de que irão até as páginas derradeiras, nessa incursão bem urdida, bem instigante e bem norteadora da nossa caminhada num amanhã que precisamos trilhar de modo competente, bem informado e responsável.
Preocupam, e muito, a miopia, a superficialidade, a lerdeza e a irresponsabilidade que pesam tanto, e tanto, na educação brasileira de agora, da pré-escola à pós-graduação, nas escolas, nos lares, na sociedade, na mídia eletrônica. Uma educação brasileira de qualidade não é compatível com professores mal preparados, mal selecionados, mal conduzidos e pessimamente remunerados. Nem com essa enxurrada de literatura pedagógica, psicológica e sociológica que só serve para iludir e confundir, com sua superficialidade, suas propostas de rebeldia romântica e seus blá-blá-blás intermináveis e estéreis. Uma educação de qualidade demanda pessoal, instalações, equipamentos e recursos que não existem, na maioria das nossas escolas. Demanda uma reengenharia urgente de organismos que, nos âmbitos federal, estadual e municipal, têm a ver diretamente com o ensino e as escolas. Requer gestores atualizados em administração de organizações, que dominem muito bem as idéias e as práticas da B.A. das empresas de hoje. Requer computadores em larguíssima escala, disponíveis para todos os alunos, docentes e pessoal administrativo e auxiliar. E deve combater sem tréguas os analfabetismos e semi-analfabetismos múltiplos que estão desgraçando o Brasil. Analfabetismo e semi-analfabetismo em leitura, escrita e cálculo, em conhecimentos e gerais, em economia e política. Analfabetismo e semi-analfabetismo em ciência e tecnologia. Analfabetismo e semi-analfabetismo em civismo, em ética, em cultura, em artes, no domínio de pelo menos um idioma estrangeiro – como o inglês, o francês, o italiano, o alemão. Analfabetismo e semi-analfabetismo em matéria de higiene, saúde e prevenção de doenças. Já é o tempo de termos uma educação que acabe, de uma vez por todas, com essa tragédia de três quartos de analfabetos e semi-analfabetos nessas e em outras áreas, no Brasil dos nossos dias. Buckminster Fuller advertia-nos, há tempos, de que nesta nossa gigantesca espaçonave Terra, não somos passageiros, somos tripulantes, todos igualmente responsáveis.
Não vão nada bem, no seu conjunto, as nossas pré-escolas e as escolas de ensino fundamental e médio. No ensino superior, amargamos a classificação humilhante de país com um percentual muito baixo de jovens em idades de freqüentá-lo que efetivamente o fazem. Segundo o Book of the year da Enciclopédia Britânica de 2007, nossos magros 21% contrastam terrivelmente com os 74% da Argentina, os 42% do Chile, os 40% da Venezuela, os 37% do Uruguai. Até o Paraguai nos supera, com 27%. Temos só 21%. A Finlândia tem 88% e a Coréia 85%. Tanto os Estados Unidos como a Suécia tem 83%. Na Austrália e também na Nova Zelândia são 74%. No Reino Unido, 64%. Em Portugal 56%. E nós brasileiros amargamos esses esquálidos 21%: apenas um em cada cinco jovens com cerca de 18 a 21 anos de idade estuda em curso superior no Brasil. Uma espécie de tsunami cultural e educacional brasileiro parece cada vez mais ameaçador, gerando bem fundadas apreensões sobre o nosso futuro como povo, como nação e como pessoas responsáveis, cultas, sensíveis, preocupadas com o bem comum e desejosas de viver uma vida verdadeiramente civilizada e sadia – física, mental e moralmente sadia. Sou, contudo, incuravelmente adepto de uma crença na nossa capacidade de resolver problemas, de engendrar soluções criativas, de buscar caminhos novos, de enfrentar desafios – com as bênçãos de Deus. Prova disso é o Brasil-nação de hoje, quando comparado com o Brasil dos séculos 16 a 19, um país que amadureceu em meio às suas incontáveis vicissitudes, às turbulências da sua história nestes 507 anos. Nossos avós diziam que não há bem que não se acabe, mas diziam igualmente que não há mal que sempre dure. Que lateje em cada um de nós essa parte final da frase. Dêem-me um ponto de apoio e uma alavanca e moverei o mundo. O ponto de apoio é a gente brasileira, em sua maioria: essa gente batuta, generosa e simples que vive seu dia-a-dia de trabalho, família, criação de filhos, religiosidade, convívio sadio, companheirismo solidário, que cultiva alegrias antigas e ingênuas de cururus, rodas de samba, futebol, cantigas bonitas, peixadas, festas do Divino, pamonha e pipoca. O ponto de apoio é, pois, esse nosso povo bom e sofrido. A alavanca? A educação. Uma educação bem concebida, bem conduzida, vigorosa e responsável, liberta de figurinos e cantos de sereia políticos e ideológicos. Centrada em excelência. Em competência. Em ensino-aprendizagem de fato, às crianças e aos jovens, de conhecimentos, idéias, habilidades, práticas, sentimentos, valores e atitudes que os façam verdadeiramente humanos.
LEITURAS SUGERIDAS
Bransford JD, Brown AL, Cocking RR, org. 2007. Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola. São Paulo: Senac
Castro CM. 2005. Crônicas de uma educação vacilante. Rio de Janeiro: Rocco
Delors J. 1999. Educação: um tesouro a descobrir. 3ª ed. São Paulo/Brasília: Cortez/Mec-Unesco
Gross ML. 1999. The conspiracy of ignorance: the failure of American public schools. New York: HarperCollins
Heinich R e col. 1999. Instructional media and technologies for learning. Upper Saddle River: Prentice Hall
Morin E. 2000. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ª ed. São Paulo/Brasília: Cortez/Unesco
Morrison GR, Ross SM, Kemp JE. 2004. Designing effective instruction. 4ª ed. Hoboken: Wiley
Niskier A, Nathanael P. 2006. Educação, estágio e trabalho. São Paulo: Integrare
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos/Ball C, Kelly AE, org. 2003. Compreendendo o cérebro – Rumo a uma nova ciência da aprendizagem. São Paulo: Senac
Pfromm Netto S. 1987. Psicologia da aprendizagem e do ensino. São Paulo: Epu/Edusp
Pfromm Netto S. 2001. Telas que ensinam. 2ª ed. Campinas: Alínea
Siqueira E. 2005. 2015 – Como viveremos. São Paulo: Saraiva
Terry WS. 2003. Learning and memory. Boston: Allyn and Beacon
Zuffo JA. 2003-4. A sociedade e a economia no novo milênio. 3 vol. São Paulo: Manole
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