JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 20 de março de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADA: MARIA CONÇEIÇÃO FIGUEIREDO
Com seus 101 anos de idade, sorridente e elegante, Maria Conceição Figueiredo é uma das fundadoras do Clube da Lady, entidade assistencial composta por senhoras com elevado espírito de fraternidade. Sua idade cronológica destoa completamente da sua aparência, disposição e saúde. Mantém com naturalidade a posição importante que sempre ocupou, tratando a todos com a simplicidade dos bens nascidos, sem deslumbramentos ou devaneios. Por muitos anos a rádio de sua propriedade foi a única voz da cidade, até surgirem outras rádios que se integraram á comunidade. Fundada em 12 de outubro de 1933 por João Sampaio Góes a Rádio Clube que em 1944 passou a chamar-se Rádio Difusora, foi adquirida em 1950 pelo casal Aristides e Maria Conceição Figueiredo.
Onde a senhora nasceu?
Nasci em Batatais em 8 de dezembro de 1908, sou filha de Paschoal Pipa e Michelina Ricci Pipa. Papai nasceu em Nápoles, Itália, aos 18 anos de idade veio para o Brasil onde montou uma fábrica de móveis. Isso foi na cidade de Batatais, onde ele conheceu minha mãe. Meus pais tiveram quatro filhos. Três mulheres e um homem, eu sou a caçula das mulheres. Todos já faleceram! Só eu estou viva! E graças a Deus com a cabeça muito boa! Deus sempre foi muito bom para mim, me deu sempre saúde e cabeça muito boa.
Seus estudos foram feitos em Batatais?
Estudei em Batatais, onde conheci o meu marido e casei-me com Aristides Figueiredo Quando nos casamos ele trabalhava em um banco, depois passou a ter seu próprio negócio, isso já na cidade de São Paulo. Permanecemos morando em São Paulo por vários anos, no Jardim Europa. Um nosso representante o Seu Macedo, disse ao meu marido: “- Figueiredo tem uma rádio em Piracicaba, você não quer comprá-la?” Nós já tínhamos tido uma rádio em Uberlândia e a tínhamos vendido. Meu marido veio á Piracicaba, gostou, em cinco minutos fechou o negócio. Ele adquiriu de João Sampaio Góes.
O que levou João Sampaio Góes a vender a rádio?
Ele queria morar em São Paulo, junto aos filhos, um era médico, outro advogado.
A rádio situava-se no mesmo local que é hoje?
No mesmo local. Era Rádio PRD-6. Mudamos para Piracicaba, Figueiredo gostou daqui, achou a cidade muito boa. No primeiro mês Figueiredo já multiplicou o faturamento da rádio por seis vezes. Ele pessoalmente saia na praça para vender os anúncios.
Como foi o contrato com o João Belinaso Neto o famoso Léo Batista?
Figueiredo o trouxe! (Depoimento de Leo Batista para Observatório da Imprensa em 11 de julho de 2007: “Andei por mil lugares, até que um tio me mandou procurar um amigo dele, Aristides Figueiredo, que tinha acabado de comprar a Rádio Difusora de Piracicaba. Na época, o XV de Novembro, time local, tinha subido para a primeira divisão do Paulistão e ele buscava um locutor esportivo. Passei a acompanhar e narrar os jogos do antigo campo da Rua Regente (ainda não existia o estádio Barão da Serra Negra). Depois, comecei a ir para o Pacaembu, a Vila Belmiro... Eu era atrevido. Vim até para o Rio transmitir a Copa de 50”.)
Qual era a sua atuação na rádio?
Eu gostava da parte financeira! Trabalhei por cinquenta anos na rádio.
É difícil trabalhar com artistas?
É! Mas é também um ambiente gostoso, alegre. Vinham muitos artistas de fora, conversávamos. Trazíamos muitos shows da Rádio Nacional, fazíamos shows no Teatro Santo Estevão, a rádio transmitia de lá. Luiz Gonzaga fez um grande sucesso em Piracicaba. Ângela Maria, Celso Guimarães. Eram artistas da Rádio Nacional que faziam muito sucesso e Figueiredo os trazia á Piracicaba. Emilinha Borba cobrou um valor caríssimo para vir á Piracicaba, e mesmo assim deu lucro! Foi um alvoroço tão grande, que foi necessário proibir a entrada de todos que queriam vê-la.
Os políticos freqüentavam a rádio?
Uma coisa que meu marido não gostava era de político. Mesmo assim eles freqüentavam a rádio, era um movimento muito grande de políticos. Faziam propagandas, pagavam por essas propagandas. Faziam um palanque na Praça José Bonifacio, de onde os seus comícios eram transmitidos pela rádio. A sala de visita da cidade era a Rádio Difusora, lembro-me do Juscelino Kubitschek, muito simpático.
Qual é a sua religião?
Sou Católica Apostólica Romana. Sempre tivemos uma relação muito boa com a Igreja Católica, até hoje. Sempre tivemos muita união com os párocos, bispos. Monsenhor Rosa era muito querido. Monsenhor Jorge até hoje vai á rádio.
Como era a relação da Radio Difusora com as demais rádios da cidade?
No principio não havia outra rádio. Depois é que veio a Rádio A Voz Agrícola. Nossa relação sempre foi muito boa, e continua sendo, tanto com a Professora Ana Maria Meirelles de Mattos, como com o Dr. Jairo Ribeiro de Mattos. Sempre tivemos muita amizade.
A Rádio Difusora transmitia desfiles de carnaval?
Havia corso na praça, transmitíamos de cima de um palanque.
O ponto alto da Rádio Difusora era o auditório com transmissões ao vivo?
Havia muita alegria. O infantil era domingo ás 10 horas da manhã, enchia de crianças. E havia o auditório normal que era a noite. Havia também o cururu, o Nhô Serra era uma pessoa importante para as apresentações do cururu. Muitos valores musicais foram criados pela Rádio Difusora. Tenho saudades daqueles tempos.
Ari Pedroso foi um dos grandes nomes da Rádio Difusora.
Muito querido, ele fazia um programa que todo mundo gostava. Era muito amigo nosso.
E as famosas gincanas da Rádio Difusora?
Eu participava, era aquele movimento na rádio! O José Roberto Soave, casado com a minha sobrinha Conceição Soave, gostava de fazer essas gincanas.
Da sua parte havia algum programa preferido dentro da rádio?
A Rádio Difusora é como se fosse uma pessoa amiga. Até hoje eu quero muito bem a Rádio. Sempre que há algum evento importante eu vou até a rádio. Não costumo ir todos os dias por causa das escadas que tenho que subir no prédio.
Celso Ribeiro, um dos mais experientes profissionais em sonoplastia do rádio piracicabano é muito estimado pela senhora?
Ele é antigo na rádio! São quarenta e dois anos que ele trabalha lá. Permaneci cinqüenta anos trabalhando na Difusora, eu morava na Rua Alferes José Caetano, onde hoje é a Agencia de Turismo Monte Alegre. Ás 8 horas da manhã eu já estava na rádio, ia almoçar em casa e voltava permanecendo até as 6 horas da tarde. Fazia esse caminho a pé.
Quem fazia a programação artística da rádio?
Havia um profissional responsável pela programação, quando eu queria alguma coisa especial eu então falava com essa pessoa.
A Rádio Difusora é uma força muito grande?
Ela tem expressão na historia do rádio nacional, pelo fato de ser uma das mais antigas do nosso país. São 76 anos de existência, é uma tradição da cidade.
Quando surgiu a televisão, qual foi á reação das rádios?
Não sofremos tanta repercussão, talvez pelo fato da rádio possuir seu público determinado, o povo até hoje gosta do rádio.
Qual é a sua opinião sobre a internet, a televisão?
Televisão eu gosto, assisto algumas novelas da TV Globo. É uma distração, gosto de ver o drama. A internet não me atrai.
Como é a relação da Rádio Difusora com o XV de Piracicaba?
Sempre foi muito boa. Meu marido gostava do XV de Novembro. Demos sempre muito apoio ao time. Todas as entidades de Piracicaba receberam sempre muito apoio da Rádio Difusora. A Rádio Difusora é uma entidade de portas abertas, ela sempre ajudou, sempre colaborou.
As transmissões de futebol eram verdadeiras aventuras?
Eram sim! Era uma loucura! Mas sempre transmitimos futebol, basquete.
Em que ano faleceu Aristides Figueiredo, seu marido?
Foi em 30 de maio de 1962.
Uma das maiores tragédias já ocorridas em Piracicaba foi a queda do Edifício Luiz de Queiroz (COMURBA), que ruiu praticamente na porta da Rádio Difusora?
Eu já estava viúva. Para ir até a Rádio Difusora precisava dar uma volta, não era possível passar pela praça. Demos todo apoio possível. O Caldeira era o gerente da rádio, foi quem assumiu o comando das ações desenvolvidas pela Rádio Difusora em um momento muito difícil para todos.
A prestação de serviços de uma rádio pode ás vezes se tornar quase um serviço social?
Sempre colaboramos com as instituições de caridade. Procurávamos encaminhar as pessoas para os órgãos de assistência social em casos especiais.
Até algumas décadas levavam-se horas para completar uma ligação telefônica, muitas vezes de péssima qualidade. O rádio foi muito importante nessa época?
Existia um programa chamado “Programa Ás Suas Ordens”, que consistia basicamente em mandar mensagens, recados de toda natureza, principalmente entre a cidade e a zona rural, ou entre localidades vizinhas. Mandavam-se lembranças para fulano. Avisava que beltrano estava doente. Cicrano foi operado. Eu devo dar Graças a Deus que a Rádio Difusora é uma emissora que mantém até hoje um nome bom, funcionários antigos, outros aposentados, as minhas sobrinhas gostam da rádio e tomam conta dela.
Qual sua visão do futuro do rádio como veículo de comunicação?
Acho que o progresso deve existir em todos os setores, para o rádio também. Ele não esmoreceu com o aparecimento da televisão. Ele manteve-se em seu patamar. Basta ver que a rádio funciona até hoje, com funcionários, propaganda.
Qual é o alcance da Rádio Difusora?
Ela está com uma potencia boa de 5.000 Watts. Isso significa que pode atingir até o Paraná. Tudo pertence á própria rádio, não há equipamentos alugados. O prédio onde se situa a rádio, a chácara onde fica localizado o transmissor, são aquisições que fiz após o falecimento do meu marido. Tive que ter muita determinação para poder realizar tudo isso.
A sua paixão por rádio é semelhante a que o seu marido tinha?
Ele gostava muito, era apaixonado pela rádio.
O fato de ser proprietária de uma rádio sempre implicou em receber um tratamento diferenciado?
Acho que sempre tive muito respeito. Meu nome é muito bom. A Rádio Difusora é uma emissora que tem um nome respeitado.
Já tentaram comprar a rádio da senhora?
Muitas vezes! Só que eu não vendo!
É comum uma pessoa aproximar-se de uma rádio com objetivo político?
O político quer a rádio. Nós sempre colaboramos, nunca tivemos preferência por um ou por outro. Trabalhamos com todos, mantivemos o padrão de justiça.
O radio é como uma cachaça?
Eu acho que é! É uma cachaça!
A senhora gosta de falar ao microfone?
Nunca falei! Nem eu nem meu marido!
A seleção de programas sempre foi rigorosa?
Sempre tivemos muito cuidado com as pessoas que iam apresentar um programa. Não pode ser qualquer pessoa, tem que ter muito critério.
O que a senhora acha do programa Hora do Brasil?
Acho que somos patriotas, temos que aceitar. É o Brasil!
Existe o Poder Legislativo, o Poder Executivo, o Poder Judiciário. A imprensa, e no caso em especial o rádio, é um quarto poder?
O rádio tem muito poder, muita força e se for criteriosa é melhor ainda. Não se pode fazer qualquer coisa, desmoralizar alguma pessoa, alguma entidade. É um instrumento muito perigoso.
No período de 1945 era proibida a posse de receptores de rádio aos estrangeiros, especialmente aos alemães, italianos e japoneses?
Lembro-me disso.
Como proprietária de rádio era difícil assistir a uma situação dessas?
Acho que é necessário ter muito critério. Critério é tudo para a sobrevivência de uma rádio.
A busca pela audiência pode comprometer o compromisso educativo do rádio?
Tem que se ter muito cuidado com pessoas explosivas, que empregam expedientes apelativos. O rádio tem o papel educativo. Sem prejudicar os ouvintes. Se pudermos fazer o bem, não devemos fazer o mal. Temos que ter um critério na emissora, para que ela não perca a sua utilidade.
A senhora acredita em horóscopo?
Como cristã não acredito!