domingo, dezembro 18, 2011

Geraldo Pereira Felisberto Silva

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 17 de dezembro de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: Geraldo Pereira Felisberto Silva

O brasileiro tem hábitos característicos da própria cultura, o nosso folclore é riquíssimo em exemplos. Fazer uma “fézinha” é acreditar no que cientificamente é explicado como “A teoria da probabilidade” onde permite que se calcule a chance de ocorrência de um número em um experimento aleatório. O primeiro Jardim Zoológico do país, o Zoológico de Vila Isabel foi fundado em 1888, por João Baptista Vianna Drummond, o Barão de Drummond, que nasceu em 1825 e faleceu em1897. O monarca D. Pedro II dava-lhe uma subvenção, visto que o jardim era franqueado ao público. O auxílio imperial era de 10 contos de réis, por ano. Com o advento da República em 15/11/1889 o Rio de Janeiro torna-se o Distrito Federal, logo em seguida, a subvenção do zoológico foi cortada. Com a falta desse dinheiro, o Barão, e a sua fortuna empregada na bicharada, começou a encontrar dificuldades para manter o zoológico. Poucos anos depois, em 1892, foi que ele teve a sua mais grave crise financeira. Um mexicano, Manuel Ismael Zevada, havia introduzido no Rio de Janeiro, sem muito sucesso, o “jogo das flores”, deu-lhe a idéia do “jogo do bicho”. Assim, em 1892 o Barão apresentou a sua estratégia para atrair visitantes ao local, que consistia em premiar, em dinheiro, os freqüentadores cujos bilhetes tivessem estampadas as figuras dos animais sorteados ao final de cada tarde. O Barão acabava de criar o chamado Jogo dos Bichos, que se tornou um sucesso em diferentes círculos sociais. O jogo do bicho surgiu como um divertimento da alta sociedade fluminense, como mostram os jornais da época. O jogo se processava da seguinte maneira: cada ingresso, vendido para visitar o zoológico, dava direito a um cupom que trazia a estampa e o nome de um animal para concorrer a um sorteio que concedia ao ganhador um prêmio vinte vezes maior do que o valor pago pelo ingresso. Como a entrada no zoológico, à época, custava mil réis, a sorte enchia o bolso do ganhador com vinte mil réis. Toda manhã, logo cedo, o Barão escolhia uma estampa com a figura e nome de um dos 25 bichos que faziam parte do jogo e colocava essa estampa em um quadro de dimensões enormes, içado a um mastro erguido à porta principal do Jardim Zoológico. Uma vez o quadro içado ninguém tinha acesso a ele. Esse quadro era de madeira e, trancado à chave. Às 15 horas o próprio Barão de Drumond acionava um dispositivo, exibia o bicho sorteado sem causar dúvida a quem assistia ao sorteio. Aos poucos, aumentava o número de visitantes, por isso foram criados outros pontos de venda de ingressos com a finalidade de concorrer ao jogo do bicho. Em um só domingo a venda atingiu 80 contos de réis, com entradas! Com isso além de salvar seu investimento, proporcionar melhores condições de habitação aos animais ali expostos, o Barão instituiu um habito na cultura do povo brasileiro, o de acreditar na sorte. Realizar um jogo legalizado, sem ser compulsivo, faz parte do cotidiano de milhões de brasileiros. Há, porém aqueles que desenvolvem o vício do jogo, um processo complexo influenciado por diversos fatores: a perturbação profunda da perspectiva pessoal, problemas nos relacionamentos, estado de excitação invulgar. Diversos sentimentos enraizados de inferioridade, muitas vezes originados na infância, são compensados por ilusões megalomaníacas. Por diversos motivos, muitos jogos passaram á ilegalidade, inclusive o do bicho. Permaneceu a tradição da “fezinha”. Atualmente as casas lotéricas, sob o controle de uma instituição federal, oferecem aos brasileiros a oportunidade de dar a continuidade á uma cultura já institucionalizada. São as conhecidas Casas Lotéricas, que ampliaram o leque de operações, deixando de ser apenas casas de apostas, para tornarem-se prestadoras de serviços, recebendo taxas, impostos, contas e pagando aposentadorias, benefícios, direitos. Atuam como um posto bancário avançado. A Copa do Mundo FIFA de 1970, foi disputada no México, de 31 de maio até 21 de junho. O evento foi marcado pelo tricampeonato do Brasil, a primeira equipe a ter o título de campeão mundial por três vezes. A histórica vitória por 4 a 1 sobre os italianos consagrou o futebol brasileiro. A terceira conquista do torneio deu direito ao Brasil de ficar com a posse definitiva da Taça Jules Rimet. Piracicaba passou a ter uma casa lotérica denominada Copa 70, um nome forte pelo seu significado. Seu atual proprietário Geraldo Pereira Felisberto Silva é natural de Andradina, Estado de São Paulo, onde nasceu no dia 4 de janeiro de 1958, filho de Ernani Felisberto da Silva e Virgídia Pereira da Silva. Casado com Sandra Maria Elias Silva tem duas filhas. Geraldo cursou o primeiro grau no Instituto de Educação Estadual de Andradina, o segundo grau no Colégio Estadual Barão de Ataliba Nogueira. É Engenheiro Civil, com especialização em Mecânica dos Solos, Estacas Strauss e Tubulões, Controle Tecnológico de Concreto. Exerceu sua profissão na Ominnia Engenharia de Construções, na Tecno Tasa Engenharia de Fundações. Atuou como projetista e calculista estrutural. Geraldo é radialista, manteve um programa na Rádio Educadora de Piracicaba.

Geraldo como se deu o seu contato com uma Casa Lotérica?

Praticamente eu cresci dentro de uma Casa Lotérica, o meu pai era proprietário da Milionário Lotérica, no Bairro Taquaral em Campinas, isso na década de 70, quando existiam apenas a Loteria Federal e a Loteria Esportiva. Eu tinha 16 anos quando nossa família mudou-se de Andradina para Campinas.

Você é religioso?

Sou católico praticante, faço parte da comunidade, equipe litúrgica da Igreja São Benedito, participo de todas s festas da Igreja São Benedito, assim como Adilson Benedito Maluf sou devoto de São Benedito. Faço leituras, comentários, todos os sábados á três horas da tarde estou presente á igreja. Minha esposa, minhas duas filhas e eu assistimos as missas realizadas aos sábados. Não é comum vermos jovens com 23 e 18 anos irem á missa. Seus namorados não vão, elas não freqüentam a missa por obrigação. Eu participei ativamente de grupos de jovens, quando me casei freqüentava as missas embora não participasse de nenhum grupo. Com o nascimento das minhas filhas passei a levá-las e elas passaram a me levar de volta para a igreja. Hoje as minhas filhas vão á missa pelo prazer, elas sentem o que é assistir um culto, saem mais leves. Elas têm uma compreensão melhor da vida graças a religião. O pároco oficial é o Monsenhor Jamil, auxiliado pelo Padre Adauto recém chegado. Coloco em prática tudo que a minha religião determina.

Com sua fé e determinação de participar ativamente da vida religiosa, você acredita ter sido poupado de alguns dissabores e transtornos vividos por famílias alheias aos valores da espiritualidade?

Caso encontre alguns percalços, tendo uma religião é fácil entender que aquilo é uma provação pela qual irei passar, sem ira, sem revolta. Acredito em Deus, sei que sairei daquela situação indesejável. Isso é muito importante para se viver bem, valorizar as pessoas em volta de você.

Alguns indivíduos que se intitulam “intelectuais”, “filósofos do pensamento livre”, apregoam que a religião é o ópio do povo, como você, católico praticante entende essas afirmações?

Creio que pessoas que dizem isso simplesmente não entendem o que é religião, a profundidade da religião, por eles não conhecerem simplesmente criticam. Acho inadmissível a pessoa dizer: “Não vou á missa por causa do padre!”. Eu não estou indo á igreja por causa do padre! Eu faço parte da Equipe Litúrgica da Igreja São Benedito, realizo leituras, não posso pegar um texto, subir junto ao altar e ler. Quando a Helen de Lucca, nossa coordenadora geral diz que vou fazer a primeira leitura, vou para casa, estudo meu texto, leio várias vezes, eu preciso entender o que estou lendo, tenho que passar o sentimento contido no texto. Obedecer às pontuações, cada vez que leio aquele texto entendo melhor a profundidade do mesmo. O que está faltando para muitas pessoas é entender a profundidade da celebração. Até mesmo católicos as vezes estão presentes apenas fisicamente, são aqueles que desejam que a missa termine logo. Ao ir a um culto religioso, tente sentar na frente. Se a mesma pessoa fosse a algum show pago ás vezes chegaria várias horas antes para poder estar em um bom lugar. Em cultos religiosos sempre tem lugar disponível na frente. Pelo fato de ter uma participação ao lado do padre, a visão da igreja é privilegiada, é comum ver pessoas em pé no fundo da igreja, com lugares vazios á frente. Se a pessoa tem àquela hora disponível dentro da igreja, ela deve procurar aproveitá-la, ver a beleza do culto. Acredito que muitas pessoas se afastam da religião por comodismo.

A mídia de uma forma em geral, tem conduzido o indivíduo para outra direção, principalmente elegendo o consumismo como ideal ao ser humano?

Atualmente se passa uma falsa idéia de que tudo está bem, tudo está maravilhoso, vamos consumir, e o pior é que isso esta cada dia mais rápido, antigamente quando o sonho de consumo era uma maquina fotográfica, após adquiri-la ela durava uns vinte anos, atualmente uma câmera digital ou um celular em menos de um ano já estão defasados. Você acaba de comprar, vai pagar no caixa, já lançaram outro produto com mais recursos técnicos. Hoje está muito difícil acompanhar o nível de consumo, poucas pessoas conseguem resistir a isso. Para os mais jovens é pior, o próprio meio que freqüentam conspira para o consumo insensato. Vejo pelas minhas filhas, que passam por essa fase, embora não tenham o consumismo voraz de algumas pessoas que as rodeiam.

Geraldo, você trabalha em uma atividade onde o fator principal é o sonho das pessoas.

Quando vim para Piracicaba, na época a casa lotérica se resumia a Loteria Esportiva e Loteria Federal, um bilhete inteiro tinha 20 frações, hoje tem 10. O sucesso era a Loteria Esportiva. Em Campinas o encerramento dos jogos era na quinta feira, até a meia noite podia se jogar, para correr no domingo. Em uma cidade como Campinas ficávamos com a lotérica aberta até meia noite, aceitando apostas. Hoje isso seria inimaginável. O resultado seria divulgado na segunda feira pelo jornal. A coqueluche da época era a “Zebrinha”, ou "Zebrinha da Loteria Esportiva" ou "Zebrinha do Fantástico", (Personagem criada pelo Borjalo ( Mauro Borja Lopes) para informar os resultados da Loteria Esportiva na Rede Globo. Na gíria da época, "zebra" era um resultado inesperado no futebol, numa alusão ao Jogo do Bicho, zebra é um animal que não existe naquele jogo, portanto, é um resultado impossível de acontecer). O Brasil parava para ver o resultado no Fantástico, assim que começava o programa. A Mega Sena e a Mega Sena da virada ocuparam o grau de importância da Loteria Esportiva da época. Na época eu estudava engenharia em Lins, consegui uma transferencia para a Escola de Engenharia de Piracicaba. Me encantei com a cidade, não era tão grande como Campinas e não tão pequena como Andradina. Piracicaba tinha aquela coisa gostosa do povo do interior, das pessoas que conversavam, valorizavam a amizade. Me formei em 1982 pela PUC de Campinas, foi no período de maior crise da construção civil. Ninguém construia, ninguém reformava. O meu pai foi sábio, disse-me: “ -Vamos comprar uma Casa Lotérica e você irá ter a sua loja, só que você irá me pagar, não estou lhe dando de presente!” Lembrei-me de Piracicaba.

Já existia a Lotérica Copa 70?

É a Casa Lotérica mais antiga de Piracicaba, comprei de uma senhora chamada Edna Lafratta, esposa de Roberto Serafim, ele chegou a ter quatro lotéricas em Piracicaba. A Copa 70 é onde atualmente é a Agencia do Bradesco, na Praça José Bonifácio. Quando a adquiri ela estava na Rua Alferes José Caetano esquina com a Rua Prudente de Moraes, onde atualmente é o estacionamento do Unibanco. Era uma garagenzinha em frente a Câmara Municipal. Isso foi em 1982. Para oferecer um local mais confortável aos clientes mudei para a Rua Alferes, 882. Não gostei, mudei para Rua Alferes esquina com a Rua São José, onde hoje tem um moto taxi. Quando cheguei em Piracicaba, e adquiri a casa lotérica, disseram-me: “-Você escolheu a cidade errada!”ou “Piracicaba é uma cidade pé-frio, aqui não sai prêmios!” ou ainda “- Piracicaba é uma cidade fim de linha!” A principio me preocupei, mas achei que poderia mudar essa forma de ver as coisas. Era uma cidade que na época já deveria ter seus 300 mil habitantes. Na época Piracicaba tinha 15 hoje existem 22.

Aconteceu algo de extraordinário em sua lotérica?

Eu vendi pela primeira vez o primeiro prêmio em Piracicaba, bilhete número 70228, fiz um estardalhaço na cidade, na época o editor do Jornal de Piracicaba era o grande profissional Geraldo Nunes. Divulguei em todos os veículos de comunicação da cidade. Aqueles que antes diziam que a cidade era “pé-frio” comentaram: “O premio saiu para Piracicaba uma vez, agora vai demorar muito para sair de novo! Nunca mais sai prêmio aqui!” Sete ou oito meses depois eu vendi o bilhete da cobra, final 34, primeiro prêmio de novo! Mais uma vez consolidei através da mídia a possibilidade de se ganhar.

Quais são as reações do ganhador?

Ele treme, chora, de tanta felicidade.

O ganhador dá á lotérica ou á seus funcionários algum tipo de recompensa?

Existem muitas promessas. Vendi os dois maiores prêmios da cidade, um premio de dois milhões na Super Sena, logo em seguida um prêmio de três milhões. Essa pessoa continuou jogando comigo, ela estava fazendo um novo jogo na lotérica, ninguém sabia que essa pessoa tinha sido a ganhadora, eu tinha colocado faixa, anunciando que o prêmio tinha saído aqui. Pessoas presentes na lotérica fizeram essa mesma pergunta: “- Geraldo, dois milhões de reais, deu-lhe alguma coisa?” Isso com o ganhador ao meu lado, quieto. Fazendo um novo jogo. De forma muito discreta, desviei o rumo da conversa e encerrei o assunto. Continuaram: “- Mas que pão duro! Ganhou um dinheirão desse e não deu nada para você e nem para os funcionários?”. Discretamente o ganhador saiu sem dizer nada, foi até um supermercado, comprou quatro caixinhas de uma marca popular de chocolate e voltou dizendo: “- Isto aqui é para ninguém falar que nunca dei nada para vocês!” Eus sou otimista. Peguei o número de série da caixa do chocolate e apostei! Esse foi o único presente que ganhei até hoje! Para minha felicidade Piracicaba nunca foi pé frio nem fim de linha, o que acontecia é que ninguém divulgava os prêmios que saiam para a cidade. O que me fez ser conhecido como “Pé Quente”, “Copa 70, a que vende prêmios” foi a mídia. Aproveitei cada momento, nunca faltando com a verdade. A última vez, quando saiu um prêmio de 3 Milhões de reais, liguei para a EPTV em Campinas, contei a história, a emissora veio até Piracicaba, entrevistou apostadores, foi em frente a Caixa Econômica Federal, filmou as pessoas passando, perguntou a diversos se era o ganhador. Às sete horas da noite a noticia espalhou-se para a região toda. Até hoje tenho clientes que vem de Americana, Limeira, que vem por terem visto aquela noticia.

Qual é o perfil do apostador?

O apostador é uma pessoa feliz, uma pessoa que sonha. Quando alguém ganha comigo, eu passo a analisar como era a atitude dessa pessoa perante a lotérica, com relação a gente: sempre feliz, nunca reclama quando perde, perseverante. É agradável conversar com alguém que afirma que quer ganhar na loteria para viajar, comprar um sítio, ele tem um sonho! Toda pessoa que aposta é uma pessoa feliz, sociável, gosta de amigos, está de bem com a vida. Eu condeno os extremos, quem nunca joga, por dar a si mesmo a oportunidade de ganhar e também o outro extremo, aquele que joga de forma compulsiva.

Já ocorreu com você algum caso onde houve a sua intervenção para que o apostador fosse mais comedido?

Vários! Quando percebo que a pessoa está jogando acima do seu limite, convido-a a uma conversa reservada. Você nunca poderá achar que irá resolver os seus problemas através do jogo! Você poderá sim realizar sonhos!

Você recomenda que a pessoa estabeleça um limite máximo, dentro do seu orçamento, para apostar?

Somos todos destinados a estabelecer os percentuais necessários á sobrevivência, dentro de um padrão de vida. Se a pessoa quer cultivar o sonho de ganhar algum premio ela deve destinar o valor que não comprometa os demais compromissos. Temos clientes que são verdadeiros exemplos de equilíbrio e sensatez. São clientes que estão conosco a mais de vinte anos.

Qual é a faixa etária do apostador típico?

A pessoa começa a gostar de apostar a partir dos 28 a 30 anos, com ascendência até os 45 anos. Depois tem uma estabilidade até os 60 anos de idade. Dos 60 anos em diante cinqüenta por cento continuam apostando, outros cinqüenta por cento não jogam mais, perderam o prazer pela vida, nada mais interessa.

Alguém já levantou alguma hipótese sobre a lisura do processo de sorteio da loteria?

Já! E a cada vez que ouvia isso ficava profundamente irritado. Em 2001 liguei para a Caixa Econômica Federal agendei com eles a vinda do Caminhão da Sorte para Piracicaba. Em fevereiro de 2001 os lotéricos de Piracicaba trouxeram o Caminhão da Sorte na Praça José Bonifácio. O sorteio foi feito ao vivo. Em julho do mesmo ano trouxemos novamente o Caminhão da Sorte á Piracicaba. Mostrando a lisura, é tudo feito com controle remoto, eles escolhem alguém da platéia para apertar o controle remoto, se alguém quiser ser voluntário e ficar lá em cima é permitido.

Como surgiu sua coluna na Tribuna Piracicabana?

Há dois anos tenho uma coluna na Tribuna Piracicabana, na pagina 3, toda terça feira. Nessa coluna eu pesquiso e conto histórias de ganhadores, passo informações sobre jogos, qual é o tipo de jogo recomendado para a semana. Estatísticas, dezenas que mais saíram dezenas que menos saíram. E o mais importante, dezenas que estão mais atrasadas. Na Mega Sena a dezena que mais sai ninguém imagina: é 05!

A lotérica ocupou o espaço do jogo do bicho?

A lotérica tomou muito espaço do jogo do bicho, ela não chega a ocupar o espaço do jogo do bicho porque é outro perfil de jogo. A informática não conseguiu ainda fazer um jogo semelhante ao jogo do bicho. São tantas opções, eu não consigo entender a mecânica do jogo do bicho. Como apostador não saberia jogar no jogo do bicho, é uma cultura que vem de avô, pai, filho. Como meu pai nunca teve esse habito, mesmo como consumidor acho um jogo muito complicado.

Além de beneficiar o ganhador a loteria arrecada recursos destinados a outros fins?

O governo quer legalizar da melhor maneira possível o jogo. Quando o apostador joga, automaticamente está pagando o seu imposto, de tudo que é jogado dois terços é retido para pagar impostos, ajudar muita gente.

Além de jogos a Casa Lotérica realiza prestação de serviços?

No inicio as casas lotéricas recebiam IPTU e água. Ampliamos o leque de recebimento e hoje uma casa lotérica oferece inúmeras opções. As pessoas muitas vezes desconhecem as facilidades oferecidas por uma casa lotérica: fácil acesso, horário estendido, opções antes inimagináveis, se o cliente tiver uma multa do seu veículo ele pode pagar em uma casa lotérica, até mesmo o desconto de vinte por cento é dado normalmente. Se você trouxer somente o número do Renavam você pode licenciar seu veiculo em uma casa lotérica. Atualmente em uma casa lotérica é possível fazer depósito, saque. Receber PIS, Fundo de Garantia, Seguro Desemprego. A Copa 70 recebe contas das 8 da manhã até as 6 da tarde. Isso uma prestação de serviço. Com o fluxo de dinheiro que sai em forma de pagamento não permanece dinheiro nas casas lotéricas. Além do horário estendido presto o serviço de malote empresarial, para fazer mais pelo cliente. Agregado a isso quem sabe o cliente decide fazer uma aposta. Um cliente que ganhou um bom volume de dinheiro confidenciou-me, que tinha vindo pagar uma conta, estava na fila, viu algumas faixas com os números ganhadores, fez uma combinação de números e ganhou uma boa bolada.

Uma única aposta pode ser vencedora, enquanto grandes números de apostas deixam de ser?

Se você jga mais, a sua probabilidade de ganhar aumenta, só que o fator sorte fala mais alto. Na Mega Sena da virada de 2009, um apostador de Santa Rita do Passa Quatro, vizinho á Piracicaba, ganhou sozinho com uma cartelinha de seis reais, na época um prêmio de 164 milhões.

Ao ganhar na loteria a vida do felizardo muda?

Por mais que ele queira disfarçar, ele mesmo não consegue guardar segredo, acaba contando para alguém, e segredo quando se conta para alguém deixa de ser segredo! Ele passa a ostentar, trocando de carro, de casa, teve um que me disse não saber que tinha tantos parentes, apareceram de todos os lugares, cada um com sua necessidade. A pessoa tem que estar preparada para receber a sorte. Porque muitos ganham e perdem tudo? Ele não estava preparado para esse momento, para o assédio, para o glamour, com tantas pessoas em volta dele. Ele acaba ficando mais pobre do que antes de ganhar o premio. Não basta ganhar, tem que estar preparado para receber a sorte.

Teve uma época em que tínhamos verdadeiros manuais que instruíam como ganhar na loteria.

Apareceu aqui um dia, um senhor, que disse vir de São Paulo e ter um manual para apostar na Mega Sena, disse que precisaria de um espaço na minha lotérica para divulgar seu livro. Ele me agradeceu, disse que ninguém estava acreditando nas suas melhores intenções. Levei-o ao Jornal de Piracicaba, onde ele contou sua história, e abri espaço para ele. Esse senhor esteve na minha lotérica, divulgou o livro, vendeu uma caixa de livro, ele tinha um método que para ele deu certo, já havia ganhado algumas vezes. Esse livro é como manual para fazer regime, o simples fato de adquiri-lo não o fará emagrecer.

Os apostadores buscam inspiração nas mais diversas ocasiões?

Quando falece uma pessoa ilustre o pessoal joga muito, cria as mais diversas combinações, como data do dia de nascimento, data do dia da morte. O brasileiro é criativo, gosta de jogar. Quando Airton Senna faleceu foi um caos. Tudo que era divulgado sobre o Senna era transformado em palpite, que ano ganhou o primeiro titulo quantas vitórias.

A sua coluna é publicada ás terças feiras na Tribuna Piracicabana, como entrar em contato com você?

Quando falei do meu projeto ao Evaldo, ele disse-me: “Estou a tanto tempo no jornalismo, mas nunca vi nada parecido”. Eu estava em um congresso em Santa Catarina, onde havia representantes de mais de 50 jornais, e todos afirmaram que não tinha visto ainda uma coluna que bata um papo com o leitor a respeito de jogo. Todo jornal dá resultados. É diferente de dar dicas, passar informações, contar histórias.

A minha coluna chama-se “Sorte No Jogo”, quem quiser mandar e-mail é só enviar para

lotericacopa70@ig.com.br

domingo, dezembro 11, 2011

GERALDO ZARATIM

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 10 de dezembro de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: GERALDO ZARATIM

Quem acompanha o mundo das artes e da literatura sabe que alguns artistas e escritores só tornaram-se celebridades e tiveram suas obras reconhecidas após alcançarem o segundo plano. O pintor pós-impressionista Vincent Van Gogh, por exemplo, vendeu pouquíssimas de suas obras ainda em vida. Uma década após seu falecimento, em 1890 expressionistas alemães reconheceram seu talento. O mesmo aconteceu com dois grandes compositores: Franz Schubert, cuja maioria de suas obras nunca ouviu executada, e Johann Sebastian Bach, cujas mais de 1.000 composições só vieram a ser reconhecidas depois de sua morte. Os motivos para uma vida de insucesso são os mais variados: desde a falta de divulgação das obras até o choque com os costumes e as tradições de determinada época. Então, somente décadas ou mesmo séculos mais tarde é que o reconhecimento chega e o sucesso acaba por acontecer. O termo arte naïf aparece como sinônimo de arte ingênua, original ou instintiva, produzida por autodidatas que não têm formação culta no campo das artes. Nesse sentido, a expressão se confunde freqüentemente com arte popular, arte primitiva por tentar descrever modos expressivos autênticos. Geraldo Zaratim, a exemplo de diversos artistas piracicabanos, expressa sua sensibilidade de forma original. Com a velocidade das mudanças ocorridas na cidade, materializou em modelos ou maquetes, símbolos marcantes de uma época: A Usina Monte Alegre, o Engenho Central, locomotivas, bondes, veículos, edifícios, tudo com material reciclado. Realizou exposições nos mais diversos lugares, como no Terminal Interurbano de Piracicaba, no Museu da Água, no Engenho Central, em supermercados de grandes redes, escolas. Ministrou cursos para professores de uma conceituada escola particular. Com sua simplicidade, e até certa timidez, Geraldo tem quase 100 peças devidamente armazenadas em sua residência. Por muitos anos foi funcionário de uma indústria de tratores, localizada em Piracicaba, com papel, cola, tinta e muito talento, construiu réplicas da linha completa de produtos dessa empresa. Por motivos que desconhece nunca conseguiu expor aos seus ex-colegas o seu trabalho. Geraldo Zaratim realiza suas obras por idealismo. Não busca fama ou dinheiro, nunca teve qualquer trabalho seu remunerado, nem mesmo os cursos que ministrou. Um ex-prefeito da nossa cidade apaixonou-se por uma de suas obras, ele simplesmente a doou, hoje ela encontra-se no Museu da Água. Os valores das obras de Geraldo ainda são mal compreendidos, além de preservar a história, ele indica a direção de como educar as futuras gerações para a reciclagem, de forma lúdica. Uma didática perfeita. Detalhista, ele retrata o passado e o presente em suas obras. A única duvida é se alguém viverá para conhecer o futuro reconhecimento desse autentico artista. Geraldo Zaratim é filho de Henrique Zaratim e Luiza Balaminut Zaratim., nasceu no dia 17 de dezembro de 1941, na cidade de Rio das Pedras, na Fazenda Viegas. Teve um irmão, já falecido, Iris Zaratim. Aos cinco anos seus pais mudaram-se para o bairro Monte Alegre.

Quem eram os proprietários da Usina Monte Alegre quando sua família mudou-se para lá?

Era a família Morganti, nessa época estava ocorrendo a evolução da usina de açúcar, foi no auge do açúcar. Fomos morar na colônia chamada Vila Odila, na casa número 27, era uma casa recém construída, fomos os seus primeiros moradores, as fechaduras da porta era um trinco simples, as janelas tinha tramelas (tranca para portas e janelas moldada em madeira, com um furo no centro), na porta ficava encostada uma cadeira, o ultimo a chegar empurrava a porta com a cadeira e entrava. Permaneci no Monte Alegre até 1975.

Tinha um time de futebol no Monte Alegre?

Era o União Monte Alegre Futebol Clube, joguei como zagueiro central, cheguei a fazer teste para ir jogar no União Barbarense, só que naquela época o futebol amador em Piracicaba tinha mais reconhecimento do que o futebol profissional. Um jogador do MAF, do Jaraguá, do Atlético Piracicabano, ele preferia permanecer em Piracicaba, em função das amizades, dos colegas, do que ir jogar em um time profissional. O União Monte Alegre era uma potência, Baltazar jogou lá. Joguei contra o Coutinho, que era jogador do Palmeirinha, onde atualmente é o Pão de Açúcar, no Bairro Alto era o campo do Unidos e do El Tigre. Era um ralador, um campo de terra, tinha até pedra no meio do campo, as chuteiras daquela época não ofereciam conforto como hoje, após um jogo era comum aparecer bolhas no calcanhar. O União Monte Alegre tinha sua sede, existia no Monte Alegre um cinema, salão de baile. Os filmes projetados em cinemas do centro de Piracicaba eram projetados lá.

Qual era o nome do cinema?

Cine UMA, União Monte Alegre. Os bailes de primavera, Primeiro de Maio, Carnaval, eram realizados só com o pessoal da usina, moravam ali na vila umas 500 famílias. Pessoas de fora não entravam. Eu poderia levar um convidado, mas me tornava responsável por ele e seu comportamento. Não pagávamos nada para entrar, apenas uma mensalidade simbólica, quem mantinha o clube era a família Morganti. O fundador foi Pedro Morganti, que ficou tomando conta após o seu falecimento foi seu filho Lino Morganti. O Hélio Morganti tomava conta da Usina Tamoio também da família, situada em Araraquara. Tinha outros filhos, Fúlvio Morganti, Renato Morganti e uma filha que nós a chamávamos de Dona Bitch, era muito festeira, tinha um Cadillac, “Rabo de Peixe”, conversível, preto.

Com que idade você foi á escola?

Aos sete anos passei a freqüentar O Grupo Escolar Marques de Monte Alegre, o ensino era rigoroso, se faltasse á aula o diretor mandava o servente se informar o porquê da ausência. Minha primeira professora chamava-se Dona Lavínia, era rigorosa, uma verdadeira mãe para nós. Existiam seis salas de aula, biblioteca, auditório com piano, e uma quadra de basquete. Naquela época não existia merenda, entrava as sete horas da manhã, ao lado da escola tinha uma entrada lateral, as ruas eram de terra, andávamos descalços não tínhamos sapatos, ao chegar com os pés sujos de barro, já na entrada do portão tinha uma caixinha de água, tinha que lar os pés para entrar na escola, o servente da escola ficava observando se todos lavavam os pés antes de entrarem na escola. Havia um pano para enxugar os pés. Na hora do recreio, a mãe ou o irmão, levava em caldeirãozinho o almoço, isso ás nove horas da manhã. Naquela época não havia INPS, décimo terceiro salário, cesta básica, não havia hora extra.

Em que período você estudava?

Estudava na parte da manhã. Meu pai trabalhava na seção de caldeira, depois passou para a sessão de moenda, a minha mãe cortava cana, eu saia da escola e ia ajudar a minha mãe a cortar cana, com doze anos. Quando completei treze anos fui trabalhar na refinaria de açúcar da usina, trabalha doze horas ao dia, havia uma balança de ponteiro, uma pessoa enchia um saquinho de cinco quilos de açúcar filtrado, ao meu lado havia um balde e uma concha, pesava os cinco quilos, e passava ao companheiro ao lado que costurava o saquinho. Depois de uma época passei a trabalhar das seis horas da manhã até as duas horas da tarde e das duas horas da tarde até as dez horas da noite a cada semana trocava de período.

Naquela época quanto pesava um saco de açúcar?

Pesava 60 quilos, quando eu tinha dezesseis ou dezessete anos não havia essa lei onde o menor não pode trabalhar hoje a marginalidade existe porque o menor não pode trabalhar. Se um adulto ficasse doente e não pudesse ir trabalhar, eu ou alguém com a minha idade o substituía, carregava carreta com trezentos sacos de açúcar. Tinha uma esteira, um funcionário vinha com carrinho do tipo que existia nas estações de estrada de ferro, com cinco sacos de açúcar, pegava do carrinho e soltava na esteira, duas pessoas ficavam empilhando em cima do caminhão.

Como era o lazer?

Tínhamos bastante, o cinema funcionava ás quintas, sábados e domingos, ás sete e meia da noite. Assisti King Kong, Titanic, originais em preto e branco. Cleópatra, O Maior Espetáculo do Mundo, esses já coloridos. O cinema comportava umas 400 pessoas. Existiam shows no palco do cinema, cheguei a ouvir a dupla Tonico e Tinoco se apresentarem lá, assim como Parafuso, Pedro Chiquito. O Rio Piracicaba passava encostado com a usina, tinha um clube chamado Teixeirada, onde tinha quadra de basquete, brinquedos, gangorras, balanços, jogo de bocha. O time União Monte Alegre era denominado “Galo Suburbano”, porque ganhava quase todas as partidas.

O que era de fato a Teixeirada?

No inicio foi formado por uma pessoa chamada Teixeira um rancho de pescaria, aos poucos foram aumentando, tinha uma escada de tijolo a vista onde encostavam os barcos de pesca, devia ter uns 20 metros de largura e uns 20 degraus, ao lado havia dois escorregadores para nadar no Rio Piracicaba, havia também um trampolim. O pessoal que gostava de pescar faziam jantares, jogavam baralho, era um ambiente para as famílias se divertirem. Quando eu casei, em 19 de dezembro de 1971, o almoço foi feito lá, era bem organizado.

Como você conheceu a sua esposa?

Ela nasceu ali em 17 de abril de 1945, seu nome é Maria Therezinha Bortolazzo, morava a três casas da minha casa. Ali você nascia, crescia, brincava junto, casava, era uma família. O famoso jogador André Cruz nasceu no Monte Alegre.

Sobre a igreja, quais são suas lembranças?

O padroeiro é São Pedro, cheguei a ver uma restauração realizada após Volpi ter pintado a igreja. Os habitantes mais antigos diziam que Volpi se hospedava na fazenda e dirigia a equipe de pintores da própria usina que cuidavam da manutenção das casas dos moradores. A obra é de Volpi, sendo que as pinturas tiveram a colaboração dos pintores de lá. Cada funcionário da usina deu um dia de trabalho para erguer aquela igreja. Quando Pedro Morganti criou seu império no Brasil, mandou um engenheiro realizar uma réplica idêntica a igreja de Siena, a cidade onde nasceu ele nasceu, acredito que cabem umas 300 pessoas sentadas. As crianças tinham aulas de catecismo e no dia de São Pedro faziam a primeira comunhão, o Cônego Juliani foi pároco dessa igreja. Quando começava a safra de cana após a missa ele benzia todo maquinário, inclusive a locomotiva. Na usina existia carpintaria, manutenção de pintura, eletricista, olaria. Só dentro da usina tinha umas 300 casas. Existia um estábulo com umas 50 ou 60 vacas, de leite, holandesa, o ambiente era tão bem conservado que não se via um fio de capim fora do lugar. O leite era vendido para os empregados a preço de custo. Existia açougue, torrefação de café, fábrica de macarrão, farmácia, ambulatório médico, com instalações para pequenas cirurgias. Médico das sete da manhã ás cinco da tarde, dentista. Centro de puericultura. Parteira. Dois quartos para ficar internado. Era tudo comprado na caderneta. A energia elétrica era gerada por dois enormes turbo geradores, que fornecia energia para a usina na época da safra. A usina não pagava energia para a companhia elétrica, ela produzia a própria energia, com o vapor das caldeiras, alimentadas com bagaço de cana e lenha, em 1959, 1960 já se usava álcool nos caminhões e carros da usina, misturado com gasolina.

Você trabalhou na produção de açúcar?

Trabalhei onde peneirava o açúcar, depois passei para a parte de cima, ali era onde cozinhava o açúcar, exigia muita experiência. Era onde o xarope era cozido até chegar no ponto de soltar nas batedeiras, não existia manômetro, nenhum equipamento auxiliar, era tudo “no olho”. Saia uma base de 30 a 40 sacos de 60 quilos cada tacho, Quando acabava a força e parava aquela batedeira cheia, aquilo virava um concreto, tinha que subir em cima com uma cavadeira e cavoucar, levava meio dia para desenroscar aquilo tudo.

Não tinha nem ladrão de galinha?

Todos se respeitavam e se estimavam. Aos domingos na Teixeirada tinha mais de 50 a 60 pessoas nadando , brincando, divertindo-se. Naquele tempo existia o sandolin, uma espécie de caiaque. A profundidade do Rio Piracicaba ali é de uns 4 metros. A União dos Refinadores foi criada pelo Pedro Morganti, onde faziam o famoso açúcar União. A Área abrangida pela família Morganti abrangia o Santa Rita, Taquaral, Perdizes, ia até a divisa com Rio das Pedras, do outro lado ia até o Marafon , em Limeira, a Fazenda São Pedro.

Quando foi seu ingresso na Caterpillar?

A Caterpillar adquiriu a área onde iria construir suas instalações, essa área havia pertencido á Usina Monte Alegre, a Caterpillar começou a fazer terraplanagem do terreno, uma pessoa de nome Luiz Lazarim, iniciou a contratação de funcionários, ele me convidou para trabalhar na empresa. O número do meu registro era 52. Entrei como operador de empilhadeira. A construtora era a Morrisson. Com o tempo passou a vir chapas, peças, na época as máquinas de solda eram no eletrodo ainda, não tinha ponte rolante, com guincho eu ficava virando peças, muitas peças que precisavam serem cortadas iam para a Painco em Rio das Pedras. A primeira máquina que saiu da Caterpillar de Piracicaba foi um Moto Scraper Caterpillar 621, o meu primeiro supervisor que veio de Santo Amaro, São Paulo para cá, foi Luiz Carlos Calil, atual presidente da Caterpillar. O transporte foi feito pela Transportadora São José. Aposentei-me na Caterpillar em 1987, continuei trabalhando até 1991.

Como surgiu a sua vocação para as obras artísticas?

Com o passar do tempo vi que o progresso estava devorando coisas do passado que foram muito importantes para muitas pessoas, tive a iniciativa de tentar manter a memória através de maquetes feitas de material reciclado. Ganhei muitos elogios, porém pouco apoio. Atualmente tenho um acervo considerável.

Qual seu maior desejo?

É poder dar continuidade ao meu trabalho com miniaturas e preservar a memória de Piracicaba.





sábado, dezembro 03, 2011

ELAINE DE LEMOS ELIAS

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 03 de dezembro de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADA: ELAINE DE LEMOS ELIAS
Elaine de Lemos Elias é Psicanalista, formada em Letras e Filosofia, fez parte do grupo “O Sentimento do Mundo” na Unicamp, na área de Antropologia, como pesquisadora de João Guimarães Rosa. Publicou “Estranjo”, “Silêncio de Celofane” e recentemente “João Braço”, este em parceria com o Professor Carlos Rodrigues Brandão, obra premiada pelo Governo do Estado de São Paulo. Nascida em Piracicaba em 1 de abril de 1956, filha de Oscar de Lemos e Edy Conceição de Barros Lemos. Seu pai trabalhou por muitos anos no Engenho Central, foi Sindicalista dos Metalúrgicos. Elaine nasceu e cresceu na então chamada “Colônia do Engenho Central”, na Travessa Maria Maniero, ao lado do Mirante, as quedas de água do Rio Piracicaba, com deslumbrante paisagem, rica em mata preservada.

A senhora é privilegiada, nasceu e cresceu em um local de rara beleza.

Meus avôs maternos moravam mais no final da Travessa Maria Maniero, próximo ao Engenho Central, na minha infância passava ao lado do Rio Piracicaba, o tempo todo. Lembro-me do trem que passava por ali, através de uma pequena escada podíamos descer até a beira do Rio Piracicaba, junto ao Mirante. O Mirante era praticamente o quintal da minha casa, com jardim!

Seus estudos iniciais foram realizados na Vila Rezende?

O primário eu estudei no Grupo Escolar José Romão, o ginásio no Colégio Estadual “Jerônimo Gallo”. Uma das professoras que me marcou muito foi a Ada D`Abronzo, era enérgica. O jardim em frente a Igreja Maria Imaculada era muito bonito, naquele local eram feitas as quermesses, conheci a igreja anterior que foi demolida para ser substituída pela atual. A impressão que tínhamos é pertencíamos aquele lugar e também que aquele lugar nos pertencia.

E o bonde, era um passeio interessante?

Eu era muito pequena, meu pai me levava para passear no centro todo final de semana, íamos de bonde.

Por acaso algum dia a senhora entrou nas águas do Rio Piracicaba?

Entrei! Fazíamos as aulas de educação física á tarde, após a aula, íamos em um grupo de meninas até o Mirante, descíamos nas pedras, andando pelo leito seco do Rio Piracicaba, com a roupa de ginástica: shorts, meias, tênis, camiseta.

Até que idade a senhora permaneceu morando nesse verdadeiro paraíso?

Quando participei de um projeto denominado “Sentimento do Mundo” na Unicamp, com o Professor Carlos Rodrigues Brandão, acabei ficando com esse projeto do “João Braço” pela idéia do destino dos que ficam no lugar, que é a história do “João Braço”. Acredito que não foi por acaso que realizei esse projeto, eu nasci, me criei, casei com o meu primeiro marido, Antonio Reinaldo Zanin, que também foi residente da Vila Resende. Nunca me mudei da Vila Resende. A minha mãe têm em suas origens, laços com a família Conceição, minha avó materna é filha de Pedro Conceição.

Como é a Escola Psicanalítica?

É um percurso longo, demorado, a psicanálise é a cura pela fala, onde se estuda o inconsciente Fiz esse percurso em uma escola lacaniana, Jacques-Marie-Émile Lacan fez a releitura e atualizou a obra de Freud que foi o inventor da psicanálise e descobridor do inconsciente. O analista é aquele que lida com o “não dito” do paciente, o inconsciente. Quando o paciente vem dizer da dor dele, da questão dele, o que acontece para que ele não consiga lidar com o mundo, o psicanalista irá ouvir a história do paciente e a verdade que o paciente não diz. Quando o individuo se expressa, conta a seu respeito, não fala subjetivamente, o indivíduo se expressa de forma linear, cabe ao analista buscar as causas em uma forma espiral como é de fato a vida. A vida não é linear.

A senhora aprofundou seus estudos em psicanálise por quanto tempo?

Após 10 anos de análise, fiz supervisão com Contardo Calligaris (psicanalista italiano radicado no Brasi), em Campinas fiz psicologia clínica. Sou formada em filosofia também, fui aluna do professor Marcio Mariguela, também psicanalista, tive aulas com Mauro Mendes Dias (Psicanalista, Membro fundador da Escola de Psicanálise de Campinas, responsável pelo grupo de trabalho sobre "As psicoses em Lacan"), considero que o percurso que realizi tenha sido muito rico.

A senhora já era casada quando passou a trabalhar com análise?

Formei-me em Letras, me casei, tive dois filhos. Parei tudo, cuidei das crianças. Cuidei de um jardim imenso que havia em casa, escrevi muito, guardei em gavetas. Enquanto as crianças cresciam tive uma vida essencialmente doméstica. Fiz um curso de Antropologia, foi onde conheci o Carlos Rodrigues Brandão e participamos desse projeto “Sentimento do Mundo”, que deu origem ao livro “João Braço”. Aos 52 anos meu marido faleceu de forma repentina, foi uma tragédia em nossa vida. Meus filhos tinham 17 e 20 anos.

De repente a senhora se viu sem chão, nesse momento surgiu uma linha divisória em sua vida?

Eu já estava trabalhando na Delegacia de Ensino, passei a assessorar Luiz Carlo Feres, em seguida fui fazer Filosofia. Quando completei quarenta anos fiz um artigo sobre os Quarenta Anos, onde dizia que o meu pomar já deveria estar dando frutos, ele ainda estava só com flores. O advogado, jornalista e escritor Cecílio Elias Neto também estava fazendo Filosofia, foi quando nos conhecemos.

A senhora atualmente só trabalha como psicanalista?

Respiro pasicanalise! Trabalho das 11 horas da manhã até as 10 horas da noite, com agenda literalmente tomada.

A senhora acredita que o materialismo está afetando profundamente o ser humano?

A economia, a voracidade de tudo muito rápido afeta demais. O meu trabalho me realiza porque é um outro tempo. Quando fecho a porta do consultório com o meu paciente, passa a ser um outro tempo. O tempo da escuta, atualmente ninguém escuta mais ninguém, por isso o consultório está cheio. O tempo da prosa parece ter terminado, hoje tudo é dominado pelo olhar, pela rapidez. Essa onda de tantas informações vem em contraponto com o conhecimento real das pessoas. A sociedade está pervertida, em linguagem psicanalitica perversão é a falta da lei, as pessoas atualmente não tem limites. Falta família, a estrutura familiar poder se mexer, mas dentro de um limite. A criança cresce sem saber qual é o limite dela, não encontra ninguém para dizer a ela o que ela não pode fazer, por si só ela não sabe. Essa questão da autoridade é uma questão muito séria.

Para a humanidade isso é novidade?

Da maneira que estou vendo hoje acho que é. Percebe-se que as crianças estão perdidas. Existe uma grande diferença entre autoritarismo e autoridade. Falta educação.

Está ocorrendo uma revisão por parte dos profissionais da educação, psicanalistas, porque até a pouco tempo era proibido proibir?

Sim, com certeza, é um processo arduo, quase solitário. A psicanalise preocupá-se com o comprometimento, em lidar com a realidade. A voz, a fala, para se realizarem acordos que tenham peso. Comprometer-se com aquilo que voce se propos.

Podemos concluir que de certa forma nos tornamos imorais, quando não respeitamos aquilo que falamos?

Exato.

O dependente químico busca na droga uma táboa de salvação?

O dependente químico por trás tem sempre a dificuldade de lidar com a realidade.

São pessoas mais fragilizadas?

São pessoas mais fragilizadas, mas não no sentido negativo, e sim positivo, ela chega diante de um impasse, a sua única saída é a morte, no entanto ela não tem coragem de por termo á vida de forma brusca, ela entra em um suicidio lento nas mais diversas formas: anorexia, bulemia, drogas, tabaco, alcool.

Quem trabalha de forma compulsiva, dependente do trabalho, o famoso workaholic (Serve para designar uma pessoa viciada, não em álcool mas em trabalho), entra nessa classificação?

Todo aquele que passa por cima de si mesmo, não quer parar, se parar pensa, se pensar chora. A proposta da psicanálise é exatamente essa, a pessoa tem que parar para se ouvir.

Qual é a importância da analise para o individuo?

É saber lidar com suas próprias questões, todos nós temos questões, que às vezes nem nós conseguimos formularmos as nossas próprias questões, por não parar para pensar.

O fato de uma pessoa procurar um especialista seja um dermatologista, ortopedista, cardiologista sempre foi considerado normal, porém até alguns anos procurar um analista já criava o conceito errôneo de que a pessoa sofria das faculdades mentais. Isso mudou?

Quem procura um profissional em analise é porque se estranhou e está querendo se entender. Doente é quem não se estranha na oportunidade em que isso ocorre. O inconsciente guarda tudo, segundo Freud, desde o momento em que a pessoa nasce, pelo Carl Gustav Jung vai além. Todos nós temos registrado tudo que aconteceu, é estrutural.

Somos verdadeiros gravadores de imagens e sensações desde o nosso nascimento?

Exatamente. São as sensações que fazem o adulto vir para a análise. A sensação se repete, a criança tem a sensação, mas não tem a capacidade de elaborar aquela sensação. Uma criança que sofre um abuso, ela sente-se muito mal, mas não elabora aquilo, principalmente se sofrer abuso por parte de alguém que exerça autoridade sobre ela. Ela arrasta isso ao longo da vida.

Pelos estudos que a senhora realiza, pode-se dizer que isso ocorre com muita freqüência?

Atualmente mais do que nunca. O mundo está perverso. Falta civilidade, falta educação. Essa perversidade, a dificuldade da pessoa se situar. Hoje no Brasil se fala em “Nova Classe C”, só que a referência é para o consumo e não para a educação, se dá algo, mas não se oferece condições para a pessoa saber o que irá fazer com aquilo. Não são transmitidos valores, princípios, que realmente possam agregar o que importa de fato á pessoa. Hoje tudo está voltado ao consumo.

Em países com elevado padrão de vida também ocorrem fatos estarrecedores, como o austríaco que manteve a filha prisioneira e com quem teve vários filhos.

Os psicóticos estão em todos os lugares, levam uma vida aparentemente normal, mas são os mais perigosos. A falta de uma estrutura familiar, da presença daquele que sustenta a criança, junto a ela, acompanhando essa criança, para ela se tornar um adulto melhor, dificilmente esse adulto se tornará um psicopata. Pode até ocorrer, mas é muito mais difícil. O que ocorre é que não existe essa figura, as mães estão trabalhando, a criança ou está com a avó, com a empregada, ou em frente à televisão. A criança fica sozinha, ninguém sabe o que ela está pensando. Ninguém sabe o que está crescendo ali.

O profissional de psicanálise ao final de um dia de trabalho como reage?

Tem que estar habilitado a exercer seu trabalho, isso só após muitos anos de estudos, “cursos rápidos de formação, algo como dois anos” não habilitam a pessoa a exercer a função, é uma atividade que exige muito conhecimento do profissional.

A senhora escreveu muitos artigos e alguns livros, pode dizer qual foi o primeiro livro?

Foi o “Estranjo”, que aborda sobre o estranhamento do anjo. O segundo foi “Silêncio de Celofane”, ele tem pinturas de Caravaggio e Botticelli, fui escolhendo as fotos e escrevi poemas, feitos na primeira pessoa, e fala sobre o exagero do discurso amoroso. O terceiro livro é “João Braço”, ensaios de um homem chamado João, com fotos e escritos, é um negro velho do Vale do Jequitinhonha. Gosto de fragmentos, de brincar com a palavra.

Como a senhora analisa a morte do ser humano?

Acredito na evolução do ser humano, acredito que é o amor que move tudo. Não existem pessoas totalmente ruins nem totalmente boas. Nós temos condições de fazer com que o lado bom próprio floresça. Cada um o seu. Se outra pessoa não quer se tornar uma pessoa melhor nós não iremos mudá-la. Isso é como um jogo de xadrez, se você quer que determinada pessoa mude, primeiro mude você a si mesmo. Num tabuleiro de xadrez se você muda uma peça, todo o resto muda de função.

A senhora casou-se em segundas núpcias?

Em 8 de dezembro de 2010 casei-me com Cecílio Elias Neto, nosso casamento foi celebrado pelo Bispo Dom Eduardo Koiak na Igreja São Dimas, sendo também formalizado no registro civil. O meu momento e o do Cecílio nos oferece uma vida muito boa.

sábado, novembro 26, 2011

PADRE EDVALDO DE PAULA DO NASCIMENTO Paróquia e Santuário de Nossa Senhora dos Prazeres

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 26 de novembro de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADO: PADRE EDVALDO DE PAULA DO NASCIMENTO

O que faz uma igreja católica atrair tantos fiéis, centenas, até milhares, que se aglomeram inclusive do lado de fora da porta do templo? Qual é a motivação para 300 crianças irem assistir a uma missa de domingo? Fiéis procurando estarem mais próximos do altar levam suas próprias cadeiras e colocam á frente das enormes fileiras de bancos da própria igreja, ás nove horas da manhã já tem pessoas levando suas cadeiras para assistirem a missa das 16 horas. Fiéis de outros municípios, alguns a mais de 100 quilômetros, comparecem semanalmente á celebração de missas. Por melhor que seja a oratória do celebrante, esse verdadeiro fenômeno não seria tão duradouro apenas pelo dom da palavra. Algo muito forte move essa multidão em torno da Paróquia e Santuário de Nossa Senhora dos Prazeres, em Piracicaba. O seu pároco e grande responsável pelo enorme afluxo de fiéis é o Padre Edvaldo de Paula do Nascimento. Nascido em Osasco, em 11 de outubro de 1967, são seus pais Vicente de Paula do Nascimento e Maria de Lourdes do Nascimento. Aos dois anos de idade a família mudou-se para Cruzeiro, onde permaneceram por 12 anos até mudarem-se para Pindamonhangaba. Padre Edvaldo tem apenas uma irmã, Elaine. Começou seus estudos em Cruzeiro, em Pindamonhangaba concluiu o ensino regular seguindo sua formação no Seminário Diocesano de Taubaté. Concluiu sua jornada de estudos em São Paulo e em 17 de junho de 1995 foi ordenado na Igreja Nossa Senhora do Paraíso em São Paulo.

A convite de Dom Eduardo Koiak veio para a Diocese de Piracicaba, na cidade de Santa Barbara D´Oeste na Igreja Matriz, onde passou a ajudar o saudoso Padre Mário. Existia já o projeto de criar mais uma paróquia, pois aquela já estava muito grande. Após nove meses, em setembro de 1997 foi criada a nova paróquia, assumindo como Primeiro Pároco da Paróquia de São Judas em Santa Bárbara D`Oeste, onde permaneceu por 10 anos.

Como ocorreu a vinda do senhor á Piracicaba?

Nosso Bispo atual, Dom Fernando Mason me procurou, perguntando se eu queria fazer uma mudança, quando se ordena padre se põe a serviço de Jesus Cristo e da Igreja. Havia a necessidade de fazer essa transferência, eu disse a Dom Fernando que estava disposto a aceitar. Seria doloroso para o povo da paróquia e também para mim, pelo trabalho que eu estava realizando naquela paróquia.

O senhor veio para a Paróquia e Santuário de Nossa Senhora dos Prazeres em que ano?

Cheguei aqui em fevereiro de 2008. Esta paróquia foi recriada, na realidade Nossa Senhora dos Prazeres foi a primeira padroeira de Piracicaba, só que o povoador de Piracicaba, Antonio Correa Barbosa tinha como santo de sua devoção Santo Antonio, ele preferiu dedicar a cidade a Santo Antonio e assim permaneceu. A Igreja era na margem esquerda do Rio Piracicaba e a imagem de Nossa Senhora dos Prazeres foi encontrada á margem direita do Rio Piracicaba (Atual Bairro Nova Piracicaba). Existia um barracão, sob os cuidados do Monsenhor Jorge. O Padre D`Elboux veio para criar a Paróquia, foi ele quem criou toda a estrutura existente hoje.

Chama a atenção de quem entra pela primeira vez na Igreja o fato muito raro de ser uma Igreja Católica com ar condicionado.

O pároco antigo e eu conversamos muito a respeito da igreja ser muito quente, talvez pelas características da própria construção em concreto e vidro. Um ano e meio após ter chegado aqui conversei com o povo sobre a necessidade de realizar esse empreendimento. Teve um pouco dessa polêmica: ”- É luxo!” “Não é luxo”. Eu comentava com o povo: “- Nós gostamos de estar aqui, desenvolvemos neste local a coisa mais preciosa que é a nossa fé em Deus, a certeza de que Ele é o motivo da nossa vida. É Ele quem nos conduz e nos abençoa, estamos vindo aqui para buscá-lo, vivenciá-lo. As celebrações são diferenciadas, eu nunca sigo folheto de missa, sempre temos um tema diferente, uma proposta que mexe com a vida das pessoas. É preciso que haja um certo conforto ao estar aqui. A temperatura muito elevada interfere na concentração, minhas missas são reflexivas, gosto que as pessoas prestem atenção na argumentação. Trago elementos do texto original, a palavra de Deus é eterna, foi escrita para aquela época mas permanece para sempre. Procuro trazer essa palavra para o momento presente, como isso toca na minha vida. Antes de uma resposta, que coloca o individuo em uma situação passiva, eu prefiro realizar a provocação, para que a pessoa possa sair e buscar, movimentar sua vida em direção aquilo que é bom. Deus nos coloca em movimento. Quando a pessoa está bem ela está movimentando e quando não está bem tem que se movimentar para sair daquela situação ruim.

As pessoas mais conservadoras não criaram obstáculos, alegando motivos de saúde, para o fato inusitado em nossa cidade de uma igreja católica ter ar condicionado?

Quando se trata de um numero muito grande de pessoas nem sempre a opinião é unânime. Às vezes alguém diz “ Está muito frio!” ou “Está calor, não ligaram o ar!” Nós temos grande facilidade de nos acostumarmos com o que é bom, confortável.

Embora o tema ar condicionado seja banal, ele abrange um aspecto em que o fiel julga ser necessário suportar o forte calor, até mesmo sacrificar-se, em louvor á Deus.

Eu não acredito nesse Deus! Não acredito em um Deus que queira que o ser humano sofra! Essa religião do sacrifício leva aonde? Ela se impôs pelo medo, isso que é bom? Isso leva a que lugar? A escravizar as pessoas? Eu não quero que as pessoas voltem aqui por que tem medo, quero que voltem porque gostaram.

É comum a presença de pessoas que normalmente são avessas a freqüentarem igreja, em particular elementos do sexo masculino, em idade produtiva, qual é o motivo?

A proposta é diferente! Não é para a pessoa ao chegar ao final da sua vida e refletir sobre quanta coisa horrível ela fez em sua vida, á beira da morte ter medo do inferno, sentir que precisa se converter e realizar práticas religiosas. É muito bom viver, podemos viver agora mantendo princípios do evangelho, a palavra que Deus tem para nós é a palavra de vida. Na África quando a pessoa está perdida, ela grita em seu dialeto, que traduzindo para o português significa: “Mãe, ou mamãe, eu estou perdido!”. Ele chama pela mãe. Todas as pessoas que eu atendi na hora da morte, chamaram pelas suas mães. Fico imaginando que todos têm a necessidade de um colo de mãe, Deus é esse colo.

A missa que o senhor celebra tem quanto tempo de duração?

Essa é uma questão interessante. Se a missa antecipa o céu, o céu não tem tempo! Aos finais de semana celebro seis missas, duas no sábado e quatro nos domingos. Ás sexta feiras celebro a Missa da Saúde, ás 16 horas, ás segunda feiras ás sete horas da manhã celebro a Missa dos Trabalhadores, eles vem pedir a benção de Deus para começar a sua semana. A missa das 18 horas do domingo eu termino ás dezenove e dez, para começar outra missa ás dezenove e trinta. Quem vem à missa aos domingos não tem a mesma pré-disposição de quem vem á missa ás quarta feiras. A missa de quarta feira eu denominei de Missa Temática, isso porque a cada quarta feira trabalho um tema. Começa as 19 horas e trinta minutos, costuma durar duas horas ou duas horas e meia. Quem vem já sabe que irá permanecer bastante tempo na igreja. E sai satisfeito.

Como o senhor vê esse afluxo de fiéis?

Eu quis ser padre, mas nunca imaginei o que Deus faria com a minha vida. Nunca imaginei estar em Piracicaba. Ainda criança, vivia em Pindamonhangaba, muitas vezes estudando escutava um carro passar pela rua anunciando: “-Pamonhas, pamonhas, pamonhas de Piracicaba!”. Eu pensava onde será essa Piracicaba? O que tem lá? Tenho um amigo. o escritor Rubem Alves, ele tem uma história muito interessante: “A Menina e o Pássaro Encantado”, que conta sobre o encanto da liberdade, com o qual me identifico. A proposta da missa de quarta feira é de que quem vem, venha para experimentar, que faça diferença na vida das pessoas.

A realidade é que o senhor não realiza milagres.

Deus pode realizar milagres, é possível desde que as pessoas queiram. Jesus quando curou alguém disse: “- Vai, tua fé te salvou!” É uma força de Deus que está dentro de nós. Existem inúmero testemunhos, escritos, falados. Nós ouvimos falar: “Deus está entre nós.”. Sentimos a curiosidade de ver sua imagem, a humanidade tem necessidade de uma divindade, e se ele está entre nós, a tradição judeu-cristã fala em Deus que vem visitar o ser humano, o primeiro momento da Bíblia é o momento do Êxodo, acontece quando Deus vem visitar o povo para tira-lo da escravidão. É um Deus que não suporta a escravidão. Quando Deus vem entre nós, o encontramos em um menino, deitado entre os animais. (Nesse momento o Padre Edvaldo mostra-se profundamente tocado pela imagem de Menino Jesus na manjedoura). A figura de Deus é o rosto de uma criança, pura e inocente, indefesa. Ele entrou na história da humanidade pelo porão de uma casa. A manjedoura é o andar de baixo da casa, os animais ficavam embaixo para aquecer os donos que ficavam em cima. O único lugar que encontraram foi na manjedoura junto aos animais. Que casa é essa que acolheu essa mulher grávida? Pode ser a nossa! Essa é a nossa proposta deste Natal. Quando cresceu, Ele disse: “Olhem para mim, vocês se parecem comigo!” Jesus não é o Pai, é o Filho, mas diz: “Quem me viu, viu o Pai”. O filho é a imagem do Pai, e nós nos parecemos com Ele. No coração Dele tem gravado o meu nome, a minha imagem. Não posso sair dessa igreja me sentindo desanimado tenho que sair e dizer: “Vale a pena!”.

Padre, quantas pessoas costumam freqüentar suas missas?

Temos a capacidade para 800 pessoas sentadas. Às quarta feiras as pessoas vem logo cedo colocar banquinhos e cadeiras delas mesmas, para reservar lugares próximo ao altar. Já houve a contagem de 2.000 pessoas na quarta feira. E um fato interessante, foi dito uma vez que só as mulheres vêm à igreja, temos a presença de muitos homens, de todas as faixas etárias.

Chama muito a atenção é o fato de no fundo da igreja ter uma caixa, blocos de papel e uma caneta.

É para colocar os pedidos de oração. Está escrito na caixa: “Deus Proverá”. Essa frase é do livro do Genesis, dita por Abrahão, o pai das três maiores religiões do mundo: o judaísmo, islamismo e o cristianismo que tem Abrahão como referência. Abrahão era um homem que não podia ter filhos ele e Sarah, só que era um homem que sonhava, desejava, rezava para ter filhos. Note bem: sonho, desejo e oração. O encontro dessas três vertentes é absolutamente poderosíssimo. O milagre vem do encontro dessas três vertentes. Deus não deixa de responder quem sonha quem deseja e quem reza. Pode ser que a resposta não esteja onde a pessoa está procurando. A pessoa pode colocar-se diante de um desejo ou diante de uma situação que chegou muito perto dela. (Nesse momento Padre Edvaldo levanta-se e encosta a face junto a um armário) dizendo: “Se eu chegar muito perto deste móvel, eu não consigo ver o que está ao lado, eu tenho que alargar o meu horizonte, Deus criou o infinito para que a vida seja mais. Não posso ficar olhando para o chão, tenho que olhar adiante. Quando mais adiante olhar melhor será a minha amplitude de visão. Abrahão sonha, deseja e reza por um filho, ele e Sarah eram nômades, ele vê três homens vindos de longe, sai ao encontro deles. Sonho, desejo e rezo, para isso é preciso sair do status quo (estado atual das coisas) movimentar, sair do medo que me paralisa. Abrahão disse aos três homens:” Fiquem comigo em minha tenda, vocês estão cansados, e disse para Sarah: “Prepare o melhor que nós temos”, oferecendo para os três um banquete. No final os homens dizem para ele: “-O que você mais deseja vai acontecer. O ano que vem voltaremos e haverá o choro de uma criança em sua casa, você vai ter um filho!”. Abrahão pula de alegria, porque o fato dele sair para acolher aqueles homens foi um gesto que faltava para acolher um filho. Apesar de sonhar, desejar e rezar, mesmo ainda não tendo o filho ele não foi tomado pela amargura. O impedimento nos amargura, e isso nos impede do movimento seguinte, nos paralisa. Na verdade você se afunda mais. Quanto mais amargurado mais afundado você está. Você deixa de acreditar nas forças de Deus que está em você. “A tua fé o salvou”, é absolutamente necessário que você acredite! E que tenha o mínimo, o mínimo que seja de força de vontade, de esperança. Abrahão cortava árvores para fabricar berços, para as vizinhas grávidas. Ele embalava o seu sonho de ter um menino. Alguém poderá dizer: “Mas ele é um masoquista, não podia ter filhos e fabricava berços!” Não, é que ele não era um derrotista! Não era um amargurado, não deixou que o impedimento tocasse nele para que ele deixasse de fazer o movimento, ele faz o movimento. Inclusive o movimento de fabricar berços.

O que chama muito a atenção são crianças escrevendo nesse pequeno papel e colocando-o em uma caixa, escrito logo acima: “Deus Proverá”. Na hora vem a imagem do Muro das Lamentações.

Acho que é um lugar de oração, de pedidos, como essa igreja é. Ali são colocados seus desejos, necessidades e alegrias. Os pedidos são colocados durante a missa, não são lidos, possivelmente devem existir coisas que não devem ser lidas.

O senhor realiza confissões?

Realizo, são atendimentos, nós não temos mais confessionários nesta igreja. Pelo fato de ser muito procurado acabo tendo que fazer uma fila de espera.

O senhor é o único padre desta igreja?

Sou o único. Conversando com um padre meu amigo, disse-lhe que somos três: O Padre Edvaldo, o Padre De Paula e o Padre Do Nascimento, e a Força de Deus.

O senhor realiza alguma atividade física?

Realizo caminhadas, gosto de correr.

Em média o senhor dorme quantas horas?

Seis horas por noite. Gosto muito de ler, escrever.

O senhor escreve suas memórias, elas serão publicadas algum dia?

Talvez, acho que publicarão.

Póstumas?

Acho que sim, serão interessantes.

A Igreja Santuário Nossa Senhora dos Prazeres tem um sistema muito interessante de velas.

A vela é um elemento interessante, de fé, religiosidade, de prática religiosa, acompanha a história da humanidade, é bonita, enfeita e tem o fato da manifestação pessoal. Faço viagens com peregrinos daqui a santuários do mundo, percebemos que é muito presente o uso da vela, só que temos a questão da segurança, na maioria dos santuários, no mundo todo estamos tendo essa substituição, da antiga vela por esse velário, que é mais seguro, a pessoa faz uma oferta mínima, coloca uma moedinha e acende uma vela. Encontrei aqui no Brasil em uma loja. E foi muito bem vindo.

Percebe-se que o senhor é muito bem atualizado.

Não tenho rede social, acho a internet fantástica, necessária. Meu sonho é colocar no santuário monitores de video, para que as pessoas possam participar melhor.

O que chama muito a atenção é a freqüência de crianças no Santuário.

A missa das nove horas do domingo nós não denominamos de “Missa das Crianças”, porque a missa é de Jesus Cristo, da comunidade toda. É uma imprecisão litúrgica dizer “A Missa de Formatura”, “A Missa de Sétimo Dia”, “Missa de Aniversário”, a missa é de Jesus! Prefiro não rotular, não criar situações onde há missa para alguns, mas não existe para outros. A missa das nove horas do domingo é uma missa com a participação dos jovens da catequese, tem uma equipe de catequistas, uma psicóloga, uma mãe, e o pessoal da musica, nós nos reunimos todas as quintas feiras á tarde para prepararmos essa missa. Nós olhamos para missa, vamos levantar situações que se possa trabalhar com as crianças, para que a criança se sinta acolhida. Tem coisas que eu não posso mexer, mas aquilo em que posso para atingir melhor as crianças, para me comunicar com elas, é feito. Temos uma média de participação no domingo de 300 crianças. Em algumas ocasiões chega a 500 a 600 crianças. Em junho estive em Fátima, Portugal, junto com um grupo de peregrinos, eu sempre quero levar todos, a caixa “Deus Proverá” vai comigo, disse ás pessoas, escreva o nome das pessoas da sua família, aquelas que você ama que queira que eu leve até o Santuário de Fátima. Este ano levamos para a Terra Santa e foi colocada na Igreja do Monte Tabor, onde Jesus Cristo se transfigurou. Foi fantástico, porque sem que soubéssemos da existência, ao entramos na igreja havia uma cavidade no chão com uma grade, e ali as pessoas depositam os nomes para a oração. Oramos e eu me ajoelhei e depositei ali os papéis com os nomes que havia levado em uma sacola, aqui do nosso santuário. Eu queria trazer alguma coisa para as crianças, conversei com uma senhora que as fornecia e ela me perguntou quantas medalhas eu desejava, disse-lhe que pelo menos 500. Ela ficou abismada pela quantidade de crianças em uma só missa, teria que somar toda a freqüência de crianças no período de um ano para chegar a esse numero na sua paróquia. No domingo que antecedeu o dia das crianças entreguei a cada uma a medalha em um cordão branco. As crianças freqüentam o nosso santuário, e gostam, porque tem uma resposta. As pessoas correspondem se você as provoca, para o mal e para o bem. As crianças vão percebendo o valor da oração.

Há muitos voluntários servindo o Santuário?

Existem mais de 350 pessoas exercendo o ministério, são pessoas que se dedicam ao trabalho. Temos a Comunidade Nossa Senhora dos Navegantes, na Avenida Cruzeiro do Sul, A Comunidade da Igreja de São Francisco, o Mosteiro das Irmãs e o Santuário.

Nossa Senhora é uma só, porque recebe várias denominações?

Porque é mãe. Minha mãe é amiga, às vezes ela me corrige, às vezes é educadora, às vezes é a mulher prendada que faz crochê, a minha mãe às vezes faz frango com quiabo, que eu adoro. Maria é às vezes as muitas faces da mesma mulher.

Qual é a origem do nome Nossa Senhora dos Prazeres?

É uma devoção de Portugal, por causa de uma vitória em uma batalha, um navegador teve uma visão da vitória.

Qual é a mensagem de Natal do Santuário de Nossa Senhora dos Prazeres?

É que as pessoas acreditem nesse Deus que vem nos visitar. Que o Natal é uma época de troca de presentes, festas, mas não se esqueçam do aniversariante. Marque a sua casa para esperar esse Deus que vem de novo. O nosso lema neste ano é: “Sim Jesus Tem Lugar em Nossa Casa” As pessoas vão receber aqui um selo para colocar na porta da sua casa com essa frase.

















quinta-feira, outubro 13, 2011

ANTONIO JOSÉ QUARTAROLO (TONY JOSÉ)

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADO: ANTONIO JOSÉ QUARTAROLO (TONY JOSÉ)
A voz marcante é a própria identidade de Tony José. Ele é tido como um dos monstros sagrados do rádio esportivo brasileiro. De origem humilde, com sua determinação atingiu um patamar de fama e glória, sem, contudo perder a humildade, preserva suas amizades. Nascido em 29 de março de 1953, filho de Aléssio Quartarolo e Arlinda Todeschini Quartarolo, natural do bairro Barreirinho, pertencente á hoje cidade de Saltinho, na época era um distrito de Piracicaba. Seu avô tinha um sítio logo após o famoso Bairrinho, célebre pelos fumos “de corda”. Filho mais velho do casal, são seus irmãos: Maria Bernadete, Luiz Carlos Quartarolo, Camilo Irineu Quartarolo, Aparecida Quartarolo, Aléssio Quartarolo e Fernando Quartarolo. Quando era muito jovem ainda, sua família se mudou do Bairrinho para o local denominado Glebas Califórnia, região onde havia muitas chácaras, mais tarde uma parte dessa região deu origem ao Bairro Jupíá O menino Antonio estudou em uma escola que hoje não existe mais, ficava no Bairro dos Marins, próxima ao Córrego dos Marins, junto a uma olaria. A escola não oferecia estudos até o quarto ano primário, era necessário freqüentar outra escola, Antonio José estudou na Escola Francisca Elisa da Silva, situada nas esquinas da Rua XV de Novembro com a Rua Antonio Correia Barbosa.
No Barreirinho qual era atividade principal dos seus pais?
Eles trabalhavam na produção de fumo de corda, eu ainda muito novo ajudava, na época não havia a proibição de criança trabalhar, considero que essa lei que proíbe o trabalho da criança está equivocada, caso a criança queira ela deve trabalhar. Como se dizia antigamente: “Serviço de criança é pouco, mas quem perde é louco!” Com 6 a 7 anos comecei a ir para a roça. Não havia outra opção. Eu tinha prazer em ajudar o meu pai, a “virar cambito” fazer corda de fumo. Essa onda de criança não poder trabalhar é um cuidado exacerbado. A criança deve trabalhar de acordo com sua capacidade física, com 14 anos eu carregava saco de 60 quilos, com isso desenvolvi minha musculatura. Como se dizia na época “peguei no guatambu”, puxei enxada, fiz tudo isso sem problema nenhum. O que mais me incomodava era a mesmice de sempre, Piracicaba era pequena demais. Não havia a facilidade de sair daqui como existe hoje.
Na área cultivada pelo seu pai nas Glebas Califórnia, o que mais se plantava?
Meu pai sempre foi interessado em buscar novidades, ele conheceu um japonês que lhe passou determinadas técnicas para o plantio de mamão. Ele plantou mil pés de mamão na chácara, eu o ajudei. Depois ele arrendou um terreno que ficava no alto da pedreira situada na Estrada do Bongue. Era um local com uma vista muito bonita, mas terrível para trabalhar, a inclinação do terreno era muito acentuada. Para o mamão era ótimo: a geada não pegava, o arejamento era fantástico, um terreno pedregoso, justamente o que o mamão queria. Para plantar o mamão tinha que fazer a cova, cercar com pedras, colocar pó de serragem, jogar as sementes e o pé de mamão nascia e crescia. Quando ocorria uma geada ela derrubava as folhas e o mamão amadurecia muito rápido, gerando grande oferta no mercado e caindo muito o preço pago ao produtor.
Como era feita a trajetória da sua casa no Bairro dos Marins até a escola onde você estudava?
Ia a pé! Descia pela Estrada dos Marins, passava pela Cerâmica Piracicabana, nas proximidades de onde hoje é o Carrefour, passava pela Chácara do Morato, a Rua do Porto não fazia a trajetória que faz hoje, era bem mais curta, só existia o caminho á beira do Rio Piracicaba, era tudo terra batida. Passei a usar sapato aos doze ou treze anos, até então ia descalço mesmo. No alto das Glebas Califórnia existia a chamada Chácara do Limão, próxima a Chácara Espéria, onde era mato hoje é um condomínio. Do outro lado tinha a Chácara Nazareth que era do Pacheco Chaves, hoje é loteamento residencial. Não existia o Bairro Nova Piracicaba, era tudo plantação de cana.
Esse trajeto diário ás margens do Rio Piracicaba não era um convite á banhar-se no mesmo?
Não! Minha mãe colocava tanto terror á respeito que eu não me arriscava. Nadei um pouco no Ribeirão dos Marins, escondido, ia para casa todo molhado, no caminho esperava secar. Meu pai tinha carroça, com roda de madeira e aro de ferro, só mais tarde é que passou a ter um carrinho com pneu, um conforto danado. Com a carroça lotada de mamão, íamos ao Mercado Municipal, a ida era feita a partir das quatro horas da manhã.
Eu ficava tomando conta do carrinho com os mamões enquanto meu pai ia negociar com os compradores. No Moratinho, perto da Ponte do Morato, muitas vezes o caminho enchia de água, na época das chuvas, a água batia na barriga do animal, nós torcíamos para que a ponte estivesse ainda ali, pois só dava para ver as laterais da ponte. Subíamos pela Rua Rangel Pestana, ás quatro e meia, cinco horas da manhã, a carroça lotada de mamões, meu pai pulava, ia conduzindo a pé o animal.
A sua família mudou-se para outro local?
Viemos morar perto da antiga revenda de automóveis Colina, na Rua Silva Jardim com a Rua Campos Salles, tínhamos comprado um terreno ali, construímos uma casa e mudamos. Só que o meu pai teve dificuldade em conseguir um emprego, até que ele resolveu fazer feira, arrendamos uma área de quase um quarteirão nos fundos de uma agencia Volkswagen, a Vepira, não tínhamos equipamentos, por 15 dias meu pai e eu cavoucamos aquilo tudo, transformando em canteiros de horta o que era um pasto, isso foi em 1966. Nós molhávamos o pasto e usávamos o enxadão. Meu pai tinha conhecimento técnico para produzir rabanete com 15 dias de plantio, alface com um mês. Aos domingos ficávamos até as duas horas, duas horas e meia da tarde, porque as pessoas iam buscar verduras frescas. A família toda trabalhava nessa horta, preparava-se a verdura para vender no dia seguinte. Com o tempo meu pai passou a ter um armazém na feira, permaneci na feira até os meus18 a 19 anos.
Em que locais eram realizadas as feiras?
Na terça-feira no Largo Santa Cruz, quarta-feira na Vila Rezende, quinta-feira na Paulista, sexta-feira na Rua Riachuelo atrás da Santa Casa, aos sábados era em um terreno onde jogaram as lajes do antigo Comurba, onde mais tarde foi construído o Hipermercado Jumbo Eletroradiobrás e a feira mudou para uma rua ao lado, domingo era atrás da Estação da Paulista e na Vila Rezende perto do Clube Atlético Piracicabano.
Quais veículos vocês utilizavam para levar as mercadorias a serem vendidas na feira?
Inicialmente tínhamos uma Kombi, quando virou armazém tínhamos duas Kombis e um caminhão Ford 36, mais tarde trocamos esse caminhão por um Chevrolet 1957, o famoso “Marta Rocha”, depois adquirimos um caminhão Chevrolet Brasil. Eu aprendi a dirigir em um Ford 1929, o marcador de combustível era um nível, igual ao nível de pedreiro. Essa maravilha era do Fernando Cardinali, eu trabalhei para ele na feira por um período de um ano e pouco. Minha função era vender óleo comestível, vinha em um tambor, colocava-se uma bomba manual e realizava a venda conforme o pedido do cliente: um litro, meio litro. O vasilhame era trazido pelo próprio cliente. Lembro-me que levava um tambor de 200 litros por 50 metros feira a dentro, o comentário geral era: “Esse garoto é muito forte!”. Na realidade tudo se resume na forma como você conduz o tambor, basta colocá-lo de quina no chão, dar dois pequenos impulsos e o próprio conteúdo impulsiona o tambor. Basta controlar o tambor de quina, com os dedos, o próprio tambor se movimenta. Na época foi lançado um produto novo no mercado, o Cardinali vendia sete pedaços por uma unidade monetária da época (1 cruzeiro), era o sabão Ypê, pelo fato de ser amarelo o pessoal dizia que era feito de fubá.
Você fez o Tiro de Guerra?
Na minha época era obrigatório, hoje infelizmente não é. Servi aqui na Paulista, na Avenida Dr. Paulo de Moraes, servi com o Waltencir, o comandante era o Guatura. Acho que todos deveriam servir o exército, inclusive as mulheres. No exército se aprende a ter amor a Pátria, o exército prepara o individuo para a vida. Entra moleque e sai um homem, em qualquer parte do mundo sem disciplina não se chega a lugar nenhum.
Você prosseguiu seus estudos onde?
Fui estudar na Escola Industrial, na época estavam construindo o segundo prédio. Fiz os cursos de torno, fresa. Eu queria fazer o curso de medicina, mas não era possível, tinha que trabalhar. Surgiu a vontade de buscar algo que trouxesse resultados mais rápidos. Eu tinha facilidade em ler textos, interpretando-os. Apareceu um amigo, João Barreto, que era locutor oficial da estação rodoviária “nova” e que precisava de alguém que o substituísse aos sábados e domingos á tarde. Fui para lá e passei a anunciar as partidas de ônibus. Apareceu um japonês, DuarteYamanaka, criamos coragem e fomos falar com Francisco Silva Caldeira que tinha adquirido a Voz Agrícola do Brasil, na Rua Moraes Barros 1191. O Caldeira me aprovou, dizendo: “-Eu não tenho nem verba e nem horário! Se você quiser a partir das 16 horas pode vir para cá e ler os textos comerciais”. Na época não eram gravados, quem programava as musicas era o Cesar Floriano que um ou dois anos depois saiu da rádio. O programa seguinte era apresentado pelo Paulo Roberto, irmão do Jayme Luiz, que tinha saído da rádio, foi trabalhar em São Carlos. O Paulo Roberto deu seqüência ao programa que na época era coqueluche em Piracicaba, chamava “Show das Cinco”. Tinha a participação do ouvinte pelo telefone no ar, era novidade e tinha grande audiência. O Antonio Carlos Pedrassi saiu da rádio, era um locutor com uma característica interessante, normalmente era gago, ao entrar no ar passava a ser um locutor normal. O Caldeira me ofereceu o horário dele e o salário possível da época. O meu sonho sempre foi de comer no restaurante Brasserie, eu passava pela porta, mas nunca tive dinheiro para entrar. Ao receber o meu primeiro salário na Voz Agrícola fui comer um filé á parmegiana na Brasserie! Depois fiquei “duro” pelo mês todo! Mas feliz por ter comido o parmegiana na Brasserie. Ai apareceu o Marcio Terra que tinha um programa das 18 ás 19 horas, o Panorama Esportivo, ele me puxou para o esporte, quem escrevia o programa era o Rubens Righetto, alguns meses depois o Righeto saiu da rádio, eu passei a fazer o programa com o Márcio e alguma coisa também no programa Jornada Esportiva. Disse ao Márcio que meu irmão tinha concluído o curso de datilografia, poderia escrever os textos do programa, assim Luiz Carlos Quartarolo passou a ser redator da Voz Agrícola. Ele fez com grande competência, conhece e gosta de futebol. Fiquei um bom tempo na Voz Agrícola, nessa época chegou por lá Tarcísio Chiarinelli, também apareceu um indivíduo com um gravador enorme nas costas, era o Rogério Aquiles. Naquela época estavam lá: Dinival Tibério, Márcio Terra, Osvaldo Onofre. Eu tinha 18 a 19 anos, vi que aquilo não oferecia melhores perspectivas financeiras. Fui trabalhar como gerente de cine, foto e som da recém inaugurada Jumbo Eletroradiobrás. Em seis meses percebi que não era o que eu queria. Fui trabalhar com Silvio Gonçalves Motta que era atacadista da São Paulo Alpargatas, passei a viajar pelo estado todo. Vendi muitas alpargatas, congas, havaianas, calças e camisas USTOP. Casei-me com Maria Nilcéia Spada, em 24 de dezembro de 1976, na Matriz da Catedral. Na época o carro chefe de vendas era o Ki-Chute, um calçado que utilizava derivado de petróleo, com a crise mundial nesse setor a demanda era maior do que a produção, com jeans acontecia a mesma coisa. Tinha que cobrir cotas vendendo havaiana e conga cujo valor agregado era bem menor. Decidi ir á São Paulo em busca de algo melhor, minha esposa permaneceu em Piracicaba. O Carlinhos Libardi era gerente do Messias que tinha comprado um depósito da Skol que havia falido, ficava na Vila Mariana, na Rua Tutóia. O Carlinhos disse-me: “ – Só preciso de você aqui na parte da manhã, você circula a Avenida Paulista e a Rua Brigadeiro Luiz Antonio, tira os pedidos, faz as notas e depois está liberado”. Ele ainda me ofereceu um aposento no próprio depósito, onde coloquei uma cama e passei a dormir no depósito de cerveja. Comecei a visitar todas as rádios de São Paulo. O que me ajudou é que em Piracicaba eu já havia trabalhado na Voz Agrícola, na Rádio Educadora.
Qual foi a primeira rádio em São Paulo em que você começou a trabalhar?
Certo dia fui a Rádio Gazeta, o Roberto Petri estava começando a comandar a equipe, entrou no lugar do Peruzzi que tinha saído. Ele precisava de alguém para ficar no lugar do Rui de Moura, lá encontrei Athayde Teruel que era de Santa Bárbara D`Oeste e já havia trabalhado em Piracicaba, isso deu uma certa empatia, foi ele quem me apresentou ao Roberto Petri. Athayde disse-lhe: “Esse é o cara que você precisa!”. Marcamos um teste para quinta feira. Eram 15 pessoas para uma vaga. Tinha um candidato do Mato Grosso, experiente, com um vozeirão. Outro de Jaú era fantástico. Mas deu certo, acabei sendo contratado. O Petri foi muito decente, disse-me que naquele mês e no mês seguinte ele só dispunha de metade da verba considerada o piso da categoria. Fiquei. No terceiro mês ele me deu mais do que o dobro de aumento. Na Rádio Gazeta fiquei de 1976 até 1982. O Petri saiu e o Flavio Araujo entrou no seu lugar, Darci Reis era o chefe na Rádio Bandeirantes, me chamou oferecendo um excelente salário, a Gazeta cobriu a oferta. O Darci Reis me chamou novamente, dobrando o meu salário. Em 18 de maio de 1983 fui á Bandeirantes onde permaneci até 1998. Quando o Darci Reis faleceu o Fiori Gigliotti assumiu a equipe, foi um grande chefe e amigo. Com o Eder Luis montamos uma equipe esportiva em FM, inicialmente para a Band FM, de lá fomos para a Transamérica, fiquei com o Eder até 2003. Dei uma parada, passei a fazer gravações de audiovisuais, apresentações de festas, comerciais, mestre de cerimônias, cheguei a fazer três formaturas no mesmo dia. Uma das cerimônias que fiz foi muito marcante, me contrataram para apresentar a cerimônia de ordenação de um padre. A duração foi de umas quatro horas, segui um script. João Thomaz, um amigo, é pai de uma menina portadora de Síndrome de Dow, ela sempre se motivou muito ao ouvir musica clássica, colocada em uma escola de ballet, hoje ela é a única portadora de Síndrome de Dow que realiza todos os movimentos de ballet, ela se apresenta no mundo todo. Na sua formatura fui convidado a narrar a sua apresentação.
Quando você retornou ao rádio?
O Deputado Roberto Moraes, em 2008 me convidou para ajudá-lo na apresentação de futebol aos fins de semana na Rádio Onda Livre, onde permaneci até maio deste ano, quando a Rádio Capital me chamou. Atualmente faço um programa diário das 20:00 ás 21:00 horas e faço futebol quarta, quinta, sábado e domingo. Em 1979 eu trabalhava na Gazeta aos finais de semana e a convite de José Roberto Soave vim para trabalhar na Difusora FM, que foi a primeira FM da cidade, eu e Olívio Pizzani já falecido, éramos as vozes oficiais da Difusora FM. Na Difusora AM eu fazia a parte policial. Quem faz futebol consegue improvisar no rádio. Quando um homem de rádio vai a campo, ele irá narrar geralmente mais de 90 minutos, o locutor tem que narrar tudo que está vendo, isso facilita o trabalho em festas, comerciais. Trabalhei em campo com o Faustão, quando ele fazia a Jovem Pan e depois a Globo, sendo que ele também trabalhava no Jornal O Estado de São Paulo. Naquela época não havia os recursos técnicos de hoje, no intervalo quando todo mundo ia comer um lanche ele ia ao orelhão passar matéria para a redação do jornal.
Você só se dedicou á área esportiva dentro do rádio?
A área esportiva me descortinou o Brasil e o mundo. Estive na América do Norte, Europa, Ásia. Em alguns países permaneci por mais de um mês, a trabalho. Consegui com o rádio ajudar alguns amigos: levei meu irmão Luis Carlos Quartarolo, foi trabalhar como plantão da Gazeta, logo depois foi o Roberto de Moraes, que voltou por ter deixado a noiva aqui, levei Tarcísio Chiarinelli, que depois voltou á Piracicaba, levei de Jaú o Luiz Carlos Bonzanini que também está de volta em Piracicaba.



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