Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de fevereiro de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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O Brasil vive um momento em que a necessidade de mão de obra qualificada tornou-se um gargalo para o seu desenvolvimento, o valor da educação salta aos olhos. Piracicaba é denominada como Ateneu Paulista, embora alguns façam referência a Atenas Paulista, uma forma de dizer que é considerada uma cidade privilegiada pelo número de estabelecimentos de ensino. O ensino público por décadas foi considerado superior ao ensino privado, até surgir reformas como a aprovação continuada, que hoje causa grande polêmica, o princípio estabelecido era louvável, mas na prática é desastroso. Há quem diga que os estudantes muitas vezes concluem o ciclo de ensino com a qualificação de analfabeto funcional. Houve um grande desenvolvimento tecnológico, mas o aprendizado árduo, que requer empenho por parte de alunos e mestres, foi em muitos casos relegado a um segundo plano. Historicamente pode acontecer que um percentual pequeno de alunos que se dediquem ao aprendizado serão líderes naturais em detrimento àqueles que têm o título, mas não estão capacitados. Nessa grande massificação de cultura, emergem ilhas de grupos intelectuais. Piracicaba mais uma vez se destaca, instituições voltadas às Artes Plásticas, Musica, Literatura formam grupos de pessoas interessadas em desenvolverem seu potencial. O Jornalista Carlos Moraes Júnior é o responsável pelo Clube dos Escritores, uma entidade que tem cerca de 600 associados no Brasil todo, classificados em grupos distintos, cada associado recebe denominação referente á cadeira que ocupa. Carlos Moraes Júnior nasceu em Tatuí, no dia 16 de dezembro de 1948 são seus pais Professor Carlos Moraes e Professora Dirce Avalone de Moraes. Carlos é o primogênito dos quatro filhos que o casal teve. A esposa de Carlos é Maria Clarice Alves da Silva Moraes, ambos são pais de Luis Emiliano.
Quem nasce em Tatuí geralmente toca algum instrumento.
Minha mãe era formada em piano. Estudei música por quatro anos, só que como bolsista fui designado a tocar um instrumento com o qual não tinha nenhuma simpatia, o violino, eu queria na realidade estudar piano, só que não tinha bolsa de estudos para piano. Minha mãe era formada em piano. Um dia eu estava tão enfadado daquele instrumento que o joguei em cima de um caminhão que passava, o motorista o trouxe de volta, na época eu deveria ter uns treze anos, estudava teoria musical e tocava violino. Com o decorrer do tempo passei a tocar piano, violão, órgão, escaleta, só não toco sanfona, tenho mais de 30 músicas compostas por mim, geralmente com parceria de alguém que compunha a música e eu fazia a letra. Gosto de música sertaneja, não posso ouvir músicas de Roberto Carlos, acabo chorando, principalmente as músicas da época da Jovem Guarda, eu vivi aquilo. Prefiro a fase mais antiga do cantor, não me identifico com as musicas recentes dele. Acho que Erasmo Carlos mantém-se mais fiel a sua origem.
Quando você compôs a sua primeira poesia?
Foi em 1962. Em Tatuí havia um jornal estudantil, nele eu publiquei as minhas primeiras poesias. Com 13 anos eu já tinha lido Monteiro Lobato, Érico Veríssimo, Machado de Assis, Castro Alves. Jorge Amado eu não tinha acesso. Meu pai dava-me os livros. Na idade entre 13 e 14 anos eu já havia lido mais de 50 poetas, inclusive de outros países. Eu lia muito, na minha cidade não tinha o que fazer, conheci televisão quando tinha 12 anos, ia até a casa de um vizinho que tinha televisão para assistir o desenho do Pica Pau que passa até hoje. Tinha um programa chamado “I Love Lucy”, outro programa com Eva Wilma e John Herbert. Eu adorava o “Grande Teatro Tupi”. Não gostava de futebol, mas era campeão de natação. Eu gostava mesmo era de ler e escrever poesias. Mais tarde é que passei a escrever crônicas, tenho mais de 3000 crônicas escritas e publicadas. Tive a coluna diária chamada “Temática” era publicada pela Tribuna Piracicabana, permaneceu por cinco anos. Simultaneamente eu publicava no Jornal de Piracicaba. Às vezes republico na Gazeta de Piracicaba uma crônica que escrevi há 20 anos e que está dentro do contexto atual. Quero ver se nestas festividades dos 50 anos faço uma exposição dos meus desenhos, tenho dezenas deles.
Em que ano você e sua família vieram morar em Piracicaba?
Foi em 1966, fomos morar na Avenida Armando Salles de Oliveira, entre a Rua Rangel Pestana e D.Pedro II, a casa existe até hoje. Ainda circulava o trem a vapor, a famosa Maria Fumaça, dia e noite escutávamos a movimentação de term. Fomos estudar no Sud Mennucci, no curso científico fui aluno de Argino Cecarelli, do professor Demóstenes que lecionava química.
Nessa época você já trabalhava?
Em 1967 fui trabalhar como revisor no Jornal de Piracicaba, no prédio da Rua Moraes Barros, Dr. Losso Neto era o diretor. Lembro-me do Nelson (Tuca) Barreiro, José ABC era o editor. A primeira poesia que publiquei no Jornal de Piracicaba foi na coluna social do Lino Vitti. Fiquei no Jornal de Piracicaba até 1972, só que ai já estava escrevendo, fazendo Mobral Em Revista, eu era Supervisor no Mobral, Movimento Brasileiro de Alfabetização, eu dava aula no G. E. Olivia Bianco, no Jaraguá, era monitor, depois passei a supervisor. Nessa época escrevia a coluna Temática. O jornalista Geraldo Nunes me convidou para ir fazer reportagem em “O Diário”, em 1972 fiz meu ingresso. A primeira matéria que fiz foi Bandeirantes Modernos, sobre o projeto Rondon, que ocorreu em Rio das Pedras. “O Diário” era um jornal combativo, suas páginas criavam polemicas, fiz muitas reportagens buscando sempre defender os interesses da população. Fazia notas policiais, horóscopo. Apareceu a oportunidade de trabalhar no Jumbo Eletroradiobrás, que se instalava em Piracicaba, fui para São Paulo, fiz um treinamento em seguida inaugurei as lojas da Casa Verde, Aeroporto, Guarulhos, Botucatu, Santos, Campinas e viemos inaugurar a loja de Piracicaba onde me tornei Gerente de Promoção de Unidade, permaneci no Jumbo por dois anos e seis meses.
Como era a liberdade de imprensa no período do Regime Militar?
Em 1967 tinha a sala do censor, dentro do jornal. Fui convidado a explicar uma crônica minha. Tive que explicar linha por linha. O trecho censurado era: “O resto eu não posso contar, tem um gato no telhado, sinhozinho”. O Senhor Censor disse que tinha coisa perigosa na minha crônica. Veja as coisas como eram, o livro “A Capital” de autoria de Oscar Niemayer, sobre a construção de Goiânia era considerado livro de filosofia comunista, um enorme imbróglio com “O Capital” de Karl Marx.
As agências de publicidade já atuavam em Piracicaba?
Trabalhei na Agencia de Publicidade LH, ficava próxima á Porta Larga, eu fazia redação publicitária, só que o trabalho não tinha o reconhecimento monetário que hoje existe.
Você teve a necessidade de trabalhar em algo mais promissor?
Fui trabalhar com atendimento médico no INPS como concursado. O critério de atendimento aos pacientes adotado pela chefia me deixou descontente, saí de lá, percebi que aquele estado de coisas não me fazia bem. Fiz concurso para Fiscal de Rendas Municipal, passei em segundo lugar, ingressei e após 33 anos de trabalho,em 1997, me aposentei. Quando fiz o concurso o prefeito era Homero Paes de Athayde.
E a poesia?
Eu fazia poesia de qualquer coisa. Uma ocasião eu estava no ônibus, em pé, segurando no corrimão, de repente surgia “Na ponte do meu amor você é a longarina...” Quando cheguei nas proximidades da minha casa, na Rua João Botene, eu estava com a poesia inteira na minha cabeça, só não estava escrita ainda, se alguém falasse comigo eu perderia tudo. Vinha decorando-a. Quando cheguei à minha casa. Pronto saiu! Eu pegava o dicionário e lia página por página, procurando decorar as palavras. Lí a Bíblia umas quatro vezes. Como fiscal eu sempre fui um peixe fora da água. Nunca tive a índole de penalizar o contribuinte, mas sim de orientar. O que eu fiz foi amizade com todo mundo, ganhei muitos amigos sinceros. Basicamente eu fiscalizava ISS, Imposto Sobre Serviços, incidente a todos os prestadores de serviços. Fiscalizava desde construções até usinas de açúcar, ficávamos procurando os locais onde pudesse haver irregularidades. Fiscalizava as empresas que realizavam eventos, se estavam com a documentação em ordem, algumas vezes chegamos a parar bailes em pleno andamento, as empresas não estavam devidamente legalizadas, sequer emitiam nota fiscal de prestação de serviços, nem tinham um talão de notas, eram empresas clandestinas.
Em que ano foi fundado o Clube dos Escritores?
Foi em 1995. Em 1986 já estávamos pensando em criar um clube, entre outros esse grupo era composto por Fuzato, Edsel Clemente, Clemente Nelson de Moura, José Moraes. Achávamos que era necessário criar uma coisa nova. Sou um dos fundadores da Academia Piracicabana de Letras, a minha cadeira era a número 4, com as mudanças ocorridas na mesma, fui determinado a ter a cadeira 38. A fundação da APL foi feita pelo João Chiarini, Sacconi, Haldumont Nobre Ferraz, Homero Anéfalos, mais dois integrantes residentes em outras cidades. As reuniões eram feitas no escritório de João Chiarini, na Galeria Brasil. A Academia Piracicabana de Letras tinha mais de 600 cadeiras. Chiarini nunca cobrou anuidade de ninguém. Ele conseguia verbas com empresas da cidade. As sessões magnas eram com mais de 500 pessoas, sendo a maioria de outras cidades, ele realizou essas sessões no Teatro São José, no Clube Cristóvão Colombo, no então Cine Palácio, no auditório da Unimep, da Câmara Municipal. Os participantes dessas sessões eram pessoas de elevado nível intelectual. Em menos de três anos a Academia era conhecida no Brasil todo. Pertenciam á Academia entre outros, Jorge Amado, Juscelino Kubistchek, Ivens Gandra Martins. Chiarini era compadre de Jorge Amado.
Como foi o declínio da Academia?
Com o falecimento de João Chiarini ela entrou em uma fase descendente, o sucessor não administrou com a mesma orientação dada por Chiarini. Henrique Cocenza assumiu a Academia já em uma fase muito difícil.
O Clube dos Escritores nasceu de que forma?
Nós tínhamos o programa Clube dos Escritores na Rádio FM Municipal, isso em 1995. Anteriormente chamava-se Poesia na Madrugada, era levado ao ar da meia noite até meia noite e meia, aos sábados. Eu escrevia o programa, era apresentada a biografia de um escritor, o tempo em que viveu e exemplos de suas obras. Apresentamos 378 programas. Com a mudança de prefeito toda a diretoria da rádio foi mudada, logo em seguida nosso programa deixou de ser apresentado naquela emissora. Fomos para a Rádio Educadora de Piracicaba, a diretora da rádio, Professora Ana Maria Meirelles de Mattos adorava o programa. Ela e o radialista Celso Melotto faziam um bate bola, declamavam poesias. Ela era exímia declamadora. Alícia Pedrassi era outra participante que declamava muito bem. O programa era apresentado no sábado a meia noite. Dona Ana gravava as suas declamações no período da tarde. Permanecemos na Rádio Educadora de 1995 até 1999. Em 16 de outubro de 1995 fundamos na Brasserie o Clube dos Escritores, estavam presentes 23 pessoas.
Escrevi um livro chamado O Poeta Piracicabano abrangendo os anos de 1800 a 1970, encontrei 106 poetas nesse período.
A seu ver quem é o maior poeta piracicabano?
Para mim é Francisco Lagreca.
Como surgiu o nome de um de seus livros “Nem Tambores, Nem clarins”?
Eu tinha um livro pronto, disse ao Henrique Cocenza que precisava de um nome para o mesmo. Ele então me perguntou: “-Seu livro tem tambores? Tem clarins? Então pode ser Nem tambores, Nem clarins!” esse livro foram duas edições. Estávamos tentando descobrir uma forma acessível para escrever e publicar livros, era caríssimo. Em 1986 montamos uma cooperativa, a Coopia, Cooperativa Independente de Autores. Eram 10 pessoas, cada um pagava uma mensalidade, e saia um livreto por mês. Com o passar do tempo os integrantes do grupo dispersaram. Para escolher de quem seria o livro a ser publicado era feito um sorteio. Passamos a fazer literatura alternativa, eram impressos livretos com 10 a 12 páginas. Conseguíamos anúncios publicitários para todas as páginas. Fiz 389 livretos, meus, totalizando 35.000 exemplares, eram distribuídos gratuitamente. Fiz uma oficina de literatura alternativa na Casa do Povoador, isso em 1986. Ensinava como compunha, montava um livreto. Essa coleção eu doei para a Biblioteca Municipal.Publiquei 1200 poesias minhas, em 12 volumes, com ilustrações na capa, feitas por mim. Fiz o livro Poeta Piracicabano que vendeu 1.500 exemplares, o dinheiro, fruto da venda do livro, doei ao Crami. Em outubro deste ano estarei completando 50 anos de carreira, de jornal, poesia. A primeira sessão magna do Clube dos Escritores foi feita no Mirante, foi estrondoza, tinha mais de seiscentas pessoas. Tarciso Mascarim e Antonio Altafin foram homenageados.
Como são designados os associados do Clube dos Escritores?
Existe o Membro Titular Fundador, Membro Titular Emérito, o Conselho, o Decano do Conselho, em seguida temos o Colegiado Acadêmico e Preclaro. Temos sócios honorários, assim como assinantes da revista. No início, juntamente com Haldumont Nobre Ferraz, o Tiquinho, criamos três categorias: Cidadão Prestante, Cidadão Emérito e Magna Persona, esses foram os três primeiros diplomas que demos, conforme lei municipal e registro em cartório. Todos os títulos que mencionei são frutos de lei e tem registro em cartório. Criamos mais três: Magno Mérito Cívico Cultural, Medalha Cientifica Walter Radamés Accorsi e Escritor Honoris Causa.
O Clube dos Escritores conta com quantos membros atualmente?
São 740 membros, em 189 cidades localizadas em 20 estados. Duas vezes por ano realizamos sessão magna, este ano de 2012 será dia 27 de julho e 26 de outubro, na Câmara Municipal. O titulo de Honoris Causa só concedemos um até hoje, foi para um associado do Rio Grande do Norte, ele veio até Piracicaba para receber o título. Há associados que em função de diversos fatores não tem como se locomover até Piracicaba. Em novembro do ano passado realizamos uma sessão magna contando com associados de 32 cidades. Atualmente a nossa revista é enviada por e-mail. www.cclubedos escritores.comunidades.net, temos uma comunidade no facebook.
O Clube dos Escritores proporciona á você grandes alegrias?
Tenho muita satisfação quando entra em contato com o clube alguém de uma cidade da qual só conheço o nome, algumas eu nem sabia que existia, como Vanini no Rio Grande do Sul, é muito grande a alegria de estar conversando com a pessoa que se idêntica com o clube. O Clube dos Escritores em determinadas categorias abrange além de textos, também artes e ciências.
Há mais homens ou mulheres participando do Clube dos Escritores?
A presença feminina é maior. Há poetisas com um talento espetacular. Assim como cronistas, como uma de Porto Alegre.
Você sente-se orgulhoso em levar o nome de Piracicaba á todas essas cidades?
Nós fazemos o que o João Chiarini fazia. Acedito que o pensamento de João Chiarini está correto, escritores não se resume nos 40 grandes nomes, há escritores de todo porte, excepcionais, escritores mais fracos, outros são medianos, iniciante. A nossa academia que é de Ciencias, Artes e Letras, e só não se chamou Academia Piracicabana de Ciências, Artes e Letras, por resistência de alguns integrantes de outra academia, que no entender deles seriam duas academias concorrentes, o que de fato não é realidade.
O membro da Academia de letras é denominado de imortal, isso ocorre com os membros do Clube dos Escritores?
O integrante do Clube dos Escritores é considerado imortal, cada um tem um patrono, que são pessoas de Piracicaba, temos vários que eram membros da academia, faleceram e hoje poderão dar seus nomes à cadeiras.
O Clube dos Escritores recebeu alguma homenagem?
Devemos ter umas 10 moções de aplauso feitas em diversas épocas. A nossa medalha de colegiado está exposta em Brasília, onde em um local mantido por militares ficam expostas medalhas do país inteiro. A figura estampada na medalha nós desejamos que fosse de São Paulo, o santo. Haldumont Nobre Ferraz tinha o sonho de fazer o Colar de Mérito Literário. Em 2012 será o terceiro ano que concederemos o colar. O Clube dos Escritores conta com 189 delegados espalhados pelo Brasil.
O brasileiro lê?
O brasileiro lê, o problema é o que ele está lendo. O que está acontecendo nos últimos dez anos, tenho visto isso nas bienais do livro espalhadas pelo Brasil, é a quantidade de crianças procurando livros. Isso é importante. Estou completando um ciclo da minha vida, 50 anos dedicados à literatura.