domingo, julho 15, 2012

Pe. GIOVANNI MURAZZO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 14 de julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: Pe. GIOVANNI MURAZZO
Nascido a oito de julho de 1936, na Itália, em Palata, Padre Gionanni Murazzo è um dos cinco filhos de Giuseppe e Filomena Murazzo: Tereza que faleceu aos catorze anos de peritonite, Michele (Miguel), Alberto, Giovanni, Tereza (nome dado em homenagem a primeira filha). Carismático, escritor com mais de uma dezena de livros publicados, em português e italiano, comunicativo, culto, estudioso e pesquisador, um missionário espalhando sementes de fé e esperança. No Brasil conviveu com D. Helder Câmara, D. Luciano Mendes, D. Paulo Evaristo Arns. Foi ordenado sacerdote pelo cardeal africano Rugambwa, primeiro cardeal negro da história. Exerceu seu sacerdócio por dez anos em uma região inóspita, a Ilha da Sardenha. Veio como missionário para o Brasil onde trabalhou no Rio de Janeiro, São Paulo. Em 1987 retornou á Itália onde permaneceu até 1995, ano em que veio para Curitiba e Guarapuava. Transferido para São Paulo, foi por sete anos, Superior Provincial dos Missionários Xaverianos. Em 19 de junho de 2011 foi nomeado Pároco da Paróquia Imaculado Coração de Maria, da Paulicéia. Sua mais recente obra “Cruzes no Caminho” é um bálsamo para os dias atuais onde Padre Giovanni reuniu relatos de experiências muito fortes e positivas, vividas por fiéis que o conheceram.

Como se deu a descoberta do senhor pela vocação sacerdotal?

Naquela época a maioria da população trabalhava nos campos, permaneci com meus pais até 14 anos, quando fui para o seminário. A minha vocação está ligada a um padre xaveriano, Padre Alexandro Pataconi era um missionário muito alegre, divertido, ele veio de Ancona a Termoli, umas três horas de viagem, veio para ajudar o nosso pároco na Semana Santa, se hospedou na casa da minha professora do primário, Gemma Fioritti, que tinha um irmão capuchinho. Essa professora foi para mim uma segunda mãe, depois que o padre Pataconi foi embora ela fez animação vocacional, falando dos padres xaverianos, das missões na China, sobre a necessidade de outros missionários. Ela perguntou quem queria ser padre, quatro ou cinco garotos levantaram a mão. Ela então explicou que para ser padre tinha que ter boa saúde, estudar, ser religioso, rezar bastante. Eu fui um daqueles que levantaram a mão. A professora entrou em contato com a minha mãe, passou a relação dos documentos necessários. Minha mãe e eu fomos pedir uma carta de apresentação ao Padre Rafaelli Di Alessandro, um ex-salesiano, que tinha sido capelão militar e era nosso pároco. Em 1950 entrei em Ancona, que era a casa dos xaverianos mais próxima a minha cidade. Lá encontrei o reitor Padre Mário Veronezzi, ele tinha sido geômetra antes de ser xaveriano. Quando chegamos ao seminário, éramos três, frutos da animação missionária da professora. Padre Mário nos disse: “Mário, Vicenzo e Giovanino, assim como trem que os trouxe tem dois trilhos aqui também temos duas grandes obrigações: oração e estudo”. No ano seguinte ele foi ser missionário em Bangladesh, em 1973 foi morto durante a guerrilha, quando levava no colo um rapaz ferido. É considerado um mártir. Fiz os cursos normais de ginásio. Em Ancona fiquei só um ano, os outros anos foi em Bergamo, terra do Papa João XXIII. O noviciado foi próximo a Ravenna, onde São Guido Maria Conforti tinha sido arcebispo. Após o noviciado por um ano fiz estágio educativo, três anos de filosofia em Désio, próximo a Milão. Os últimos cinco anos eu estudei em Parma, onde fui ordenado a 13 de outubro de 1963. Se Deus quiser no ano que vem irei celebrar o jubileu de ouro, 50 anos de ordenação sacerdotal missionária.

Quem o nomeou padre?
                                                               Cardeal Rugambwa

Foi o Cardeal Rugambwa, primeiro cardeal da África, nomeado aos 44 anos pelo Papa João XXIII. Ele era alto, magro, muito negro. Foi uma benção, o nosso superior geral era de Bergamo, ele acompanhava os bispos da África, da Ásia, onde tínhamos missões e convidou o Cardeal Rugambwa.

Para onde o senhor foi designado após tornar-se padre?

Eu queria ir para o Japão, o meu superior disse-me para ir provisoriamente para a Sardenha. Esse provisoriamente durou 10 anos!

Como era a Sardenha naquela época?

Era uma época em que houve muitos seqüestros na Itália, as vítimas eram levadas para uma região de difícil acesso, existente na Sardenha. Nem os romanos conseguiram conquistar o povo daquela região. Era um lugar muito selvagem. A natureza influencia sobre nós, mas o nosso coração é que dá um sentido à natureza. Se tivermos paz interior somos capazes de ver a vontade de Deus na criação das pedras. Nas décadas 60 e 70, quando inclusive houve o seqüestro de Aldo Moro, a Sardenha ocupou o noticiário. Dois terços da Sardenha são formados por pedras, é um povo muito pobre. O único recurso é o pastoreio de ovelhas, um pouco de turismo, é uma ilha com praias. Toda a Sardenha tinha um milhão e meio de habitantes, a Sicilia, com o mesmo tamanho tinha de cinco a seis milhões.

Em que local da Sardenha o senhor viveu?

No centro da Sardenha, na província de Nuoro, na cidadezinha de Macomer. Cheguei no Brasil em 1974, voltei para a Itália em 1980, de três em três anos, quando volto para a Itália vou até a Sardenha, porque lá fiz muitos amigos. Os sardos têm no início desconfiança da pessoa estranha, é um temperamento histórico, os invasores vinham pelo mar para se apossarem da ilha. Após conhecerem a pessoa é firmada uma amizade verdadeira. Quando cheguei ao Brasil o superior regional Carlos Coruzzi me perguntou se eu me dei bem com a Sardenha, quando lhe disse que sim, ele disse-me: “Coragem! Irá se encontrar bem no Brasil! A Sardenha é como o noviciado para começar a vida religiosa aqui no Brasil.”Há em comum a religiosidade popular, lá ainda continuam a dizer “Se Deus quizer”, “Vai com Deus”, “Deus te abençoe” e também no Brasil o relacionamento de amizade é muito forte.

Quem decidiu que o senhor deveria vir para o Brasil?

Após 10 anos na Sardenha fiz o ano sabático, de aggiornamento, é um ano só de estudos, atualização, não se tem compromisso com seminário, paróquia. Fiz esse ano em Roma, no Ateneu dos Salesianos. Tive como coordenador do nosso curso o Padre Carlos Geanolla, especialista na pastoral juvenil, No segundo semestre Padre Geanolla disse-nos “ Vocês missionários são gente da galera, gente da prisão. Se queixam que a imprenssa publica tantas coisas ruins, e vocês missionários que vão para outro lugar, para outro povo, culturas diferentes, não escrevem nada, com a desculpa de que não sabem escrever, ninguém pede que sejam grandes escritores”. Para mim essa provocação foi como uma chicotada. Naquela época era muito forte a consciencia de que o missionário deixou a sua pátria não somente em nome da congregação, mas em nome da igreja da sua localidade. Incorporei essa idéia, e a cada cinco ou seis meses mandava uma carta ponte. O livro “Pequena Ponte” escrevi recolhendo todas as cartas que escrevia para os amigos, da Sardenha, da Itália. Continuo escrevendo essas cartas a cada três ou quatros meses, conto as coisas mais significativas. Ao chegar em Piracicaba, a primeira experência que contei-lhes é que aqui tem uma catequista, Josefina, que é catequista por cincoenta anos. Temos três pedreiros que trabalham para a manutenção das nossas capelas, um deles, o Wilson, me disse: “Padre Giovanni, não vejo a hora de me aposentar no ano que vem para me dedicar completamente a evangelização”. Eles está fazendo a caminhada do SINE Sistema Integral da Nova Evangelização, que o nosso bispo recomenda, missão permanente. São pequenas faíscas que procuro, para não perder a motivação que nos deu Padre Geanolla. Quando fiz a despedida na minha paróquia em 1974, ao sair da igreja fui procurado por uma senhora bem idosa, ele disse-me: “Padre Giovanni eu não escuto bem, parece que vai como missionário ao Brasil?” Disse-lhe- “Sim, Alfonsina, vou lá onde está o Padre Silvestre”. Ela tinha um filho padre que estava no Brasil. Ela então pegou as minhas mãs e disse-me: “Não faça como o Padre Silvestre, que não me escreve!”. Duas lágrimas caíram do seu rosto. Disse-lhe que faria também a parte do Padre Silvestre. Depois cobrei de mim mesmo, seja pela motivação racional de Dom Geanolla, seja pela emocional daquela mãe. O primeiro batismo que fiz foi em 13 de novembro de 1963, do neto dela, em minha paróquia, e se chama Alfonso. Quando fui ordenado éramos em 32, cinco foram ordenados nos Estados Unidos, porque fizeram teologia naquele país. Em Parma éramos 27, todos ordenados pelo Cardeal Rugambwa. Depois cada um ia celebrar sua primeira missa em suas paróquias de origem. Cheguei em Palata dia 2 a noite , era um sábado, dia 3 celebrei a primeira missa e a tarde fiz meus dois primeiros batizados, Alfonso e Gianluigi.

Em que dia o senhor veio para o Brasil?



O famoso Augustus desatracando do Armazém de Bagagens do


                              Porto de Santos, no ano de sua viagem inaugural - 1952. Foto: José

Dias Herrera.

Cheguei no Brasil no dia primeiro de outubro de 1974, viajando pelo navio Augustus, deve ter sido a ultima viagem do transatlantico. Saímos de Genova em setembro, após dois ou três dias de greve, era normal ter greve, após 12 dias chegamos ao Rio de Janeiro, onde permanecemos por seis horas, eu e o Padre Renato Gotti, fomos visitar duas irmãs que fizeram o curso conosco, em Verona, e já fazia uns cinco ou seis meses que estavam no Rio de Janeiro. Saímos do porto e ao atravessar a Avenida Brasil, o farol abriu, estava atravessando a avenida, um taxi avançou na minha direção, tive tempo de saltar, mas o meu relógio espatifou no meu pulso. Era o dia do Anjo da Guarda, 2 de outubro.

Qual foi a sua primeira impressão ao chegar no Brasil?

O Cristo do Corcovado (Padre Giovanni emociana-se muito). A acolhida do povo. Voltamos ao navio, chegamos em Santos, veio me buscar o Padre Carlos Corrucci, que era o provincial na época. Estava lá também o tio do Padre Renato Gotti, que era presidente de uma conferência de vicentinos, ele era da família Trainna. Em São Paulo tinha um bolo com a bandeira da Itália e do Brasil, escrito “Seja Bem Vindo Padre Giovanni” Fui buscar no meu baú uma garrafa de Vernaccia, um vinho da Sardenha. O Padre Domenico Costella, foi por muitos anos professor da PUC, hoje está em Curitiba, onde dá aula de filosofia na Universidade dos Vicentinos. Fiquei três meses em São Paulo para aprender a língua, morava na Vila Mariana, a nossa casa está próxima a Estação Ana Rosa do metrô, que fica depois da Estação Paraíso. Quando alguém me pergutava: “Onde mora em São Paulo?” repondia: “Além do Paraíso”. Padre Renato e eu íamos às aulas em uma escola que ficava na Rua Manoel de Nobrega. Entravamos no ônbus super lotado, na hora de sair eu não sabia dizer: “-Dá licença!”. Era sempre um desafio descer no ponto certo. O fato de aprender outra líbgua deu-me a impressão de ter outra alma, é uma experiência fantástica, como entrar em outro mundo. O meu primeiro destino foi Centenário do Sul. Diocese de Londrina. O Padre Renato deveria ir para Francisco Beltrão, Ele disse ao provincial que sofria muito com o frio e que gostaria de ir para Londrina. O provincial perguntou-me se eu aceitava. Respondi que sim, para favorever ao Padre Renato não teria nenhum problema. Fiquei por seis meses em uma paróquia que tinha 18 comunidades na Diocese de Francisco Beltrão e Parmas, próximo a Pato Branco. Havia lá outro padre, dois padres xaverianos foram transferidos, antes de mim, tinha chegado o Padre Stanislau Pirolla .O bispo que nos acolheu foi Dom Agostinho Sartori, capuchinho. Ele disse ao povo com sua voz que parecia um trovão: “-Povo de Deus. Cuide bem desses dois padres, porque uma comunidade paroquial sem padre é um corpo sem cabeça”. Ele nos chamava de Padre Lau e Padre João. Após seis meses, vieram os padres Carlos Corrucci , o vice-provincial Padre Roberto Beduschi. Fui transferido, chorei como uma criança que perdeu a mãe.

O senhor foi transferido para onde?

Fui para Centenário, e ia para Lupianópolis às quartas-feiras, sádados e domingos. O povo era muito acolhedor, comecei a divulgar nosso jornal “Cosmos”, primeiro jornal missionário do Brasil, era impresso em São Paulo, divulgado junto aos adolescentes. Após seis meses em uma assembléia, o provincial disse: “- No Rio de Janeiro existe o Diretor da Infância Missionária, um padre holandes, ele está pedindo um padre xaveriano que vá ajudá-lo como secretário, na contabilidade. “-Vocês acham que devemos aceitar esse convite?” Todos reponderam “-Sim!”. E quem devemos mandar? “-Padre Murazzo! Padre Murazzo!”. Por aclamação fiz as malas mais uma vez. Esse padre, Paulo, era colega de escola de Lefevre. Ele não sabia uma palavra de italiano e eu não sabia uma palavra de holandês. Nos comunicávamos em português. Fiquei um ano e meio no Bairro de Santa Tereza, aos pés do Corcovado, foi um período abençoado. Estavamos situados entre as mansões e a Favela dos Prazeres. No meu livro “Ide e Evangelizai”, contei algumas experiências desse período. Quando cheguei ao Rio de Janeiro, uma das irmãs paulinas foi encarregada de coordenar a Coleção Evangelização de Conversão. A irmã e diretoria de um colégio, Isabel Fontes Leal Ferreira me pediu que escrevese lguma coisa das missões. Em três volumes contei experiências que propiciam reflexões.

Após um ano e meio no Rio de Janeiro o senhor foi transferido para São Paulo?

Fiquei mais de um ano com as pontifícias obras missionárias, foi quando tive contato com Dom Evaristo Arns, divulgamos o jornal Cosmos. Isso foi em 1976, 1977.

Foi um período político bastante agitado?

Sim, Dom Evaristo era um ponto de referência. De 1978 a 1984 por seis anos fiquei em Londrina, foi na época da contestação, eu era reitor do Seminário Nossa Senhora de Fátima de Londrina. Nessa época escrevi o livro “Cêntuplo” Os seminaristas tinham uma ideologia muito acentuada. Tínhamos os cursos de segundo grau e filosofia, inclusive com vocações adultas, pessoas que entravam já com 25 anos ou mais. Foi nesse período que explodiu a revolução na diocese de Campo Mourão, onde tínhamos três paróquias e dois padres no seminário. O bispo era Dom Eliseu Resende. Em 1981 os dois primeiros padres xaverianos que vieram para a paróquia da Paulicéia eram o Padre Zézinho e Padre Zézão, este espanhol. Vim para São Paulo a pedido de Dom Paulo Evaristo Arns. Fui evangelizar em Itaquera, Guaianazes e toda aquela região. Depois de seis anos meio em Londrina fui para a Diocese de Ourinhos, para Piraju, na época era Diocese de Botucatu. Foram três anos muito abençoados. Em Piraju, em 1987, quando o Papa João Paulo II esteve em Buenos Aires mandamos quatro jovens para representar o Brasil Na época eu fazia um programa na rádio, juntamente com os jovens era um programa voltado á juventude. Foi quando nasceu um livro com a experiência daquela época.

O senhor voltou à Itália?

Estava em Piraju quando fui chamado de volta à Itália, para mim foi a morte, como se estivesse indo para o exílio. A Direção Geral ficou sabendo do sofrimento por que tinha passado em Londrina. Faz parte da rotina, um xaveriano após 5, 10, 15 anos em missão em outros países, ser chamado de volta para a Itália. Para se reciclar e dar uma consciência missionária, formar missionários. Fui a Désio e lá fiz parte da equipe que tinha esse trabalho. Foram oito anos abençoados, lá estava o Cardeal Martini, era uma diocese que conseguia cativar os jovens através da bíblia. Em 1995 voltei ao Brasil, fui destinado para Curitiba onde Dom Pedro Fedalto pediu que animasse as vocações. Por três anos fiquei morando no seminário no bairro Vista Alegre das Mercês. Era uma capela dos frades capuchinhos que se tornou paróquia, fiquei a disposição da diocese. Fazíamos encontros missionários. No livro “Cêntuplo” tem vários testemunhos de pessoas de Curitiba.

Quantos livros o senhor já escreveu?

Deve ser uma dezena. Escrevi na Coleção Evangelização de Conversão: “Amar é ir ao Encontro”, “A Amizade Tudo Pode e Tudo Alcança”, “ Ide e Evangelizai”, “Alegria e Admiração”, também traduzido para o italiano. “A Amizade, Segredo de Felicidade” está ainda sem tradução do italiano para o português. Há ainda o livro “O Cêntuplo”, “A Ponte da Amizade”, “A Reciprocidade, Coração da Amizade”. Em duas línguas “Os Jovens e a Civilização do Amor”, escrito com Claudinei Polizel. Dia 28 de julho na Livraria Nobel estará sendo lançado o livro mais recente: “Cruzes no Caminho”. Um livro que ajuda a refletir e meditar para melhorar a nós mesmos e o relacionamento com os outros.

Como o senhor chegou a Piracicaba?

Em 11 de janeiro de 2011 terminei o segundo mandato de provincial em São Paulo. O pároco daqui foi eleito provincial, disse-me: “–Agora você fica em meu lugar”. Nós xaverianos fomos feitos para animação missionária. Eu queria fazer o mesmo trabalho que já tinha feito em Curitiba, no Rio de Janeiro, São Paulo. Ele pediu novamente que ficasse nesta paróquia, aceitei e no dia 18 de fevereiro de 2011 o bispo Dom Fernando me apresentou ao povo. Atualmente sou pároco de 20 comunidades, para serem cuidadas por três padres: eu. Padre Humberto e Padre Lucas. 








































                                                           






domingo, julho 08, 2012

RAFAEL GOBETH

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de Julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: RAFAEL GOBETH
Rafael Gobeth poderia ter seu sobrenome escrito com inúmeras variações, Gobet, Gobett, Gobetti ( muito comum no bairro rural de Santana). Todos que carregam esses sobrenomes são parentes entre si, seus antepassados embarcaram no mesmo período em Hamburgo, na Alemanha com destino ao Brasil. François bisavô paterno de Rafael saiu da Suíça em 1854 com sua esposa e duas filhas: Melanie e Jolie juntamente com outros suíços franceses que se estabeleceram em Piracicaba e região. Seu neto José Gobeth e Maria de Lourdes Gobeth, ela descendente da família Goldschmidt casaram-se e tiveram os filhos: Roberto, José Eduardo, Lineu Marcos, Raul e Rafael gêmeos e Fábio Fernando. Rafael e Raul nasceram a 27 de janeiro de 1949.

Qual era a atividade principal do seu pai?

Era empresário, teve uma serraria na Avenida Dr. João Conceição esquina com a Rua Dr. Fernando de Souza Costa, atrás da Estação da Paulista. Local ocupado atualmente por prédios e residências. Meu pai era muito novo ainda quando se tornou arrimo de família, cuidou de seus irmãos e mãe. Juntamente com Francisco Pelegrino, mais conhecido como Chico Carretel, que tinha mudado de São Paulo para Piracicaba e com Romeu Gerds adquiriram essa serraria. Meus tios Salésio e Urbano também foram sócios. Os cinco sócios eram os maiores fornecedores de carretel para linha de costura do Estado de São Paulo. Fabricavam formas de madeira para fabricação de sapatos. Meu pai era um bom financista e administrador, o Chico Carretel tinha muita habilidade com a madeira.

Como foi o início dessa fábrica?

Meu avô deixou como herança uma chácara no final da Rua XV de Novembro, adiante do SEMAE, o sitio que pertencia ao meu avô e deu origem a essa chácara tinha 42 alqueires. Iniciava próximo ao Cemitério da Saudade e entendia-se além do atual Hospital Unimed. Esse bairro por um tempo foi conhecido como Bairro dos Franceses. Eram vizinhos das propriedades, sítios também, das famílias Bacchi, Razera, Schimidt. Para iniciar a serraria meu pai teve que hipotecar suas terras. O empreendimento obteve sucesso, a serraria forneceu muita madeira para construções da Escola de Agronomia Luiz de Queiroz, da Catedral de Piracicaba. A madeira vinha de trem, em taboas ou em toras. Eles compravam matas da região de Piracicaba, essas vinham em toras. O Chico Carretel deixou a sociedade e estabeleceu-se na Avenida Dr. Paulo de Moraes esquina coma Rua José Pinto de Almeida, onde funciona o Toninho Lubrificantes. Lembro-me que em 1956 meu pai foi Festeiro do Divino, na nossa casa havia uma grande movimentação de pessoas, abateram 2.000 frangos. A procissão desceu a Rua Governador Pedro de Toledo até a Catedral, havia o encontro de barcos, uma procissão subia a Rua Moraes Barros até a Catedral.

Até que idade você morou na Avenida Independência?

Até completar 23 anos. De lá fomos para a Rua XV de Novembro, a casa existe até hoje, onde reside meu irmão Raul.

Seus estudos foram feitos em que escolas?

O primário eu estudei no Grupo Escolar Dr. João Conceição, que era ao lado da Igreja dos Frades, nos anos de 1956 a 1959. Minha primeira professora foi Zuleica Wagner Campos Martins, tive aulas com Dona Edna, Dona Paulina e Seu Pedro Negri, pai do Pedrinho Negri. Vi construir o prédio existente na esquina da Rua São Francisco de Assis com Rua Alferes José Caetano. Eu era integrante da Cruzada Eucarística. Na Rua Alferes José Caetano esquina com a Rua Joaquim André era um terreno vazio. Meus pais eram muito católicos, a cidade era católica. Meu pai começou a construção da Igreja Santa Catarina, na propriedade que foi do meu avô, meu tio Marcelino Perecim, casado com a irmã do meu pai, Tia (Nica) Antonia foi quem doou o terreno minhas duas avós se chamavam Catarina, uma delas era Catarina Schimidt. Em Piracicaba havia duas escolas famosas onde era lecionado o quinto ano primário, fiz na Dona Amália, que ficava na Rua Riachuelo entre a Rua Boa Morte e Rua Governador e Pedro de Toledo, a casa existe até hoje. Em 1960 entrei no Colégio Dom Bosco onde tinha um campo oficial de futebol, nesse campo eles faziam dois meio campos, com trave e tudo. Existia um campinho de futebol onde hoje está o ginásio de esportes. Mais acima tinha duas quadras de futebol de salão, em uma delas havia cestos para jogar basquete. E tinha uma área externa, onde nos reuníamos quando íamos desfilar fora do colégio, em frente havia o Bar do Seu Santo. O diretor do Dom Bosco era Padre Mario Quilici, conselheiro era o Padre Geroto, Padre Modesto também foi diretor. Lembro-me do Padre Astério, Padre Geraldo, Padre Tabir, Padre Miranda. Padre Paulo, Padre Luiz. O Padre Tabir jogava futebol com os alunos, jogava muito bem. Eu jogava mais como ponta esquerda e armador, sou canhoteiro. Meu irmão gêmeo estudava de manhã e eu estudava à tarde. Ele começou a usar óculos aos sete anos eu aos 12.

Como gêmeos vocês viveram algumas confusões divertidas?

Diversas, principalmente na adolescência. Eu penteio o cabelo da esquerda para a direita e o Raul da direita para a esquerda, estávamos no auge da semelhança. Isso foi em janeiro de 1968, portanto nós tínhamos 19 anos. Fui fazer um curso internacional de música em Curitiba, durou um mês e uma semana, o governador Paulo Pimentel nos cumprimentou. O Raul tinha ficado em Piracicaba. Quando voltei cheguei às 10 horas da manhã em casa, perguntei à minha mãe: “Cadê o Raul?” Ela me respondeu: “Ele deve estar no centro.”. Fui até o centro, entrei na Galeria Lúcia Cristina, no fundo havia um espelho enorme, fui chegando gritando “- Oh, Raul! Eita”. Era o meu reflexo no espelho! Quando percebi o que estava fazendo comecei a rir tanto da situação que estava criando para mim mesmo. Quem me viu deve ter imaginado que eu estava ficando louco. Eu tinha me confundido com meu irmão através da minha imagem refletida no espelho. Acabei encontrando meu irmão no centro. Quando éramos pequenos, a primeira vez em que fomos tocar em público foi na Sociedade Italiana, a Escola de Música não existia ainda com aquele espaço físico. Começamos a estudar música em 1960, o Maestro Ernest Mahle era nosso vizinho. Minha tia Cecilia Gobeth morava conosco, ela nos incentivava muito a estudar música, aparecia nos jornais noticias de cursos que eram oferecidos ela nos mostrava. Dos seis irmãos cinco foram estudar música. Só o mais velho que não quis ir. O José Eduardo tocava violino, o Irineu fagote, o Raul violoncelo, eu flauta transversal e o Fábio oboé. Fomos fazer uma audição pública da escola. O Maestro Mahle estava coordenando. Eu tinha de 12 para 13 anos. Havia uma disputa de qual família tinha mais filhos na Escola de Música, a Gobeth ou a Zagatto. A cena mais engraçada foi que eu entrei e toquei flauta transversal, o Raul entrou e tocou violoncelo, o público ficou admirado: “- Nossa ele toca dois instrumentos!”. Ai houve a apresentação do Quinteto Gobeth, foi quando a platéia murmurou: “- São iguaiszinhos!”.
Qual era a reação dos seus pais com o fato de ter cinco filhos executando música clássica?

Meu pai gostava muito, era uma pessoa carismática, que venceu na vida com muita dificuldade. Ele faleceu em 3 de janeiro de 1964. Queria que todos estudassem, dava muito valor para a escola. Ele sempre nos apoiou, minha tia Cecília também gostava muito. Dos cinco, músicos profissionais só ficaram o Raul e eu. Com 15 anos comecei a dar aulas de flauta.

Após completar o ginásio no Colégio Dom Bosco onde você foi estudar?

Fiz um ano de científico no Sud Mennucci, saí e fui estudar contabilidade na Escola Cristóvão Colombo, a Escola do Zanin, onde me formei como contador. Em 1971 fui para São Paulo para estudar administração na Escola Getúlio Vargas. O Raul acabou permanecendo em Piracicaba após freqüentar por um período de tempo o curso de química no Mackenzie.

Você morava onde em São Paulo?

No inicio foi em uma pensão na Rua Manoel da Nóbrega, quase esquina com a Avenida Paulista. Dali eu mudei para a Aclimação, na Rua José Getúlio, de lá mudei para uma travessa da Rua 12 de outubro, na Lapa. Trabalhei na Credicard, que era Citicard, do Citibank funcionava na Rua Sete de Abril, no Edifício dos Diários Associados. Em seguida fui trabalhar na Faço, que fabricava britadores, trabalhei na Mooca, na Avenida Presidente Wilson. Era uma empresa de suecos que passou para a Allis-Chalmers empresa americana. Conversei com a minha família, decidi fazer o CPV Curso de Preparação para Vestibulares, ficava na Avenida da Consolação, em frente ao Cemitério da Consolação. Fiz esse cursinho e passei. Na Getúlio Vargas fiz muitos amigos como Eduardo Naufal, Johnny Saad, Paulinho Kopenhagen, Olavo Setubal Júnior, eles me chamavam de “Piracicaba”. Fui trabalhar na Nestlé, na época a matriz ficava na Avenida da Consolação, trabalhava na contabilidade, fazia correções de lançamentos. Nessa época estava afastado da música. Eu tinha 24 anos. Nesse meio tempo minha ex-professora Grace Lorraine Andersen Bush indicou meu nome para o Teatro Municipal de São Paulo. O diretor me contratou, onde toquei com os maiores regentes do Brasil e da América do Sul, como Eleazar de Carvalho, Isaac Karabtchevsky, e muitos outros nomes famosos. Fiz cachê em muitas orquestras. (No jargão dos musicistas fazer cachê é tocar como convidado em outra orquestra recebendo um pagamento pelo seu trabalho). Toquei em minha vida com mais de 70 regentes.

Quantos filhos você tem?

Sou casado com Yara Regina Roberti Gobeth fonoaudióloga, acupunturista, temos três filhos: Gabriel, Cecília e Pedro. Tranquei a matrícula no sétimo semestre na GV. Meu primeiro filho tinha nascido. Em 1978 voltei para Piracicaba, com a minha esposa e meu filho. Fiquei dando aulas na Escola de Musica de Piracicaba. Na ocasião havia perspectivas para outros empreendimentos. Conseguimos dar uma boa formação aos nossos filhos, todos são formados pela USP com especializações em suas áreas de trabalho. Toquei muita música, mas a minha carreira é mais expressiva como professor. Desde 1965 dou aulas, com dois breves períodos de interrupção. Afirmam que tenho muita criatividade para dar aula. Sei que tenho essa facilidade para ensinar música.

Com a saída do Maestro Ernest Mahle da Escola de Música de Piracicaba, as perspectivas futuras dependem da instituição que a assumiu?

Vejo a necessidade de maior apoio por parte do poder público, através de projetos culturais desenvolvidos pela União, pelo Estado e pelo Município. É uma tarefa árdua e com perspectivas pouco alentadoras administrar uma instituição desse porte sem um comprometimento dos poderes constituídos. Temos como exemplos os resultados colhidos pelos recursos investidos pelo Estado em Tatuí.

Qual é a importância da Escola de Música de Piracicaba para a cidade?

É muito grande, levou o nome de Piracicaba ao Brasil inteiro, a ponto de eu estar no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e em outros estados e me perguntarem se eu conhecia a famosa Escola de Música de Piracicaba. Isso sem falar que levou o nome da nossa cidade para as mais diversas partes do mundo. Ela chegou a estar entre os 10 símbolos de Piracicaba. A importância do Maestro Ernest Mahle foi muito grande, enquanto esteve a frente da direção artística era a imagem viva da escola. Vinham muitos professores de São Paulo, Rio de Janeiro, que hoje já não vem mais. É um investimento alto, cujos recursos o Maestro Ernest Mahle conseguia obter. Grandes nomes do cenário musical passaram por Piracicaba. O órgão de tubo da EMP está entre os três melhores do Brasil. Piano de cauda Steinway deve ter uns sete ou oito. Há um acervo muito importante de partituras. A EMP tem um acervo que só é menor do que o da USP e o do Conservatório Nacional do Rio de Janeiro. O Maestro Ernest Mahle é uma pessoa muito importante para Piracicaba, só que ainda não foi devidamente reconhecido.

O que você sente ao executar uma peça musical?

Cada dia tenho um sentimento.

Dizem que o músico desenvolve uma forma de raciocinar própria.

Afirma-se que o lado do cérebro é o mesmo utilizado pela matemática. Dificilmente você irá encontrar um músico que seja ruim em matemática. A música não é palpável, é imaginária. Ela é sentida. A matemática é abstrata.

Você se comunica com a natureza através da música?

Muito! Muito! As artes são entrelaçadas. O que se usa de cores nas artes plásticas se usa nas notas musicais.

O brasileiro tem musicalidade?

Os próprios maestros cotam o brasileiro como grandes músicos, o maestro Zubin Mehta é um dos que afirmam isso. Nomes renomados têm vindo para o Brasil. O Brasil hoje exporta músicos muito bons. Muitos músicos saídos da Era Mahle estão hoje na Europa e Estados Unidos. Podemos citar alguns nomes: Paulo Arantes, Washington Barella, João Paulo Casarotti, Daniel Duarte.

Quando o aluno forma-se na EMP qual título ele pode receber?

No curso oficial ele forma-se como Técnico em Música, a semelhança de outros cursos técnicos, como por exemplo, Técnico em Contabilidade. É uma profissão.

Por que o brasileiro não consome música clássica?

Agora o Brasil está começando agora a olhar mais para a música clássica. Quantos brasileiros consomem pintura? São poucos. Isso porque a nossa cultura é incipiente.

Quando uma comunidade carente e assistida executa música clássica sai um produto de excelente qualidade.

Eles gostam muito. Só que para eles o acesso é difícil.

Existe uma barreira?

A música erudita é elitizada. De 30 anos para cá são realizados grandes concertos em praças públicas, como no Parque Ibirapuera em São Paulo. Faz muito sucesso.

O que significa música sertaneja universitária?

Sertaneja universitária é uma denominação criada por algum marqueteiro. Não existe isso. É como afirmar que exista Música Barroca Cabocla! A denominação sertaneja universitária é uma criação do mercado para vender seu produto, tentar elitizar algo extremamente popular. O objetivo é despertar o interesse do universitário, criar um glamour junto à classe que tem poder aquisitivo para consumir.

O mesmo pode ser feito com a música clássica?

Aos poucos a música clássica vem ganhando mais espaço. A questão é que a música erudita custa muito mais caro. Para formar um músico clássico demoram-se muitos anos. Para formar um sertanejo em dois meses ele estará com um repertório. Dá para formar uma dupla sertaneja por quarteirão. É uma música que se canta de terça, paralela sempre ou de sexta paralela, é só ter um ouvido um pouco musical e uma voz firme que a pessoa já pode cantar. Sou capaz de formar uma boa dupla por quadra.

Como Alessandro Pinezzi tornou-se um ícone piracicabano?

Alessandro Pinezzi é um grande violonista, é um músico por excelência, um fenômeno que respeito muito. Igual a ele no Brasil só existe Yamandu Costa, tinha o Rafael Rabelo, já falecido. O Pinezzi é um músico completo, toca erudito, popular, já tocou na Rússia, Estados Unidos, foi aplaudido no mundo todo. È um público que conhece profundamente música. Fábio Zanon é um violonista de música clássica. Yamandu Costa, Alessandro Pinezzi são músicos que já nascem prontos, uma benção de Deus.

Há pessoas que investem grandes quantias equipando seu veículo com possantes alto falantes. Essa pessoa pode ser um músico em potencial?

Pode ser. O que existe na verdade é que todo mundo gosta de um público, quer um palco, quer brilhar, a modéstia é graxa que ainda não foi lustrada. Todo mundo tem um “tcham” de artista! Esses veículos disputam entre si qual tem maior potencia de som, no meu ponto de vista é uma falta de educação e de cultura. Geralmente a aparelhagem de som custa mais do que o próprio carro. São pessoas simples que buscam uma forma de projeção pessoal. Por isso que o poder público tem que participar na formação de músicos, fica muito caro formar um músico, comprar instrumentos, contratar um professor qualificado. Isso ocorre hoje na favela de Heliópolis, em São Paulo. Tem quatro piracicabanos ensinando lá.

Uma boa orquestra rende dividendos políticos?

Tentaram acabar com a orquestra de Campinas, há uns 20 anos, quase lincharam o vereador que fez a proposta. A orquestra já tinha conquistado seu público, faz parte do coração da cidade.

Você tocou em óperas?

Toquei em São Paulo, entre elas “Navio Fantasma”, “Macbeth” de William Shakespeare, Turandot, de Giacomo Puccini. Fiz 6 óperas como instrumentista, uma delas de quatro horas de duração. Parsifal de Richard Wagner são 12 horas de duração. Em Manaus foi realizada a obra completa. Essas óperas são muito pesadas para o músico, tem que estar o tempo todo ligado, ópera é muito difícil de se fazer. Tem muitos recitativos, o msico tem que acompanhar no momento exato. Quando vem as árias, que é o solo, torna-se fácil acompanhar. Estudei ópera por dois anos com Niza de Castro Tank.






domingo, julho 01, 2012

JUSTINO (NEGO) ORIANI

JOÃO UMBERTO NASSIF

Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com

Sábado 30 de junho de 2012 Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana

As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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ENTREVISTADO: JUSTINO (NEGO) ORIANI
Justino conhecido como Nego Oriani foi um grande industrial do setor calçadista. Com muita força de vontade aprendeu a fazer calçados, inovou, investiu, passou por inúmeras dificuldades, vivenciou as peculiaridades que envolvem a fabricação de um calçado. Homem de muita fé dedica-se a uma tradição religiosa que é a de dar o pouso ao Divino Espírito Santo. A instalação da antiga fábrica de calçados dá lugar a uma função considerada sagrada, que é abrigar os Irmãos do Divino por uma semana, no final da mesma ocorre uma verdadeira festa, o transito é interditado naquele quarteirão, montado um palco, é rezado o terço, cumprida as promessas com a passagem dos Irmãos do Divino sobre os penitentes, cerca de 30 a 40 pessoas deitam-se no leito da rua e cobertos por um lençol branco recebem as graças que a sua fé concebe. Após a celebração do sagrado vem a festa, com comida fornecida a vontade para todos os presentes, centenas de pessoas comemoram e são servidas com pratos tradicionais distribuídos gratuitamente na festa. Em diversas partes do prédio são vistas pinturas, imagens e até mesmo um pequeno oratório lembrando o Divino Espírito Santo. Justino nasceu a 12 de dezembro de 1930 no bairro rural Monte Branco, é um dos oito filhos do casal Benedito Oriani e Joana Grizzotto Oriani: Maria, Alice, Elídio, Antonio, Helena, Angelina, Justino e Rita. Desde muito pequeno Justino já ajudava nas tarefas diárias da Fazenda Serra Bonita, propriedade da família Oriani, trabalhou na roça até 20 anos, estudou até o quarto ano primário, ainda menino era responsável por ir a cavalo buscar a professora que descia do ônibus no bairro rural Água Bonita, por meia hora, cada um em seu cavalo dirigiam-se à escola na fazenda onde a professora ficava hospedada durante a semana, lecionando para as crianças das 40 famílias residentes na propriedade. A professora vinha na segunda feira e voltava para Piracicaba no sábado.

Como o senhor começou a trabalhar com calçados?

Meu irmão Antonio aprendeu a trabalhar como sapateiro, foi morar no Arraial São Bento, em um bairro rural chamado Peruca onde montou uma oficina de conserto de sapatos, eu tinha 20 anos quando fui aprender com ele o ofício de sapateiro. Por dois anos trabalhei para aprender a fazer consertos e fabricar sapatão que eram pregados com pregos (cravo) de madeira. Fazíamos alguns sapatos sob encomenda e sandálias simples para senhoras. Era um tempo em que muitos andavam descalços, adultos e principalmente crianças.

Após aprender o ofício o senhor mudou-se para a cidade de Piracicaba?

Vim morar no bairro da Paulista, na Rua Fernando de Souza Costa, número 2827. Quando mudamos a região era em grande parte coberta por plantação de algodão. Foi um período de grandes dificuldades, meu irmão Elídio comprou essa casinha e meus pais passaram a mora nela, Antonio Scarpari era proprietário de uma pequena casa nas imediações, na esquina de Rua Conselheiro Costa Pinto, montei ali uma oficina de conserto de sapatos. Sempre fui muito trabalhador e econômico, após dois anos com a permissão do meu pai fiz um rancho em sua propriedade e passei a trabalhar naquele local. Na Fazenda Costa Pinto morava um ramo da família Oriani, fui convidado para ir assistir o casamento de José Oriani foi quando conheci minha futura esposa, Cezira Brieda Oriani. Quando casei tinha 25 anos, por três anos depois de casado permaneci morando na casa do meu pai. Tivemos seis filhos: Valdir, Eliana, Therezinha, Heloisa, Vlade e Cláudia.

Continuando a trabalhar com sapatos?

Como eu não tinha tanto conhecimento na fabricação de sapatos, deixava todo material pronto e a noite funcionários de outras empresas vinham trabalhar para mim. Assim aprendi. Comprei uma faixa de terra vizinha e montei uma pequena fábrica de sapatos. O couro eu adquiria do curtume de Mário Maniero.

Qual era a preferência da moda masculina na época?

Sapatos de bico fino. Passei a comprar em São Paulo couro para fazer sapatos de cromo alemão, com isso meus calçados passaram a ganhar fama. Embarcava no trem da Companhia Paulista, ia até a região da Rua Rangel Pestana, onde havia fornecedores de material do setor calçadista. Trazia a peça de couro e aqui cortava, no inicio só fazia sapatos sob encomenda. Tinha duas máquinas de costura própria de sapateiro, mais conhecida como “máquina esquerda”. Eu trabalhava das cinco horas da manhã até as 22 horas. Trabalhei muito. Com o tempo ganhei o suficiente para adquirir um terreno na Rua Jorge Pacheco e Chaves, onde construí e montei a minha indústria de sapatos, com fabricação em série.
                                                            SALTO CARRAPETA

Qual é o número de sapato masculino mais procurado?

O número 39/40. Fiz sapatos masculinos com duas cores, branco e preto, branco e marrom, fabricava o famoso sapato de salto carrapeta, que é um salto de sapato bem mais alto do que o normal, masculino. Eu tinha um modelista, o José, ele pesquisava as tendências da moda através de revistas, publicações especializadas em calçados. Através de um pantógrafo reproduzia inúmeras peças a partir de um modelo. O couro era cortado a mão, havia uma prensa hidráulica que cortava a sola dos sapatos. A fábrica era grande, mas o máximo que eu produzia era 100 pares de sapatos por dia. Com o tempo fui comprando máquinas, importei três máquinas italianas, Tinha uma esteira onde entrava a matéria prima e no final o sapato estava pronto. Na época a maioria dos funcionários eram mulheres e adolescentes, era permitido o trabalho dos mesmos, ensinei o ofício a mais de 400 meninos. Os sapatos feitos naquela época eram para serem usados até onde fosse possível, diferente de hoje onde muitos usam o calçado e logo trocam por outro mais moderno. Hoje não se conserta mais sapato, na época faziam meia sola, sola inteira, trocavam o salto gasto. Em Piracicaba a maior fábrica era a minha, depois vinha a fábrica do Bachega, cheguei a ter 42 máquinas industriais. Eu tinha um viajante (vendedor) no Paraná que vendia muito, com isso forneci muito sapato para aquele estado. Em Piracicaba vendi muito para um grande comerciante do setor, Alberto Torossian. Em Piracicaba chegamos a ter uma dezena de fábrica de calçados. A fabricação de calçados é uma atividade muito sensível a tendências da moda, onerosa em função de impostos, e passa por uma concorrência muito forte no setor internacional. Um dia desses por curiosidade contei o número de peças que são usadas para compor um pé de um tênis, são 25 peças. O tênis tomou o espaço do sapato tradicional, estimo que 90% da população usam tênis. Eu acho que um sapato de bico fino é muito elegante.

Havia variedades de couro?

O couro do novilho era o de melhor qualidade. A fêmea tem tendência a barriga crescer, conforme o corte que o profissional faz no couro pode ocorrer de em um par de sapatos do mesmo lote de couro, ter um pé maior do que o outro, um dos pés tem o couro mais esticado com o uso pela origem do couro ou forma como foi cortado. Já fiz sapato com couro de crocodilo.

O que é pelica?

É o couro de cabra. Fiz muitas botinas de pelica. Eu tinha um funcionário que só fabricava botas, sanfonadas, de cano alto. Minha fábrica era completa.




O senhor é uma pessoa muito religiosa?
A minha família já era muito religiosa. Fui coroinha, mariano, saía da Serra Bonita ás quatro horas da manhã para vir assistir a missa na Igreja Sagrado Coração de Jesus ( Igreja dos Frades), vinha a cavalo. Deixava o cavalo em frente à igreja no espaço hoje ocupado por uma praça. Meu avô conhecia homeopatia, com o uso de ervas curava muitas doenças, minha mãe aprendeu com ele e eu a ajudava. Era uma época em que havia poucos médicos, estradas de terra, e meios de transportes difíceis. A maior parte das doenças tem origem emocional, muitas vezes a cura se dá através de auto-sugestão no simples fato da pessoa tomar um medicamento natural. A mente domina o corpo. Se pensar de forma positiva tudo será positivo. Quando alguém trata bem outra pessoa ela recebe tratamento semelhante, isso a beneficia. O mesmo ocorre quando o indivíduo trata mal alguém, ele estará trazendo malefícios para si mesmo.

Como começou a devoção do senhor para com o Divino Espírito Santo?

Faz quarenta anos que começou, fui assistir a uma Festa do Divino em Anhembi, gostei. Um amigo, Pedro Godoi, me ajudou a fazer a festa, no início muito simples. No dia 4 de julho, quarta feira, a Irmandade do Divino chega aqui onde foi a minha fábrica, de 30 a 40 irmãos pousam aqui. Permanecem até dia 10 de julho, terça feira. Às 5 horas da manhã se levantam saem em peregrinação e voltam ás 22 horas, passam o dia todo rezando. No dia 8 de julho é realizada a festa. Fecho o quarteirão para o trânsito, ás 17h30min horas os irmãos vão para o início do quarteirão, nós caminhamos em direção a eles, quem vai pagar promessa ou pedir alguma graça, deita-se no chão envolto em um lençol branco, ficam deitados 1 metro distante um do outro, são 50, 80 pessoas que se deitam. As pessoas que se deitam trazem o seu próprio lençol. Ficam com as costas apoiadas no chão, mãos e pés descruzados. Isso facilita quando o Irmão do Divino for pular sobre a pessoa. Conhecemos muitos casos de graças alcançadas. Minha esposa e eu voltamos ao palco, os Irmãos do Divino vem em direção ao palco, benzendo os corpos dos que estão deitados. Oram e benzem. No palco entoam musicas sacras, rezam o terço, após o terço as mesas e comidas estão prontas com capacidade para 100 pessoas. A comida, pratos, panelas, são todas benzidas. Ai já começa a musica profana sertaneja. Os irmãos, minha família e demais pessoas entram jantam e saem. Em seguida entram mais 100 pessoas, e assim prossegue noite adentro. No ano passado servimos 700 quilos de comida, estimamos em 1.500 o número de pessoas que estiveram presentes. A comida é composta por arroz, feijão gordo, carne com batata, macarronada e sopa de mandioca, conhecida como vaca atolada. Para beber é servida apenas água.

Como a igreja católica vê essa manifestação de fé popular?

Acredito que existe uma interpretação pessoal de cada religioso. Há os que aprovam e há os que não vêm com muita simpatia. Os Irmãos do Divino agem com muita seriedade, passam um mês andando e rezando.

O senhor é um dos colaboradores na construção da Igreja São José?

Sou do tempo que ali não existia nada além de um pasto. Reunimos umas 10 pessoas e iniciamos a construção, na época eu tinha um Ford 1929 e uma perua. Poucos tinham condução. Fazíamos reuniões na casa do Abel Pereira. Vitório Fornazier também participou muito da construção da igreja. Fazíamos festas para arrecadar dinheiro, chegamos a preparar 250 frangos.

O senhor gosta de música?

Gosto de baile freqüento sábado e domingo o Saudosista, vou aos bailes da “Estação Idoso José Nassif”, da terceira idade.



























































sábado, junho 23, 2012

ROBERTO FELÍCIO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 23 de junho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: ROBERTO FELÍCIO

Roberto Felício nasceu a 11 de janeiro de 1952, em Itapuí, cidade localizada entre Jaú e Bauru. É um dos quatro filhos de Lauro Alberto Felício e Lúcia Zucholoto Felício: José Eduardo, Arlete. João Antonio e Roberto. Ele ainda não tinha um ano de existência quando sua família foi morar em Jaú onde viveu até os 21 anos. Seu pai exerceu diversas atividades, foi administrador de fazenda, trabalhou na Estação da Companhia Paulista em Jaú, com embarque e desembarque de café, foi metalúrgico, mais tarde, em 1965, tornou-se açougueiro, cuja prática já tinha, adquirida quando morava na zona rural. Roberto fez o grupo escolar e a escola técnica industrial em Jaú, na época equivalia ao ginásio, fez o instituto de educação, antigo colegial Em Bauru fez curso superior em Desenho e Plástica. Aos 21 anos mudou-se para São Paulo, onde além de lecionar fez a Faculdade de Educação Artística. Roberto fez diversas especializações na em linguagem cinematográfica, fotografia, gravura. Considera-se um teórico dentro da linguagem de Artes Plásticas, um estudioso da estética, filosofia, história da Arte. Não se considera um artista.
Ao chegar a São Paulo onde o senhor foi morar?
Meu irmão João Antonio (que mais tarde tornou-se presidente da CUT) e eu nos formamos juntos e fomos para São Paulo, onde alugamos um apartamento na região central entre os Bairros Santa Cecília, Perdizes, Barra Funda e Pacaembu. Comecei a lecionar no bairro Morro Grande, era uma periferia da Freguesia do Ó. Hoje Morro Grande não é considerado tão periférico, A cidade cresceu, avançou muito na direção da Cantareira. A maioria dos meus alunos era constituída por filhos de funcionários de uma pedreira, muito próxima do Grupo Escolar e Ginásio do Estado. Lecionei também em algumas escolas particulares em São Paulo: A SAA em Santana, na Escola Visconde Porto Seguro, antiga Escola Alemã de São Paulo ou Deutsche Schule. Trabalhei lá em 1974, foi no ano em que ela saiu da Praça Roosevelt e se transferiu para o Morumbi, uma vez que a maioria dos seus alunos era originária da região de Santo Amaro. Cheguei a conclusão de que não havia sentido ficar dando 60 aulas por semana em escolas publicas e particulares. Em 1980 tornei-me professor efetivo através de concurso prestado. Havia me casado com uma paulistana, morava na região de Santana, fui lecionar em uma escola chamada Professora Amenaide Braga de Queiroz próxima do Hospital da Água Fria. Lecionei na Escola Estadual Albino César, que é uma das maiores escolas da Zona Norte. Sou pai de três filhos: Renato, Ana Carolina e Júlia. Em 1978 tivemos os primeiros movimentos de professores, primeiras greves, mobilizações para denunciar as situações precárias do ensino, as más condições de trabalho dos professores, os salários inadequados. Em 1985 fui fazer parte da direção do sindicato, que era ainda a Associação dos Professores de Ensino do Estado de São Paulo a APEOESP. Em número de filiados é a maior organização sindical do país.
O senhor é militante do Partido dos Trabalhadores a partir de quando?
Participei da fundação do Partido dos Trabalhores em 1980. Eu e meu irmão João Felício não estavamos no Colégio Sion naquele dia, mas tomamos a decisão de formar o Partido dos Trabalhadores, nós não participamos porque não éramos delegados, mas participamos da eleição de pessoas que iriam tomar parte no processo de formação do partido. Portanto tenho 32 anos de militância partidária. Se voce considerar o espectro político do Brasl o PT é ainda um partido jovem com uma experiência fantástica. Em 1983 participei da Central Única dos Trabalhadores, em 1985 passei a integrar a diretoria do sindicato dos professores. Com o advento da nova constituição em 1988 transformamos a Associação APEOSP em Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo mantendo a sigla APEOESP por ela ser muto conhecida. Em 1987 fiz parte da direção da CUT São Paulo, fui secretário de informação da CUT em 1987,1988 e 1989. Em 1989 fui eleito presidente da CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação, que era a antiga Confederação dos Trabalhadores do Brasil, CTB, mudou de nome porque passou a absorver também os funcioários de escolas, gerou um conceito que abarcava professores, supervisores de ensino, diretores e os chamados funcionários de apoio. Fui presidente de 1989 até 1993, foram dois mandatos, com sede em Brasília. Ela representa os professores do Brasil inteiro, todos os sindicatos estaduais de professores eram ou passaram a serem filiados a essa confederação da qual fui presidente. Eu queria permanecer na CNTE porue estava fazendo um trabalho interessante. Inclusive fazendo a política internacional, tive a participação em diversos eventos internacionais, convenções, congressos de professores em Portugal, França, Suécia, México, Argentina, Costa Rica, Espanha, Tchecoslováquia. Quando fui para Portugal foi uma gentileza dos professores portugueses terem pago a passagem e garantido a estadia em Portugal, a nossa entidade não tinha fundos para essas viagens, quem custeava era quem convidava. Em Praga fiquei hospedado no alojamento dos estudantes de uma universidade de Praga.Fui eleito presidente da APEOESP, permaneci por dois mandatos de 1993 a 1999.
O senhor reside em Piracicaba desde que ano?
Por opção pessoal, em 1988 vim morar em Piracicaba, mesmo tendo que frequentar muito São Paulo, Brasília. Conheci Piracicaba, acho uma cidade fantástica, não me imagino morando em outro lugar. Piracicaba tem uma relação cultural muito forte com o seu rio, se devolveu tendo o Rio Piracicaba como um marco, para o piracicabano é mais do que um curso d`àgua, é um fenômeno cultural. A história, a cultura da cidadade foi se desenvolvendo a partir das margens do Rio Piracicaba. É uma cidade que se expandiu, de uma pujança econômica fantástica. Na pauta de exportações brasileira Piracicaba aparece em destaque. É uma cidade conhecida pela sua cultura fora do Estado de São Paulo e mesmo até fora do país.
O senhor foi candidato a deputado em que ano?
Em 2002 saí como candidato a deputado, fui eleito, e Piracicaba teve dois representantes na assembléia: o deputado Roberto Moraes e eu. Embora muitos professores de outras cidades tenham feito a minha campanha. O mesmo ocorreu em 2006. Boa parte das emendas que fiz na Assembléia Legislativa, junto ao orçamento do Estado foi no sentido de favorecer instituições de Piracicaba, de garantir algumas obras. Fiz emendas tanto na época em que o Machado era o prefeito da cidade, e do meu partido, como continuei postreiormente fazendo emendas na administração do prefeito Brajas Negri, porque mesmo eu sendo do PT e a administração local passou a ser do PSDB, o meu papel de deputado da cidade era favorecer eventos, realizações de obras na cidade. A questão partidária é no momento da disputa eleitoral, depois temos que abstrair. Eu me considerei e me considero um representante de Piracicaba, sem jamais abandonar a bandeira da educação. Na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo fui presidente da Comissão de Educação. Era visto como “ O cara de Piracicaba e o cara da educação”. De certa forma representando o conjunto do funcionalismo. O pessoal da Saúde tinha feito a minha campanha. Eu trabalhava muito as bandeiras do serviço público.
Qual é o grande problema que a educação enfrenta no Brasil?
A educação é um grande desafio para todas as esferas do poder público: federal, estadual e municipal. Existe um resumo para os muitos problemas, por isso podemos chamar de grande problema, é o financiamento público. Temos problemas de qualidade, de baixo salário dos profissionais do ensino, de jornada de trabalho inadequada, não tem sentido um professor trabalhar 35 a 40 horas com alunos, em Portugal, um país que não dispõem dos recursos de países ricos, um professor trabalha 20 horas com os alunos e completa outras 20 horas em horas atividades, que é a preparação da aula, correção dos trabalhos dos alunos, atenção individualizada ao aluno que está tendo problemas. Reuniões pedagógicas com os colegas para poder definir política pedagógica. No Brasil começa a existir um pouco de tempo destinado a hora atividade, mas ainda o professor trabalha muita aula com o aluo e tem pouco tempo para preparar a atividade que ele vai desenvolver com esse mesmo aluno. Precisamos colocar nossas escolas em compasso com o desenvolvimento tecnológico, não temos essas ferramentes tecnológicas para o dia a dia do professor. Tem computador na escola, mas não pode se dizer que tem isso como uma ferramenta diária. A grande questão é que investimos muito pouco em educação, apesar da constituição dizer que os estados e municipios tem que gastar 25% , a união 18%. Se verifica que o investimento ainda é muito pequeno. A educação infantil na nova constituição, na lei de diretrizes e bases, não é mais creche, é educação infantil. Creche é o lugar onde se põe criança, se larga criança. A educação infantil é um novo conceito, onde os pais e as mães trabalham fora, precisam deixar a criança, mas é um lugar onde vamos já cuidar também do desenvolvimento intelectual. A ciência já demonstrou que o ser humano tem uma capacidade de desenvolvimento intelectual maior nos primeiros anos de vida. Se desenvolve mais rapidamente nos primeiros anos de vida do que nos últimos anos, quando já há um acumulo de desenvolvimento itelectual. Um exemplo que ocorre dentro de casa, quando você adquire um aparelho eletrônico, as crianças aprendem a lidar com esse aparelho antes dos pais, e acaba ensinando os pais. É uma curiosidade muito própria da idade. A educação infantil tem que lidar com esse desenvolvimento. Nós não podemos ter nenhuma criança fora da escola. Para essas crianças cujos pais trabalham fora, ter a garantia do tempo integral.
Qual é a opinião do senhor a respeito da aprovação continuada?
Como conceito pedagógico me parece algo extremamente positivo esse debate sobre essa nova pedagogia. A Educação tem que ter como meta a promoção. Um individuo se desenvolve mais rapidamente do que outros. As pessoas não são iguais, cada um tem o seu tempo, seu momento, sua experiência anterior. As pessoas vivenciaram suas experências antes de chegarem a escola. Uma criança cujos pais tem formação superior, ela já esta acostumada a uma outra linguagem, ela vai absorvendo palavras, o seu vocabulario as vezes é mais rico do que o de uma criança cujos pais são semi analfabetos. A escola tem que lidar com essas diferenças. Paulo Freire nos ensinava muito isso, como se trabalha com a criança, como se aproveita as experências de cada um, esses conceitos não equivocados, o problema é que isso virou uma maneirade dizer o seguinte: “ Uma criança custa dois mil reais por ano em uma escola, se ela for reprovada ela irá custar de novo os dois mil reais, vamos empurrar essa criança para frente.”. Isso vira uma lógica contábil. Na lógica paulista prevalece uma lógica contábil. Progressão continuada virou aprovação automática. Mesmo sem saber as pessoas saem da escola, o mercado de trabalho, a vida social e tudo mais, irá discriminá-la. Antigamente perguntava-se se a pessoa tinha diploma, atualmente com exceção das categorias de profissões que tem que ter ensino superior, se a pessoa tem 18 anos e vai para o mercado de trabalho o que menos importa é o diploma. Se você não tem um desenvovimento das suas capacidades cognitivas, se não souber operar uma máquina, o mercado não te quer. Imagine um semi-analfabeto indo para o mercado de trabalho, ele será inevitavelmente preterido por outro. Progressão continuada é um debate pedagógico importante, só que virou sinonimo de aprovação automática, esse foi o grande erro da política desenvolvida no Estado de São Paulo, sobretudo aprofundada pela Rose Neubauer, passaram todos os secretários e a politica continuou sendo empurremos as crianças antes que elas nos atrapalhem. Para não dizer que os tucanos são os responsáveis, essa discussão vem de algum tempo e a deterioração das condições de ensino do Estado de São Paulo remonta muito antes do Montoro, vem do Maluf, do Paulo Egídio, do Laudo Natel. O problema é que quando houve uma perspectiva de busca de universalização houve perversamente uma piora na qualidade. O aumento do número de escolas, de profissionais contratados não foi acompanhada por um aumento de investimentos. O grande bandido da história foi a ausência de investimentos. Gastamos pouco com educação, e não temos educação de qualidade com baixos investimentos. O FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação já é um fundo que tem como perspectiva da educação básica como um todo. Já é um avanço, mas insuficiente para conquistar a qualidade que precisamos. Desenvolvimento econômico, cultural, político, social de uma nação depende muito da educação. Acho que estamos acordando para isso, mas há muito que fazer.
Como educador qual é a opinião do senhor sobre o ECA Estatuto da Criança e do Adolescente?
O sonho dos pais não é ver seus filhos precocemente no mercado de trabalho, é ver seus filhos chegando até o ensino superior. Se possível sem ter que trabalhar e fazer um curso superior a noite. Caso queira, o aluno pode fazer um curso técnico. Existem excelentes colégios técnicos.
Com 32 anos de vida partidária o senhor teve uma convivência próxima com o ex-presidente Lula?
Convivi como vida partidária e no movimento sindical também. Enquanto ele surgia como lider sindicalista no ABC eu me tornava em um sindicalista na área da educação, na fundação da CUT estávamos juntos. Quando houve os primeiros movimentos do ABC fizemos entre os professores uma arrecadação de generos alimentícios e fomos entregar na Vila Euclides para o fundo de greve dos metalurgicos, era portanto um movimento de solidariedade. O sindicalismo no Brasil sempre foi muito forte, em 1906 se criou a COB Confederação Operária Brasileira. Durante a ditadura a primeira greve de resistencia, de embate político foi em Osasco. O passo seguinte foi em 1978 veio a greve do ABC e surgiu uma figura muito emblemática do movimento que se tornou presidente da república, que é talvez a maior liderança política da república brasileira. A História ainda fará justiça ao Lula. Ele não pode ser colocado na mesma dimensão de um Getulio Vargas porque está vivo. A greve do ABC parece a reinvenção do sindicalismo porque ela teve uma simbologia muito forte pela dimensão, aquilo era o maior parque indústrial do país, em um período em que o país estava em uma indústrialização muito forte. Com a figura emblematica do Lula parece que ele é o pai do sindicalismo. Ele é sim a figura mais expressiva do sindicalismo moderno no Brasil.
Porque figuras como Hélio Bicudo, Luiza Erundina se afastaram do partido?
Por questões absolutamete teóricas. Eu sou do PT porque me sinto representado pelo PT, corresponde as minhas expectativas de luta política. É um instrumento pelo qual eu acho que posso contribuir para transformações sociais importantes. Se o PT deixar de ser aquilo que corresponde ao meu itinerário vou fazer outra coisa na vida. Partido político é isso, ele não é comandado por algo sobrenatural ou alguma coisa metafísica. Partido é uma realidade objetiva. As pessoas dentro do partido além da possibilidade de acharem que não corresponde mais, elas também tem suas vontades, e as vezes ocorrem conflitos que levam a ter que tomar decisões. O partido teve a interpretação de que não deveriamos participar do governo Itamar Franco. A companheira Erundina com todo direito de achar que tinha que participar se achou no direito de se licenciar do partido foi participar inclusive de um ministério. Isso criou um ambiente que mais tarde a levou a se desligar do partido. O Hélio Bicudo, a quem respeito muito, não tem presença tão significativa no partido. A militância do PT continua tendo um carinho muito grande pela Luiza Erundina. Ela disse uma ocasião: “Eu saí de uma casa, estou em outra casa vizinha, mas estou no mesmo lado, no lado esquerdo da rua”. Teve gente que saiu do campo da esquerda e foi para outro lado, virou neo-liberal. Eu diria que a Erundina é uma pessoa que defende o programa do PT. Não duvido que a qualquer momento possa ter seu retorno, eu serei um daqueles que a receberão de braços abertos. Aqueles que sairam do partido criticando porque tiveram seus projetos pessoais contrariados é outro debate.
O PT virou vidraça, pelo fato de ocupar o poder, há criticas sendo feitas ao partido da mesma forma que ele criticou outros partidos no passsado?
O PT sempre foi muito duro na crítica aos desvios de natureza ética e moral na política. Sempre combateu e continua combatendo a corrupção. O problema da corrupção existe em qualquer aparelho do estado, como de resto em qualquer instituição. Um ato de corrupção pode se dar em um sindicato, em uma instituição patronal, em uma entidade beneficente, é um problema que a humanidade enfrenta, ocorre no mundo todo. O problema que ocorre no Brasil é como se lida com isso. Na época do Fernando Henrique não tinha a Controladoria Geral da União. A capacidade que a Policia Federal tem hoje para investigar, descobrir e combater o ato, o Ministério Público federal e estadual, o próprio Congresso Nacional e a imprensa estão capacitados para combater esse tipo de problema. O Lula de vez em quando brigva com a imprens porque ele tem o direito de dar a opinião dele assim como a imprensa tem o direito de emitir a opoinião dela. Na ditadura não é que não tinha corrupção, os jornais eram censurados e não podiam falar a respeito. Houve um processo de privatização do Estado nesse período. Quanto mais investigação for feita mais parece que tem. Está dificil combater o PT no que se refere ao itinerário político, o desenvovimento economico está numa velocidade maior, o Lula foi um desenvolvimentista, a presidenta agora está enfrentando a crise européia, mesmo assim o Brasil tornou-se a sexta maior economia do mundo, maior do que a da Inglaterra. Ainda no Brasil tem injustiça social, má distribuição de renda. Vinte e oito milhões de famílias mudaram de categoria social. Gente da classe E evoluiu para D, quem era da classse D evoluiu para classe C. È a maior mobilidade socil da história recente do país. O governo enfrenta o problema da corrupção, existem quadrilhas que se organizaram de uma tal forma, para poder capturar recursos do poder público, isso em todas as esferas, federal, estadual e municipal. Tanto que a Delta tem contrato em todos esses ambitos.

 
No futuro o Lula poderá ser econhecido como o elemento que desarmou o gatilho de uma explosão social iminente?
É muito dificil afirmar categorimente. De certa forma foi aberta uma valvula de escape, diminuiu a tensão dentro da panela de pressão. Embora a história ainda vai ser escrita o Lula já entrou para a História. Acho que a Dilma irá entrar para a história do país como grande presidenta e até por ser a primeira mulher a presidir o país, assim como o Lula pelo fato da sua origem popular. A política do Lula diminuiu a tensão social.















sexta-feira, junho 15, 2012

FRANCISCO OSVALDO MARTINS HOPPE

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de Junho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: FRANCISCO OSVALDO MARTINS HOPPE

Francisco Osvaldo Martins Hoppe é nascido a 11 de janeiro de 1960 em Capivari, filho caçula do casal Mário de Barros Hoppe e Eugênia Martins de Toledo Hoppe que tiveram os filhos José, Mário, Maria de Lourdes, Solange, Eliana Maria e Francisco. Seu pai Mário de Barros Hoppe atuou sempre no comércio, tendo sido inclusive representante da Johnson & Johnson. Sua mãe foi professora primária na cidade de Rafard, cujo salão nobre da Câmara Municipal de Rafard foi denominado Eugênia Martins de Toledo Hoppe em homenagem póstuma pelos serviços prestados á cidade. Ela sempre lutou muito pela escola e sempre foi muito estimada pela população. Francisco fez seus estudos na Escola Estadual Padre Fabiano José Moreira de Camargo, formou-se pelo Curso Técnico de Contabilidade Capivari. Aos 23 anos foi trabalhar na Caixa Econômica Estadual, como estagiario pelo CIEE – Centro de Integração Escola Empresa, onde permaneceu por dois anos, no Banco Itaú permaneceu por mais um ano. Cursou Engenharia Civil por um ano na Escola de Engenharia de Piracicaba, foi o tempo suficiente para que preceber que a sua vocação estava voltada para outra àrea. Em 1981 foi cursar Direito na Unimep. Prestou o concurso para delegado de polícia, foi aprovado. Atualmente além de delegado de polícia Primeira Classe é Mestre em Direito e professor universitário. Tem como hobby música, pintura. Estudou violão com Alessandro Pinezzi, um dos grandes mestres do violão. Francisco gravou um CD incluindo composições suas. Foi aluno de desenho e pintura do grande artista Manoel Martho, quando Manoel Martho fez um busto de barro de Frei Paulo de Sorocaba, outro grande nome da pintura, Francisco fez a carvão uma pintura retratando Frei Paulo de Sorocaba.
Qual foi a primeira cidade em que o senhor assumiu como delegado de polícia?
Foi na cidade de Sete Barras , no Vale da Ribeira. Morava na própria delegacia. Tinha 30 presos, não havia investigador de polícia, tinha apenas um escrivão, a Polícia Militar tinha sua corporação na própria delegacia, onde permaneciam dois policiais militares e 6 carcereiros que se revesavam. Após permanecer por quatro meses fui transferido para Campos do Jordão. Permaneci por cinco meses, morando em hotéis e na delegacia também.
Em Sete Barras, morando na própria delegacia, como era o ponto de vista dos presos a respeito?
A maioria dos presos gostava de mim, porque eu conversava muito com eles, dava-lhes atenção. Logo que cheguei, encontrei alguns presos impondo-se junto aos demais através de um clima pesado. Consegui quebrar o domínio desse pequeno grupo sobre os demais. Pelas minhas atitudes sofri ameaças de morte por parte dos descontentes. A maioria dos presos me tratava muito bem, eu ia ao pátio, conversava com eles.
Presos têm ética?
É diferente da nossa, é uma ética própria. O problema junto a população carcerária é quando não impera os regulamentos legais lá dentro. A isso se dá o nome de anomia (desintegração das normas).
O que o motivou a ser delegado de polícia?
É o sonho de muitas crianças, ser policial. Eu tinha feito estágio no Forum de Capivari, junto ao juiz. Naquele meio conheci o promotor, delegado de polícia, juiz, advogados. Vi que na àrea criminal, que eu gostava, era essencial a existência da polícia civil. Existia uma investigação, qualquer condenação do autor de um crime, tinha seu inicio com a investigação da Polícia Civil. Vi a beleza envolvida na ciência da investigação, como era gostoso solucionar problemas com inúmeras variáveis. O contato com o público. Comecei a ter uma noção da realidade cotidiana. Dentro da polícia você vê o que é de fato realidade. O primeiro contato com essa realidade é feito pelo delegado de polícia, pela polícia civil. Os juízes, promotores, passam a conhecer logo em seguida o que de fato ocorreu.
Qual é a classificação do senhor dentro da hierarquia policial?
Tenho 25 anos de atuação como delegado de polícia. Sou Delegado de Polícia de Primeira Classe. O delegado inicia na quarta classe e vai sendo promovido. Após a Primeira Classe existe a Classe Especial, onde o delegado tem que ser convidado para ser promovido, não é apenas pelo tempo de serviço prestado.
No Brasil existe um jargão popular que diz: “A polícia prende e a justiça solta”. Como o senhor vê essa afirmação?
Toda vez que acontece algum crime que abala a sociedade, por pressão política endurecem a pena. Começam a criar novos crimes na lei positiva, passam a antecipar a ação do criminoso. Antigamente porte de arma era contravenção penal, hoje é crime. Foi endurecida a penalidade sobre crimes de trânsito. As penas sobre crimes hediondos endureceram. É muito difícil analisar o efeito dessas medidas, não diminui a criminalidade. Quando se fala em segurança pública as pessoas focalizam a polícia civil e a polícia militar. Segurança pública não é só isso. Um estudo sobre como trabalhar sobre segurança pública está na prevenção primária, prevenção secundária e prevenção terciária. Prevenção primária é a escola, a família, o meio em que o indivíduo vive, colocando valores morais, sociais, desde a infância. Tenho feito palestras sobre drogas em escolas, principalmente porque acredito nisso. A prevenção secundária é a presença nas ruas da Polícia Militar, com apoio da Guarda Civil para evitar que ocorram crimes. A terciária é quando termina o cumprimento de pena o detento seja colocado em liberdade ressocializado. O índice de reincidência é de 60% a 63%. Apesar de que existe não só no Estado de São Paulo, como também em Minas Gerais um bom trabalho das APACs - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. São entidades civis, ligadas a instituições religiosas trabalhando os valores morais com o reeducando.
Até hoje nas inúmeras escolas em que o senhor deu essas palestras quantos alunos assistiram?
Por volta de 6.000 pessoas. Acho que passei por todos os colégios de Piracicaba, dei palestras em colégios públicos e particulares, na igreja católica, centro kardecista. Há uma enorme carência de informações técnicas sobre os efeitos das drogas. É necessário que mais pessoas ministrem essas palestras, com base científica.
O senhor é pré-candidato a vereador para a Câmara Municipal de Piracicaba?
Sou. Muitas pessoas afirmam que não gostam de política. Acho isso um absurdo, tudo é político. Se ela não gosta de determinado político, é compreensível. Existe uma frase que diz: “Não tenho nada contra o fato de você não gostar de política, mas quem vai governar a sua vida é quem gosta de política”.
O que o senhor acha do voto obrigatório?
Nesse momento não deveria haver, pode ter sido necessário até certa época. Na medida em não for obrigatório votar, muitos vão querer votar. Até os que justificam o voto. Ninguém gosta de ser obrigado a fazer alguma coisa. Tem-se que entender que é muito importante votar, além de um dever é um direito.
Em seus 25 anos de trabalho como delegado o senhor observou que o indivíduo dependente químico sempre foi mais estimulado a cometer crimes?
Drogas sempre existiram, o que mudou foram as suas apresentações. A maconha hoje é potencializada, o índice de THC dela é bem maior do que era há 10 anos. O maior problema foi a banalização do uso da droga. Os meios de comunicação refletem o que existe na sociedade, de certa forma ajudaram nessa banalização. A sociedade em si banalizou a droga.
Programas populares que tratam de assuntos ligados ao crime funcionam como uma espécie de tele curso de crimes?
Acho que depende do tipo da abordagem. Quem assiste a programas policiais irá achar que no mundo só ocorre crimes, nada de bom acontece, que não existem pessoas boas, que o mundo está acabando, isso gera um negativismo muito grande. Isso gera depressão e medo. Quando é gerado o medo também é gerada a violência. O medo sempre foi tratado como instrumento, algumas crenças religiosas se impunham pelo medo, na área criminal a lei tem uma pena que impõem medo, pressão para que a pessoa não pratique crime. Só que quando é criada uma lei para inibir a ocorrência de um crime, essa lei não irá atingir a todos. Uma parcela jamais irá praticar crime, independente de lei, é uma parcela ética. Tem aqueles que não praticam crime por medo. Se vencerem o medo irão praticar crimes. E tem aqueles que irão praticar crime independente da pena que pese sobre eles. Nem a pena de morte irá inibi-los. Nos Estados Unidos, mesmo com pena de morte aumentou a criminalidade.
Não é um contra-senso a população ser desarmada e o delinqüente possuir arma?
Para se utilizar uma arma não é só puxar o gatilho, isso todo mundo sabe como fazer. Para utilizar bem uma arma tem que existir treinamento, além daquele que visa atingir o alvo, tem que existir o treinamento psicológico, ter equilíbrio, o que é mais difícil ainda. Uma arma dentro de casa não é certeza de proteção. Muito pelo contrário, pode ser que pelo fato de existir uma arma o criminoso atire primeiro. O fator surpresa está a favor do delinqüente. Se o cidadão tem uma arma em casa ao perceber a presença de um individuo, onde estará essa arma? Estará municiada? Possivelmente ela estará fora do fácil alcance de todos, ou seja, guardada em algum lugar.
Como anda o nosso código penal?
Foi criado na década de 50, passou por uma reforma na Constituição de 1988, ela visou mais a parte de direitos humanos e restringiu em parte a ação da polícia civil. Um delegado podia entrar em um domicílio mesmo não sendo flagrante delito. Hoje há a necessidade de um mandado judicial. Só em casos de flagrante isso é possível, se estiver ocorrendo um crime cabe a autoridade policial intervir. Acho que existem exageros na parte de entendimento de direitos humanos. Ninguém pode ser obrigado a fazer uma declaração que se torne prova contra ele mesmo. Só que permite também que a pessoa minta. Se ela mentir não estará praticando nenhum crime. Outros países admitem que permaneça calado, é um direito da pessoa para não produzir prova contra si mesma. Mas não admitem a mentira. Nossa legislação admite a mentira por parte do indiciado, que pode levar o foco da investigação para uma direção contrária a apuração da autoria. Se uma testemunha mentir ela é processada. Se o réu mentir não será processado pela sua mentira. O que provoca uma revolta social é a demora dos julgamentos, desde o crime, sua apuração, até mesmo a lentidão judiciária.
A lentidão judiciária traz benefícios para muitos envolvidos, como é de conhecimento público.
Além de beneficiar muita gente, tira o animo do brasileiro reclamar seus direitos, isso na área cívil. Quantos brasileiros têm seu direito negado, mas pelo valor envolvido na causa ele não se anima a ir adiante. Existe o juizado especial civil, sabemos que está sobrecarregado.
São criadas dificuldades burocráticas em registros de Boletim de Ocorrências para não aumentar estatísticas de criminalidade? Ao registrar um B.O., por melhor que seja o atendimento dado, o tempo gasto é de várias horas.
O plantão policial à noite ou final de semana pode receber várias ocorrências simultâneas. Um flagrante por simples que seja demora um bom tempo. Não são só as oitivas das pessoas. Tem outras peças que são obrigatórias a serem elaboradas. Ofícios. É um calhamaço de papel. É cumprimento de lei.
Seria interessante se esse sistema fosse simplificado?
Muito interessante, teria que haver um estudo, de uma maneira que não vá prejudicar posteriormente a formalização da investigação e das comunicações necessárias, mostrando a transparência do serviço policial, bem como as garantias constitucionais de quem está sendo preso.
Em 25 anos atuando como delegado de polícia o senhor conviveu com situações e pessoas mais diversas possíveis. Algum fato permanece em suas lembranças?
Muitos, envolvendo todo tipo de sentimento inerente ao ser humano, inclusive muitos de comportamento alterado, distúrbios mentais. Sempre gostei de conversar muito com as pessoas, apesar de que dentro de uma delegacia o expediente é muito corrido e nem sempre é possível dar a devida atenção. Um fato atípico, até singelo, ocorreu quando fui procurado por uma senhora muito humilde, dizendo que seu filho faltava ás aulas, não estudava. Disse-lhe: “- O que posso fazer para resolver seu problema?” Aquilo não tinha nada a ver com a função de uma delegacia de polícia. Ela disse-me “-Ele respeita a polícia, se o senhor conversar com ele com certeza ele irá mudar”. Eu já fazia palestras em escolas, ela se prontificou a levar seu filho de 12 anos para conversar comigo. Disse-lhe: “- Vamos tentar.”. O menino veio com a mãe, foi em um dia em que a delegacia estava com o expediente mais tranqüilo, ficamos uma hora conversando, a princípio os três, depois a mãe saiu da sala, e conversei com o menino. Ele saiu de lá se sentindo meu amigo, e prometeu que iria mudar. Passado algum tempo, eu já tinha até esquecido do episódio, quando a mãe do menino foi me agradecer, realmente o menino tinha mudado sua conduta. O sonho dele era ser policial.
Faltava a figura paterna a esse menino?
Faltava um pai.
Exercer a função policial é um sacerdócio?
É um sacerdócio. Tudo que consegui na minha vida foi através do meu salário, mesmo não sendo compatível com a função. É um trabalho difícil, muitas vezes em uma investigação se trabalha muito e não se consegue nada. De repente de uma ponta de um fio, ao puxar, começamos a resolver e as coisas começam a dar certo. Só que nesse período as pressões são fortes, da sociedade, da instituição, de todos os meios. Agora em Piracicaba estão sendo repostos novos policiais, estamos defasados. Há uma sobrecarga.
Piracicaba é uma cidade em franco crescimento, em todos os campos, inclusive na delinqüência?
Piracicaba ocupa a 47ª posição do PIB brasileiro e 12ª do PIB do Estado de São Paulo, só que junto com todas as atividades industriais e comerciais aparecem problemas também. Com a implantação de novas indústrias, se hoje temos um determinado número de postos de saúde, teremos que ter um número maior desses postos. O trânsito da cidade na área central, talvez alguém venha pensar em um sistema de rodízio de veículos baseado em suas placas.
O senhor não acha que o detento deve se ocupar com atividades produtivas?
A Lei de Execução Penal a LEP é maravilhosa, tudo isso está previsto. O problema no Brasil não é criar leis, não se resolve apenas com intenções, tem que ser feita uma política voltada para tal situação. Tem que executar, fazer parcerias. A APAC de Minas Gerais ajuda a fazer a política do trabalho ocupacional. Realiza contratos com empresas onde os presidiários são motivados a exercer uma ocupação. Os proventos resultantes do seu trabalho são para o Estado, para a sua família, para a vítima e finalmente para ele. Outra ponta da criminalidade é a ressocialização do preso. Não adianta nada colocar o preso em uma cadeia e quando ele ganha a liberdade muitas vezes sai pior do que entrou. Temos que parabenizar as APACs pelo trabalho que desenvolvem. Precisamos ter presídios dignos para os presos, são seres humanos que estão ali, assim como é lógico implantarmos uma cultura junto a população carcerária. Todo diretor de cadeia tem que verificar a alimentação do preso, na minha primeira delegacia em Sete Barras, eu peguei uma marmitex das que eram destinadas aos detentos, e comi e era muito boa. Não era almoço de luxo, de várias iguarias, mas era muito bom. Se o detento não quisesse almoçar ele tinha direito a um lanche, no mesmo valor da marmitex, só que tinha que avisar com antecedência. Convivíamos com uma inflação muito grande, o reajuste dos valores pagos pela alimentação tinham que obedecer uma burocracia.
Circula pela internet uma lenda onde o preso e sua família recebem um bom dinheiro do Estado, valor que se torna altamente significativo a medida que aumenta o número de filhos do detento.
Ele ganha um valor, que é para ajudar a manter a sua família, para que não seja mais criminalizado, mas não é nenhum absurdo. Até hoje nunca vi ninguém querer ser preso para auferir tal fortuna.
O menor é um problema sério?
O problema do menor é de valores, e isso todos nós somos culpados, não só a família dele. Somos omissos. Se os bons não se unirem para serem fortes, os ruins vão ganhar a parada. Temos que nos unirmos e tentarmos fazer uma sociedade melhor.
Um delegado de polícia eleito vereador pode fazer com que as leis que já existem sejam aplicadas?
Não só um delegado como qualquer outro político pode fazer isso. Muitas vezes não são problemas de ordem municipais, e sim federais com atribuições estaduais. Mas através da política pode ser facilitado o acesso aos canais competentes.
A criminalidade está aumentando ou se mantém?
Entre os fatores que aumentam a criminalidade está o aumento da população, a nossa educação piorou, até algumas décadas só os melhores alunos conseguiam entrar na escola pública. Existe um estudo que para recuperar a educação num patamar elevado demora três gerações, são 100 anos. Não existe uma grande melhora de uma hora para outra.
Isso é um fenômeno do nosso país.
Do nosso país, vários fatores concorreram para que a educação piorasse, desde a política salarial até o fato de promover o aluno automaticamente, o aluno não é reprovado. O pior ainda é não conquistar o aluno para a escola, o aluno gostar e ter respeito pela escola. Em meu tempo o aluno participava, tinha voz ativa. Sugeria eventos. Chegamos a ter clube de cinema dentro do colégio, pagávamos uma mensalidade, um aluno sabia onde adquirir os filmes pegava os melhores clássicos, que eram projetados no salão nobre da escola, o professor de literatura ia junto, após o término do filme ficávamos discutindo os mais diversos aspectos do filme. As coisas funcionavam, havia a fanfarra, inclusive onde toquei caixinha e surdo.
Turbinados pelo consumismo exacerbado ou movidos pela necessidade de sobrevivência, muitos pais deixam seus filhos entregues aos cuidados de terceiros, por muitos anos a televisão fez o papel de educadora, hoje os jogos, os famosos games, geralmente muito violentos ocupam boa parte do tempo da criança e do adolescente, isso pode influenciar a personalidade do indivíduo?
É difícil avaliar. O noticiário mostra a violência. Nas ruas há violência. Especialistas dizem que se o indivíduo tem uma tendência patológica, uma pré-disposição para a violência, com esses estímulos ela aflora.
O senhor está sempre buscando aperfeiçoamento profissional?
Recentemente fiz o Curso Superior de Polícia, é um curso com duração de seis meses. Há uma grande participação conjunta com a Polícia Militar, estivemos na Academia de Polícia Civil e depois estivemos na Academia de Polícia Militar do Barro Branco. Trocamos informações sobre os métodos usados pelas duas instituições. Além da formação e informação, o estreitamento de relações entre a Polícia Civil e Polícia Militar foi muito importante. Tenho uma grande admiração pela Polícia Militar. Como parte do curso tivemos a oportunidade de conhecer a Scotland Yard, tradicional polícia inglesa, fomos conhecer os métodos aplicados por eles em Londres. O respeito aos direitos humanos tem sua origem na Inglaterra. Lá não existe a policia militarizada, o que há é a polícia civil, a fardada e a não fardada. Apenas um terço da polícia anda com arma de fogo, a grande maioria, que faz policiamento preventivo, não ttem arma de fogo. O panico deles tem como foco o terrorismo. O indice de furto é minimo, embora exista bastante consumo de tóxico.
A Holanda tentou flexibilizar o uso da droga, qual foi o resultado?
Deu errado, tentaram liberar a droga leve. A luta contra a droga não vamos ganhar com repressão. Os limites territoriais do nosso pais são extensos. Temos drogas socialmente aceitas, como remédios, álcool, tabaco. É dificil acabar com isso pelo volume de dinheiro envolvido. Temos o exemplo do cigarro, houve um trabalho de conscientização. Antigamente era bonito a pessoa fumar. Charmoso. Hoje é feio. Por isso eu estava fazendo as palestras sobre drogas. Quando os “heróis”, ídolos, pop-star, que todo mundo gosta, são consumidos de uma forma barata, principalmente pela televisão, dizem que a droga faz mal, quem experimentou droga diz que não faria isso. Antes pareciam que falavam com orgulho o fato de terem experimentado tal droga. Não entendo porque fazem passeata pedindo a liberação de drogas leves, mas não fazem passeata pedindo maior número de empregos, solicitando mais esolas como o SENAI que é uma maravilha. A liberdade é uma aspiração do homem, só que poucos pensam o que fazer com essa liberdade. Parece que a humanidade está um pouco vazia.







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