domingo, setembro 02, 2018

ÉSIO ANTONIO PEZZATO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de abril de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

ENTREVISTADO: ÉSIO ANTONIO PEZZATO

 
 

Ésio Antonio Pezzato nasceu a Rua Visconde do Rio Branco, 1281, Piracicaba, a 3 de dezembro de 1952, é filho de Lásaro Pezzato e Maria Virginia Rizzi Pezzato.
Você pratica atividade física regularmente?
Tenho uma boa disposição física: vou a Pirapora do Bom Jesus (Pirapora) a pé, já fui 51 vezes, desde 1968, são 120 quilômetros. Quando era mais novo levei uma cruz de 100 quilos, sem rodinha atrás. Arrastando pelo chão, eram 10 metros de vigota de peroba 12 por 6.  Naquele tempo não tinha pinus. Demorei 8 dias para chegar em Pirapora. Foi do dia 10 de janeiro a 17 de janeiro de 1980. Ando todos os dias 15 quilômetros, às vezes 30 quilômetros no dia. Vou de Piracicaba até Rio das Pedras e volto, saio às 5 horas da manhã às 10 horas estou de volta. Já fui mais de 200 vezes.
Você levava mochila?
A mochila ia dependurada na cruz. Comida havia nas paradas, tinha que levar muita água.
E Santiago de Compostela?
Para Santiago de Compostela, cidade e município no noroeste de Espanha, fui duas vezes, estou me preparando para ir a terceira. São 814 quilômetros, fiz em 30 dias, agora vou fazer em 32.
Qual é a sensação que você sente nessa caminhada?
Seu mundo está lá! Você encontra o mundo no Caminho de Santiago de Compostela. Pessoas de todas as idades, diferentes classes e poder aquisitivo, ali somos todos iguais. Cada cidade pelo caminho tem albergues. No total, entre pequenas vilas, lugarejos e cidades existem 180 lugares de parada no caminho. Em pelo menos 170 tem lugar para se hospedar. Alguns são pagos outros são gratuitos. Tem banho, alimento às vezes eles fazem, tem cozinha, vou até a tenda compro os ingredientes e faço a minha comida. Encontrei um casal que mora no Oriente Médio já há 18 anos, começamos a conversar e logo descobrimos que somos brasileiros, em seguida que a filha deles mora em Piracicaba! Estava em lugar chamado Sebrero, passa um moço por mim, com um castelhano diferente, pergunta-me se posso olhar sua bicicleta. Logo percebi que era brasileiro, perguntei-lhe onde morava no Brasil, ele achou que eu não conhecesse a cidade, disse que era de Piracicaba. Perguntei o nome do seu pai. É filho do Dr. Zago!
   Plano geral do Caminho de Santiagp de Compostela
E bolha no pé?
Eu não gosto! Não dá porque eu não gosto! (risos). Mas levo todo aparato: Rifocina, agulha com linha, Uso tênis e chinelo havaiana, com meia. O cajado ajuda a seguir em descida e impulsiona na subida.
 
E quando termina a caminhada, o que você sente?
Ao mesmo tempo em que é uma vitória, é horrível! Você acorda pela manhã e não tem que andar! Você fica 30 dias ou mais andando, você esquece-se de veículos, que tem que olhar para atravessar a rua. Aqui a vida continuou. Ela parou para mim lá. Você não irá encontrar Santiago lá. O Santiago que você encontrará é aquele que esta dentro de você. É um caminho que tem 1200 anos.
Seu pai trabalhava em qual atividade?
 Meu pai faleceu no dia 26 de outubro de 1987 aos 73 anos, ele trabalhou na Companhia Telefônica Brasileira CTB, ficava inicialmente na Rua XV de Novembro, ocupava até a Rua Rangel Pestana, ao lado ficava o Curso Preparatório da Dona Amália. Depois a Companhia Telefônica mudou para CIPATEL, a Rua Voluntários de Piracicaba, 666. Do lado oposto, onde depois foi construído o novo prédio da CIPATEL Companhia Telefônica de Piracicaba.Minha mãe é um furacão! Trabalhou como empregada doméstica na casa da Dona Branca Motta de Toledo Sachs e depois trabalhou na Fábrica de Tecidos Boyes até quando ela se casou e teve a minha irmã mais velha. Somos quatro filhos: Regina, Dalva, Ésio e Maria Helena.



 
Você estudou em quais escolas?
O primário eu fiz no Sud Mennucci e terminei no Grupo Escolar Alfredo Cardoso em 1963. Minha primeira professora foi Therezinha Ferraz do Canto Kraide, a do segundo ano foi Maria Boloni Sávio, do terceiro ano foi Maria Aparecida Machado e a professora do quarto ano foi Dalva de Oliveira. No preparatório foi Dona Maria Tarsia, Entrei para o ginásio, onde tive muitos professores, lembro-me do nome de todos.
Conheceu o Professor Benedito de Andrade?
Conheci, ele não foi meu professor, Fizemos parte do júri de um concurso de poesias. Ele me fez um elogio que está na contracapa do meu primeiro livro.
Quantos livros você já publicou?
Tenho quinze livros publicados. Umas 40 antologias. Tenho mais de 300 prêmios literários em muitos Estados do Brasil e fora do Brasil também, em Portugal, Almancil e Seixal. Já fiz a loucura de subir em um banco em uma rua de Lisboa e declamar Guerra Junqueiro (Abílio Manuel Guerra Junqueiro).
                             Guerra Junqueiro (Abílio Manuel Guerra Junqueiro).
E faturou uns trocados?
Viram o meu chapéu, colocaram umas moedas dentro! Declamei “Fiel” e “Melro”. ( Ésio declamou entre outras, essas duas poesias, no Recanto dos Livros, espaço cultural do Lar dos Velhinhos, com entrada franca,evento que realiza-se uma vez ao mês, sempre trazendo convidados de alto nível cultural. Participam moradores e todos aqueles que buscam momentos de cultura e diversão. Nessas declamações a platéia composta por homens e mulheres foram as lágrimas).
Qual é a sua profissão?
Sou professor de literatura, não dou mais aula. Trabalho como funcionário público faz 21 anos. Tenho mais de 40 anos de contribuição com a previdência, já tenho tempo de trabalho para aposentar-me. Trabalho por hobby, ficar em casa o dia inteiro não tem o que fazer.
E fazer poesia?
Poesia não dá dinheiro!
É um fenômeno brasileiro?
É mundial! A época não é mais de poesia. Agora quem faz sucesso são cantoras que mostram o corpo, homens que viram mulheres, mulheres que viram homens. Grandes compositores como Chico Buarque, Caetano Veloso não tem suas músicas tocadas nas rádios. É tocado o que estamos ouvindo, a televisão tem uma influência enorme nesse fenômeno. Um livro custa muito caro, vamos imaginar que um livro custe 40,00 reais, uma televisão custa 2.000,00 reais, você assiste com a sua família 7 a 8 horas por dia, durante 10, 15 anos. Essa televisão sai por centavos. Duas pessoas lendo um livro de 40,00 reais passam a custar 20,00 reais para cada leitor. Não falta o poeta! Não falta o livro! Falta o leitor! Como eu posso em uma cidade com 400.000 habitantes como Piracicaba, fazer a edição de um livro “Os Caipiras”, um livro interessante onde conto toda a história de Piracicaba, uma edição de 1.000 livros deveria acabar, não é? Meus livros mais vendidos foram “O Evangelho” e “Os Caipiras”. Mas temos que considerar que é pouco! Em uma noite de autógrafos vendo de 100 a 150 livros, e eu sou conhecido! Única pessoa em Piracicaba que tem o epíteto de poeta.
Você é o sucessor de Lino Vitti, o “Príncipe dos Poetas Piracicabanos”?
Se não sou o sucessor estou no caminho que ele trilhou, ele me ensinou, foi meu mestre. Lino Vitti foi eleito Príncipe dos Poetas Piracicabanos pela Academia Piracicabana de Letras. Desde o falecimento do Lino, há dois anos, não foi realizada uma eleição para Príncipe ou Princesa dos Poetas. Alguns acham que essa eleição não deve ocorrer, outros apóiam a eleição. A meu ver, deve ser realizada uma nova eleição, onde seja analisado o passado da pessoa. Se alguém tiver o passado maior e melhor do que o meu eu vou ficar quieto.
Você tem uma memória espantosa, muito acima do que vemos normalmente. Você tentou investigar cientificamente a origem dela?
Eu acho que sou normal!
Que você é normal todos nós sabemos! Pelo menos eu não conheço alguém que declame horas a fio!
Eu também não conheço! Sei minhas 400 poesias de cor! Hoje apresentei “O Evangelho”, só que apresentei apenas 250 versos! (Sem ler, apenas declamando). No total “O Evangelho” são 1.500 versos! Assim como “Navio Negreiro”, declamei uma parte, existe outra parte! Vozes, D'África”, “Livre América” sei inteiras. Sei dezenas de sonetos, meu, de Vinicius de Moraes, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Machado de Assis, sei um pouco de bastante coisa.
Você chegou a freqüentar algum ambiente fora de Piracicaba?
Já fui! Uma vez dei uma palestra em Santos, era para durar 50 minutos, fiquei quatro horas falando, ninguém me deixava parar. Presente estava um Desembargador Dr. Eldar, a palestra começou as 8 as 11:30 ele levantou a mão, pensei que ele fosse fazer alguma pergunta, ele disse-me: “-Meu filho! Nunca vi inteligência igual! Cada pergunta que foi feita aqui você sabe aonde  a pessoa nasceu, o dia em que ela nasceu, o ano em que ela morreu, o meio em que ela viveu. Você dá exemplos, você não fala, dá todo um jantar completo da pergunta que foi feita. Não conheço isso!¨ Respondi-lhe: “-É que eu gosto!”, ele disse-me: “-Eu também gosto! Mas eu não sei!”
O que você acha que está faltando? Divulgação?
Falta divulgação! Foi anunciado a muitos veículos de comunicação de que estaria no “Recanto dos Livros” no Lar dos Velhinhos, no entanto nem toda a mídia veiculou o evento. Considero-me ainda assim privilegiado, tenho muitos amigos nas mais diversas mídias, que divulgam. Mas e quem não tem essa facilidade? Talvez tenha poetas melhores do que eu e ninguém sabe.
Não é contraditório um país como o nosso, carente de cultura, ter disposições como a sua para levar cultura e não encontrar apoio?
Eu vim até o “Recanto dos Livros”, graciosamente, mas alguém ofereceu café, salgadinhos (Os voluntários ofereceram um modesto cafezinho). A mídia, quer o retorno financeiro, vira um ciclo. Não tem almoço de graça!
Se alguém quiser adquirir algum dos seus 15 livros ou das 50 antologias como deve fazer?
Não tenho mais! Vi aqui no “Recanto dos Livros” algumas obras minhas. Não tenho mais livros para vender, sou uma pessoa agraciada, vendo todos os meus livros. Tenho um blog na internet http://esiopoeta.blogspot.com.br/ lá tem todos os meus livros, tem livros inéditos, literatura de cordel, tem livro de poesia de forma fixa, são poesias que existem no mundo poético, mas como o soneto é uma forma fixa, 4,4, 3 e 3, a balada francesa é um poema de forma fixa, se a linha métrica dela for de 8 versos, 8 sílabas métricas, então deve ter 8 estrofes, 8 por 8. E tem que ter 3 estrofes de 8 e 1 de 4 que é o envio, a oferenda, a oferta. Se ela tiver versos de 10 sílabas, ela tem que ter estrofes de 10 sílabas. Existe todo um esquema rimário, Para a de 10 sílabas, por exemplo, é a,b,b,a,a, c,c,d,d,c. Se é de 8 nunca pode ser em oitava rima, oitava rima é aquele clássico de Camões: a.b.a,b,a,b,c,c  mas tem que ser a,b,a,b,b,a,b,a,a,b,a,b,c,d, cd, Sendo que o último verso tem que ser sempre igual nas quatro estrofes. Existe o Canto Real que são cinco estrofes, de 11 versos, e o envio final que pode ser de 5 ou de 6 versos, existe o triolé que tem 8 versos. Existe o Pantun que é um poema criado na Malásia e Victor Hugo trouxe para a literatura francesa. Para o Brasil quem trouxe o Pantun foram Alberto de Oliveira, Olavo Bilac, Gustavo Teixeira.
Qual é a sua opinião sobre Gustavo Teixeira?
A poesia dele é interessantíssima! Usa um vocabulário dificílimo. Tem os cacoetes, quando fala violeta vem borboleta. Isso na obra completa dele inteira. Acho que Ementário, publicado em 1908  é um livro bastante interessante, tem algumas poesias maravilhosas: Cleópatra; Na Várzea; Tempestade; Leda e Tântalo. Eu sabia de cor esses poemas. A obra dele só veio a ser publicada pela segunda vez em 1925, com Poemas Líricos. Mas são anacronicas, ele usou a mesma coisa de 1908, ele não cresceu. Em 1908 estava no fim o parnasianismo, em 1925 estava um parnasianismo ultrapassado. Em 1937 ele fez O Último Evangelho, uma coleção de 107 sonetos alexandrinos, uma técnica também ultrapassada, mas tem alguns sonetos maravilhosos! Alguns nem tanto. Nenhum poeta consegue ser bom em tudo. A arte de um poeta se resume a 10, 15 poesias. A não ser que seja um grande gênio. Machado de Assis foi um grande romancista e um poeta frustrado! Ele durante sua vida inteira queria ser poeta. A obra poetica dele é grande,  ressalto  “A Mosca Azul” ; “Circulo Vicioso”; “A Carolina”e “Soneto de Natal”. Olavo Bilac tem umas 10 poesias que são mais do que inspiração, é uma coisa etérea. Eu devo ter umas 4 ou 5 que são interessantes. Me coloco dentro da minha limitação. Sou um poeta que gosta de poesia. Procuro fazer aquilo que melhor eu consigo fazer. Se não faço melhor a culpa é minha, eu não sou gênio.
E Francisco de Castro Lagreca ?
Foi um poeta fantástico! Ele morava a Rua Bom Jesus esquina com a Rua XV de Novembro. Era a esquina mais famosa da cidade: de um lado Lagrega, de outro lado Dona Branca, do lado de baixo Arquimedes Dutra e Dona Zoraide e o Colégio Sud Mennucci. Eu tenho um pouco de Lagreca no tipo caipira que ele fez. Ele tem um poema que fez quando Pádua Dutra faleceu em 1939 que é um “monstro” de poema! Fez outro poema para a Revolução Constitucionalista de 1932, tem algumas páginas maravilhosas. Um grande poeta de Piracicaba é o Professor Newton de Almeida Mello autor do Hino de Piracicaba. Ele tem um livro chamado “Carrilhões”. É um livro maravilhoso. O chamado “véu da noiva” não são as águas que caem do Mirante, próximo ao Engenho Central. O “véu da noiva” é a névoa das noites piracicabanas, que sobrem do salto quando o rio está cheio. A expressão foi usada pelo poeta Brasílio Machado, quando, num de seus poemas, chamou Piracicaba de “Noiva da Colina”. Tendo a névoa matinal do rio se prolongando à maneira de um véu, escreveu em Madressilvas, seu primeiro livro, o poema Piracicaba, em versos alexandrinos, o qual assim se inicia:
“Sacode os ombros nus, ó noiva da colina”.

Você iniciou seu trabalho em qual órgão da imprensa?
Comecei como revisor no Jornal de Piracicaba a 14 de janeiro de 1972, fiquei até 1974, quando fui trabalhar para a Xerox do Brasil. Fui para o setor de cobranças, ganhando três vezes mais do que ganhava antes. Na época eu tinha um Fusca 1972, amarelo, placa RM6174.
Você é casado?
Sou casado com Ana Maria Morales Fogaça, filha de Leonidas Fogaça, herói da Revolução de 1932. Ana e eu temos os filhos: Thaís, Thales e Ésio.
 
Você tem retratos pintados por artistas famosos?
Fui muito amigo de Arquimedes Dutra que pintou o meu retrato; do Renato Wagner que pintou o meu retrato; do Pacheco Ferraz que pintou o meu retrato. Eu gosto da arte.
Você freqüenta escolas?
Recebo muitos convites para dar palestras em escolas, faculdades, universidades, clubes. As pessoas, parece que estão descobrindo o meu trabalho. Quando as pessoas me vêem declamar ficam hipnotizadas. (Enquanto Ésio declamou muitos ficaram imóveis, espantados, suas poesias como ópera tocaram fundo os sentimentos dos presentes, lágrimas furtivas, boca entre abertas, silêncio total).
Qual é um epitáfio próprio para um poeta?
Quero que ponha que sou poeta. “Aqui jaz o Poeta Ésio Antonio Pezzato”. Mas vai demorar! Só vou falecer no dia 20 de fevereiro de 2041, aos 89 anos.
Você tem alguma clarividência?
Tenho! Funciona!
Você usa pseudônimos para escrever?
Uso muitos! Inclusive de autora: Samantha Rios. Outros são: Manoel Cançado, Clara Cançado, Martinho Nogueira, Martinho Chaves,
Você já fez alguma poesia causticante que tenha provocado a ira de alguém?
Já! Eu era diretor social de um clube da cidade e publiquei uma poesia, erótica, mas não pornográfica. Uma senhora zelosa dos bons costumes, horrorizada ligou para o clube, dizendo que eu não poderia mais ocupar o cargo de diretor de um clube tão tradicional. (Ésio declama o poema, com maestria transmite o sentimento natural entre um homem e uma mulher, sem cair na vulgaridade).

domingo, julho 22, 2018

URBANO ROQUE ZOTELLI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de abril de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/





ENTREVISTADO:  URBANO ROQUE ZOTELLI







Urbano Roque Zotelli nasceu em Piracicaba a 7 de dezembro de 1944. Neto de tiroleses formou-se na Escola Cristóvão Colombo, a “Escola do Zanin”, trabalhou em três empresas de destaque em Piracicaba, ocupando cargos de confiança. Prestou concurso para trabalhar no Banco do Estado de São Paulo, o Banespa. Naquela época quem trabalhava no Banespa e no Banco do Brasil era tido como funcionário com um excelente emprego. Fez o concurso com 20 anos, demorou dois anos para ser chamado. Após muitos anos de trabalho, já aposentado, prestes a ingressar em um emprego, uma tragédia abateu-se sobre sua família. Após algum tempo, equilibrou-se, reagiu e foi em busca de conhecimentos novos. 




 
 
A capacidade de superação do homem ainda está para ser dimensionada. Urbano Zotelli dá um pouco da dimensão dessa capacidade incalculável. Urbano Roque Zotelli nasceu no bairro rural de Santana, uma comunidade de tiroleses, Seu avô paterno, Basílio Zotelli e sua avó Emma Nardelli Zotelli, ele nasceu na Província de Trento, que na época  pertencia à Áustria, o passaporte do seu avô é do Império Austro-Húngaro.  Hoje essa região pertence à Itália. O seu avô e  sua avó vieram no mesmo navio, onde se conheceram, Se casaram no Brasil. O seu avô paterno foi morar na Fazenda Glória, hoje pertencente ao município de Charqueada. Aos quinze anos de idade seu pai mudou-se para o bairro rural vizinho, Santana. Em frente a igreja tem a venda, conhecida como “Venda do Tio Chico” (Francisco Vitti), mais tarde conhecida como “Venda do Noi”.  Tio Chico era casado com a irmã do seu pai. Lá seu pai conheceu a sua mãe. O seu avô materno era imigrante espanhol: Domingos Ferrero.
Não é pouco comum um espanhol em um bairro formado por tiroleses?
De fato é uma curiosidade! Anteriormente ele tinha uma sapataria, na região de Engenheiro Coelho, lá ele fazia sapatos, botinas, sapatão, bota, ele vendia muito bem, minha mãe contava que ele ia de trem comprar couro em Campinas. Na época ele tinha um Ford 1929, o chamado “Ford Bigode”. Eram poucos que tinham acesso a automóvel. Depois ele teve uma sapataria em Santana. Eu nasci em uma casa em frente a venda, onde funciona o Circolo Trentino Di Piracicaba, todos nós temos a cidadania italiana. Votei no Senador Fausto Longo as duas vezes. Ele sempre foi eleito. Meus pais se casaram e tiveram oito filhos: Luisa, Zélia, Edith, Urbano, Maria da Glória, Flávio, Natanael e Cecília.
O senhor permaneceu morando em Santana?
Eu era muito novo ainda quando o meu pai foi trabalhar como funcionário do Estado no Dispensário de Tuberculose, situado na Rua José Pinto de Almeida, quase esquina com a Rua XV de Novembro. Dr. Sérgio Caruso era o pneumologista chefe. Meu pai iniciou em uma função simples, com o passar do tempo foi sendo promovido até ser o responsável em tirar Raio-X dos pulmões. Era um local voltado só para o tratamento de tuberculose. Na época era um problema sério que acometia parte da população.
O trabalho do seu pai oferecia alguns riscos para a saúde dele, na época?
Eu sabia que faziam o Raio-X dos pulmões, acredito que deviam fazer o tratamento também. O trabalho dele era fazer o Raio-X, mas isso significava contato com o doente, alem do risco como operador de Raio-X, periodicamente ele ia à São Paulo onde fazia um exame para uma avaliação da interferência do seu trabalho em sua saúde. Nesse aspecto o Estado era muito cuidadoso.
A família trabalhava também?
Na época adquirimos um barzinho na esquina da Rua Moraes Barros com a Rua Alfredo Guedes, bem atrás da Igreja Bom Jesus.
Como se chamava o bar?
Curiosamente, naquele bar reunia-se uma turma, fizeram de lá o ponto de encontro, com direito a um escudo na  parede, do “El Tigre” Isso foi na década de 50. (A origem do nome do time é muito interessante Na final do Campeonato Sul Americano no dia 29 de maio de 1919, o jogo em seu tempo regulamentar havia acabado com duas prorrogações sem gols. Na terceira prorrogação, aos 150 minutos de jogo, Arthur Friedenreich domina a bola no peito e arremata em direção ao gol, convertendo o lance em gol, a torcida lançou uma chuva de chapéus no gramado que o jogo teve que ser interrompido por vários minutos, quando o juiz apitou o final da partida a torcida enlouqueceu  e invadiu o campo agarrando Arthur, lançando-o para o ar. A polícia tentou tirar Friedenreich do meio da confusão, mas era inútil tentar. Os Uruguaios encantados com futebol outorgam-lhe um pergaminho que dizia, “Nós, os componentes da Seleção Uruguaia, conferimos ao Sr. Arthur Friedenreich o título de ‘El Tigre’, por ser o mais perfeito center foward (atacante) do Campeonato Sul Americano de 1919.”). A duras penas meus pais conseguiram criar os oito filhos. Meu pai era muito religioso, Dom Ernesto o primeiro bispo da Diocese de Piracicaba (1945) quando foi a Santana ficou hospedado na casa do meu pai. O meu pai assistia missa e comungava diariamente. Morando atrás da igreja então... Ele era Mariano, da Ordem Terceira, Tesoureiro dos Vicentinos. Na época tinham um quarteirão inteiro com casas para famílias carentes, eram administradas pelos vicentinos.
Em que escola o senhor estudou?
Eu tinha 5 anos quando meu pai veio para Piracicaba, com 7 anos comecei a freqüentar o Grupo Escolar Dr. Alfredo Cardoso. Ficava a duas quadras de casa, sempre fui sozinho, voltei sozinho, a pé.
A Rua Moraes Barros era movimentada?
Como hoje não! Todos os enterros subiam por ali. A Rua Moraes Barros era calçada. A Rua XV de Novembro, da Rua Alfredo Guedes em direção ao centro era calçada. Da Rua Alfredo Guedes até a Avenida Independência era terra. No sábado de aleluia eles faziam o “pau-de-sebo” na Rua XV de Novembro.
Os enterros subiam a Rua Moraes Barros?
È uma subida acentuada, iam a pé, os caixões eram carregados pelos acompanhantes que se revezavam. Os homens de paletó e gravata! A maioria das vezes o enterro parava na Igreja Bom Jesus, o Padre Martinho Salgot fazia as exéquias (cerimônias ou honras fúnebres. Eu era coroinha, quando o corpo chegava à igreja eu segurava a vasilha de água benta, o Padre Martinho conduzia o cerimonial, e benzia com àquela água.
O caixão era aberto ou fechado?
Fechado! Após realizada a cerimônia, o caixão era reconduzido até a Rua Moraes Barros e subia em direção ao Cemitério da Saudade. Era costume, ao passar, os comerciantes fechavam s portas em sinal de respeito. Conforme passava o cortejo, quem estava na porta, na calçada, tirava o chapéu.  Os tempos mudaram. Hoje é até relativamente comum encontrar pessoas de bermuda no velório. Outra característica que está tornando-se comum é a determinada hora, fechar o velório, a família, amigos, conhecidos, vão para casa dormir e voltam no dia seguinte pela manhã. É raro passar a noite “velando” o falecido.
Qual era a sua impressão como criança?Aquilo impressionava?
Não, eram outros tempos, não havia velório, o corpo era velado na própria casa de quem tinha falecido, tinha muitas pessoas que quando o corpo estava na sala da casa eles pediam para o Padre Martinho ir fazer uma prece. Eu fui junto algumas vezes, na qualidade de coroinha. Quando morávamos na Rua Benjamin Constant,entre a Rua D. Pedro II e D.Pedro I, hoje no local construíram um edifício. Antes do meu pai comprar o bar, ele trouxe o pai e a mãe que moravam na Fazenda Glória, Estavam muito doentes. Minha avó faleceu, no mesmo dia faleceu o meu avô. Os dois corpos foram velados na sala de casa.
Qual era a cor da batina do coroinha da Igreja Bom Jesus?
Era batina preta. Quando terminei o curso primário fui para o Seminário Diocesano, na Vila Rezende, seminário fundado por Dom Ernesto de Paula, exatamente ao lado da Igreja Matriz, bem na esquina. O prédio existe até hoje. Depois o seminário mudou-se para o Bairro Nova Suíça. Permaneci por três anos no seminário. O ensino era de um nível impensável tinha aula em período integral, além das disciplinas básicas de todos os colégios, aprendíamos inglês, francês, grego, latim. O grego era ensinado por um padre da ordem premostatense, da Igreja São Judas Tadeu. Era tudo voltado para o ensino, religião e muita disciplina. Era chamado Seminário Menor. Nas férias passávamos um período de tempo em casa e outro período no Seminário Nova Suiça, que naquela época estava em construção. Eram férias maravilhosas, Não havia energia elétrica, a noite contemplava aquele céu bonito. Tinha um riacho onde íamos nadar.  Hoje na Nova Suiça existe o Seminário Propedêutico, que é para o iniciante.
O que levou o senhor a deixar o seminário?
Questionamentos! Hoje acredito que achei a resposta. O foco é a Justiça de Deus. Deus é justo? Tanto que o Papa João Paulo II foi visitar na Alemanha o campo de concentração e perguntou: “-Onde estava Deus que permitiu isso?” Ele tocou em um ponto que era exatamente o meu questionamento: a Justiça de Deus. Eu não conseguia aceitar a explicação da Justiça de Deus da forma que era e é até hoje ensinada. Eu encontrei essa resposta no Espiritismo. Através da reencarnação acredito que tenha explicação para a Justiça de Deus. Tornei-me espírita, durante oito anos fui membro do Conselho Fiscal da União Espírita.
Após sair do seminário onde o senhor foi estudar?
Estudei no Colégio Dom Bosco, por um ano, depois fui estudar no Sud Mennucci a noite para poder trabalhar durante o dia.
Teve aula com o Professor Benedito de Andrade?
Tive! Meu ídolo! Ele era brilhante! Quando ele chegou para lecionar no Sud Mennucci houve uma sessão solene para apresentar o Dr. Benedito de Andrade. Era um ritual, uma importância. Os professores todos de terno e gravata. As professoras todas muito chique. Fui aluno de Arquimedes Dutra. Os alunos que fizeram o Curso Científico tiveram aula de química com o Professor Demóstenes. Lembro-me do Professor Otávio, de matemática, o Professor José Salles, o professor de português era nascido em Portugal. O Sud Mennucci era referência como escola. No Dom Bosco tivemos como diretor o Padre Pedro Baron, o Padre Bruno Ricco, nesse tempo teve um Congresso da Juventude Salesiana, no Rio de Janeiro o Padre Bruno me convidou para representar o colégio. Eu também era coroinha no Dom Bosco, usava batina vermelha.
Onde foi o seu emprego em Piracicaba?
Trabalhei com três empresários de renome em Piracicaba. O primeiro foi na Fábrica de Balas Atlante, do Hermínio Petrin que ficava onde é o Jaú Serv com entrada na Rua Governador Pedro de Toledo com saída na Rua Ipiranga. Hermínio Petrin era um benemérito, fundou uma creche que era administrada pela União Espírita, Na década de 60 ele e Humberto Capellari compraram um terreno na Rua do Trabalho, e criaram a Casa Transitória Dr. Cesário Mota Junior depois ele transformou em Hospital Espírita Dr. Cesário Mota Junior. O objetivo era cuidar de pessoas com problemas mentais. Depois transferiu para a Rodovia que liga Piracicaba a Águas de São Pedro. Hermínio Petrin para mim foi uma figura emblemática. Em seguida fui trabalhar com Lélio Ferrari, Ele transformou o Empório Brasil no primeiro supermercado do interior de São Paulo. Era muito dinâmico. Ele visitou um supermercado em São Paulo, viu um açougueiro que fazia a exposição das carnes, mas com muita arte, E trouxe para Piracicaba. Ele tinha a torrefação de café Ouro do Brasil, ali onde hoje é o Pão de Açúcar, no Bairro Alto. Quando era pagamento dos funcionários o contador me levava para ajudar, envelopávamos o pagamento.
E outro local em que o senhor trabalhou?
Foi em 1963, fui convocado para servir o Exercito em Brasília. Tempo do Jango.
O senhor chegou a conhecer Dona Maria Tereza, Primeira Dama?
É incrível como me perguntam sobre ela! Eu a vi várias vezes, junto com o Jango. Era uma mulher muito bonita. Naquela época Brasília tinha sido recém criada, não havia jovens para servir o Exército. Foram buscar recrutas no Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina principalmente, de Piracicaba em 1964 foram mais de 100 convocados. Passei um ano no BGP – Batalhão da Guarda Presidencial, Eram Sete Companhias.
Chegou a ficar na rampa do Planalto?
Todos os serviços do quartel são feitos pelos soldados, Perguntavam a função de cada um: mecânico de automóvel, não chamavam de encanador e sim bombeiro, e assim foram selecionando a mão de obra disponível. Perguntaram quem é datilógrafo? Levantei a mão. Fizeram os testes e me escolheram. A minha vida no quartel não foi de soldado, foi de burocrata. Datilografava documentos internos, escala de serviço, boletim  do dia, a minha vida lá foi de escriturário. Havia eventos, desfiles. Mas nunca fui da guarda do Palácio. Calculo que tinha 600  a 700 soldados, quartel recém construído,tudo novinho, chuveiro bom, água quente, colchão confortável.
O tempo que o senhor serviu o Jango permaneceu o tempo todo?
Permaneceu! Houve algum ruído entre alguns militares de baixa patente, mas logo passou. Ai movimentou-se os burocratas, lembro-me que fiquei na casa de um sargento que foi recolhido. Ele era um dos lideres desse movimento. A casa dele ficou vazia, nos ficávamos revezando para protegê-la. Eu dei baixa na hora certa, no fim de 1963, em 1964 as coisas foram bem diferentes.
Ai o senhor voltou à Piracicaba?
Voltei, fui trabalhar com o terceiro empresário de renome, Octamiro Garcia Nascimento. Ele tinha frigorífico, pertinho do Matadouro Municipal.  Chegava a ter abate de 200 bois em um dia. Era gigante. A carne ele enviava para o Rio de Janeiro, São Paulo e fornecia para Piracicaba. Era muito movimento, muito grande. Eu trabalhava no escritório. Lá eu trabalhei como caixa. Os açougues da cidade forneciam a chave do estabelecimento para os caminhões, de madrugada eles deixavam a carne no açougue. Tinha um funcionário que ficava recebendo dos açougueiros que iam prestar conta. Esse funcionário pegava todo aquele dinheiro e levava para o escritório. Era muito dinheiro. Tinha que conferir, fazer o “bate” como falávamos, depois arrumar no capricho, fui bancário, nunca vi tanto capricho como lá. Octamiro era muito dinâmico. Depois ele chegou a comprar um frigorífico em Presidente Prudente. Ele morava na esquina da Avenida Independência com a Rua Governador Pedro de Toledo, hoje tem uma loja no local. Quando ele viajava, pedia que eu fosse dormir na casa dele, para não ficar sozinha. Mesmo assim tinha um guarda noturno que ficava com um relógio, ele tinha que registrar no relógio o horário e o ponto onde estava. Foi um período bom.
(O depoimento do Sr. Urbano Roque Zotelli vai mais além, com um fato que anunciava ser uma grande tragédia, mas transformou sua vida. Comovente, sensível e estimulante. Na próxima semana conheceremos um pouco mais da vida desse piracicabano. )
Em que ano o senhor entrou no Banespa?
 Entrei em 1966 com 22 anos. Fui trabalhar na matriz do Banespa, ficava na Praça Antonio Prado, no começo da Avenida São João em São Paulo. Eu trabalhava no 14º andar, um amigo comprou um Fusca, fomos até a janela ver o carro estacionado lá embaixo. Em frente a matriz! Tinha essa facilidade! Naquele tempo começou a surgir uma novidade, que era o Telex. Até então o contato com as agências urbanas era por telefone, às vezes não completava a ligação, o sistema era precário. Lembro-me de que no período em que trabalhei nos Supermercados Brasil, logo cedinho pedia a ligação para São Paulo, quando vencia as quatro ou cinco horas que era o tempo de demora para fazer uma ligação de Piracicaba à São Paulo, o Lélio Ferrari perdia a paciência! Ficava muito bravo. Mas voltando ao Banespa, fizeram uma central de telex na matriz e as agências eram todas conectadas. Era uma inovação tão revolucionária que era utilizada no marketing do banco. Gravaram um comercial, eu recém-ingresso no Banespa apareci na propaganda do banco, digitando no telex. Fizeram mas só fui ver acidentalmente aqui em Piracicaba. Saiu na televisão. Trabalhei na matriz, depois em uma agência próxima uns 200 metros na Rua da Quitanda, depois fui trabalhar em uma agência situada no cruzamento da Avenida Ipiranga com Avenida São Luiz, nas proximidades do Edifício Itália, Edifício Copan.
O senhor trabalhou em banco num período em que eles eram visados por grupos ideológicos que “expropriavam” essas instituições.
Era ações pontuais, um número muito menor do que os assaltos a agências bancárias que ocorrem atualmente. Causavam grande furor na mídia.
Conheceu o Edifício Martinelli?
Conheci! Lá funcionava o Sindicato dos Bancários antes de ter a sede própria deles. Na cobertura às vezes o Sindicato fazia churrasco, com chope. Esse prédio quando foi construído foi o mais alto edifício de São Paulo. Depois por uns 20 anos o Banespa foi o mais alto. No Viaduto do Chá, onde é a Prefeitura Municipal de São Paulo, funcionou uma agência do Banespa. Foi construído pelo Matarazzo, ali era sua sede anteriormente. O antigo edifício Altino Arantes, conhecido como o prédio do Banespa, agora se chama Farol Santander. Está aberto para a visitação do público em geral. A entrada custa R$ 15,00 O espigão no Centro de São Paulo foi restaurado e virou centro de cultura, entretenimento e lazer. Além de uma pista de skate, o prédio tem um mirante e até um apartamento amplo de luxo que pode ser alugado por R$ 3.500 a diária. A bandeira do Estado de São Paulo segue no mastro no topo do prédio, que tem ainda um farol.
Nessa época em que região de São Paulo o senhor morava?
Quando comecei a trabalhar no Banespa morava em uma pensão no Bom Retiro. Quando ia para São Paulo pegava o ônibus ao lado da Igreja Catedral de Santo Antonio, o último ônibus saia as nove horas da noite, chegava em São Paulo mais de meia noite, na Duque de Caxias, onde ficava a rodoviária. Já era aquela rodoviária de teto em acrílico colorido. Eu saia a pé da rodoviária, atravessa o Jardim da Luz. Dois anos após entrar no Banespa eu me casei, fui o primeiro morador de um prédio situado na Avenida Prestes Maia, próximo ao Viaduto Santa Ifigênia, trabalhava de manhã na matriz, vinha almoçar em casa, em cinco minutos, depois voltava para fazer hora extraordinária. Depois trabalhei em Jundiaí, Campinas.
O senhor tem filhos?
Tenho três filhos: Douglas, Jefferson e Sheila.
Quantos anos o senhor ficou no Banespa?
Fiquei 25 anos, comecei como escriturário, Naquela época trabalhávamos no período do Natal, a noite.
A agência ficava aberta à noite?
Ficava até as dez horas da noite! Os comerciantes iam fazer o depósito das suas vendas. Acredito que esse horário funcionava em algumas cidades, em outras não. Com isso dormíamos tarde e acordávamos cedo. No Natal de 1985 eu trouxe a mulher e as crianças para Piracicaba, uma semana antes do Natal, e voltei para São Paulo. No dia 24 de dezembro encerramos o expediente na hora do almoço e eu vim para Piracicaba. Eu estava cansado, esgotado, dormi na direção e capotei o carro, acordei no hospital de Americana. O meu veículo era um Gol, eu estava sem cinto de segurança. Nem sei se o carro tinha cinto de segurança naquela época. Fiquei por dois anos afastado do Banco. Esse acidente deixou-me uma série de seqüelas que demorou muito para serem corrigidas. Fui socorrido por um rapaz, nem sei como ele me tirou de dentro do carro, naquele tempo não havia os recursos que temos hoje:Bombeiros, Samu. Foi difícil descobrir quem era esse moço, mas fiz questão de descobrir e levar-lhe um presente. Após dois anos fui trabalhar por dois anos na tesouraria regional de Campinas. Eu era chefe da tesouraria. Nessa época o Banespa fez um Plano de Demissão Voluntária- PDV, eu ia aposentar-me como sub-gerente da administração. Aposentei-me a primeiro de maio de 1992.
Nesse período o senhor deve ter vivenciado histórias memoráveis.
Muitas! O Brasil teve um período de inflação que girava em torno de 80% ao mês! Havia o open market em português, 'mercado aberto', refere-se ao mercado de títulos no qual atuam um banco central e os bancos comerciais de um país e no qual são comprados e vendidos os títulos da dívida pública; e o over-night (tradução: durante a noite). Quando o Brasil vivia com uma inflação gigantesca, as pessoas de posses e empresas de grande porte tinham acesso a aplicações financeiras que protegiam suas economias da desvalorização diária e desenfreada. Elas podiam participar do over-night emprestando para os bancos e recebendo no outro dia. O open market ficava em aberto, o cliente tinha que pedir o resgate. O over-night era resgate automático em 24 horas. Na agência em que eu trabalhava havia clientes de grande expressão, multinacionais, nem me lembro os nomes, tinham valores astronômicos. O sistema era precário, nem dá para imaginar como funcionaria hoje em dia. Eu era chefe da seção de pagamentos. As empresas ligavam: “-Quero aplicar no over!” Eram valores expressivos. Em seguida eu ligava para a Banespa Corretora e fazia a aplicação. As empresas não podiam ligar diretamente para a corretora porque tínhamos que confirmar se quem estava aplicando tinha aquele saldo. Minha vida era terrivelmente estressada. Isso sem contar que atendia clientes que já tinham passado por outros setores tendo eu que resolver o seu problema. Tinha muitas contas de Secretarias de Estado, todo mês tinham que fazer um fechamento e era tudo na minha seção. Até o meio-dia tinha over-night. E tinha casos no balcão que eram muito importantes, como por exemplo dessas secretarias. Muitas vezes acumulava, estava atendendo um caso complicado, tinha mais dois esperando. Mais os telefonemas pedindo para aplicar no over. Não sei como não fiquei louco! Até que chegou um dia que aconteceu o que eu temia. Passou um minuto do meio-dia, liguei para a corretora, Disse que tinha uma aplicação. A resposta foi: “- Sinto muito, mas já encerramos!”. O juro de um dia daquilo era uma fortuna! Fiquei apavorado, não sabia o que ia fazer, Pensei: “Quer saber? Vou almoçar!”. Voltei, pensei: “Vou conversar com o gerente!”. Não sei o que vai ser da minha vida, vou perder o emprego, não posso pagar esses juros é impossível” Voltei, sentei junto a mesa dele, fiquei esperando ele acabar de atender a ligação. Nisso tocou o outro telefone. Eu atendi, disse que o gerente Marcos estava ocupado. Era da Banespa Corretora, tinham aberto  uma margem de aplicação, não sei se alguém desistiu. Mas em tudo que você pensar há uma margem de tolerância. Fiz a aplicação! Até hoje o Marcos não sabe disso.
Como era organizado o atendimento?
Não havia senhas, ficava uma aglomeração diante do caixa.
Tinha muito cheque sem fundos?
Nossa ! Como tinha! Daí não entregávamos mais talão de cheques. Eram cheques avulsos. Eu acompanhava o XV de Novembro, fui em várias cidades, O Picolé jogou no XV de Novembro e no Palmeiras. Depois de jogador profissional ele foi delegado, por isso recebia no Banespa, perguntei: “-Você que é o Picolé”? Ele matreiramente, disse-me: “Oh! É você! Se eu soubesse não teria entrado nessa fila!” Ele nunca tinha me visto!
O cliente saia com o dinheiro no bolso?
Quem quisesse fazer uma transferência bancária fazia a “Ordem de Pagamento”. Datilografava, punha no malote, o favorecido se fosse correntista era creditado na conta ou então ficava aguardando procurar. Era um sistema muito precário. Trabalhei bastante no Banespa, sou muito grato ao banco.
O senhor aposentou-se no Banespa e continuou trabalhando?
Era o que eu imaginava fazer. Tinha passado em um concurso no fórum de Piracicaba. Um dos meus filhos, o Jefferson, praticava, mergulho, e em um desses mergulhos na Lagoa da Conceição, em Santa Catarina, ele acidentou-se e ficou tetraplégico Ele estava no último ano de medicina. O mundo caiu na minha cabeça! Ele ficou morando aqui em casa por uns três  anos.  Por uma incrível coincidência, a USP naquele ano adotou a inclusão de estudantes com deficiências na universidade. A Vereadora Cida Abe conseguiu uma entrevista com o reitor da USP, conseguiu junto ao reitor que o meu filho ficasse hospedado no Hospital  das Clínicas, lá ele fez  o último ano de medicina e a especialização de psiquiatria. Hoje ele é independente, trabalha em um hospital no Acre, tem seu consultório particular. O que era uma tragédia para mim hoje é um orgulho! Alan Diniz Souza é presidente da União das Sociedades Espíritas –USE, o meu filho freqüentou a Sociedade Espírita comigo. O Alan mais de uma vez citou o nome do meu filho como guerreiro. No Acre meu filho conheceu uma moça natural de Assis, São Paulo, casaram-se. Sou muito amigo do Nelson Spada, através dele, assíduo leitor de “A Tribuna Piracicabana”, além de colaborador, leio todas as entrevistas que o Jornalista João Umberto Nassif publica. Uma delas, foi com uma professora que mora no Acre, ela leciona em uma escola rural, gosta da natureza, diz que não há vida melhor do que lá. Em uma das falas ela diz: “Sou a única piracicabana aqui no Acre!” Pensei: Ah, não! Não é não...!”
O senhor tem algum hobby?
Não sou nenhum especialista em rosas, mas plantei uns pés no quintal, gosto de olhar a beleza delas, sentir o perfume. Tem uma chamada de “Príncipe Negro” que é negra. Gosto de ouvir musica clássica na NET. No tempo em que permaneci no Seminário tínhamos canto gregoriano, eu cantava no coral. No Domingo de Páscoa, a missa na Catedral era muito concorrida, festiva, Dom Ernesto de Paula era muito dedicado. O Coral do Seminário cantava na catedral cantos litúrgicos em latim, havia um momento em que o coral silenciava-se, o Antonio Carlos Copatto e eu fazíamos um dueto. Em um Domingo de Páscoa ele ficou afônico. Eu fiz um solo na Catedral! Era o Canto do Credo. ( Urbano passa a cantar, como estivesse na Catedral, sua memória traz o latim perfeito e afinado) No Seminário tive alguns colegas ilustres, o Angelo Angelini foi deputado e governador de Rondônia. Fui colega do Dr. Erotides Gil Bosshard. Secretário Municipal de Administração. Guardo boas lembranças do Seminário. Quando eu era coroinha, na época morava em uma casa logo atrás da Igreja Bom Jesus, na época o Grupo Escolar Alfredo Cardoso era atrás da Igreja Bom Jesus, na Rua Alfredo Guedes. Comecei a estudar no primeiro ano que o Grupo Escolar Alfredo Cardoso começou a funcionar no prédio novo, que é o atual. O Café Morro Grande ficava ao lado da Igreja Bom Jesus, Que saudade! Quando saia aquele cheiro do café sendo torrado! Nessa época em que eu era coroinha, só havia violino e órgão, eram musicas sacras e hinos religiosos. As pessoas ficavam mais concentradas. Dom Ernesto de Paula veio um dia até a igreja, houve uma cerimônia, a Adoração do Santíssimo. Quando terminou o bispo convidou os presentes para dirigirem-se ao Salão Paroquial. Lá ele leu a carta enviada pelo Papa, promovendo o padre Martinho para Monsenhor Martinho Salgot. Veja o cuidado do bispo, ele não fez isso na igreja. A minha infância foi no Largo Bom Jesus, meu pai aos domingos vendia ingresso na bilheteria do XV de Novembro, na época ainda no Estádio Roberto Gomes Pedrosa, conhecido como “Panela de Pressão”. Quando era jogo grande, ele ia de manhã e eu levava uma cestinha de almoço. Eu entrava e ficava. Desde muito pequeno assisti o jogo de grandes jogadores, Pelé com 17 anos, Palmeiras, Corinthians, o XV de Novembro de Piracicaba era um time de muita expressão. Lembro-me que o Santos veio jogar, terminou o jogo, eu fui entrando, quando percebi estava no vestiário do Santos. Nisso chegou o Gatão com seus dois filhos. Ele disse ao Pelé que queria apresentar-lhe seus filhos, com isso o Pelé também me cumprimentou. O Largo Bom Jesus era o reduto da criançada, jogava com bola de meia, subíamos na torre da igreja. Cheguei a tocar os sinos da igreja. As seis horas da tarde tocavam Ave Maria. Domingo as nove e meia da manhã, tocavam, tinha uma corda que descia, tinha três níveis, no coro, onde tocava Ave Maria, subindo mais um lance tinha a corda que tocava o sino mais em cima, no total eram seis cordas, tinha uma seqüência para tocar, eu não cheguei a tocar a Ave Maria, mas a minha irmã aprendeu a tocar as notas musicais. Um dos garotos que freqüentava o Largo Bom Jesus era o Coutinho (Antônio Wilson Vieira Honório) jogou no Santos, foi considerado o melhor parceiro de Pelé. Ele jogava no Palmeirinha, aos 17 anos foi jogar no Santos Futebol Clube. Naquele tempo sempre tinha o jogo  preliminar,  e o jgo principal que o povo cahamava de “Cascudo”. O Coutinho nem era para jogar, só que faltou um jogador, ele acabou substituindo, o Lula que era tecnico do Santos viu ele jogando. Levou-o pa4ra Santos.
O senhor é Bacharel em Direito?
Quando fiz esse curso eu estava vivendo aquele momento terrível do meu filho. Ele morava comigo. Fiz o vestibular no meio do ano na UNIMEP em Santa Barbara D` Oeste. Foi uma forma de me ocupar com atividades úteis, e também já tinha sido o sonho da minha vida. Eu era o vovô da turma. Mas me senti muito bem integrado. No vestibular eu tirei a nota 10 na redação. O coordenador do curso quis me conhecer. Foi uma boa experiência, eu recomendo!


 

 

sexta-feira, abril 13, 2018

LUIZ FERNANDO MAGLIOCCA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de abril de 2018.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/







ENTREVISTADO: LUIZ FERNANDO MAGLIOCCA

 

Luiz Fernando Magliocca nasceu em São Paulo, a Avenida Paulista na Pró-Matre a 13 de abril de 1947. Hoje é cidadão italiano, embora continue residindo no Brasil. É um dos mitos da comunicação brasileira. Seu nome é consagrado e disputado pelos proprietários das maiores redes de comunicação do Brasil. Seus pais são Armando Magliocca, natural de Mococa e sua mãe  Carorlina Curti Magliocca nasceu em São Carlos. Julio Curti, seu avô materno, veio ao Brasil junto com Francesco Antonio Maria Matarazzo por quem foi escolhido para montar a Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo (IRFM), em forma de sociedade anônima, empresa que tinha como lema: Fides, Honor, Labor (Fé, Honra, Trabalho). Seu avô materno montou as indústrias IRFM em São Paulo, Porto Alegre e assim foi expandindo as fábricas. São histórias que sua mãe contava inclusive suas dificuldades em estudar pelas constantes mudanças de seu pai Julio.


CASAMENTO DE CAROL E ARMANDO MAGLIOCCA.
Era dia dois de fevereiro, em 1945. A Igreja foi a da Imaculada Conceição, em S. Paulo. Lá se vão 73 anos. Eu fui planejado para bem depois.


                                                 Pro Matre 80 Anos

Qual era inicialmente a atividade do seu pai?
Meu pai era guarda-livros em Mococa. Meu avô paterno tinha um armazém de secos e molhados, meu pai era balconista, motorista e guarda-livros no final do mês. Quando meu avô chegou ao Brasil com o nome de Francesco Antonio Magliocca, chegou a Mococa onde tinha um primo chamado Francesco Cucci, lá se estabeleceram. O escrivão disse que tinha que aportuguesar o nome do meu avô: Francisco Antonio Magliocca, ele recusou Antonio, Ficou Francisco Magliocca, virou Seu Chico.  A hegemonia italiana faz com que o filho mais velho vá estudar com isso o primogênito, irmão do meu pai, Dr. José Armando Magliocca foi estudar medicina em Niteroi. Os demais filhos permaneceram trabalhando para que ele estudasse. No total eram oito filhos: José Armando, Maria José, Dejanira, Filelfo, Armando,Yolanda, Argeu, Delfos que faleceu ainda criança. Recentemente estive pesquisando em Mococa assentamentos em cartório, e consta em alguns documentos: “Foi declarante Seu Chico”. Em outro documento está escrito, “Foi declarante fulano de Tal, trabalha com Seu Chico”.
Em São Paulo, ainda criança você morava em que bairro?
Inicialmente nas imediações da Avenida Paulista, depois nós mudamos para o bairro Paraiso. Meu avô paterno já estava morando em São Paulo, foi morar na Vila Clementino, lá tinha chácara, onde passava um riacho, com essa água regavam as plantas. A família Comenale era a dona da chácara. Isso na década de 50. Lembro-me que eu usava o bonde 47, aberto.
Comecei a estudar na Escola São Francisco de Assis, um colégio de freiras muito bem conceituado, ficava na rua atrás da minha casa, a Borges Lagoa. Ali fiz o meu curso primário, quando conclui o curso, fui para o Liceu Pasteur (Lycée Pasteur de São Paulo)
Situado na rua em que eu morava, Diogo de Faria, ali cursei até o segundo ano ginasial, foi onde tive uma excelente base de francês, onde fiz meus primeiros discursos: da Turma, discurso da entronização da imagem de Nossa Senhora, lembro-me que o Sr. Carlos Coury, gerente do Banco do Brasil, doou uma gruta, ele, os filhos, tinham estudado lá. Esse discurso foi meu pai quem escreveu, eu o tenho até hoje guardado. Lembro-me que para fazer esse discurso, tive que subir em uma cadeira senão não seria visto. Eu era sempre convidado a discursar, embora quem escrevia era o meu pai. Minha mãe dizia que as outras senhoras diziam: “Esse menino parece um diabinho na rua, e agora todo certinho, de gravata, imponente!”. Ali também fiz a minha primeira atuação em teatro, a peça de final de ano fiz no Teatro João Caetano nas quais eu acompanhava a apresentação de Memo e Martini, eram dois sócios que locavam o teatro para fazer as apresentações dominicais. Como era atrás da minha casa, eu não saia de lá. Posso até dizer que um pouquinho da minha veia artística tenha nascido ali. Acho que nasceu comigo, era uma chance de por para fora. Na minha família, uma das coisas de que me lembro é dizerem: “O Fernando fala muito bem! Vai ser advogado!”. Eu tinha um tio advogado! Ele era como um espelho para mim. Ele falava muito bem, de um cunho político muito forte, foi braço direito do prefeito, governador e presidente Jânio Quadros.
Você chegou a conhecer Jânio Quadros?
Eu não saia da casa do Dr. Gilberto Magliocca, pena que ele faleceu muito novo, e o Jânio esteve no velório do amigo, na casa dele.
Que idade você tinha quando conheceu Jânio?
De uns 14 para 15 anos.
Qual era a sua impressão do Jânio?
Achava que era um cara bacana, batuta. Nunca me liguei no que alguns falavam a respeito dele. Era uma pessoa definitiva no que falava, tinha uma credibilidade muito grande. Sempre fui fã dele. Meu pai, meus tios, tinham amizade com ele. Eu era apenas um garoto.
Jânio tinha um carisma muito grande!
Sem dúvida! Era um líder! Como não sabemos até hoje o que de fato aconteceu, as tais de “forças ocultas” até hoje continuam ocultas! Em vista de tudo que aconteceu depois, descobrindo hoje o Brasil que foi plantado lá atrás, muita gente adivinhava e adiantava o que era e como seria, não acreditávamos, pelo menos eu. Confiei muito, fui muito otimista e principalmente àquelas frases: “Brasil, um país a caminho do seu grande destino!” Só não sabia qual era o grande destino! Mas eu acreditei! Findado o segundo ano ginasial, o meu pai solene e carinhosamente, disse querer oferecer tudo que ele não teve a oportunidade de ter: “-Não tive chance de estudar, não tive bicicleta, não tive carro, nunca andei de avião eu quero oferecer isso para você! Para isso você não pode sair por ai trabalhando, tirando o foco dos estudos, quero que você se forme e daí para frente você será livre!”. Eu me virava, fazia teatrinho, vendia gibi, para ter o meu dinheirinho e fazer as minhas coisas, eu tinha vergonha, com a idade que eu tinha ficar dependendo dele. Meu pai trabalhava muito. Ele disse-me o Professor Dr. Nilo Magalhães Ribeiro, colega de Guaxupé, me chamou para montar uma etapa do colégio que ele dirigia em São Paulo, o Colégio Estadual e Escola Normal Nossa Senhora da Penha. O Colégio Estadual era uma coisa. Escola Normal era outra coisa. Mas para ser Instituto de Educação, ter uma verba maior, e ter um nível considerado o número 1, tinha que expandir. Naquela época quem tinha essas qualificações era o Colégio Estadual de São Paulo e o Caetano de Campos. Ele queria equiparar-se a essas escolas. Ele pediu ao meu pai para montar o curso noturno. Iria se transformar em Instituto de Educação Nossa Senhora da Penha. Meu pai era guarda-livros e normalista. No terceiro ano do ginásio transferi-me para o Estadual da Penha. Quando conheci uma senhora muito brava chamada Maria Amélia Fraga de Toledo Arruda que era tida como a mais impetuosa, difícil, o povo tinha medo dela, ela era professora de francês. Ao chegar lá, tirei uma nota 10! Não tinha grande segredo, eu tinha saído de uma escola francesa! Ela saiu pelos corredores alardeando: “- Consegui dar 10! Consegui dar 10!” A alegria dela foi ter pego uma prova completa. Isso me valeu alguns elogios de todos os professores. Embora o fato de ser filho do Seu Armando, o secretário, era mais um motivo para olharem com certo rigor, se não havia alguma deferência. Quando fui para o colegial,  um dos meus tios, meu padrinho, um famoso engenheiro químico era diretor do Instituto Cenográfico da USP, Argeu Magliocca. Eu achava que deveria ser um químico. Não só porque gostava, achava interessante, ganhei um aparelhinho, um kit, chamado “O Pequeno Químico”, fabricado por uma empresa alemã. Misturava líquido “A” com liquido “B” dava o  “Sangue do Diabo”,  outro saia fumaça, eu achava aquilo lindo e também achava que química era só isso. Com isso optei em fazer o curso científico. Ao final do primeiro bimestre, o Professor Nilo Magalhães Ribeiro me chamou, disse-me: “Gosto muito do seu pai, gosto muito de você, da sua família, mas com essas notas você jamais vai terminar o curso”. Era coisa de 3 em química, 4 em física, 4 em matemática, em compensação inglês 8, português 10. O professor então me disse: “Pela minha experiência você é um aluno da área de ciências humanas. Minha sugestão: troque agora!”. Prosseguiu: “Troque para o clássico. Todas as matérias que você não tem aqui, no clássico vai ter zero: latim, geografia vai ter zero. As notas que você tem aqui eu transfiro. Se você passar com 5 no final está bom.” Nem falei nada para o meu pai, mudei de curso. Ai vem uma coisa curiosa. Fui passar as férias em Aguaí, o governo estava fazendo silos, incentivos para que as pessoas pudessem plantar, criando Casas da Lavoura. O Dr. Venerando Ribeiro do Vale, meu tio, casado com a minha tia Yolanda, foi para Aguaí, comprou uma casa e íamos passar as férias lá. Um rapaz chamado Lucas, evangélico, namorava a minha prima, atravessou a rua com uma caixinha retangular, branca, que me chamou muito a atenção, perguntei o que era aquilo, ele disse-me: um gravador de som. A marca era Philips, a caixinha tinha dois rolinhos de fita, aquela fita passava por um mecanismo que naquela época eu não sabia o que era.  Fiquei muito interessado e perguntei-lhe o que ele fazia com aquilo. Ele disse-me: “Com isso eu faço o culto!”. Durante a apresentação na igreja, eu faço uma preleção, eu uso algumas músicas de fundo. Ele ligou em uma tomada, na casa da minha tia, e dali saiu a música que era tema do filme “Exodus” criada por Ernest Gold cantada por um grande coral. Aquilo ficou impregnado em mim.
Em que ano foi isso?
Por volta de 1962, Expliquei ao meu pai o que eu queria, ele não entendeu muito bem, fomos ao Mappin, não tinha. Fomos a Mesbla, tinha um gravador italiano da marca Geloso, com teclas coloridas. Meu pai fez o sacrifício de comprá-lo para mim. Meu pai e eu estávamos na Mesbla, no momento em que fechamos a compra e estávamos indo ao crediário, vimos cair papel picado por toda a rua, alguém comentou: “O Jânio renunciou!”. Nesse exato dia, nesse exato momento a TV TUPI de São Paulo entrou no ar em edição extraordinária e deu essa informação. Comecei a elucubrar o que vou fazer? O que posso fazer? Até que surgiu uma idéia: o pessoal do Centro Acadêmico faz um jornal, mimeografado, chamado “O Fofoqueiro”. Era uma página com umas brincadeirinhas, filmes da semana, piadas. Falei com dois colegas: “-Vamos fazer um jornal falado?” Eu gostava de ouvir os jornais das rádios, meus pais ouviam o “Grande Jornal Falado Tupi”. Até que um dia ouvindo a voz de Corifeu de Azevedo Marques que era o líder do Jornal Falado Tupi, passei mal, não podia mais ouvir a voz do Corifeu. Mudamos para a Rádio Bandeirantes e passamos a ouvir o jornal dessa emissora. Eu gostava daquele jeito de fazer as coisas. Muitas vezes me tranquei no quarto, peguei o Jornal “O Estado de São Paulo”, coloquei a mão sobre o ouvido, porque via todo mundo falar assim, não sabia por quê. Com uma régua na mão simulava que estava lendo o jornal. Provavelmente um locutor frustrado estava escondido aí. Falei com uma menina chamada Regina Célia Novais, que era uma colega, convidei-a a fazer um jornal falado. Chamei um rapaz chamado José Norberto Paschoatti, que se tornou depois um grande advogado e foi ser diretor do Departamento Jurídico da RCA Victor, chamei um rapaz chamado Genildo de Oliveira Fonseca, que era tão curioso, brincalhão, espirituoso que ele se assinava 907 , 9 era “G” de Genildo, “0” era o “O” de Oliveira e o “7” o “F” de Fonseca! Ele era o 907! Narrava futebol do Clube Nitroquímica de Guarulhos. Era primo do cantor Antonio Marcos. Na nossa formatura, Antonio Marcos foi gentilmente cantar para nós, como primo do formando. Nossa família mudou-se para a Rua da União, 92. Em um sábado, após umas oito horas e meia, com um bolo fornecido pela minha mãe, conseguimos gravar menos de 10 minutos. Após uma chuva de idéias, escolhemos o nome do jornal “O Boato” e o Genildo completou “Um jornal de fato”. Eu tinha comprado recentemente um sistema de som da Telefunken, enorme, tinha rádio, vitrola, AM, AM Onda Curta, AM Onda Curta 2 e Onda Tropical. O som Stereo ainda não existia, mas o Hi-Fi já. Daí para frente, já de posse do meu gravador Geloso, que tinha um microfone quadradinho, com uma haste metálica, que era para ele ficar em pé. Prendi o microfone na caixa de som, eu falava, subia e descia o som e ainda soltava o disco. Com isso esse jornal de 8 minutos e pouco, levava oito horas para gravar, porque não tinha como editar. Quando errava começava tudo de novo. Comecei a escrever umas idéias no papel que eu não sabia que o mercado da publicidade iria chamar no futuro de teaser. (Técnica usada em marketing para chamar a atenção para uma campanha publicitária). Peguei um caderno de escola e escrevi: “Vem ai O Boato”; “O Boato vai mudar a sua vida”; “Você não vai viver sem O Boato”. Eu ia mais cedo para o colégio, levava fita durex da minha casa, colava no banco, para quando a pessoa fosse sentar ele lia o que estava escrito na fita. Durante uma semana fiz isso, e na minha cadeira também tinha isso. Aprendi a fazer um formato de letra, nos moldes de um cone de sorvete, Dava um aspecto oriental para a letra. Ficava escrito na lousa “O Boato”. Decidimos que o melhor horário para apresentar o jornal seria no intervalo de 15  minutos, apresentamos a idéia aos colegas e pedimos que cedessem 8 minutos, assim apresentamos o jornal em um dia marcado. Foi na quinta ou sexta feira, Na segunda feira Luiz Fernando Magliocca foi chamado a diretoria. O Professor Nilo Magalhães Ribeiro reiterou a amizade entre ele e nossa família, disse de forma séria: “A respeito de uma brincadeira que houve outro dia... Eu já me adiantei: “Antes de qualquer coisa, a culpa é minha, a idéia é minha, os colegas me ajudaram porque eu pedi, eles não tem culpa nenhuma, se tiver alguma sanção é a mim que o senhor deve dar”. O diretor então disse: “ A professora de língua portuguesa, ouviu falar, que a repercussão foi muito boa, ela quer dar a última aula do mês para vocês apresentarem quarenta minutos de programa, só que vocês tem que fazer algo ligado ao que ela está ensinando” Na época estudávamos Eça de Queiroz e Singularidade de uma Rapariga Loira. Tivemos que radiofonizar, fui o narrador e um dos vendedores da loja, personagem do romance. Regina Célia foi uma vendedora e a mulher que roubou o anel. Cada um de nós tínhamos dois ou três papéis. Fizemos a radiofonização de 40 minutos de um livro ! Meu pai comprou uma Eletrola Mappin, na compra ganhávamos Coletânea Clássicos Mappin. Eram nada mais, nada menos do que músicas regravadas, instrumental, comecei a tirar idéias de sonoplastia e ai nasceu uma outra vertente da minha vida.
Você utilizando os discos Coletânea Clássicos Mappin continuou apresentando o jornal falado “O Boato”?
Isso foi durante o segundo ano colegial inteiro. No final do ano tive hepatite. Com isso perdi o ano. Meus colegas foram para o terceiro ano colegial, e exigiram que eu continuassse a fazer “O Boato”. Meus novos colegas queriam que eu fizesse também um jornal, assim surgiu também “O Dinâmico”. Terminamos o curso, sendo que ao término do curso eu já tinha uma banda de rock, chamava-se “The Marble Faces” ou seja “Os Caras de Mármore” ao invés de Caras de Pau. Embora eu não tocasse nenhum instrumento, era considerado uma figura importante, tantoque me deram o nome de “Empregário”. Eu era empregado e empresário deles. Achava os locais para eles se apresentarem, montava roupas para eles, acordava quando tinha que viajar, dava xarope quando um ficava com a garganta ruim, mandava a passadeira deixar as roupas de apresentação em ordem. Quando surgiu o discoSgt. Pepper's” dos Beatles que tinha a letra atrás, passei a ser "back vocal". Meu inglês era razoavelmente bom e eu tinha a letra da música na minha frente. Fizemos algumas apresentações, em um ensaio de sábado a tarde, na casa do Deputado Santilli Sobrinho que era de Assis, a esposa dele Maria Aparecida Brando Santilli era assistente do Professor Soares Amora, que era o líder da USP na área de português,  literatura, na Faculdade de Ciências e Letras. Ela disse-me: “Fernando, fiquei sabendo que o Governador Laudo Natel vai assinar um decreto na semana que vem, para a criação de uma escola, que vai ter, curso de rádio, cinema, televisão, teatro, tudo que você gosta! Se eu fosse você iria atrás!” Rolando Morel Pinto que é professor de Assis está sendo convocado para vir aqui em São Paulo, montar um setor. Nessa época eu fazia cursinho, ainda não existiam os famosos cursinhos tão conhecidos atualmente, existia um professor muito famoso, um advogado chamado Geraldo Tolosa, e o Cursinho Tolosa que ficava exatamente onde hoje é uma escadaria da Estação Anhangabaú do Metrô, eu estava fazendo o cursinho para direito. Fui atrás da informação dada pela Dona Cida Santilli, na velha reitoria da USP me inscrevi. Tinha que escolher três cursos dos seis que a Faculdade de Comunicações teria.  Eram: : Biblioteconomia;Cinema;Jornalismo;Rádio e Televisão; Relações Públicas e Teatro. Escolhi: Rádio e TV; Jornalismo e Relações Públicas. Fiz o vestibular para direito, entrei na primeira chamada para Direito no Mackenzie. Fiz vestibular para a Escola de Comunicações Culturais que depois mudou o nome para Escola de Comunicações e Arte. Entrei na primeira convocação em primeiro lugar em Rádio e Televisão. Fui fazer as duas faculdades. Isso foi em 1967. A USP já era na Cidade Universitária. Como não tinha espaço para a faculdade, eles cederam dois meios andares do auditório e algumas salas não tinham muitas classes, era uma classe e todos juntos, as aulas gerais eram dadas no auditório, eram seis turmas de 30 alunos, totalizando 180 alunos, Isso para as aulas gerais. E as  aulas específicas só iriam começar no segundo ano. Tínhamos noções de cada coisa: cinema, teatro rádio, televisão. No segundo ano precisava desse auditório pra 180 alunos e mais outro auditório de 180 para a nova turma. E as aulas específicas. Apaixonei-me muito pela área, inclusive por televisão que eu não sabia nada a respeito. Tive a sorte de observar um acordo da TV Educativa, que seria mais tarde a Fundação Padre Anchieta, o Governo do Estado tinha acabado de comprar dos Diários Associados uma televisão chamada TV Cultura. E não sabiam o que iam fazer com aquilo. Como não tinham câmera, não tinham nada, começaram a pedir emprestadas as câmeras da USP. Lá na USP tínhamos acabado de receber da Ford Foundation um grupo de três câmeras apenas, com alavanca que trocava a lente, imensa, pesada. Ali começamos a fazer os trabalhos de aluno. Sendo que a tarde, como não havia a aula, a TV Cultura começava a fazer o piloto do Curso de Madureza , que viria a ser aprovado ou não, pelo MEC, para depois ir ao ar. Comecei a bisbilhotar com todos os funcionários da TV Cultura, o que significava cada detalhe dos equipamentos. Quando cheguei no terceiro ano, tranquei a faculdade de Direito no Mackenzie. Não dava tempo, tinha que fazer trabalhos de gravações, eu fui só me dedicar a USP. Ficava o dia inteiro, só ia dormir na minha casa. Eu não tinha carro, mas tinha uma colega que fazia biblioteconomia que me levava no fusquinha dela. Ali desenvolvi outro trabalho, pegamos um intervalo, pedimos a um rapaz chamado Walter, era um técnico que fazia instalações de aparelhos: “-Walter não dá para você colocar televisores?”. Entenda-se televisor como monitor. Pedimos para colocar na entrada da reitoria. Queremos inventar um telejornal. No intervalo da aula saíamos correndo e íamos fazer uma apresentação. Fomos falar com o diretor Prof. Mário Guimarães Ferri. Ele autorizou, instalamos dois ou três televisores no pátio, bolamos um jornal, o colega Murilo Marques Belezia, natural de Itapeva, não a paulista mas a paranaense, ele deu o nome de “Momenta” ao jornal, plural de momentum, começamos a captar tudo que a USP fazia,produzia e mandava por mimeografo, Noticias da USP, não era a Voz do Brasil, não era nada no sentido de transmitir o original, ou o que o patrão quer, mas era uma maneira de tirarmos idéias. Ali montamos um primeiro tele-jornal, e que por falta de pessoas, um colega apresentava, Maria Helena Rennó fazias duas câmeras, eu fazias as vezes: direção de TV e sonoplastia. Em função disso quando cheguei no terceiro ano da faculdade, tinha uma matéria chamada Técnicas de Som e Sonoplastia. Como é praxe em qualquer faculdade, a pessoa para dar aulas tem que no mínimo ser graduada em outra coisa, e Técnica de Som e Sonoplastia apesar de ter grandes nomes como Laurindo Salvador, Salatiel Coelho, a quem reverencio até hoje. Eles só tinham curso primário. Quando levantaram tudo que estava perto deles e não tinha ninguém para dar aula e o curso ia começar, reuniram-se e sortearam alguém. O diretor Eduardo Peñuela Cañizal me chamou e disse-me: “Acho que a única maneira de termos esse curso é você dar aulas para os seus colegas.”. Disse-lhe:”-Mas  não sei nada!”. Ao que ele respondeu-me: “-Todo mundo fala que você gosta, pega a grade, estuda e vai dar aulas para eles”. Transformei-me em um professor momentâneo durante um semestre dando aulas aos meus pares. Inclusive grandes nomes que estão ai no rádio e na televisão foram meus colegas. Estavam lá: Ethevaldo Mello de Siqueira, Walter Sampaio (João Walter Sampaio Smolka). Jose Possi Neto, irmão de Zizi Posssi, um grande diretor de teatro. Todos foram meus alunos. No terceiro ano, os que tinham rádio e TV tinham matérias conjuntas. Tenho a lista dos 100 primeiros alunos da ECA. Para concluir, em meu diploma eu tenho um “X” nessa matéria, não tenho nem zero nem dez. Dei nota aos colegas, mas não pude ter nota. Em 1969, um grupo de três pessoas da TV Cultura foram visitar a Escola de Comunicações acompanhadas pela Professora Dra.Nelly de Camargo reuniram todos os alunos do penúltimo ano, comunicaram que iam abrir três vagas para alunos de comunicação. Esse emprego é estagiário não remunerado. Os três visitantes eram José Bonifácio Coutinho Nogueira, Oswaldo Sangiorgi, e outro rapaz de prenome Hélio. Eles viram três trabalhos, sem saber o nome, fui agraciado sem que eles soubessem que era meu. Fui estagiar na TV Cultura. Isso foi a 15 de novembro de 1969. Quando tenho a minha primeira marcação de carteira profissional.Na TV Cultura fiquei por oito anos. Criei um programa musical, na TV Cultura a nossa cruz era fazer produção de aulas. A TV Cultura só tinha curso de madureza e assemelhados. Para mim a sorte bafejou amplamente, me deram um curso de francês. Eu já era apaixonado pela língua francesa. Com isso me dei muito bem, fiz 3 séries de 90 programas. Só aumentava e crescia, consulado francês feliz, todo mundo doando filmes.   
Tinha Videoteipe?
O Videoteipe nasceu em 1969. Nós não tínhamos aparelhos suficientes para tudo isso. Os filmes que passavam eram os originais. Alguns programas eram gravados. Para passar aquilo ao ar era muito maluco, tinha que tirar as fitas, alguém tinha que rebobinar mais tarde, já tinha que entrar outro programa. O videoteipe era um da marca AMPEX enorme. Não podia amassar a fita. Era um carretel em cima do outro. Não havia intervalo comercial. Tinha um Bray Tela com uma fotografia do Palácio Bandeirantes, que era uma fotografia recortada, colada na madeira, e um buraquinho embaixo onde ficava um relógio, o locutor da época era um gaúcho de voz aveludada, dizia: “Em São Paulo 19 horas e 30 minutos, no Palácio dos Bandeirantes é hora de (tal coisa), TV Cultura. E ai vinha a seqüência. Eles falavam isso para fazer a ligação do Palácio Bandeirantes recém-inaugurado com a TV Cultura. Após 4 anos na TV Cultura, no dia 14 de abril de 1972, recebi 4 filmes clips, fui assisti-los em uma sala de projeção em que cabiam 6 pessoas. Quando olho para trás, está cheio de crianças, todos olhando para aqueles filmes. Como eram todos office-boys, um foi chamando outro, eu pensei: “-Isso aqui é para jovem!”. Mediante os quatro filmes levados por José Roberto Povea, um divulgador da RCA Victor, montei um programa. Ofereci a minha chefe, Dona Nydia Lícia ela disse que iria pensar, tendo em vista a linha de programação que a TV Cultura seguia. Enquanto eu produzia uma série chamada “Efemérides” dentro de um curso obrigatório: Educação Moral e Cívica, nessa área de “Efemérides” eu contava a História do Brasil. Estava na maquiagem a filha de Nydia Lícia, era atriz. Perguntei-lhe se ela conhecia determinado cantor ? Ela disse que adorava. Perguntei se ela imaginava ver um filme com ele. Naquela época era comum, quem tinha condições financeiras, ter um projetor de 16 milímetros em casa. Eu emprestei a ela. Na segunda-feira Dona Nydia Lícia me chamou e disse: “- Luiz Fernando vamos fazer um pilotinho daquele programa?” Chamei uma voz que eu idolatrava, Não o conhecia,era locutor da Rádio Difusora, liguei e perguntei-lhe se ele poderia fazer um teste na TV Cultura. Ele foi!.
Qual foi a reação dele?
Eu disse-lhe que não tinha verba, se der certo eu contrato-o. Deu certo, Dárcio Arruda foi fazer as falas, cerca de 5 minutos. O resto era junção de pedaços de filmes, eu tinha aprendido na faculdade a fazer um a montagem especial, quadro a quadro, e ali usei essa técnica e fiz um programa que durou 25 minutos. Foi para uma fita denominada “Fita de Emergência”. Escrito “TV2 POP SHOW”, foi o nome que eu achei que devia dar. Chegou um sábado, que era dia de filme, a equipe de Waldir Bonnas que era o diretor de cinema nosso, falhou, não sei dizer quem, falhou na minutagem, talvez tenha copiado errado ou talvez tenha sido enganado pela origem. O filme que deveria ter 150 minutos não tinha. Tinha 130 minutos. Acabou o filme o chefe do controle mestre saiu gritando: “Pelo amor de Deus me arruma 20 minutos de qualquer coisa!”. A idéia era sempre pegar alguma coisa de consulado ou alguma coisa de emergência. O Luiz da videoteca disse: “- Tem um negócio que o Magliocca gravou outro dia, não sei o que é!”. “TV2 Pop Show” estreou sem nenhum aviso, chamada, sem ninguém saber, nem o criador dele! Foi para o ar das 19:00 às 19:30. Sábado. Não deixa de ser um horário bom. O telefone não parava de tocar, e no sábado era atendido pela central técnica. Ele fez o relatório, entregou como todo fim de semana. Dona Nydia Lícia me chamou. Quando cheguei lá ela disse-me: “-Luiz Fernando, nós tivemos boas informações a respeito do trabalho que você fez! Podemos pensar em fazer alguma coisa para o futuro.”. No sábado seguinte, a programação normal, com filme, o telefone não parava de tocar, queriam ver o programa que tinha estreado no sábado passado. Na segunda-feira Dona Nydia me chamou e disse-me: “-Luiz Fernando, vamos pensar em fazer um programa por mês, especial!”.
Você vibrou?
Só que eu não tinha filme suficiente, teria que pedir para as gravadoras. Foi ai que descobri o filão, que era possível conseguir os filmes de outras gravadoras. Na realidade as gravadoras estavam de olho nesse filão. O único detalhe é que não sabiam com quem falar. Jorge Gardia, então diretor artístico da TV TUPI, da Rádio Difusora e da Rádio Tupi de São Paulo, chamou Dárcio Arruda e disse-lhe para escolher ou Tupi ou Educativa. Na Difusora Dárcio fazia rádio, Jorge Gardia deu-lhe um programa de musica pop na TV TUPI. A semelhança do que eu tinha criado. Tive que sair correndo atrás de outro locutor para fazer aquele eventual programa mensal. Descobri Henrique Regis, que tinha uma voz bonita, marcante. Trabalhava na Rádio Excelsior. A TV2 Pop Show estreou a 12 de abril de 1972 e ficou no ar por 16 anos, depois do futebol era o segundo programa em audiência. Quando eu sai recebeu o nome de Som Pop, recebeu um apresentador, Kid Vinil.
Por que você saiu da Cultura?
Walter Guerreiro, produtor independente estava criando um estúdio, “Studio Free”, ele me propôs um programa nos moldes do Pop Show, chamou para apresentação Antonio Celso,  diretor da Rádio Excelsior de São Paulo, “A Máquina do Som”. Antonio Celso me levou para a Rádio Excelsior para fazer o “Som Pop”. Eu era professor da ECA, sou o primeiro ex-aluno da ECA a ser chamado para ser professor da ECA. Me formei em 1970, em 1971 estava dando aula. De manhã aula, a tarde TV Cultura, a noite Rádio Excelsior. Permaneci na Rádio Excelsior por três anos, saí da rádio. Tirei férias, estava na praia com minha família, quando meu pai chegou com o recado de que eu deveria telefonar no sábado as 21:00 horas para o Dárcio Arruda. Ele tinha sido convocado para ser apresentador do telejornal da TV TUPI, liguei de uma cabine telefônica do Guarujá, e o Dárcio me disse que segunda-feira eu deveria estar em uma reunião às 10 horas da manhã a Rua Afonso Bovero, 52.
Como foi essa reunião?
O Sr. Helvio Mencarini diretor superintendente do Grupo Associados, fui convidado a ser diretor da Rádio Difusora. Eu tive a grande chance de por em prática as minhas idéias. Fui a Cultura e pedi demissão. Durante 30 anos fui professor, 14 anos da USP e 16 anos na FAAP. Nos mesmos 30 anos eu estava trabalhando em algum setor de rádio.
Você permaneceu na rádio até quando?
Até fechar! Nos anos 80 faliram a TV TUPI, Rádio Tupi, tive o desprazer de ser o último diretor da Rádio Tupi, quando recebi do DENTEL o aviso de que seria lacrado o transmissor, quem levou o cinegrafista para filmar o desligamento da antena para tirar do ar em definitivo a Rádio Tupi, para passar na TV TUPI a noite.
Você prosseguiu na área?
Continuei dando aulas, fui chamado por uma empresa chamada LEC de Carlos Colesanti e Luiz Casalli para ser gerente de marketing e de produção da empresa deles. No terceiro mês, recebi uma ligação do Sr. Antonio Augusto Amaral de Carvalho Filho conhecido na vida artística como “Tutinha”, dizendo: “-Dá uma subida aqui!”. Isso significava que iria andar três quadras e meia e estar na Jovem Pan. Fui lá, ele disse que iria montar uma Rádio FM, queria que eu coordenasse a rádio. Disse-lhe quanto era o meu salário. Ele disse que aquele valor ele não poderia pagar. Eu disse-lhe que então não faríamos negócio. Ele reagiu em altos brados”-Mas eu quero você aqui!”, disse e deu um soco na mesa, que era do Sr. Fernando Vieira de Mello. O ambiente ficou tenso, todo mundo olhou. Ele insistindo: “Mas você vai trabalhar na Jovem Pan!”. Eu voltei para o meu humilde lugar. Dois dias depois ele me chamou novamente. Acertamos o valor que eu havia definido. Me tornei o primeiro Diretor Artístico da Jovem Pan 2, o FM mais ouvido de São Paulo, que entrou no ar no dia 25 de setembro de 1981 e eu estreei em 17 de outubro de 1981. Permaneci por três anos e meio na Jovem Pan. Fui chamado para dirigir a Rádio Cidade, onde permaneci por 4 anos, tive a idéia de trazer o Menudo para o Brasil. A Transamérica me chamou para trabalhar com ela, fui Diretor Nacional da Rede Transamérica. Por motivos profissionais sai da rádio, abri a minha empresa de comunicação, o Tutinha me chamou, para ser o chefe de promoções, criamos gincanas, peruinhas da pan, uma série de coisas que foram sucesso absoluto na época. Em paralelo recebo uma chamada da Rádio Bandeirantes para fazer um programa com a minha empresa, a Publinter, e a Voz da América, vai ser um programa gerado em Washington, você produz o programa na sua casa, e vem dirigi-lo na Bandeirantes no final de semana. É o primeiro programa via satélite, regular, todo sábado as 10 horas da manhã. Pedi demissão de novo na Jovem Pan e assumi essa produção independente. Como eu precisava falar com Washington todos os dias, o Tutinha tinha acabado de comprar um equipamento de ponta: "facsimile" ou simplesmente Fax, eu quis comprar um igual.  Comprei um , que guardo como relíquia. Durou 10 anos. Com isso montei um programa, que foi t]ao bem que fez a Rádio Bandeirantes entrar em primeiro lugar de audiência. Chamava-se “USA-Um Sábado Alegre”. Depois de absoluto sucesso aos sábados, por três meses, eles me propõe a direção da Rádio Bandeirantes. Fiquei pensando: Como vou dirigir Fiori Giglioti, José Paulo de Andrade? Durante quase 10 anos fui diretor da Rádio Bandeirantes. Criei a Rede de Rádio Bandeirantes como ela é hoje. Em seguida a Rádio Capital me chamou, onde fiquei por um ano. Eu participava todo mês de abril de um Congresso Internacional chamado NAB Show. Recebi um convite da NAB Show, comprei duas passagens só de ida, para mim e para minha mãe. Vendi carro,casa, móveis no sistema família muda, fui para Las Vegas onde tinha o congresso, depois Los Angeles, Florida onde aluguei um apart-hotel, na Collins,1411. Paguei três meses antecipado, tinha que ser assim. Abri uma empresa Publinter International Incorporation ela virou filial da minha empresa brasileira. Daí nasce uma luz: TV Globo Internacional, eu me meto a fazer textos para a TV Globo. A empresa representante de TV Globo em Boston perguntou se eu não queria ser representante deles na Flórida. Comecei a fazer comercial, vender comercial, produzir comercial. Produzi comerciais de produtos locais para a TV Globo, utilizei Leila Cordeiro e Eliakim Araújo, Dárcio Arruda, eu mesmo fiz dublagem, locução. Ali eu fui repórter da Rádio Trianon de São Paulo. Reporter internacional da revista Chic e Famosos. Permaneci nos EUA de 1 de abril de 1988 até 23 de dezembro de 2003 quando vim para São Paulo trazer a minha mãe para uma festa de Natal da família. Nessa festa, na Rua do Símbolo, conheci Sula Miranda, que era vizinha do meu primo. Desenvolvi outro braço da emprsa que são as trilhas sonoras, passei a representar 54 empresas, com clientes como TV Record, SBT, TV Cultura uma parte de Rede TV, e um pouco de efeito sonoro da Globo. Faço palestras. Hoje tenho um livro pronto: “Luiz FM, A História do Rádio Por Quem Fez Parte Dela”. 

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