PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 19 de janeiro de 2019.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 19 de janeiro de 2019.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: IBRAHIM MATTUS
ENTREVISTADO: IBRAHIM MATTUS
Ibrahim
Mattus nasceu a 2 de outubro de 1931na cidade de Conceição de Macabu, nome que deriva de
Nossa Senhora da Conceição do Rio
Macabu, naquela época era distrito de Macaé. É filho de Abdo
Mattus e Izolina Pereira Mattus que tiveram sete filhos: Afair, que faleceu ao
nascer,Fair, Nazira, Munira, Ibrahim, Nabile, Amira. Ibrahim Mattus é Procurador Federal. No Exército chegou ao posto de terceiro sargento. Iniciou-se
profissionalmente como funcionário terceirizado do Instituto do Açúcar e do
Álcool, galgando postos importantes, sendo inclusive nomeado como interventor
pelo Presidente Fernando Collor. Batalhador incansável, trouxe ao Bairro Santa
Terezinha melhorias usando sua influência pessoal, adquirida por mérito
próprio. Uma narrativa de uma vida de lutas, glórias e desafios.
Qual era a atividade do
pai do senhor?
Mascate!
Como todo bom árabe ele começou como mascate, trabalhou muito, pouco antes de
falecer tinha um armazém que tinha de tudo. Era o shopping de hoje! De enxada
até agulha, da banana ao feijão! Meu pai faleceu muito jovem, com 41 anos,
possivelmente com um ataque cardíaco, naquela época não existia os recursos que
existem hoje, era um mundo diferente.
Ele veio para o Brasil
sozinho?
Veio
sozinho, ele tinha um primo que já morava no Brasil, Jorge Tebet Jorge que morava em Conceição de Macabu. Ele
e Jorge eram dois moços de chamar a atenção, meu pai era muito charmoso, um
homem bonito, conheceu a minha mãe, ela com 17 anos, casaram-se. Era um período
em que as famílias tinham muitos filhos.
Ao ficar viúva qual foram as providencias que a sua mãe
tomou?
Eu tinha uns cinco anos. O meu pai estava muito bem de
vida. Começaram a aparecer credores, minha mãe querendo honrar o nome do meu
pai, as dívidas eram na palavra, não usava-se documentação escrita, ela pagou a
todos que se apresentavam como credores. Com isso em pouco tempo os recursos
escassearam. Como tínhamos uma conhecida em Niterói, fomos todos para lá.
Uma viúva e seis filhos! Minha mãe era costureira, começou a trabalhar, fazia costuras para uma empresa do Rio de Janeiro, fazendo calças. Com 12 anos eu levava as calças prontas para o Rio de Janeiro. Ia de barca, naquela época a travessia Rio-Niterói era feita por barcas. Ainda não existia a ponte ligando as duas cidades. A ponte foi construída em 1964 pelos militares.
Uma viúva e seis filhos! Minha mãe era costureira, começou a trabalhar, fazia costuras para uma empresa do Rio de Janeiro, fazendo calças. Com 12 anos eu levava as calças prontas para o Rio de Janeiro. Ia de barca, naquela época a travessia Rio-Niterói era feita por barcas. Ainda não existia a ponte ligando as duas cidades. A ponte foi construída em 1964 pelos militares.
O senhor pequenininho ia sozinho?
Naquela época não havia maldade, os próprios passageiros
se protegiam, assim como aquela criança desconhecida ,no caso, eu, levava as
calças prontas e trazia a fazenda para costurar as calcas, camisas, o que
precisasse. Minha mãe costurava bem.
Com isso ela conseguiu manter a família?
Conseguiu, e também havia muita solidariedade, por parte
de famílias amigas, parentes. Ela costurou durante sua vida toda, faleceu em
1992, com 86 anos. Foi uma heroína, sozinha criou uma família. Criou os filhos,
encaminhou-os, se relacionar, hoje nossa família tem mais de 100 descendentes.
O senhor trabalhava em algum local, quando era garoto?
Fui trabalhar em uma farmácia, fazendo entregas de
medicamentos. Ia a pé, de bicicleta, dependia da distância. Eu me sentia
importante! Depois fui trabalhar com um dentista, uma das minhas atividades era
levar as marmitas para ele. Ele fazia restaurações utilizando ouro. Antigamente,
o ouro era uma das ligas metálicas mais utilizadas por dentistas em
restaurações devido a sua resistência. O procedimento sempre foi muito caro por
se tratar de um material precioso. Por isso ter um ou mais dentes de ouro era
um símbolo de status financeiro. Permaneci trabalhando para o consultório
dentário por uns quatro anos.
O senhor não se interessou em ser dentista?
Não me interessei, talvez por não ter estudos na época. A
minha vida de estudante foi muito difícil. Fiz o curso primário no hoje Colégio
Estadual Melchiades
Picanço em Niterói. O governo lançou um curso que
dava a oportunidade de fazer o ginásio e o colegial em um tempo reduzido,
proporcionando a oportunidade de fazer um curso superior. Tive um grande amigo
chamado João Pires Ribeiro que era meu cunhado, casado com a minha irmã Fair.
Ele me indicou a um senhor que tinha um restaurante na
Standard Oil
Company era
no Brasil a Esso Brasileira de Petróleo
Ltda. Fui trabalhar com ele , no prédio que era do Instituto do Açucar e do
Álcool, fundado em 1933 por Getúlio Vargas.
O senhor conheceu Getúlio Vargas?
Conheci!
Cheguei a falar com ele. Eu tinha um amigo que era o mordomo do Getulio, ele me
convidou para ir até o Palácio do Catete para conhecer o Dr. Getúlio. Fui. Ele
me cumprimentou, de longe, aí nós fomos embora. Em 24 de agosto de 1954 ele
suicidou-se.
Gregório
Fortunato foi o chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas, também conhecido como "Anjo Negro", devido
ao seu porte físico e sua pele negra. Gregório começou a ter muito poder,
despachava com coronel, general. Antes de falar com o Getúlio os interessados
tinham que passar primeiro com ele. Getúlio por suas idéias, foi se isolando, o
Almirante Amaral Peixoto casou-se com Alzirinha (Alzira) Vargas filha dele,
conheci esse pessoal todo, não tinha relações de amizade, mas quando ia ao
Palácio do Catete sempre via um deles. Conheci o Copacabana Palace Hotel, mas
não frequentava, era só para quem tinha muito dinheiro, geralmente turistas
estrangeirs.
Existem até hoje pessoas que colocam
em questão se Getúlio Vargas suicidou-se ou foi assassinado, a seu ver o que de
fato aconteceu?
Getúlio sentiu-se encurralado. Tinha
o Gregório Fortunato que praticamente mandava e desmandava, Carlos Lacerda, um
grande orador, fez uma intensa campanha contra Getúlio. Teve um dia em que ele
ficou 24 horas no ar falando mal do Getúlio. Conheci Adhemar de Barros,
inclusive lembro-me do caso famoso de suposta "negociata" muito comentado
foi o "Caso da Urna Marajoara" do Museu Paulista.
O senhor conhece a história de Jorgr
Guinle dono do Copacabana Palace?
Carlos Guinle, seu pai,
sabia que logo iria falecer, calculou o tempo de vida do filho Jorge (Jorginho)
Eduardo Guinle, e disse-lhe: “Esse dinheiro é para você viver até morrer”
Jorginho foi um socialite,
playboy, e herdeiro
milionário notável por suas conquistas amorosas e falência financeira. Após ter
gastado quase todos seus bens, avaliados em cerca de 100 milhões de dólares, em
festas, viagens e mulheres, Guinle faleceu aos 88 anos de idade, morando, por
favor de seus novos donos, no hotel Copacabana Palace. O hotel
fora fundado por seu tio, Octávio, em 1923. Conquistou grandes artistas, entre elas Ava Gardner, Anita
Ekberg, Veronica
Lake, Romy
Schneider, Kim Novak, Hedy
Lamarr, Susan
Hayward, Zsa Zsa
Gabor, Rita
Hayworth, Lana
Turner, Jane
Russell. Casou-se quatro vezes com: Dolores Sherwood Bosshard, Ionita
Sales Pinto, Tânia Caldas, Maria Helena Carvalho. Não há dinheiro que aguente!
O Rio de Janeiro dessa época era completamente diferente?
Você saía
tranquilo, eu trabalhava no IAA, fazíamos horas extras, a noite saíamos para
jantar a meia-noite, íamos no Spaghettilândia,
vinham umas cumbucas com espaguete, ficava na Lapa, não havia riscos;
Como
era a Confeitaria Colombo?
Ali era o
ponto dos políticos, das atrizes, das candidatas a atrizes.
Carnaval,
o senhor participou?
Participava
mais como assistente. Naquela época havia um desfile de carros, com muito
confete e serpentina. O povo se divertia de forma sadia. Era mais romântico.
O
senhor chegou a frequentar a Rádio Nacional?
Frequentei
no tempo de Cesar de Alencar, Cesar Ladeira, ali conheci Dalva de Oliveira,
Emilinha Borba, Aracy de Almeida, Ataulfo Alves,
Nelson Gonçalves, Silvio Caldas, era tudo ao vivo. Como bom niteroiense, não
tinha o que fazer no domingo, atravessava com a barca, criança não pagava.
E
bailes o senhor frequentava?
Fui uma vez
no Bola Preta para conhecer. A conotação de baile naquela época era outra.
E o folclórico Tenório
Cavalcante o senhor o conheceu?
Ele era de
Duque de Caxias, o conheci, tem uma passagem em que o Tenório Cavalcante estava
sendo entrevistado, ele andava com uma capa preta e embaixo da capa preta Tenório andava sempre
ao lado de sua "Lurdinha", uma submetralhadora MP-40 de fabricação alemã, o
entrevistador, radialista, fez uma pergunta ao Tenório, que não o agradou, o
Tenório disse-lhe: “Pula na piscina!” O radialista disse-lhe “-Mas eu estou de
roupa, com relógio”. O Tenório simplesmente disse-lhe: “Pula na piscina, senão
vou lhe dar um tiro!”. Imediatamente o entrevistador mergulhou! Pelos cabos
eleitorais, Cavalcanti fora conhecido como "O Rei da Baixada"; pelos
rivais, era tachado de "O Deputado Pistoleiro".
Uma das figura folclóricas do Rio de
Janeiro foi João Francisco dos Santos mais
conhecido como Madame Satã?
Era um
homossexual, com uma altura muito acima do padrão, musculoso, uma fera em
qualquer briga, inclusive praticava o que na época era novidade Jiu-jitisu. E
um exímio manejador de navalha. São fatos que existiram.
O
senhor chegou a ir ao Cassino da Urca?
Não, não fui.
Só iam artistas, pessoas com alto poder aquisitivo.
A barca
que fazia a travessia Rio-Niterói transportava quantas pessoas?
Acho que umas
3.000 pessoas. Foram reformadas e estão funcionando até hoje. Depois vieram as
aero barcas. Eram barcos para cerca de 50 pessoas, quando ele pegava uma certa
velocidade ele inflava e deslizava na água, fazia o percurso em 8 a 10 minutos,
a barca convencional levava 30 minutos.
O Rio
de Janeiro lhe traz muita saudade?
Tenho
saudade das amizades, bastante familiares que ainda moram lá. Rio de Janeiro, Niterói,
eles tem uma característica própria que são as suas praias. Mesmo aborrecido, se
você teve um dia pesado, vai para a praia, procura uma sombrinha, deita, você
se recupera, se recompõem. Niterói é
um município da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, no estado do Rio de Janeiro. Foi a capital
estadual, entre 1834-1894 e
novamente entre 1903-1975. A Guanabara foi um estado do Brasil de 1960 a 1975,
que existiu no território do atual município do Rio de Janeiro. Em sua área, esteve
situado o antigo Distrito Federal. Foi capital
estadual fluminense até a fusão entre os estados do Rio de Janeiro e da Guanabara em 1974.
Dista 15 km da Cidade do Rio de Janeiro e possui como acesso a Ponte Rio–Niterói Antes o Rio de
Janeiro foi Estado da Guanabara, depois voltou a ser Rio de Janeiro. Niteroi
deixou de ser a capital do Rio de Janeiro. Portanto Rio de Janeiro é a capital
do Estado do Rio de Janeiro.
A mudança da Capital
Federal para Brasília acelerou a deterioração do Rio de Janeiro?
O Rio
politicamente não tem mais nada. Tem suas maravilhosas praias. Conheci Juscelino Kubitschek de Oliveira colocou
ordem na casa. Transferiu a capital para Brasília. Hoje o Rio não comportaria
além do espaço físico, a topografia impõem limites naturais.
Voltando à sua
trajetória pessoal, o senhor foi trabalhar no prédio do IAA.
Esse meu
cunhado João Pires da Costa Ribeiro, conhecia o Pires, que tinha o restaurante
do IAA. Fui na Praça XV, 42, onde hoje é a sede da Policia Federal, disse ao
Sr. Pires que eu era cunhado do João Pires. O restaurante ficava no último
andar, 11º andar. Era para os funcionários. Me apresentei, o Sr. Pires
disse-me: “Você é cunhado do Pires? “
Respondi afirmativamente. Ele disse-me: “Pega
um jaleco e pode começar a trabalhar!” A diretoria do IAA almoçava depois dos
funcionários terem feito sua refeição.
Havia diferença nas refeições
servidas aos funcionários e aos diretores?
Havia! Não
sei se era por ser novinho, talvez bonitinho, ele me mandou servir a mesa da
diretoria. Tinha uma senhora, Dona Elza, muito fina, simpatizou-se comigo. Eu
me esforçava para tratá-los da melhor maneira possível. Dona Elza perguntou-me:
“Ibrahim você não quer ser ascensorista?” Respondi-lhe: “Se o Sr. Pires deixar,
eu vou!”. Ela disse-me: “Com o Pires eu
me entendo!”. Eu fui falar com ele, contei-lhe o sucedido. Ele disse-me: “Vai embora,
vai cuidar da sua vida”. Fui servir no IAA como ascensorista, era diarista, era
terceirizado. Eram duas portas de metal sanfonadas, portas pantográficas. Ali
trabalhei uns seis meses.
O que o senhor achou
desse trabalho?
Melhor do
que o anterior! Trabalhava em pé, tinha que abrir a porta para o acesso ou a saída
dos ocupantes. No elevador conheci todo mundo. Tinha um senhor que era de uma
usina de São Paulo, todo natal ele ia com uma nota de dinheiro no valor de 20
mil réis, naquela época era um bom dinheiro, notas novinhas, ele ia
distribuindo, para o ascensorista, para o garçom, só para os funcionários com
cargos mais modestos. Eu trabalhando no elevador, essa mesma senhora, Dona
Elza, ela trabalhava no gabinete da presidência, era secretária do presidente
Gileno De Carli, ele era de uma família de Pernambuco. Dona Elza disse-me:
“Ibrahim, surgiu uma vaga de contínuo no gabinete, você quer ir para lá?” Na
hora respondi:” Vou sim senhora, o que a senhora fizer por mim está ótimo!”
Após uns seis meses no gabinete ela disse-me: “Ibrahim, você vai fazer um curso
na IBM! Surgiu uma vaga e a diretoria disse-me para indicar uma pessoa. Vou
indicar você.” Perguntei-lhe: “E o meu horário?” Ela respondeu” Você vai fazer
o curso, portanto está dispensado do horário!”
Que curso o senhor foi
fazer na IBM?
Um curso de
mecanização. Eram digitados os dados e transferidos para um cartão perfurado.
Fiz o curso que durava seis meses.
Nessa época o senhor já
trabalhava de paletó e gravata?
Sim, eu
trabalhava no gabinete da presidência!
Qual era a sua idade?
Eu me casei
aos 20 anos, aos 20 anos entrei lá. Deveria estar com 21 a 22 anos.
Como se chama a sua
esposa?
Em primeiras
núpcias casei-me com Vanusa Barbosa Mattus, tivemos os filhos: Luiz Carlos (falecido
precocemente), Paulo Roberto (falecido há uns seis anos), Júlio Cesar, Carlos
Alberto, Marco Aurélio, Edna Lúcia, Ana Maria e Carmem Denise. Em segundas
núpcias casei-me com Neide Terezinha Gentile Mattus. Além de criarmos uma
sobrinha, Maria de Fátima, hoje residente na cidade de Campos, Rio de Janeiro.
Após fazer o curso na
IBM o senhor foi trabalhar em que setor?
Fui
trabalhar na seção de mecanização. Era ambiente com ar condicionado. Por causa
dos equipamentos e dos cartões que no calor ficavam muito rígidos e no frio
perdiam a resistência. Tinham que ter a elasticidade ideal. Era um setor de
elite. Ali passava a contabilidade, serviço pessoal, naquela época não tinha o
Departamento de Recursos Humanos(RH). O IAA fazia muitos empréstimos para as usinas,
tudo era controlado por lá. Imprimíamos os relatórios que o presidente pedisse.
Os relatórios eram impressos em papel zebrado (duas cores, sendo cada linha uma
cor), em impressoras matriciais, enormes, barulhentas. O IAA tinha no Brasil
todo uns 3.000 funcionários. Eu não estacionei, fui evoluindo dentro da
empresa, até quando eu estava no Departamento Pessoal veio a revolução de 1964.
O General Vargas (Mera coincidência de sobrenome com Getúlio Vargas) foi
nomeado interventor do IAA. O Departamento Pessoal sempre foi uma área especial
por deter informações de cunho sigiloso. Esse General Vargas me chamava em seu
gabinete e dizia: “Me traz a ficha do funcionário tal”. Eu trazia a ficha. E
faz aquilo, e faz isso. Acabei fazendo amizade com ele. Lembro-me que um dia
ele me disse: "Ibrahim, tem pessoas que vem aqui e me dá vontade de jogar
escada abaixo! Você jogaria para mim?” Respondi-lhe: “General, não sou
violento, não faço isso e sei que o senhor não faz também!” A história vai mudar radicalmente. Fui
nomeado interventor da Destilaria Gileno De Carli. a pessoa que estava aqui
como gerente estava fazendo coisas erradas. Para você ter uma ideia ele andava
de patinete no salão da usina. Era maluco. O jipe chapa branca (uso restrito
serviço público) era como se fosse propriedade dele. Enfim, ele usava e
abusava. Cheguei aqui, com ordem do General Vargas para mandar esse gerente
para Ponte Nova - no estado de Minas Gerais, onde havia
uma destilaria também. Isso foi no final de 1969. Vim com a missão de acabar
com essa destilaria. Elas estão até hoje ai porque a pressão foi muito forte. Havia
um serviço especial que administrava essas destilarias: Gileno De Carli,
Lençois Paulista, Guararema, Ariranha, eram aproxiamadamente umas vinte
destilarias do Instituto. Eu fazia todo mês uma vistoria nessas destilarias,
isso no Estado de São Paulo, mandava um relatório para o Rio de Janeiro. Vajava
de jipe. Eu tinha um carro Mercury conhecido como “Boi Deitado” . Foi um amigo
meu, procurador lá do Rio de Janeiro, que tinha essa Mercury. Ele Disse-me: “-
Ibrahim, fica com essa Mercury, vai usando até eu precisar dela”. A cor era
verde-água,oito cilindros, muito robusta,era um trator.Fiquei aqui como
administrador dessas destilarias, vi que não tinha jeito como acabar. Na
Destilaria de Guararema quem mandou invadir a destilaria foi um padre!
Onde situava-se a Destilaria Gileno
De Carli?
Ficava em Santa Terezinha , no atual
bairro IAA. Levei para Santa Terezinha: Correios, Caixa Econômica Federal e
farmácia. Santa Terezinha era constituida pelo Matadouro, IAA e a pracinha, com
algumas casas dos moradores mais antigos. Levei água, o prefeito era Adilson
Benedito Maluf. Eu liguei para o General Vargas, disse-lhe: “General, aqui não
tem água, ela vem de uns dois quilômetros, eu preciso de tubo para levar para a
destilaria”.
Mas como funcionava a destilaria sem
água ?
Ela tirava água do rio e tratava,
era independente. A questão era levar água para a população de Santa Terezinha.
Levamos água para toda Santa Terezinha até a destilaria. Precisávamos de luz,
eu só poderia deixar as casas terem luz com autorização da Companhia Paulista
de Força e Luz., ela era a dona dos postes. Entrei em contato com o IAA para
fazer o uso dos postes. A CPFL autorizou o IAA a utilizar a energia, Antes só
tinha luz no IAA e no Frigorífico Angeleli.
O senhor morava lá?
Morava na casa nº 1.
Quanto tempo o senhor permaneceu em
Santa Terezinha?
Posso dizer que estou até hoje lá!
Tenho filho que mora lá. Levei a água, luz e depois o asfalto para Santa
Terezinha. Quando era terra eu mandava passar o trator da Destilaria. Um
episódio curioso ocorreu quando trouxemos uns ferros de outra destilaria para
cá. Um amigo nosso, um negro de sobrenome Bispo, ao perceber que uma barra de
aço de uns 200 quilos ia cair e poderia causar uma tragédia, ele abraçou a
barra, sózinho, seu corpo tremia com o peso, até chegarem os companheiros e
ajudá-lo. Isso ficou na história. Eu era o administrador quando veio a
Planalsucar, Com os laboratórios que analisavam as amostras de açúcar que
colhíamos. A Planalsucar saiu, uma parte da área está com o municipio, outra
com escolas, há outra parte com a Justiça do Trabalho. Em 1970 abriu o
vestibular para a Faculdade de Direito em São Carlos, fiz o vestibular e
passei. A Unimep tinha faculdade de Direito, já estava no primeiro ano. Passei
a cursar a Faculdade de Direito de São Carlos, ia todas as noites eram 240
quilômetros ida e volta, ia com meu fusquinha. No semestre abriu a segunda
turma aqui em Piracicaba, pedi transsferência de lá e me inscrevi aqui na
UNIMEP. Sou da segunda turma de Direito da Unimep, me formei em 1974. Abriu
concurso para procurador do IAA. Eram sete vagas disponíveis, eu entrei. Fui
aprovado em primeiro lugar. Fui nomeado procurador, hoje sou aposentado como
Procurador Federal. Em 1992, quando o Collor entrou, ele me nomeou interventor
no Rio de Janeiro, para fechar o IAA. Todos os dias em meu gabinete havia uma
fila de mulheres que descia a escada, a conversa era muito parecida: “ Seu
Ibrahim , não manda a minha filha embora!” Eu explicava: “Minha senhora, a
minha missão é essa!”. Nesse interim a minha mãe ficou doente, ela veio a
falecer em 1992. Passei um telegrama ao Collor pedindo que me substituisse por
questão de saúde, a não adaptação as ordens que ele deu, ele atendeu o meu
pedido. Eu ainda estava em Niteroi, ele nomeou outro interventor, que foi uma
senhora. Pensei: “-Estou com 40 anos de IAA. O que estou fazendo aqui?”. Passei
um telegrama ao Collor, agradecendo e pedindo a aposentadoria. Ele imediamente
concedeu. Saiu no Diário Oficial, ai me aposentei, em 1992. Aí vim para
Piracicaba , de volta.
Hoje o que o senhor faz?Tem algum
hobby?
Eu já estou aposentado! Uso muito o
computador, converso, telefono. Me lembro de tudo na minha vida.
Em seu trabalho o senhor pegou
muitos voos?
A Ponte Aérea era a minha casa! O Constellation foi uma aeronave
comercial famosa operado pelas extintas
Varig e Panair do Brasil. Tinha cabine pressurizada, o que era novidade naquela
época e era movido por quatro motores radiais a pistão de 18 cilindros. Tinha
dias em eu ia e voltava até o Rio. Demorava 45 a 50 minutos de voo. Saia do
aeroporto de Congonhas e descia no Santos Dumont.
O senhor chegou a montar escritório de advocacia em
Piracicaba?
Montei, no Edifício Kennedy, na Praça José Bonifácio. Após algum tempo
decidi fechar. Já estava aposentado.
O
bairro de Santa Terezinha conhece o trabalho do que o senhor fez em benefício
da localidade?
Eis a questão! O pessoal que vivenciou cada melhoria
feita, quase todos faleceram. Quem vai acreditar que levei água, luz e asfalto,
correio, Caixa Econômica Federal para Santa Terezinha? O Adilson Benedito Maluf
teve participação com recursos locais, mas tive que usar meus contatos em
esferas superiores. Fui muito amigo do Deputado Federal João Hermann Netto, do Deputado Federal Pacheco Chaves, do
Deputado Estadual Francisco Antonio Coelho, o Coelhinho, do José Machado. João
Chaddad é muito meu amigo. Em 1982 o Chaddad concorreu ao cargo de prefeito de
Piracicaba e eu era o candidatado a vice-prefeito. A política é envolvente. E
perigosa. Assim como você faz uma amizade pode despertar uma inimizade. Passei
por essa experiência e posso afirmar que não gosto. Ouço todo mundo, tiro as
minhas conclusões.
O que o senhor acha de Piracicaba?
Quem conhece Piracicaba de 1969! A primeira vez que vim
para cá o Edifício COMURBA tinha caído seis meses antes, estava tudo lá, as
lajes dos andares dependuradas na parte do prédio que não caiu, ainda tinha
muito entulho. Fiquei apavorado com aquilo. A sorte de muitas pessoas, é que o
cinema que existia embaixo, Cine Plaza, iria funcionar à tarde e o prédio
desmoronou antes.
O senhor foi colaborador com artigos para algum jornal?
Quando o Jornalista Evaldo Vicente iniciou o seu trabalho
com “A |Tribuna Piracicabana”, eu escrevia uma página inteira sobre Santa
Terezinha. Lá tudo que acontecia em Santa Terezinha eu noticiava, Meu filho o jornalista,
apresentador e produtor de televisão Kal
Mattus era garoto, ele era o
responsável pela distribuição de “A Tribuna Piracicabana” em Santa Terezinha. (Alguns
anos passados e sua neta, a jornalista Marina Mattus, filha de Kal Mattus, estreou na
última sexta-feira, dia 18 de janeiro, uma
página/coluna no jornal “A Tribuna Piracicabana”, com seus textos falando sobre
nossa cidade e, principalmente, sobre seus cidadãos!).
Nessa época o senhor foi
administrador de Sanmta Terezinha?
Na época
tinha um amigo, já falecido, o Brandão, que foi diversas vezes candidato a
vereador. Fui administrador de Santa Terezinha.
O senhor nunca pensou em
ser vereador?
Só em 1982
fiz essa aventura de sair candidato a vice-prefeito! Paulo Maluf estava no auge estávamos o Chaddad,
eu e Paulo Maluf na mesma chapa. Eu telefonava
para a casa dele, Dona Sylvia Lutfalla Maluf atendia, eu pedia material de
propaganda, a noite, no dia seguinte estava aqui em Piracicaba. O Maluf veio à
Piracicaba, fazer um comício onde era o COMURBA, eu estava na casa do Dr. Jairo
Ribeiro de Mattos, que era candidato a deputado. Disse ao Jairo: “Jairo, nossos
votos estão lá na praça, vamos para lá!”. Fomos, o Maluf veio nos cumprimentar.
O cantor em alta na época era Waldick
Soriano, com a música “Eu Nao
Sou Cachorro Não”. Ele apresentou-se com seu repertório incluindo essa música
que fazia muito sucesso. Era uma pessoa carismática.
Temos
constantemente notícias sobre o desvio de conduta de alguns políticos. Do alto
da sua experiência, qual é a solução para essa situação?
Não têm! O
mundo não tem solução! A França é um ícone da perfeição política, eu adoro os
franceses, pela arte, filosofia, mas a França está corrompida. A Inglaterra
está corrompida. A Alemanha está corrompida.
O senhor sempre foi
muito ativo!
Fui! Eu
estava no IAA no Rio, adquiri três Gordinis novos, financiados. Coloquei-os
para trabalhar como taxi, em uma semana um foi roubado, outro pegou fogo e o
terceiro eu devolvi. Quando cheguei aqui em Piracicaba em 1969, estava ainda
pagando carnê referente aos carros!
Ir morar no Rio de
Janeiro era o sonho de muitos brasileiros?
Era onde tudo acontecia! Tinha
tipos característicos como toda cidade têm. Um deles era o Poeta Gentileza. Eu
estava em casa dormindo. Minha esposa disse-me
“Levante que o circo pegou fogo vai que estão lá assistindo ao espetáculo sua
mãe, sua irmã e sua sobrinha!”, Era o Gran Circo Norte-Americano. Peguei o
carro, nessa época eu trabalhava no IAA durante o dia e trabalhava como taxista
com um Chevrolet 1938, até umas dez ou onze horas da noite. Fui até onde estava
o circo, quando cheguei vi uma cena dantesca, muitas pessoas mortas,
desfiguradas. Encontrei minha mãe, minha irmã e a minha sobrinha. Elas me
contaram que durante o fogo se abraçaram e colocaram a minha sobrinha no meio.
Hoje minha irmã e minha sobrinha moram nos Estados Unidos. A Olga, minha
sobrinha, ficou com cicatrizes das queimaduras nas costas. Não sei se ela fez
depois alguma cirurgia plástica. Minha irmã Nabile também ficou com marcas das
queimaduras. Levei-as ao hospital, e voltei, com o meu carro passei a levar os
feridos ao Hospital D. Pedro I, em Niterói. Ficamos a noite toda prestando
socorro. José Datrino, o Poeta Gentileza falecido em 1996, perdeu a família
toda. José acordou alegando ter ouvido "vozes astrais", segundo suas
próprias palavras, que o mandavam abandonar o mundo material e se dedicar
apenas ao mundo espiritual. Datrino possuía uma empresa de transporte de cargas
e residia, com sua família, no bairro de Guadalupe pegou um de seus caminhões e
foi para o local do incêndio onde hoje encontra-se a Policlínica Militar de
Niterói. Plantou jardim e horta sobre as cinzas do circo em Niterói, local
que um dia foi palco de tantas alegrias, mas também de muita tristeza. Aquela
foi sua morada por quatro anos. Lá, José Datrino incutiu nas pessoas o sentido
das palavras Agradecido e Gentileza. Foi um consolador
voluntário, que confortou os familiares das vítimas da tragédia com suas
palavras de bondade. Daquele dia em diante, passou a se chamar "José Agradecido", "Profeta Gentileza" ou “Poeta Gentileza”
Percorreu toda a
cidade. Era visto em ruas, praças, nas barcas da travessia entre as cidades do
Rio de Janeiro e Niterói, em trens e ônibus, fazendo sua pregação e levando
palavras de amor, bondade e respeito pelo próximo e pela natureza a todos que
cruzassem seu caminho. Aos que o chamavam de louco, ele respondia: - "Sou maluco para te amar e louco para te
salvar". O Profeta Gentileza, também oferecia, em gesto de
gentileza, flores e rosas para as pessoas que cruzavam seu caminho nas ruas do
Rio de Janeiro.
(“Fogo!”, gritou a
trapezista Nena. Antonietta Stevanovich
foi a primeira a dar o alerta dentro do circo. Junto com os colegas
Vicente Sanches e Santiago Grotto, ela apresentava o quadro final de acrobacia,
clímax do espetáculo da tarde quente de domingo em Niterói. Foi quando um clarão pode ser notado
na parte inferior da lona, à esquerda da entrada. O fogo se alastrou
rapidamente e, nos 10 minutos seguintes, as 3 mil pessoas que lotavam o Gran
Circo Norte-Americano viveram um inferno. Foi o maior incêndio da História do
Brasil. Montado num grande terreno na avenida Feliciano Sodré, no centro da
cidade, o circo, de propriedade do empresário Danilo Stevanovich, era um dos
maiores da América Latina. Contava com 60 artistas, das mais diversas
nacionalidades, A lona verde e laranja, pesava 6
toneladas. Resultou em 503 mortos e 300 feridos foi uma das maiores
tragédias do Brasil, ocorreu na tarde de 17 de dezembro de 1961. Foi um
incêndio provocado por Adílson Marcelino Alves, o “Dequinha”, que tinha
antecedentes por furto e apresentava problemas mentais, motivado por vingança
contra o dono do circo que o dispensou. O Gran Circo Norte-Americano
comportava tantas pessoas quanto o Cirque du Soleil hoje em dia. O incêndio que
o destruiu deu um impulso à cirurgia plástica no país).
O cansaço e o sono do senhor o
salvou?
Nós íamos todos ao circo, só que
almocei, deitei, adormeci. Com isso meus filhos permaneceram em casa. Minha
esposa foi me chamar para levar as crianças ao circo, foi quando veio a notícia
pelo rádio, de que o circo estava em chamas. O “Poeta Gentileza”, andava pela
Avenida Amaral Peixoto, onde no número 55 minha sobrinha que é médica do
Exército tem consultório. Ele usava terno, lembra a figura do artista falecido
Pedro de Lara.
Ainda no IAA, em Piracicaba,
trabalhava uma personalidade: José Carlos Brasil.
Ele era
funcionário do IAA, e projetava filmes para a população. A princípio era
projetado a céu aberto, depois ele
passou a passar no galpão do IAA. Naquela época, eu trouxe um costume do Rio, o
IAA dava brinquedos através de uma associação que nós tínhamos. Antes tínhamos
uma missa e nós chamávamos o Padre Otto Dana para celebrar essa missa. Todo
Natal era assim. Na época o Padre Otto estava como pároco em Santa Terezinha.
Às margens da Rodovia
Piracicaba-Limeira, em terras da ESALQ, há uma estrutura enorme de uma usina de
açúcar, qual é a origem dela?
Aquilo foi doado pelo Instituto do
Açúcar e do Álcool, foi iniciada a construção, quando chegou a Revolução de
1964. Parou tudo. Aquilo era para ser um protótipo de usina para formar os
engenheiros agrônomos ligados a cultura da cana-de-açúcar, canavieiros, teriam
uma usina como laboratório.
Qual é um dos seus sonhos que
gostaria de realizar?
Gostaria muito de ir ao Líbano e ao
Egito! Conhecer o Vale dos Reis, no Egito, onde dezenas de antigos faraós
foram sepultados. Onde foi descoberta a famosíssima tumba de Tutankhamon
(1341 a.C. – 1323 a.C.), abriga o túmulo dos filhos de Ramsés II (a.C. 1290 a
1224 a.C.). Neste último foram achados 130 corredores e câmaras, o que o torna
o maior do local e um dos maiores do mundo. Com o avançar das pesquisas, aquele
número pode, talvez, chegar a 200. Em 1922 foram realizadas grandes
descobertas no Vale dos Reis.