JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 03 de maio de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: MONSENHOR RUBENS MARINS
Uma história de fé inabalável, que a princípio parece quase impossível de se realizar, um homem maduro, com 26 anos de trabalho na Usina Monte Alegre, busca por seu ideal maior. Aos 40 anos Rubens decidiu ser padre, encontrou inúmeros obstáculos, desde a sua formação educacional até mesmo restrições pela idade madura. A sua fé venceu. Hoje é Monsenhor, um título ddo pelo Papa. Como Capelão do Lar dos Velhinhos celebra as missas, aconselha, atende, distribui amor ao próximo. É muito querido entre os abrigados. Sempre sorridente, leva bom humor a todos com que convive. Além de ser um exemplo vivo da infinita capacidade do ser humano. Monsenhor Rubens Marin é o filho mais novo dos seis filhos do casal Francisco Marin e Ida Carmaghani, nascido em Ribeirão Bonito, próximo a São Carlos, a 20 de junho de 1936. Francisco Marin sempre trabalhou na agricultura, cultivava café, algodão. A medida que os filhos foram se casando Francisco optou por trabalhar como empregado. Quando tinha aproximadamente seis anos, a família de Rubens mudou-se para a Fazenda Monte Averne, cuja atividade principal era a plantação de tomate, a fazenda tinha uma fábrica de massa de tomate. Quando Rubens tinha 11 anos a família mudou-se para a Usina São Francisco do Quilombo, em Paraisolândia. No tempo de corte de cana ele trabalhava, ia para a roça, a comida era levada de casa em um caldeirãozinho, era composta de arroz, feijão, geralmente ovo frito, chuchu, abobrinha. O pão era feito pela sua mãe, em casa. Era costume levar uma garrafa de café. Almoçava às 9h30 e ao meio dia tomava café. Mais uma vez a família mudou-se, dessa vez para a Usina Monte Alegre. Rubens continuou trabalhando na lavoura, cortando cana, e conseguiu concluir o quarto ano primário na Escola Marquês de Monte Alegre. Só aos 18 anos foi trabalhar na usina, com idade menor do que essa não era possível trabalhar no ambiente da usina. O chamado “de menor” até então só podia trabalhar na lavoura.
Ao completar 18 anos o senhor foi trabalhar com o que na usina?
Trabalhava em uma seção chamada clarificação. A garapa chega a um tacho enorme, ali eram adicionada cal, enxofre, para clarear a garapa fazer o açúcar cristal. Por três anos realizei esse serviço.
Quando jovem o senhor frequentava bailes?
Ia, principalmente nos sítios, Santa Rita, Taquaral, que hoje são regiões urbanizadas de Piracicaba. Naquela época compunham grandes fazendas da Usina Monte Alegre. A família Morganti vendeu essas áreas que foram loteadas. Aos domingos eu jogava futebol, era ponta direita. Frequentava a Teixeirada, que era praticamente um clube a beira do rio.
Após três anos na clarificação qual foi a próxima atividade do senhor?
Fui trabalhar na Fábrica de Papel e Celulose. Conheci muito bem os Morganti: os irmãos gêmeos Lino e Hélio, o Fúlvio, o Pedro Fúlvio, a Dona Beatris, a Bit. Conheci João Bassetti, na Colônia Macabá, onde eu morava. Conheci seus filhos Paulo, Lino, José, Carlos, Arthur. Éramos como uma família. Na Colônia Macabá moravam 23 famílias, eu morava na última casa. Mudei para o Piracicamirim com 24 anos, porém, continuei trabalhando na Usina Monte Alegre, eu tinha permanecido por três anos na Fábrica de Papel.
Qual era a atividade do senhor na Usina Monte Alegre?
Trabalhava no laboratório químico da Usina. Era um analista prático, eu tinha estudado até o quarto ano primário. Nessa ocasião eu era responsável pela seção, o laboratório que determinava os padrões de qualidade da usina. Permaneci no laboratório até quase completar 40 de idade. Fui para o seminário com 39 anos e meio.
Como alguém com quase quarenta anos de vida decidir pela carreira religiosa?
Desde menino sempre frequentei a Igreja, era catequista, no sítio havia uma capela, na colônia, eu preparava a criançada para fazer a primeira comunhão. Cuidava da capela. A capela que Alfredo Volpi pintou eu frequentava aos domingos, assistia a missa. Era Congregado Mariano. Desde criança eu já queria ir para o seminário. Os frades capuchinhos é que celebravam as missas nessa capela. Na entre-safra trabalhava das 7 horas até as 17 horas, no período da safra fazia dois horários. Das 6 às 18 e das 18 às 6. Eu morava na Avenida Rio das Pedras, no Piracicamirim. Quando chovia a água inundava as casas. Logo após o cemitério, dali para frente, era tudo barro. Eu ia trabalhar de onibus, do João Pavão, pai do Dr. João Orlando Pavão que foi Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba. Naquele tempo nós o chamávamos de Joãozinho, as vezes, principalmente nas férias escolares, ele foi cobrador do ônibus de seu pai, recolhia o passe. Naquele tempo às 6h30 tinha missa na Igreja Bom Jesus, eu participava da missa e depois seguia para a minha casa no “Pisca”a pé.
O Piracicamirim era uma área meio deserta?
Pelo amor de Deus! Que coisa tenebrosa era aquilo! Um tempo eu trabalhei das 14hrs. às 23hrs. Lá pelas 23h30 eu estava passando a pé em frente ao cemitério.
Qual era a reação do senhor?
Eu parava um pouco na porta para olhar lá dentro.
Alguém sugeriu que o senhor se tornasse padre?
A sacristã da Igreja Bom Jesus, Dona Ana Zaia um dia me disse: “- Rubens, por que você não vai ser padre?” Respondi-lhe: “- Depois de velho vou ser padre?”. Nessa época havia fundado a assistência social mariana do Bom Jesus, mas funcionava no Piracicamirim. No começo ali foi de tudo, farmácia, ambulatório, gabinete dentário, roupeiro, casa de merenda, fica ali na Avenida Dois Córregos. Por muito tempo foi capela, depois foi criada a Paróquia, e muito tempo assim funcionou aquele salão que era da Assistência Social do Bom Jesus. Muitos tinham medo de trabalhar naquela região, existia a fama de bairro violento. Em uma casinha que existe até hoje, de manhã a minha mãe fazia o leite e a tarde a sopa das crianças.
De fato na época o senhor agia como um padre?
Quando mudei lá, havia uma única família que ia à igreja, eles eram da Ordem Terceira na Igreja dos Frades. Ninguém mais frequentava a igreja. Ninguém rezava aquela criançada abandonada pelas ruas. Comecei a dar catecismo na sala da minha casa. Preparei a primeira turma, de 16 crianças com a idade de 13, 14 anos. Preparando essas crianças para a primeira comunhão a nossa congregação foi visitar Aparecida do Norte eu pedi para o presidente da congregação, José Capranico, vamos começar a levar a imagem de Nossa Senhora Aparecida nas casas, para rezarmos juntos, existia um ambiente de promiscuidade no bairro. Era o que podemos chamar “uma boca qunte”. A Prefeitura Municipal cedeu um telefone que ficava em casa. Para lá da Ponte do Piracicamirim era o único aparelho telefônico. Era usado para tudo: chamar polícia, chamar parteira, de madrugada, muitas vezes íamos buscar o doente trazendo nas costas, a ambulância não conseguia entrar naquelas barrocas.
A casa do senhor, no Piracicamirim era um ponto avançado da civilização?
Era. Conseguimos um terreno com José Francisco Prudente, tanto que o nome oficial do bairro é Vila Prudente, quando foi para ser construído o salão da Assistência Social da Paróquia do Bom Jesus fui pedir o terreno para esse senhor. A princípio ele se negou a dar o terreno. Passados uns dias ele me chamou e disse: “Eu vou dar o terreno porque você está ensinando as crianças a rezarem, já fizeram a primeira comunhão” O altar foi em cima de um caminhão, a celebração foi feita pelo Monsenhor Martinho Salgot. A imagem de Nossa Senhora Aparecida cada dia ficava em uma casa, se é que podíamos chamar aquele amontoado de papelão e latas de casas.
De onde vinham os recursos para leite e sopa para tantas pessoas?
Haldumont Nobre Ferraz, o Tiquinho, era o presidente da Assistência da Igreja do Bom Jesus, logo pela manhã ele ia ao Mercado Municipal, com a colaboração dos comerciantes, as verduras e legumes em boas condições, mas que não atendiam clientes mais exigentes, ele carregava tudo em sua perua, levava até a minha casa e a minha mãe com algumas meninas que ajudavam, preparavam aquele sopão. Os açougues contribuiam com um pouco de carne, até mesmo osso para juntar àquela sopa.
Com o falecimento da mãe do senhor o que aconteceu?
Eu mudei, fui morar com a minha irmã, que morava em frente. Nessa época que Dona Ana Zaia disse-me que deveria ser padre, quando argumentei sobre como faria para atender os “meus pobres”, ela retrucou dizendo que para atender aos pobres tem muita gente. Um dia eu estava em casa, tinha acabado de chegar do trabalho, quando Dona Ana chegou acompanhada de um padre visitador dos salesianos. Chamava-se Eduardo Serradel, era o responsável pelas vocações salesianas. Conversamos muito, ele disse-me que para ser padre bastava ter vontade. Eu tinha 26 anos de emprego efetivo, registrado em carteira. Passados uns meses o padre Diretor do Dom Bosco, Padre Vicente Gerdes mandou dizer que queria falar comigo, para procurá-lo no Dom Bosco. Ele disse-me que se quisesse de fato entrar para o seminário deveria fazer o curso supletivo João Wesley.Ele me disse: “ Você tem que se desligar da empresa em que trabalha, vir morar aqui conosco, e estudar a noite, porque só há esse curso à noite”. Isso foi a 6 de janeiro de 1976. O gerente, quando disse-lhe que estava deixando a empresa para ir para o seminário disse-me: “Você vai deixar tantos anos de empresa para ir para o seminário? Você deveria ir para o hospício!” O Padre Gerdes já tinha marcado a matrícula no João Wesley, que ficava na Rua Alferes José Caetano esquina com a Rua Voluntários de Piracicaba. Acabei o colegial, fui a Aparecida do Norte fazer vestibular para estudar filosofia.
Aos quarenta anos qual foi a sensação que o senhor teve ao pensar: “Agora vou ser seminarista!”
Pensei, agora estou no Colégio Dom Bosco, antes eu era analista responsável por uma seção, um laboratório, talvez eu vá trabalhar na secretaria do colégio. Eu passei a morar na clausura, junto aos padres, um local reservado, de acesso restrito, sem duvida um privilégio. Na segunda-feira o economo da casa disse-me: “Rubens, agora você irá ficar responsável pela manutenção dos apartamentos dos padres, sala de reunião, tudo que estiver dentro da clausura”. O material de limpeza fica naquele quartinho. Eu ia ser o faxineiro. Eu que pensava que iria fazer serviço de escritório. Graças a Deus eu tive um chefe muito bom, quimico, chamava-se João de Godoy, aprendi muito com ele, técnicas de manutenção e limpeza. Para limpar 9 apartamentos mais o do inspetor quando vinha, e outro de visita, no total eram 11 apartamentos. Quando passei a morar lá a ordem que me deram era as 5h30 tocar a campainha para os padres levantarem-se, 6 horas já estavam rezando o ofício da manhã, terminando o ofício desciam para o café, que eu já tinha levantado as 4h30 para fazer, preparar tudo, para depois subirem e começarem as aulas. Passei a servir o almoço, o jantar, no refeitório não era permitida a entrada feminina. Havia as mulheres que cozinhavam. Hoje não há mais clausura no colégio.
O senhor conheceu Dom Aniger?
Morei com ele na Casa Paroquial da Paulicéia durante oito meses, na Igreja Sagrado Coração de Maria. O Padre João Echevarria faleceu, não tinha padre, Dom Aniger foi de pároco lá. Ele já era o bispo diocesano de Piracicaba.
Como o senhor foi parar lá?
Eu permaneci por 2 anos no Dom Bosco, como seminarista salesiano. Fui aconselhado a ser seminarista diocesano, seria mais interessante no sentido de ganhar tempo de estudos. Fui falar com Dom Aniger. Ele me conhecia muito bem, da forma como eu trabalhava naquele Piracicamirim. Consegui terreno para construção do local voltado a comunidade e o terreno da matriz, logo mais acima. Também doado por José Francisco Prudente. Passei a ser seminarista diocesano, embora morando no colégio diocesano, até completar os estudos básicos. Quando fui falar com Dom Aniger para ir para o seminário ele disse que eu não deveria ir mais, pois vocação na minha idade era muito tardia, ou seja, não era vocação. Cheguei no Colégio Dom Bosco, o diretor era o Padre Antonio Feltrin, o diretor já sabia, apenas disse-me que não era para me preocupar com nada. Um compadre meu ficou sabendo, disse-me que já tinha conseguido um serviço para mim na Itelpa. Um dia fui falar com Frei Saul, eu o conhecia, pensei quem sabe ele me convida para entrar lá, eu vou querer ser um irmão leigo, nem vou querer ser padre. Tinha mudado o bispo, era Dom Eduardo Koiak, embora ainda como titular, Dom Aniger estava em São Paulo. Frei Saul disse-me: “- Vai falar com Dom Eduardo!” Eu respondi, que se o titular tinha dito que não era vocação o que o outro bispo iria dizer? Frei Saul ligou, e disse-me para ir depressa que Dom Eduardo estava de saída. Desci a Rua Governador Pedro de Toledo, contei o caso a Dom Eduardo. Ele me disse como estava morando no Dom Bosco, para pedir ao meu diretor uma carta: “Com tudo que ele sabe de ruim de você. Carta fechada, hem!” Nesse momento chega Dom Aniger, e me diz: “O meu filho, você por aqui?” Eu queria que abrisse um buraco no chão para poder entrar. Já tinha terminado a conversa com Dom Eduardo, mas sai com a sensação de que tinha acabado tudo. Levei as cartas ao Dom Eduardo, uma semana depois. Ele então me disse que nada impedia, mas como as aulas já tinham começado você vai fazer o propedêutico em Rio Claro, condução você pega uma carona com os padres da Igreja São Judas Tadeu, você vai estudar mais um pouco de latim e grego. Eu tinha que deixar o café pronto para os padres e ir. Levantava as 4h30, preparava aquilo tudo lá, esse aqui precisa ovo quente, esse aqui banana assada, cada coisa no seu lugar. Pegava meus cadernos e saia por essas ruas a pé. Um ano fiz o tal de propedêutico. Tinha um abençoado padre espanhol, que todo santo dia fazia a chamada, com o lápis batia na mesa e dizia: “Kýrios Rubens!” que em grego quer dizer, Senhor Rubens! Leia, vamos! Todo dia eu tinha que ler. Conclui, falei com Dom Eduardo, fiz outra vez o bendito vestibular no Seminário Bom Jesus em Aparecida, eu estava com uns 45 anos, em 1986 terminei o curso. Em 29 de novembro de 1986 na Paróquia Nossa Senhora Aparecida fui ordenado padre. O primeiro ano de padre morei com o Monsenhor Jamil, em Rio Claro, e também dava assistência em Santa Gertrudes. Em 1988 fui pároco da Paróquia Nossa Senhora da Saúde em Rio Claro. Continuava dando assistência em Santa Gertrudes. Depois fui para a Paróquia do Bom Jesus em Santa Bárbara D’Oeste, fui pároco na Nossa Senhora do Rosário em Charqueada, em 2001 fui para Menino Jesus de Praga, e agora sou capelão no Lar dos Velhinhos, já a mais de nove anos. Recebi o título de Monsenhor, um dos padres do conselho diocesano deve ter entrado com esse pedido, eu não sabia. Todo esse conselho aprovou, houve a aprovação do bispo, é feita uma carta ao Santo Padre o Papa, pedindo que o referido padre passe a ser monsenhor.
Como o senhor se sente sendo capelão do Lar dos Velhinhos?
A maior alegria que sinto é ser Capelão do Lar dos Velhinhos.