A história do motorista que virou juiz
Ele veio passear, estudou e hoje é o orgulho da família
Reinaldo Moura de Souza não veio de família abastada, nunca estudou em universidade ou colégio caro nem se matriculou naqueles famosos cursinhos preparatórios para concurso na carreira jurídica.
Ex-motorista do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo – cargo que ocupou por seis anos e meio –, ele trilhou um caminho incomum até o cargo de juiz de Direito da maior e mais importante corte estadual do País. “É exemplo de alguém que venceu na vida”, resume o desembargador Ruy Pereira Camilo.
Natural de Boquim (SE), a 80 quilômetros de Aracaju, Souza tinha 22 anos quando veio pela primeira vez a São Paulo. “Meu tio foi nos visitar como fazia todo ano e pediu autorização a meu pai para eu voltar dirigindo”, lembra o agora juiz substituto de Ribeirão Preto, no interior. A viagem deveria durar poucos dias. Mas, por sugestão de um compadre do tio, ele resolveu ficar por mais uma semana e prestar concurso para motorista do tribunal.
Até então, Souza, que hoje tem 33 anos, nunca cogitara entrar para a magistratura. Caçula entre os três homens de uma família de seis irmãos, pretendia formar-se em agronomia para ajudar o pai, um pequeno produtor de laranjas.
Chegou a prestar vestibular na Universidade Federal de Sergipe, mas não foi aprovado. Por um ano, trabalhou na lavoura e estudou nos horários de folga. Foi justamente nessa época que surgiu o passeio a São Paulo.
Já que havia decidido ficar na metrópole, ele achou por bem conseguir emprego fixo. “Já namorava há quatro anos e pensava em me casar, construir família.” No mesmo dia em que prestou concurso para motorista do TJ, fez prova para a Companhia de Engenharia de Tráfego e para investigador da Polícia Civil.
Aprovado pelo tribunal, voltou dias depois à cidade natal e pediu em noivado a garota que conhecera na 5ª série. A convivência com juízes e o dia-a-dia dos tribunais o encantaram.
Seis meses depois de entrar no TJ, estava decidido a estudar direito. Para conseguir sustentar a casa e pagar a mensalidade, teve de pedir bolsa à faculdade. Mas esse não era o únicoempecilho. Um dos pré-requisitos do concurso era ter experiência de três anos em atividades jurídicas.
A solução foi prestar novo concurso, para oficial de Justiça. “Como motorista eu tinha muito tempo ocioso. Enquanto esperava um magistrado, aproveitava para estudar.”
Num só dia, conta, passava até quatro horas lendo. Só no último semestre da faculdade, foi convocado a assumir o posto de oficial de Justiça. No fim daquele ano, prestou concurso como treineiro. “Consegui boa pontuação, mas não o suficiente para chegar à segunda fase.” No ano seguinte, sem dinheiro, tirou cópia do exame e fez o simulado em casa. “Percebi que estava no caminho certo porque a nota já era suficiente para ser aprovado.” Em dezembro do ano passado, após acumular a experiência exigida, prestou o primeiro concurso “para valer”.
Foram quatro fases eliminatórias, incluindo provas escrita e oral, além de entrevistas com desembargadores e exame psicológico. Souza obteve a 36ª posição, entre 86. “O que mais me chamou atenção nesse rapaz foi o português impecável”, lembra o desembargador Camilo, que presidiu o 179º concurso para juiz do TJ.
A posse de Souza ocorreu em agosto, diante dos pais e de alguns irmãos, que vieram de Boquim especialmente para assistir à cerimônia. Agora, ele quer mais é trabalhar. Afinal, ainda restam 24 prestações da faculdade. Mas está satisfeito. “Realizei meu sonho”, resume.
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