PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
A Tribuna Piracicabana
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Entrevista: Publicada no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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Entrevistado: Sebastião Franco – Craveiro
Por definição cultura é o conjunto de manifestações artísticas, sociais, lingüísticas e comportamentais de um povo ou civilização. Portanto, fazem parte da cultura de um povo as seguintes atividades e manifestações: música, teatro, rituais religiosos, língua falada e escrita, mitos, hábitos alimentares, danças, arquitetura, invenções, pensamentos, formas de organização social. Piracicaba tem influenciado a cultura do nosso país, em todos os segmentos. Uma das grandes expressões de cultura da nossa terra é a dupla Craveiro e Cravinho. Com a música no sangue, são donos de um talento reconhecido e cantado pelo Brasil inteiro. Introvertidos na vida pessoal, muito modesta, apresentam as características daqueles que sempre lutam por um sonho, por muitos anos foram obrigados a exercerem atividades profissionais alheias a música.
Craveiro, como é o seu nome?
Eu me chamo Sebastião Franco, e meu irmão o Cravinho, chama-se João Franco. No tempo em eu nasci para fazer o registro de nascimento de uma criança, esperava-se acumular o nascimento de várias outras crianças para então aproveitar a ida do sítio ao cartório e então se registravam todas nascidas naquele período. Com isso eu nasci no dia 5 de outubro, mas fui registrado no dia 5 de fevereiro de 1931. É bom ter duas datas de nascimento: eu ganho presentes duas vezes. (risos). Meu irmão nasceu em setembro de 1938. Meu pai chamava-se Josué Inocêncio Franco e minha mãe Julia de Andrade Franco. Nasci em um bairro rural que tinha por nome Cortume, município de Pederneira, próximo a Jaú. Quando tinha uns seis ou sete anos de idade mudamos para o que na época era um lugarejo, que tinha duas vendinhas, chamado Itatingui. Éramos nove irmãos. Hoje somos cinco.
Qual era a atividade profissional do seu pai?
Meu pai era retireiro, e eu ainda bem novo também comecei a trabalhar nesse ofício. Pouca gente sabe o significado da palavra retireiro. É aquele que tirava leite da vaca. O retireiro apartava os bezerros ás duas horas da tarde. Trazia as vacas na mangueira, separava os bezerros, para ele não mamar até no outro dia. Lá pelas quatro horas da manhã do dia seguinte, começava a tirar o leite. O bezerro vinha dava umas cabeçadas no ubre, o leite descia. Na época era tirado leite de umas oitenta vacas, por quatro a cinco pessoas adultas e eu, que embora tivesse uns 12 ou 13 anos de idade, fazia o trabalho de um adulto. Tínhamos que ordenhar e entregar o leite para que o trem que passava ás nove horas da manhã levasse esse leite. Para levar esse leite até a estação era usada uma carroça puxada por bois, chamada carretela.
Quantos bois puxavam essa carroça?
Dois bois. Para puxar lenha colocávamos mais bois.
O senhor lembra-se do nome de alguns desses bois?
Lembro-me do nome de alguns deles: Rolete, Maneiro, Desenho, Deserto, Pente Fino. Eram bois mansinhos, quando nós os tocávamos na mangueira eles ficavam um ao lado do outro para colocarmos a canga.
Como a família foi residir em Pederneiras?
A origem da família era lá. Meu bisavô, Felipe Franco foi quem doou a terra onde foi fundada a cidade de Pederneiras.
A vocação para cantar surgiu quando?
Surgiu quando eu ainda era criança. Meu pai, minha mãe, minha família toda cantava. Nas festas de sítio, meu cantava, catira, cateretê, e eu passei a ajudá-lo a cantar. Eu era criança, peito fino. Montamos uma dupla e passamos a cantar as modas conhecidas.
O senhor dança catira?
Dancei muito, agora as pernas já não ajudam tanto. ( risos) Mas dou uns pulos ainda.
Como surgiu o nome Craveiro?
O Bairro Itatingui, era um lugarejo, menor do que Porto João Alfredo (Artemis), só tinha duas vendas. Na época apareceu um circo, do tipo pavilhão, chamava-se Circo do Miguel. Normalmente o circo comum é redondo, o circo do tipo pavilhão é quadrado, coberto com lona, duas águas. Veio se apresentar no circo uma dupla de nome Craveiro e Rosinha. Era pai e filha. Naquele tempo eles iam e permanecia a semana inteira no local do primeiro show, por causa de condução. Deram o show no sábado, ficaram para o domingo, para a quinta-feira até o outro sábado. Com isso houve um entrosamento nosso. Eu era doente por cantoria, eles cantavam, faziam mágicas no circo. Fiquei entrosado no circo. Tornei-me muito amigo deles. Segundo alguns diziam, eu era muito parecido fisicamente com o Craveiro, a diferença é que eu era um menino e ele um senhor de uns quarenta e poucos anos de idade. Depois de o circo ter ido embora, quando eu chegava a algum lugar o pessoal dizia: “Olha o Craveiro que vem vindo”. Eu passei a ser o Craveiro.
Como surgiu o nome Cravinho?
Em Jaú existia uma rádio chamada PRG-7, eu meu irmão fomos cantar lá. Na época eu era molecão de uns 17 anos, já usava calça comprida. Um locutor falou: “Olha o Craveiro ali!”. Outro locutor disse: “E o Cravinho junto.” Quando voltamos para Itatingui já passamos a ser chamados de Craveiro e Cravinho. Quando lançamos o nosso primeiro disco, houve um momento em que foi pensado em chamar a dupla de Paulista e Paulistinha, mas acabou permanecendo Craveiro e Cravinho.
Quando a música passou a ser a profissão definitiva da dupla?
Eu fui carpinteiro. Fazia madeiramento de casa, portas, janelas.
Mas com o talento artístico de vocês não tinha como viver só da música?
Trabalhamos muito, no batente duro. Mudamos em 1957 para o Porto João Alfredo (Artemis). Logo em seguida viemos morar em Piracicaba. Na época, existia em Piracicaba uma pessoa chamada Jaime Pereira, que era um grande admirador de moda de viola. Em 1957, um cururueiro de nome Barbosinha tinha um programa no rádio isso no tempo de Lazinho Marques, Nhô Serra. Quando escutaram nossa apresentação feita á alguns amigos, imediatamente nos levaram para catar na rádio. O pai do Jaime Pereira, o Seu Abel Pereira tinha uma carvoaria na Rua Sud Mennucci, no bairro da Paulista. Ele participou ativamente da construção da Igreja São José, e nós cantávamos nas animadas quermesses, feitas em benefício das obras da igreja. Ainda em 1957 passamos a nos apresentarmos na rádio, o José Soave contratou-nos. No finzinho de 1957 passamos a ter um programa fixo na Rádio Difusora. Foi uma coqueluche. Todos elogiavam, diziam: “-Que dupla boa!”. Ficamos na rádio até o início de 1980. O Dr. Bento Dias Gonzaga também sempre admirou moda de viola. Dr. Francisco Salgot Castillon também gostava de música raiz.
Continuavam a trabalhar como carpinteiro?
Continuamos, o salário na rádio era bem apertado. Surgiu a oportunidade de gravarmos o nosso primeiro disco em 1962. Era com as músicas “Ponta de Faca” com autoria minha e de Nhô Serra e “Mata Deserta” de autoria minha e do Cravinho. Continuamos trabalhando na rádio e aos domingos íamos fazer shows na região de Piracicaba.
Quando a dupla Craveiro e Cravinho apresentou-se pela primeira vez na televisão?
Foi no programa “Canta Viola” de Geraldo Meirelles, na TV Record.
O senhor gosta de jogar truco?
Gosto muito. Todo cururueiro gosta de truco. Conheci uma turma boa de truco. João Nhô, Zé de Freitas, José Nassif. Essa turma era terrível no truco. Eu inteirava!
A dupla que aceitava jogar truco com vocês era o que chamavam de “pato”?
Saiam sem penas!
O jogo de truco é um jogo de muitas estratégias, uma delas é o sinal entre os parceiros, indicando as cartas que cada um tem nas mãos?
O uso acertado de sinal entre os parceiros significa metade do jogo ganho. O sinal corriqueiro ficou muito conhecido. Cada dupla usa um tipo de sinal. Existem sinais que são quase despercebidos pelos adversários.
Qual é a maior satisfação que um cantor obtém?
Soltar com a voz os seus sentimentos. A cantoria é emotiva. Quem canta sem entusiasmo a moda não sai boa. Tudo tem que ser natural. Quando nós cantávamos na Rádio Difusora de Piracicaba, isso em 1957, no nosso início, a nossa vontade de cantar era muito grande, o corpo acompanhava a viola, o jogo, o pessoal notava aquilo Todo serviço que é feito com amor sai perfeito.
Qual foi o lugar mais distante de Piracicaba que a dupla Craveiro e Cravinho já se apresentou?
Nos Estados Unidos! Nova Yorque e Nova Jersey. Lá existem as colônias brasileiras, o empresário brasileiro contratou a dupla de cantores Cesar e Paulinho, e pediu que nós também nos apresentássemos lá. O nosso disco “Franguinho na Panela” é muito tocado nas comunidades brasileiras de lá.
Craveiro e Cravinho já se apresentaram para autoridades muito conhecidas?
Fizemos a entrega de uma viola caipira para o Presidente Figueiredo. Foi em Ribeirão Preto. Ele gostou do presente e cantou conosco aquela Moda da Mula Preta. Ele era canhoteiro, tocou a violinha. Foi uma festa. Era um homem muito simples.
Craveiro e Cravinho tiveram um programa na televisão?
Por dois anos apresentávamos um programa. na TV Bandeirantes, em São Paulo. Era gravado no Teatro Brigadeiro, ao vivo. Chamava-se Som Verde, eram duas horas de programa. Foi um programa que mexeu com o Brasil de Norte á Sul. Nós levávamos muitas duplas boas. Quem fundou o programa foram o Tonico e o Tinoco.
Era gravado uma vez por semana?
Uma vez por semana nós íamos á São Paulo para gravar o programa. Na época nós tínhamos um carro DKW. Ia pela Via Anhanguera. Voltava á noite, naquela época não havia o trânsito que há hoje. Vinha com calma.
Vocês participaram de muitos programas de televisão?
Cantamos no programa de Airton e Lolita Rodrigues, o “Almoço Com As Estrelas”. Já participamos do programa da Hebe Camargo, Gugu Liberato. Conhecemos o Silvio Santos na Rádio Nacional de São Paulo. Nós fazíamos um programa lá. Conheci Manoel da Nóbrega. Conheci muito o saudoso Edson “Bolinha” Coury. Conheci o Chacrinha. Era boa gente, tinha um espírito de criança. Cesar de Alencar também foi nosso conhecido. Cantamos juntos com Dorival Caymi. Na ocasião do cinqüentenário da música sertaneja participamos fazendo uma apresentação no Parque São Jorge, o campo do Corinthians. Lotou o estádio. Apresentaram-se muitos cantores, foi um dia inteiro de festa. A moda de viola sempre foi uma moda querida por todos, e com a Graça de Deus está voltando de forma mais forte.
E a música que vocês fizeram em homenagem ao Pelé?
É a música Pelé dos Pobres. Quando o Pelé estava no auge, na década de 70, o Moacyr dos Santos fez uma moda que dizia que existe o Pelé rico, eu sou o Pelé dos pobres. Nós gravamos essa música. Foi uma musica muito tocada. Conheci Garrincha, Rivelino. Elza Soares. Nós freqüentamos o programa da Inezita Barroso. Domingo próximo será transmitido pela TV Cultura o programa especial que nós fizemos para o fim do ano.
Atualmente a dupla apresenta um programa na Rádio Educadora de Piracicaba?
Começa ao meio dia e meia e vai até as duas e meia horas da tarde. Aos domingos. Na AM 1060 Khertz.
A dupla sempre encontra muitos fãs onde se apresenta?
Em todo lugar que nós vamos encontramos fãs ardorosos, que acompanham a nossa carreira. Muitos choram. Dão presentes: fotos, canivetes, pito.
O senhor andou muito de bonde em Piracicaba?
Lembro-me do bondinho, ele saia da Estação Sorocabana e ia até a Escola Agrícola. O Milito era o motorneiro do bonde. Os funcionários que trabalhavam no bonde gostavam muito de moda de viola. Tenho saudades daquele tempo.
Qual a sua comida preferida?
Todas são boas. Um arroz com feijão e um ovo frito é muito gostoso.
Com um franguinho na panela?
Um franguinho!
A música Franguinho Na Panela é um grande marco ma carreira da dupla?
Após essa música, conhecemos em seis ou sete anos lugares que não tínhamos conhecido em quarenta anos. Viajamos para Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso. Hoje os veículos de comunicação são muito rápidos. A moda quando é boa chega ao conhecimento do povo de forma rápida.
Já tem alguma novidade para ser lançada?
Tem um CD quase pronto para sair.
O senhor é religioso?
Sou católico. Creio muito em Deus.
Vocês cantaram uma música para uma novela famosa?
Cantamos para a novela Corpo Dourado, a música Cabocla Tereza.
Estamos próximos ao final de 2008 qual é a sua mensagem para Piracicaba?
Que seja um Natal muito feliz, com muita comida na mesa, muita paz, e que o Ano Novo seja o ano prometido.
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