PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 31 de julho de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
Foto by JUNassif
ENTREVISTADO: MARCELO RICARDO GIMENES
Dois artistas holandeses Marcelo Gimenes e Jaap Snijder, com reconhecimento mundial, estão trazendo novas técnicas de arte, para exposição no período de 28 de julho a 22 de agosto, no Espaço Cultural “Eugenio Nardin”, no Engenho Central. Uma iniciativa da Barce Fundation (Holanda), que tem como objetivo principal iniciar e financiar projetos culturais para adultos e crianças carentes no Brasil. A Fundação Barce não tem fins lucrativos e arrecada fundos através da venda das obras de arte a preços acessíveis. O valor das vendas é totalmente revertido á Fundação. O que chama a atenção de forma especial é de que um desses artistas é brasileiro naturalizado holandês, tem dupla nacionalidade, e para orgulho de Piracicaba, ele é piracicabano! Marcelo Ricardo Gimenes é filho de Antonio Raul Gimenes e Maria Esther Crivello Gimenes, nasceu um Piracicaba no dia 1 de outubro de 1967. Muito jovem, reuniu a coragem e o destemor próprios da idade e fez o caminho contrário dos seus antepassados, com mil idéias na cabeça e alguma bagagem na mão foi descobrir o Velho Mundo. Desembarcou na Espanha, preferindo imediatamente fazer uma conexão para Lisboa. Ali começava a sua descoberta da Europa. Em 1985 trabalhou na Megastore Benetton do Amoreiras Shopping Center, o primeiro grande Centro Comercial de Portugal. Muito comunicativo, fez novos amigos, com muito talento em decorações logo foi trabalhar em uma empresa que trabalhava com plantas permanentes. Em um dos seus trabalhos teve a oportunidade de trocar rapidamente algumas palavras com o Presidente Sarney, que visitava aquele local. Suas criações artísticas despertaram a atenção de representantes de uma universidade holandesa que fez o convite para cursar a faculdade de arte e design na Willem de Kooning Art Academy A Holanda dita as novas tendências de decorações de interior para a Europa e em conseqüência para o mundo, foi na mais importante instituição que Marcelo foi trabalhar. Galgou os cargos mais importantes, tornou-se o designer mais influente da Holanda, e também cidadão holandês. Foi diretor de arte da Dutch Press Center for Design (Centro de Design da Imprensa Holandesa). É mentor da Fundação Barce. Sem deixar de ser cidadão brasileiro. A história de um Pedro Álvares Cabral no sentido contrário de direção: da ex-colônia para a terra mãe. Marcelo Ricardo Gimenes em 2007 recebeu a “Médaille d'Argent” (Medalha de Prata) "Pour les Hauts serviços rendus uma cultura la" da Societé Académique Arts Sciences Lettres Paris. Teve obras de sua autoria expostas no Salon Du Louvre em exposição da Société Nationale des Beux-Arts.
Exposições relevantes: Salon Nationale des Beaux-Arts du Louvre - Salon Dez.2007;
Bienal de Artes Ciências Lettres - Le Salon d'Arts Plastiques sep.2007; Galerie Philippe Gelot - Paris aug.2007 ; Société Académique Arts Sciences Lettres Paris apr.2007 ; Galerie L'Angle (expo AGH) - Paris may.2007 ; Secretaria de Ação cultural - Pinacoteca Miguel Dutra - Ministerie van van Cultuur São Paulo - Brasil oct.2007
SAC - Salão de Arte Comtemporânea - São Paulo oct.2007 ; Alliance Française Rotterdam feb.2007 ; Banco Fortis Rotterdam jan.2006 ; Voorjaarsexpo 2006 AGH mei.2006 ; Galerie Artwerk - Westvoorne sep.2006 ; A galeria de visão em crianças - Londres - okt.2006 ; Artevent - Feira de Arte de Haia nov.2006 ; Kunst-en Atelierroute Rotterdam mrt.2005 ; Feira de Arte em Ahoy Rotterdam Kunst - may.2005 ; expositie Jaaroverzicht Grupo de Arte Holanda nov.2005 ; Openeningstentoonstelling Grupo de Arte Holanda jun.2004; Kunst Lente Festijn Rotterdam mrt.1997 ; Vernissage Rotterdam - Atelier 47E oct.1995 ; Vernissage São Paulo - Atelier 47E dec.1993
Museu Luiz de Queiroz - USP - Universiteit van São Paulo - Brasil sep.1992
De Regentenkamer, The Hague janeiro. 2008; centrum Rechtbank Rotterdam may.2008 ; Voorjaarsexpo AGH, Rotterdam jun.2008 ; Galeria de MSR, Rotterdam, okt.2008
Seus primeiros estudos foram realizados em Piracicaba?
Estudei no Grupo Escolar Dr. João Conceição, na época em que se hasteava a bandeira do Brasil e cantava-se o hino nacional, todos os dias de aula. Minha primeira professora foi a Dona Mara. Freqüentei o curso científico no Colégio Estadual Dr. Jorge Coury, fomos na época responsáveis pelo retorno desse curso ao colégio. Quando meu pai faleceu, eu tinha seis anos, éramos quatro filhos, minha avó tomava conta de nós enquanto a minha mãe trabalhava. O meu primeiro emprego foi em um escritório de arquitetura que ficava em frente ao prédio do terminal urbano, mais tarde reformado e que deu lugar ao atual. Uma das lembranças que guardo é que ao lado desse escritório existia uma oficina onde era cromados metais, algo impensável nos dias atuais. Com17 anos fui trabalhar como revisor no “O Diário”, situado na Rua São José, entre a Praça José Bonifácio e a Rua Governador Pedro de Toledo, trabalha a noite geralmente até a uma hora da manhã. O editor era o jornalista Nelson Bertolini, o Mario Evangelista trabalhava lá. No inicio trabalhei como revisor, depois apareceu uma vaga como arte-finalista. Eu sempre soube que deveria sair de Piracicaba para outros centros maiores, na época havia uma série de restrições para realizar-se uma viagem ao exterior, uma carga de imposto de cinqüenta por cento em cima do valor da passagem, só podia comprar quinhentos dólares, além disso, tinha um deposito compulsório de vinte e cinco a trinta por cento, pagos ao estado, mas não poderia viajar com menos de mil dólares, dificultava a saída de qualquer cidadão brasileiro para o exterior. Economizei o que pude para realizar a viagem á Europa. Aos dezenove anos fui para Portugal, tinha concluído meus estudos no Mello Moraes, saí do Aeroporto de Viracopos, voei por uma empresa de aviação com sede em um país da Americana Latina, aqueles vôos que são uma verdadeira aventura, era uma das passagens mais baratas que existia na época.
Você desceu onde na Europa?
Desci no Aeroporto de Madri, pretendia ficar por lá, meu avô era madrileno. Não sai do aeroporto, não quis ficar por lá. Fui para Lisboa a minha primeira sensação foi: “Isso é tudo?”, a impressão que o brasileiro tinha e ainda conserva, infelizmente, é de que a Europa é melhor em tudo. A ditadura portuguesa tinha acabado em 1975, estava sendo inaugurado o primeiro centro comercial de Lisboa, existia uma escada rolante, os portugueses vinham do país inteiro para andar na escada rolante, isso para dar uma idéia do atraso do país na época. O Brasil estava já naquela época a anos-luz a frente de Portugal.
A primeira noite em Portugal, quando você colocou a cabeça no travesseiro, qual é a sua sensação?
Essa sensação eu tive já quando cheguei ao aeroporto, coloquei as malas no chão e pensei: “-O que eu vou fazer agora?”. Fiquei uma meia hora, sentado, pensando. Não foi mede, mas a certeza de muita coisa iria mudar. Tomei um taxi do aeroporto até o centro, eu não entendia o que eles falavam. Hoje é outra história, houve uma mudança enorme na língua em Portugal. Naquela época eles estavam bravos com tudo e com todos, tinham perdido o domínio sobre Angola, Moçambique, e na época achavam que os brasileiros chegavam a Portugal para criarem mais dificuldades a eles. A reforma da língua em Portugal iniciou-se nos meios universitários, as universidades de Portugal começaram a crescer, a aparecer novas pessoas, novos cursos. Uma faculdade de medicina pode adotar livros em inglês ou em português, esses livros vem com informações de outros países, a tradução desses livros é dada de acordo com a relevância da língua. Livros em português são traduzidos pela quantidade de pessoas falando português no mundo. O Brasil impôs a condição de unificar a língua portuguesa ou então iria criar a língua brasileira. Os países africanos juntaram-se ao Brasil nessa disputa. Portugal se viu na situação de ter que aceitar a mudança ortográfica.
E a linguagem oral?
Logo que cheguei a Portugal, estava no Shopping Amoreiras, que tinha sido recém inaugurado, fui entrevistado e ao perguntarem-me o que achava da obra. Respondi o que realmente pensava: “-Quando não se tem criatividade constrói-se isso.” Não imaginei que fossem ficar tão magoados comigo por ter dito isso. Tínhamos só duas redes de televisão a RTP1 e a RTP2 uma começava quando outra terminava, uma funcionava até as seis da tarde outra até a meia noite. Fiz muitas amizades, e eles achavam bonita a forma que eu falava. Quando apareceram as primeiras novelas brasileiras elas eram legendadas! Conservo grandes amigos em Lisboa, recentemente passei por lá, pude observar o quanto a língua mudou. A TAP hoje voa para quase todas as capitais brasileiras.
Qual foi seu primeiro trabalho em Portugal?
Foi em uma loja da Benetton no Shopping Amoreira. Para os padrões portugueses eu era alto, por isso chamava a atenção, trabalhei como modelo, em Portugal na época para ser modelo bastava ter todos os dentes era uns pais de desdentados. Os portugueses adoravam os dentistas brasileiros, verdadeiros pedreiros. Os dentistas portugueses diziam: “-Doeu? Então extrai o dente!” Imagine tratar um canal, o que é isso? Víamos pessoas novas sem dentes. Trabalhei várias vezes como modelo para estudantes de uma escola de fotografia.
Você criou um circulo de amigos?
Tínhamos um pequeno grupo de brasileiros. Uma amiga, a Diva Pavesi, trabalhava para a Rádio Cidade uma rádio pirata brasileira, dentro de Lisboa. Era um underground. (expressão usada para designar um ambiente cultural que foge dos padrões comerciais), Portugal ainda tinha muito do europeu, uma festa em boate exigia que se usasse smoking, não se pagava para entrar, tinha que ser selecionado na porta. Se tivesse uma cara boa, se fosse uma pessoa conhecida você entrava. Caso contrário, nem pagando poderia entrar. Até hoje eles são assim. O barzinho “Três Pastorinhos” localizado no Bairro Alto, em Lisboa, é muito pequeno, tinha uma senhora que ficava na porta, parecia uma figura saída de um desenho animado, toda colorida, pequenininha, ela abria o postigo, uma pequena portinha na própria porta, olhava para o rosto do candidato ao ingresso no local, muitas vezes falava: “-Não!” e fechava o postigo. Para outras pessoas dizia: “- Aí, tudo bem? Entre!”, abria a porta e convidava a pessoa a entrar. O contato certo, com a educação certa, tratando as pessoas como elas são as coisas acontecem naturalmente.
Seu próximo trabalho foi aonde?
Conheci a família portuguesa Ferreira que havia morado em São Paulo, tinham trabalhado em uma empresa de concreto no Brasil, ao retornarem a Portugal levaram plantas brasileiras desidratadas. Contrataram-me para trabalhar, montava as plantas, eram árvores, fiz o Hotel Ritz, o Aeroporto do Porto. Existe um restaurante chamado Alcantara-Mar onde construí sete árvores com seis metros de altura, foram mais de mil furos em cada tronco, com um galho de avencão em cada furo, no meio ao restaurante estão quatro arvores imensas de avencão com ventiladores em volta, parecem reais. No Hilton, quando estava montando duas árvores imensas no hall de entrada, o diretor do hotel disse ao presidente José Sarney que estava em visita: “Este rapaz que está trabalhando é brasileiro!”. O presidente Sarney perguntou-me: “Você é brasileiro?”. Respondi-lhe que sim. Disse-me então: “Que você esta fazendo aqui? Que pena que deixou o Brasil!”. Disse-lhe: “-Se eu tivesse tido as mesmas facilidades culturais não teria saído do Brasil”. Deu-me um sorriso e continuou caminhando. Não foi uma frase de cunho político, mas muito natural da minha parte, e a passagem dele por aquele corredor foi casual, sendo que a sua atenção sobre mim foi despertada pelo diretor do hotel.
A sua permanência em Portugal estava legalizada?
Como brasileiro tinha direito a dupla nacionalidade por pertencer a uma ex-colônia de Portugal, só que eles enrolavam e não concediam. Eu tinha registro, podia trabalhar, pagava impostos, mas não podia ter uma conta bancaria como turista podia dirigir, como residente não! Fui chamado pela Policia de Estrangeiros, pegaram meu passaporte e colocaram um imenso carimbo dizendo que eu tinha 30 dias para sair do país. Eu já estava em Portugal há uns três anos e meio, tinha conhecido algumas pessoas da Holanda, inclusive tinha recebido um convite para estudar na Academia de Artes.
Qual motivo foi alegado para que eles tomassem uma atitude dessas?
Apesar de eu estar trabalhando, ter o meu apartamento, tudo de forma absolutamente correta à afirmativa deles é de que eu não tinha meios para sobreviver em Portugal! O cargo de Presidente da Republica em Portugal é mais representativo do que executivo, mantendo influencia política. Uma senhora, com quem eu tinha grande amizade e que foi diretora da Lancôme, mais tarde foi diretora da Avon, em Portugal, era muito amiga do Mario Soares, Presidente da Republica português que mandou uma carta á Policia de Estrangeiros, para que fosse revisto o meu caso. Nesse meio tempo tinha recebido o convite da Academia de Artes de Rotterdam, com o direito de residir na Holanda enquanto estivesse estudando. Após receberem a carta a Policia de Estrangeiros chamou-me, afinal não era tão comum esse tipo de documento. Fui bem mal educado com eles, e me neguei a aceitar a reconsideração. Em 27 de julho de 1990 fui para a Holanda. Hoje tenho dupla nacionalidade, sou brasileiro e holandês. A Rainha da Holanda concedeu-me a nacionalidade por merecimento.
Qual foi o impacto que você teve ao passar a morar na Holanda?
Foi o desenvolvimento social, cultural, econômico, fiquei fascinado com a educação, a organização. Todos têm os mesmos direitos. O básico para o povo holandês, a cesta básica, além de comer, beber e se vestir é a educação, a cultura, o direito as férias.
Você acha a humildade importante?
É tudo! Não existem pessoas arrogantes, existem pessoas menos desenvolvidas moralmente.
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