segunda-feira, dezembro 27, 2010

ENTREVISTADO: LUIZ NASCIMENTO

JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de dezembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: LUIZ NASCIMENTO
Sem qualquer parentesco com algum japonês ou descendente, Luiz Nascimento dedicou-se por cinco anos ao aprendizado da língua japonesa, até receber o certificado emitido no Japão, atestando a sua fluência no idioma da terra do sol nascente. Atualmente Luiz Nascimento dedica-se ao estudo do árabe. Autodidata, esse piracicabano é movido por desafios, entre seus feitos está o livro “Memórias Do Bairro Alto”, uma obra onde o autor relata muito do que viu e viveu no tradicional bairro piracicabano. O livro foi lançado em 2009 com grande sucesso. De fala mansa, jeito simples, funcionário público federal aposentado, prefere deixar seu automóvel na garagem e caminhar pela cidade, por alguns pontos onde passa a sua lembrança traz parte de sua história. Dos tempos em que ainda muito jovem trabalhou no Cine São José e no Cine Broadway. Lembranças do Clube Cristóvão Colombo que em seu inicio funcionou em acanhadas instalações no andar superior de um prédio existente até hoje, na esquina da Rua Governador Pedro de Toledo com Rua São José. Filho de Francisco Nascimento e Lucila Nascimento nasceu em 29 de março de 1932 Com o falecimento do seu pai, quando ele era ainda menino, deixou de ter uma vida de muito conforto e teve que trabalhar para colaborar nas despesas domésticas.
Qual era a profissão do seu pai?
Era viajante da Companhia de Cigarros Souza Cruz, ele nasceu no Estado do Rio de Janeiro, viajava por muitos estados brasileiros, sendo que em alguns mais afastados ele se fazia acompanhar de um segurança, seu trabalho era apenas realizar a venda, a entrega era feita por caminhão. Naquele tempo seu traje habitual era terno de linho branco, tínhamos um padrão de vida bastante elevado, meu pai e minha mãe saiam de Piracicaba e iam passear em São Paulo, entre outras diversões iam patinar no Parque da Aclimação. Estudei alguns anos na Escola Normal, hoje Sud Mennucci, fui transferido para o Grupo Alfredo Cardoso que na época localizava-se na esquina formada pela Rua Alfredo Guedes com a Rua São José.
Com que idade o senhor começou a trabalhar?
Aos 13 anos fui trabalhar na Casa Guidotti que vendia eletros domésticos, situada na Rua Governador Pedro de Toledo, entre a Rua Moraes Barros e a São José, seu proprietário era Luiz Guidotti, popularmente conhecido como Rei do Gatilho, pelas suas habilidades de exímio atirador com revólver.
Qual era o seu trabalho nessa empresa?
Fazia a limpeza, colocava acumuladores automotivos para receber novas cargas elétricas, havia um aparelho para recarregar as baterias, chamava-se “Tunga”. Carregava-se simultaneamente até oito acumuladores, era comum a loja receber muitas baterias de pessoas da zona rural, onde a energia elétrica não existia. Muitas vezes fui despachar baterias na Estação da Paulista, eram levadas por trem até seus proprietários que aguardavam a encomenda nas estações situadas junto à linha do trem. Eu saia da loja na Rua Governador, ia pela Rua Moraes Barros até o ponto do bonde da Paulista, levava a bateria ao lado do banco do bonde, descia no ponto em frente à Estação Paulista e a despachava, era muito comum essas baterias serem destinadas á pessoas residentes em Tupi, Caiubi, que retiravam as mesmas nas respectivas estações.
Qual foi o seu próximo emprego?
Fui trabalhar em uma loja situada na Rua Governador Pedro de Toledo, nas proximidades de onde hoje é a Ótica do Flavinho, chamava-se Casa Guerra, o proprietário era José Guerra, um senhor de origem portuguesa, de baixa estatura, sua esposa era uma senhora muito amável, eles eram proprietários de diversas casas que rendiam aluguel. Era uma loja de tecidos, armarinhos, ponchos que ficavam expostos nas portas de madeira. Dalí eu fui trabalhar na empresa J.B. Andrade, proprietária dos cines São José e Broadway, trabalhava no escritório, os ingressos eram selados sendo os selos adquiridos na coletoria federal que ficava na Rua Prudente de Moraes, onde hoje existem umas lojas de artigos esportivos o responsável pela venda dos selos chamava-se Batista Rigo Ao lado do Cine São José existia uma porta com uma escada que nos levava até o andar superior onde eram as acomodações da “geral” do cinema, caminhando por um longo corredor íamos até o local onde existiam três ou quatro salas. Eu pegava essas folhas de selos, prendia com tachinhas sobre um caixão de madeira, derretia a goma arábica, com um pincel espalhava a goma sobre a folha e deixava secar. Esse processo fazia com que o selo pudesse ser colado no ingresso. Passava uma esponja umedecida sobre a goma arábica que tinha sido aplicada no verso do selo e ia colando sobre os ingressos. A entrada adquirida era dada ao porteiro no acesso ao cinema, ele rasgava o ingresso e depositava em uma urna ao seu lado, após encerrar o movimento da bilheteria o gerente do cinema, o Pedro Sacconi, dirigia-se a um corredor externo onde incinerava as entradas contidas na urna. Outra tarefa que eu fazia era levar a programação do cinema para ser publicada no Jornal de Piracicaba e no “O Diário”. Os filmes a serem exibidos eram declarados em um documento que tinha que ser levado á delegacia de polícia para o delegado autorizar a exibição.
Existiam filmes proibidos?
Sim! Principalmente quando surgiram os filmes italianos. Hoje temos consciência de que não havia motivo para que proibissem esses filmes. As cenas tidas como apimentadas hoje são vistas sem que atraiam a menor atenção.
O senhor lembra-se de algum filme que foi motivo de clamor público?
Um filme proibido para menores de 18 anos gerou um alvoroço em frente ao cinema. Chamava-se “Veneno Lento”, em preto e branco, abordava doenças venéreas, assemelhava-se a um documentário. O filme “Feitiço da Cigana”, que passou na mesma época, seguia uma linha mais ousada, deu muito que falar em Piracicaba. Ao classificar um filme proibido para menores de 18 anos era o mesmo que provocar uma corrida ao cinema. Todo mundo queria assistir!
Quem eram os proprietários da empresa J.B Andrade?
Dois sócios vinham a Piracicaba, o Seu Cantidio, que era negro, vinha trajando um capote, descia do trem na Estação da Paulista, onde apanhava um taxi indo até o cinema, descia usando chapéu, fumando um charuto, tudo muito chique. O outro sócio quando vinha fazia o mesmo roteiro de visitas, indo até a cidade de Limeira, lá também eram proprietários de um cinema. Mais tarde a J. B. Andrade passou a ser denominada como Cinemas do Interior de São Paulo. Às vezes o filme que estava passando em Rio Claro deveria ser trazido para ser projetado em Piracicaba, pelas vias normais isso iria demorar muito, o cinema alugava um taxi e alguém ia até Rio Claro, Limeira para buscar o filme.
Como eram acondicionados os filmes?
Era seis ou sete rolos, cada um dentro de uma lata, no formato de uma lata de goiabada, porém maior, essas latas eram acondicionadas dentro de uma lata maior. Lázaro José Gorga, o Zinho, era um radio técnico muito competente, no cinema tinha o cargo de operador, que era quem projetava o filme no cinema, todos os dias, geralmente a partir das 14 horas, ele ia até o cinema, abria a cabine onde havia duas máquinas de projeção, tirava os filmes das embalagens, examinava, deixando tudo em ordem para á noite projetar o filme. Seu auxiliar era José Stengler. No Broadway José Mafezzoli era o operador, seu auxiliar era o Romeu.
O público que freqüentava o Broadway era diferente do público que freqüentava o São José?
O São José era um cinema mais popular, tinha a galeria que era chamada de “geral”. O Broadway era freqüentado mais pela elite da cidade. Ainda menino eu subi no forro do São José, onde pegava pombas, coruja.
O senhor permanecia quanto tempo trabalhando no cinema?
Entrava às oito horas, almoçava em casa, e às quatro horas o escritório era fechado, os funcionários tinham que ir até suas casas, se arrumarem para voltarem á noite. O gerente do Broadway era Max Graner. Durante o dia os gerentes trabalhavam juntos no escritório onde eu trabalhava. Eram preparadas as caixinhas para os bilheteiros, já com as moedas para voltar o troco, havia o controle no número de ingressos a ser vendido, para não ocorrer o excesso de lotação.
Como era a divulgação do filme no cinema?
As fotografias dos filmes eram expostas no saguão do cinema, tanto do filme em cartaz como os que viriam a ser projetados. Ás quinta-feira tinha a “sessão das moças” onde eram projetados dois filmes. Na quarta ou na sexta feira eram projetados três filmes: um romântico, o seriado e o terceiro era um filme de ação ou terror.
O cinema tinha a famosa figura do lanterninha.
Também fui lanterninha! No dia em que faltava o funcionário que tinha essa função eu desempenhava esse papel. Só faltava eu levar a minha cama ao cinema! Eu estava o tempo todo lá. Com o farolete eu indicava o lugar onde a pessoa poderia sentar-se. Ao entrar na sala de projeção a pessoa fica cega, só enxerga a tela. As matinês do Cine São José eram famosas, quando eram apagadas as luzes as crianças batiam o pé no chão, parecia que o cinema iria vir abaixo. Os vendedores de balas circulavam oferecendo bala de café, bala de coco, e um pequeno cone de papel com amendoim dentro.
E quando quebrava a fita do filme?
As luzes eram acesas de uma forma quase instantânea. O operador raspava as duas pontas do filme, passava acetona e juntava-as, estava feita a emenda, às vezes nesse processo eram pulados alguns quadros. A projeção de um filme era feita sempre com duas máquinas de projeção, para cada uma delas havia uma pequena janela, através da qual se projetava o filme. Uma porta deslizante de ferro permitia que ao abrir uma das janelas a outra era simultaneamente fechada. Isso proporcionava que os seis ou sete rolos de filme fossem projetados sem intervalos, ao terminar o rolo de filme de uma máquina era dado o inicio no rolo de filme de outra, movimentando-se essa janela na troca de máquinas, essa movimentação tornava-se imperceptível á quem estava assistindo o filme.
Ocorria às vezes a troca da seqüência de filmes?
Quando isso acontecia era uma tremenda gritaria no cinema.
Qual foi o seu próximo emprego?
Fui trabalhar na Agencia Municipal de Estatística que pertencia ao IBGE, o agente era o Walter Geraldi. Funcionava no prédio que foi a antiga casa do Barão de Serra Negra, derrubada deu lugar ao estacionamento da Câmara Municipal, na esquina da Rua Alferes José Caetano com Rua São José. Nesse palacete havia um enorme porão, com um pé direito alto, podia-se entrar sem ter que se curvar. Foi lá que encontramos um livro de ata da Prefeitura Municipal, fato mencionado em meu livro. Lembro-me que no fim do recenseamento de 1950 após passar a noite toda trabalhando, às seis horas da manhã fomos comemorar o fim dos trabalhos no Bar do Banhara, situado próximo á Igreja São Benedito. Foi nessa época que fui fazer o serviço militar no Tiro de Guerra, as instruções era no Largo da Sorocabana, às vezes o sargento nos conduzia a um descampado onde foi edificado o Colégio Dom Bosco. Em uma madrugada escura acabei caindo em um enorme buraco, era uma das muitas fundações que estavam sendo feitas para ser erguido o prédio do Dom Bosco.
Onde o senhor trabalhou depois de deixar a agencia de estatística?
Fui trabalhar no IAPETEC, Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Empregados no Transporte de Cargas, naquele tempo cada ramo de atividade tinha o seu instituto de previdência. Entrei no IAPETEC em 13 de dezembro de 1951 permanecendo até 31 de maio de 1954, desempenhei as mais diversas funções dentro da instituição, afirmo sem falsa modéstia, com bom desempenho. O agente chamava-se José de Moraes. Eu tinha prestado concurso para ingressar no IAPI, Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários, ele situava-se na Rua Governador quase esquina com Prudente de Moraes. Logo depois foi construído o prédio na Rua XV de Novembro, entre a Rua Boa Morte e a Governador Pedro de Toledo. Passei no concurso como escriturário datilógrafo, ingressei no dia 1 de junho de 1954 permanecendo até 24 de maio de 1982, quando me aposentei. Por 11 anos atendi ao público, era muito bem quisto pelos associados.
Como o senhor conheceu a sua esposa?
A minha esposa Madeleine Furlan Nascimento é bairro altense também! Morávamos próximos um do outro, ela trabalhava em uma oficina de alta costura, de certa forma já tínhamos notado um ao outro. A sua família era sócia do Clube Cristóvão Colombo, eu não era sócio, o Odilon Olivetto era meu amigo e conseguiu com que eu entrasse em um baile de carnaval, isso foi em 1952. A partir da segunda noite passamos a dançar. Em 8 de dezembro de 1955 o Monsenhor Martinho Salgot celebrou o nosso casamento realizado na Igreja Bom Jesus. Permanecemos casados até hoje.
Como surgiu o seu livro?
Há muito tempo senti o desejo de escrever sobre o bairro onde nasci, fui coletando e acumulando informações, fotos. Posso afirmar que 90% do conteúdo do livro é fruto da minha própria memória. A redação final do livro foi feita em dois anos e meio e menos seis quilos de peso que perdi nesse período.
Onde o senhor estudou a língua japonesa?
Foi no Clube Cultural e Recreativo Nipo-Brasileiro de Piracicaba, tive três professoras, sendo que recebi da professora Yeokiko Maeda o maior número de aulas.
Como surgiu a intenção de estudar japonês?
Sou uma pessoa que gosta de desafios!

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