JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 outubro de 2014.
Jornalista e Radialista
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Sábado 18 outubro de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: ALFRED ALFONS ALEXANDER POTTAG
Alfred Alfons Alexander Pottag
nasceu a 27 de fevereiro de 1926, na cidade de Gleiwitz O/S, Alemanha, filho de
Martha Pottag e Fritz Pottag. Hoje ele reside em Piracicaba, do alto dos seus
88 anos conserva uma vitalidade invejável, ao apanhar uma caneta que ia cair
seus movimentos foram rápidos, conserva um forte sotaque, muito sorridente e
solícito, extremamente organizado, mantém documentos que demonstram sua
trajetória pessoal e profissional. Trabalhou no Brasil em uma empresa de origem
alemã, na parede estão dependurados os quadros com muitos certificados
atestando seu excelente desempenho profissional nessa conceituada empresa. Sua
trajetória de vida é exemplar, mesmo em condições mais adversas possíveis. Atualmente Gliwice (em alemão
Gleiwitz) é uma cidade no sul da Polônia. Após o fim da
Primeira Guerra Mundial ocorreram confrontos entre alemães e poloneses por
questões de territórios. Habitantes etnicamente poloneses queriam incorporar a
cidade de Gleiwitz. Houve resistência por parte da população etnicamente alemã.
A Liga das Nações realizou um plebiscito em 20 de março de 1921 sendo que 78
por cento da população votou pela sua permanência como integrante da Alemanha. Quando
o território era parte da Alemanha, em Gleiwitz foi erguida
uma torre de rádio em madeira, existente até hoje e é a mais alta estrutura em
madeira da Europa. Têm 118 metros de altura, uma escada de 365 degraus dá
acesso ao topo. A 31 de agosto de 1939 ocorreu o famoso Incidente Gleiwitz, a
invasão da rádio por um grupo de pessoas usando uniformes poloneses apoderou-se
da estação de rádio de Gleiwitz para transmitir em polonês uma mensagem
anti-germânica. No dia seguinte, a 01 de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a
Polônia iniciando a Segunda Guerra Mundial. Alfred Alfons Alexander Pottag
então com 13 anos, morava em Gleiwitz, centro do teatro de operações. A casa em
que residia permanece no mesmo estado em que se encontrava na ocasião, sendo
que nesse período foi totalmente conservada pelos proprietários, sem alterar as
características originais.
O senhor estudou na Alemanha?
Estudei na Mittelschule, termo em
alemão literalmente traduzido para nível intermediário entre ensino fundamental
e ensino superior, utilizado nos sistemas de ensino das diferentes partes da
Europa de língua alemã, isso foi em 1941. A profissionalização concluí em 5 de
maio de 1944, como técnico mecânico. A 15 de maio fui convocado pela marinha
alemã para ir para a França. Em janeiro embarquei no navio Julius Rütger, era
um navio tanque, eu tinha feito o curso de telegrafista na marinha, trabalhei
nessa função. Depois embarquei no Gazella. Embarquei na Flotilha Hella DGO 29.
Como era a bordo?
Passamos por
muitas batalhas, sempre sendo bombardeados, por aviões, navios.
O senhor teve algum ferimento nessas
batalhas?
Felizmente não. Meu posto era na
sala de telegrafia.
Como era a alimentação dentro do navio?
Normal. Tinha um cozinheiro que
preparava a comida. Todos os alimentos eram enlatados. Isso foi muito ruim,
quase tive escorbuto, doença que surge como conseqüência da falta
extrema de vitamina C no organismo. O médico trouxe-me pomada a base de limão
para higienizar e passar na gengiva. Havia muito peixe, defumado.
Quantas horas dormia-se por dia?
A cada quatro horas havia
revezamento. O telegrafista tinha que mandar e receber mensagens em código.
(Criptografia- Enigma é o nome
por que é conhecida uma máquina
electro-mecânica de criptografia com rotores, utilizada tanto para criptografar
como para descriptografar mensagens secretas, usadas em várias formas na Europa a partir dos anos 1920. A sua fama vem de ter sido adaptada pela
maior parte das forças militares alemãs
a partir de cerca de 1930).
Quando descia no porto qual era o melhor
local para abrigar-se?
Escondíamos na floresta. Os
russos sempre vinham na hora certa. Às oito horas da manhã já vinham os aviões
bombardeando. Já ouvia o motor dos aviões que estavam chegando. O navio tinha a
defesa antiaérea. As flotilhas tinham metralhadoras, canhões.
Quanto tempo durou a participação do senhor
na Segunda Guerra?
Foram alguns meses, os russos
chegaram muito rápido. Sempre fugíamos antes de eles chegarem. Quando os navios
estavam no porto os russos vinham atacar com seus aviões, às oito horas da
manhã, ao meio dia, às quatro horas e às seis horas da tarde, eram quatro
ataques sempre na mesma hora. Antes de chegarem os bombardeiros já fugíamos. Em
8 de maio de 1945 acabou a Segunda Grande Guerra. A capitulação foi propalada à
todo mundo, ao meio dia tinha acabado a guerra. Após o meio dia viriam os
russos, teríamos que entregar tudo para eles. O comandante do nosso navio
disse-nos que às oito horas da noite iríamos fugir, no meio daquela confusão
toda. Voltamos para a Alemanha. Encontramos com militares da Suécia, iríamos
nos rendermos a eles. Perguntaram se tínhamos algum ferido, dissemos que não.
Perguntaram se tínhamos combustível para continuar, dissemos que tínhamos, eles
então não nos deixaram aportar. Foi bom. Bem depois eu ouvi falar que os
soldados da Suécia, da Noruega, mandavam os que se rendiam para os russos e os
russos mandavam os prisioneiros para a Sibéria! Continuamos a viagem, até o
ponto em que perguntei a outro marinheiro se sabia onde estávamos, ele disse-me
que conhecia aquele local, era a Ilha de Rügen, Alemanha. Era 13 de maio de
1945, viajamos a noite, foram cinco noites. Nosso navio era o DGO-29.
Permanecemos no porto, até que veio uma patrulha mista, alemães e ingleses,
perguntaram quem erramos, respondemos que éramos marinheiros. Permanecemos
algumas semanas, fomos até Franzburg, voltamos.
Os ingleses estavam comandando a operação
naquela área?
O comandante inglês, junto com
seus oficiais, nos separou por idade, acima de 25 anos para um lado, com menos
para outro lado. Ele perguntou quais eram as funções em que cada um era
especialista. Telegrafista, mecânico, especialista em minas, fui trabalhar uns
dias em um navio inglês, em agosto de 1945 veio um navio chamado Tanga, com 20
ingleses, sendo 2 oficiais, 2 russos, 1 telegrafista russo, foram pegar
pequenas flotilhas, passar para eles, todos os navios eram levados para os
russos, fizemos isso umas cinco ou seis vezes, levar navios para os russos,
inclusive entregamos um navio chamado “Pátria”. Estávamos na condição de
prisioneiros. Os ingleses nos deixaram com os holandeses, para tirar a minas
deles.
Como eram retiradas as minas no mar?
Os
holandeses tinham cinco ou seis flotilhas, sempre com patrulha holandesa.
Quando via as minas, deixavam que fizéssemos o trabalho perigoso para eles. Dá para
ver onde está a mina. Normalmente a mina é ancorada num lugar pré-determinado, ficando flutuando
sob a superfície e na altura determinada por um cabo ligado a uma espécie
de ancora, quando cortado o cabo a mina
subia. Para cortar o cabo eram passados um navio a cada lado do cabo, a mina
subia e aflorava a superfície. Passava três vezes pelo cabo em um sentido, e
mais três vezes no sentido perpendicular ao sentido anterior. Assim cortava o cabo. Esse cabo que passavamos
era como uma serra de metal. A artilharia holandesa então atirava e explodia
a mina, desativando-a.
O senhor está vivo por ter muita sorte, esse é um serviço perigoso!
Eu nunca fiz esse desarme, ficava no navio Tanga que acompanha as
operações! Tiramos minas até chegar a Roterdan.
Quando o senhor deixou de ser prisioneiro de guerra?
No começo de dezembro de 1945, subinhos em caminhões que iriam nos levar em
campos de prisioneiros. Inclusive tenho uma marca proxima ao olho, isso foi uma
passagem que nunca me esqueci. Um coronel inglês, muito altivo, com um bastão
sob o braço, deu ordem de comando em inglês, de forma enérgica, muito rápido,
não compreendi imediatamente, ele perguntou-me de forma mais energica alguma
coisa que não entendi. De alguma forma entendi que ele queria que em consideração
a sua autoridade batesse a continência para ele. Imediatamente obedeci, e fiz o
sinal de continência a que estava acostumado no exército...alemão!
Imediatamente ele bateu com o bastão em meu rosto, muito próximo ao olho,
deixando a marca que tenho até hoje.
Nesse período é que o senhor foi libertado?
Só que antes de tudo fizeram
avaliações médicas, tudo anotado em uma caderneta, as injeções e vacinas que
eram dadas. Cada folha era analisada, passava por várias mãos de analistas do
exército inglês. Era feita uma autentica classificação e análise do soldado
prisioneiro. Incluindo fotografia, impressão digital. Alfred busca em seus
arquivos a ficha original e exibe com satisfação, dá para sentir o prazer da
perfeita ordem e disciplina germânica, que zelou por seus documentos todas
essas décadas, no mais perfeito estado de conservação. Na Alemanha cada família tem uma caderneta, em
capa dura, com o símbolo do Estado Alemão onde são registrados os eventos
importantes, desde o casamento, nascimento dos filhos, com toda a relação de
ascendentes e descendentes diretos. È uma cópia dos documentos arquivados na
prefeitura da localidade aonde a pessoa reside.
O senhor casou-se?
Casei-me com Anna Paula Pottag,
na Alemanha, tivemos três filhos: Carmen, Ralf Siegfried e Fred Wolfgang. Em
1960 cheguei ao Brasil. Trabalhei sempre na Bosch, a Bosch
inventou e produziu o primeiro aquecedor do mundo, sendo a pioneira neste
mercado. Os Aquecedores a Gás de
Água Bosch Junkers.
Existiam várias fábricas e divisões, mas todas com a marca Bosch.
Quanto tempo o senhor trabalhou na Bosch?
Foram
quarenta anos.
O senhor voltou a passeio a atual Gliwice, hoje território polonês, (em alemão Gleiwitz)
Em 2005 fiz uma viagem com meu filho pela
Alemanha, fui visitar a casa onde nasci o local onde foi a prefeitura, a
estação de trem, a universidade, a escola onde estudei, ao lado, o jardim biológico
com dois leões de pedra na entrada, a maior torre de rádio em madeira da
Europa, com décadas de existência. Há uma placa onde marca o dia da entrada da
Alemanha na Polônia, foi quando se iniciou a Segunda Grande Guerra Mundial a 31
de agosto de 1939. Alfred mostra a fotografia de uma estrutura em vidro e
alumínio que compõem um edifício, construída quando ele morava em Gleiwitz. Nesta igreja (ele mostra a fotografia tirada em 2005), onde fui
batizado, recebi a primeira comunhão. Conversei com o padre, que embora seja
polonês fala alemão, fiquei impressionado que bastou dar a data do meu
nascimento e ele imediatamente localizou o documento do meu batizado. Todos os
meus dados estão anotados, filiação, ascendentes. Ele fez uma cópia, só que
traduzimos em português. Encontrei meu cunhado, ele tinha voltado em 1959 para
a Alemanha, ele foi escravo dos russos até 1959. O pai dele fez a opção de ser cidadão
polonês. Almoçamos, juntos com mais parentes e amigos na casa dele. Todos
optaram pela nacionalidade polonesa.
Um comentário:
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