sexta-feira, outubro 17, 2014

ALFRED ALFONS ALEXANDER POTTAG


JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 outubro de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 


ENTREVISTADO: ALFRED ALFONS ALEXANDER POTTAG
 
Alfred Alfons Alexander Pottag nasceu a 27 de fevereiro de 1926, na cidade de Gleiwitz O/S, Alemanha, filho de Martha Pottag e Fritz Pottag. Hoje ele reside em Piracicaba, do alto dos seus 88 anos conserva uma vitalidade invejável, ao apanhar uma caneta que ia cair seus movimentos foram rápidos, conserva um forte sotaque, muito sorridente e solícito, extremamente organizado, mantém documentos que demonstram sua trajetória pessoal e profissional. Trabalhou no Brasil em uma empresa de origem alemã, na parede estão dependurados os quadros com muitos certificados atestando seu excelente desempenho profissional nessa conceituada empresa. Sua trajetória de vida é exemplar, mesmo em condições mais adversas possíveis.  Atualmente Gliwice (em alemão Gleiwitz) é uma cidade no sul da Polônia. Após o fim da Primeira Guerra Mundial ocorreram confrontos entre alemães e poloneses por questões de territórios. Habitantes etnicamente poloneses queriam incorporar a cidade de Gleiwitz. Houve resistência por parte da população etnicamente alemã. A Liga das Nações realizou um plebiscito em 20 de março de 1921 sendo que 78 por cento da população votou pela sua permanência como integrante da Alemanha. Quando o território era parte da Alemanha, em Gleiwitz foi erguida uma torre de rádio em madeira, existente até hoje e é a mais alta estrutura em madeira da Europa. Têm 118 metros de altura, uma escada de 365 degraus dá acesso ao topo. A 31 de agosto de 1939 ocorreu o famoso Incidente Gleiwitz, a invasão da rádio por um grupo de pessoas usando uniformes poloneses apoderou-se da estação de rádio de Gleiwitz para transmitir em polonês uma mensagem anti-germânica. No dia seguinte, a 01 de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia iniciando a Segunda Guerra Mundial. Alfred Alfons Alexander Pottag então com 13 anos, morava em Gleiwitz, centro do teatro de operações. A casa em que residia permanece no mesmo estado em que se encontrava na ocasião, sendo que nesse período foi totalmente conservada pelos proprietários, sem alterar as características originais.

ALFRED ALFONS ALEXANDER POTTAG

O senhor estudou na Alemanha?
Estudei na Mittelschule, termo em alemão literalmente traduzido para nível intermediário entre ensino fundamental e ensino superior, utilizado nos sistemas de ensino das diferentes partes da Europa de língua alemã, isso foi em 1941. A profissionalização concluí em 5 de maio de 1944, como técnico mecânico. A 15 de maio fui convocado pela marinha alemã para ir para a França. Em janeiro embarquei no navio Julius Rütger, era um navio tanque, eu tinha feito o curso de telegrafista na marinha, trabalhei nessa função. Depois embarquei no Gazella. Embarquei na Flotilha Hella DGO 29.

CAPA DA CADERNETA COM TODAS AS ANOTAÇÕES DA FAMÍLIA

Como era a bordo?
 Passamos por muitas batalhas, sempre sendo bombardeados, por aviões, navios.
O senhor teve algum ferimento nessas batalhas?
Felizmente não. Meu posto era na sala de telegrafia.


Como era a alimentação dentro do navio?
Normal. Tinha um cozinheiro que preparava a comida. Todos os alimentos eram enlatados. Isso foi muito ruim, quase tive escorbuto, doença que surge como conseqüência da falta extrema de vitamina C no organismo. O médico trouxe-me pomada a base de limão para higienizar e passar na gengiva. Havia muito peixe, defumado.


Quantas horas dormia-se por dia?
A cada quatro horas havia revezamento. O telegrafista tinha que mandar e receber mensagens em código. (Criptografia- Enigma é o nome por que é conhecida uma máquina electro-mecânica de criptografia com rotores, utilizada tanto para criptografar como para descriptografar mensagens secretas, usadas em várias formas na Europa a partir dos anos 1920. A sua fama vem de ter sido adaptada pela maior parte das forças militares alemãs a partir de cerca de 1930).


Quando descia no porto qual era o melhor local para abrigar-se?
Escondíamos na floresta. Os russos sempre vinham na hora certa. Às oito horas da manhã já vinham os aviões bombardeando. Já ouvia o motor dos aviões que estavam chegando. O navio tinha a defesa antiaérea. As flotilhas tinham metralhadoras, canhões.
Quanto tempo durou a participação do senhor na Segunda Guerra?
Foram alguns meses, os russos chegaram muito rápido. Sempre fugíamos antes de eles chegarem. Quando os navios estavam no porto os russos vinham atacar com seus aviões, às oito horas da manhã, ao meio dia, às quatro horas e às seis horas da tarde, eram quatro ataques sempre na mesma hora. Antes de chegarem os bombardeiros já fugíamos. Em 8 de maio de 1945 acabou a Segunda Grande Guerra. A capitulação foi propalada à todo mundo, ao meio dia tinha acabado a guerra. Após o meio dia viriam os russos, teríamos que entregar tudo para eles. O comandante do nosso navio disse-nos que às oito horas da noite iríamos fugir, no meio daquela confusão toda. Voltamos para a Alemanha. Encontramos com militares da Suécia, iríamos nos rendermos a eles. Perguntaram se tínhamos algum ferido, dissemos que não. Perguntaram se tínhamos combustível para continuar, dissemos que tínhamos, eles então não nos deixaram aportar. Foi bom. Bem depois eu ouvi falar que os soldados da Suécia, da Noruega, mandavam os que se rendiam para os russos e os russos mandavam os prisioneiros para a Sibéria! Continuamos a viagem, até o ponto em que perguntei a outro marinheiro se sabia onde estávamos, ele disse-me que conhecia aquele local, era a Ilha de Rügen, Alemanha. Era 13 de maio de 1945, viajamos a noite, foram cinco noites. Nosso navio era o DGO-29. Permanecemos no porto, até que veio uma patrulha mista, alemães e ingleses, perguntaram quem erramos, respondemos que éramos marinheiros. Permanecemos algumas semanas, fomos até Franzburg, voltamos.


Os ingleses estavam comandando a operação naquela área?
 
 
MAQUINA DE CRIPTOGRAFIA ENIGMA COM TRÊS ROTORES

O comandante inglês, junto com seus oficiais, nos separou por idade, acima de 25 anos para um lado, com menos para outro lado. Ele perguntou quais eram as funções em que cada um era especialista. Telegrafista, mecânico, especialista em minas, fui trabalhar uns dias em um navio inglês, em agosto de 1945 veio um navio chamado Tanga, com 20 ingleses, sendo 2 oficiais, 2 russos, 1 telegrafista russo, foram pegar pequenas flotilhas, passar para eles, todos os navios eram levados para os russos, fizemos isso umas cinco ou seis vezes, levar navios para os russos, inclusive entregamos um navio chamado “Pátria”. Estávamos na condição de prisioneiros. Os ingleses nos deixaram com os holandeses, para tirar a minas deles.

 BRINQUEDO ALEMÃO COM DEZENAS DE ANOS PERTENCENTE A FAMÍLIA DE ALFRED

Como eram retiradas as minas no mar?
Os holandeses tinham cinco ou seis flotilhas, sempre com patrulha holandesa. Quando via as minas, deixavam que fizéssemos o trabalho perigoso para eles. Dá para ver onde está a mina. Normalmente a mina é ancorada num lugar pré-determinado, ficando flutuando sob a superfície e na altura determinada por um cabo ligado a uma espécie de  ancora, quando cortado o cabo a mina subia. Para cortar o cabo eram passados um navio a cada lado do cabo, a mina subia e aflorava a superfície. Passava três vezes pelo cabo em um sentido, e mais três vezes no sentido perpendicular ao sentido anterior.  Assim cortava o cabo. Esse cabo que passavamos era como uma serra de metal. A  artilharia holandesa então atirava e explodia a mina, desativando-a.

PLACA EM GLIWICE ONDE INICIOU A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

O senhor está vivo por ter muita sorte, esse é um serviço perigoso!
Eu nunca fiz esse desarme, ficava no navio Tanga que acompanha as operações! Tiramos minas até chegar a Roterdan.

NAVIO TANGA

Quando o senhor deixou de ser prisioneiro de guerra?
No começo de dezembro de 1945, subinhos em caminhões que iriam nos levar em campos de prisioneiros. Inclusive tenho uma marca proxima ao olho, isso foi uma passagem que nunca me esqueci. Um coronel inglês, muito altivo, com um bastão sob o braço, deu ordem de comando em inglês, de forma enérgica, muito rápido, não compreendi imediatamente, ele perguntou-me de forma mais energica alguma coisa que não entendi. De alguma forma entendi que ele queria que em consideração a sua autoridade batesse a continência para ele. Imediatamente obedeci, e fiz o sinal de continência a que estava acostumado no exército...alemão! Imediatamente ele bateu com o bastão em meu rosto, muito próximo ao olho, deixando a marca que tenho até hoje.
Nesse período é que o senhor foi libertado?
Só que antes de tudo fizeram avaliações médicas, tudo anotado em uma caderneta, as injeções e vacinas que eram dadas. Cada folha era analisada, passava por várias mãos de analistas do exército inglês. Era feita uma autentica classificação e análise do soldado prisioneiro. Incluindo fotografia, impressão digital. Alfred busca em seus arquivos a ficha original e exibe com satisfação, dá para sentir o prazer da perfeita ordem e disciplina germânica, que zelou por seus documentos todas essas décadas, no mais perfeito estado de conservação.  Na Alemanha cada família tem uma caderneta, em capa dura, com o símbolo do Estado Alemão onde são registrados os eventos importantes, desde o casamento, nascimento dos filhos, com toda a relação de ascendentes e descendentes diretos. È uma cópia dos documentos arquivados na prefeitura da localidade aonde a pessoa reside.
O senhor casou-se?
Casei-me com Anna Paula Pottag, na Alemanha, tivemos três filhos: Carmen, Ralf Siegfried e Fred Wolfgang. Em 1960 cheguei ao Brasil. Trabalhei sempre na Bosch, a Bosch inventou e produziu o primeiro aquecedor do mundo, sendo a pioneira neste mercado. Os Aquecedores a Gás de Água Bosch Junkers. Existiam várias fábricas e divisões, mas todas com a marca Bosch.
Quanto tempo o senhor trabalhou na Bosch?
Foram quarenta anos.
O senhor voltou a passeio a atual Gliwice, hoje território polonês, (em alemão Gleiwitz)
 Em 2005 fiz uma viagem com meu filho pela Alemanha, fui visitar a casa onde nasci o local onde foi a prefeitura, a estação de trem, a universidade, a escola onde estudei, ao lado, o jardim biológico com dois leões de pedra na entrada, a maior torre de rádio em madeira da Europa, com décadas de existência. Há uma placa onde marca o dia da entrada da Alemanha na Polônia, foi quando se iniciou a Segunda Grande Guerra Mundial a 31 de agosto de 1939. Alfred mostra a fotografia de uma estrutura em vidro e alumínio que compõem um edifício, construída quando ele morava em Gleiwitz. Nesta igreja (ele mostra a fotografia tirada em 2005), onde fui batizado, recebi a primeira comunhão. Conversei com o padre, que embora seja polonês fala alemão, fiquei impressionado que bastou dar a data do meu nascimento e ele imediatamente localizou o documento do meu batizado. Todos os meus dados estão anotados, filiação, ascendentes. Ele fez uma cópia, só que traduzimos em português. Encontrei meu cunhado, ele tinha voltado em 1959 para a Alemanha, ele foi escravo dos russos até 1959.  O pai dele fez a opção de ser cidadão polonês. Almoçamos, juntos com mais parentes e amigos na casa dele. Todos optaram pela nacionalidade polonesa.  
 
 

Um comentário:

Anônimo disse...

Um dos filhos é Rolf proprietário da TR equipamentos

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