PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 26 de setembro de 2015.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 26 de setembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: NOÉ BATISTA DE CARVALHO
ENTREVISTADO: NOÉ BATISTA DE CARVALHO
Noé Batista de Carvalho nasceu a
23 de outubro de 1939 em Pilar do Sul, região de Sorocaba. É o segundo filho
dos onze tidos pelos seus pais João Batista Sobrinho e Maria Emília Vieira que
tiveram os filhos: Lazara, Noé, Antonio, Benedita, Gabriel, Maria Alice, Joana,
Maria José, João Pedro, Conceição e Paulo. Seu pai era lavrador em uma região
de pequenos sitiantes que cultivavam milho, mandioca, feijão arroz, cultura de
subsistência. Tinha a criação de animais, como gado, suínos, aves.
Conheça Pilar do Sul
O senhor freqüentou a escola rural?
Freqüentei a Escola Mista, eram
três turmas na mesma classe. Ficava a uma distância de uns cinco quilômetros,
íamos a pé, descalços, com o piquá (Bolsa com alça de ombro para carregar. Sacola
simples, rudimentar.). A professora chamava-se Maria José Vaglio. Ela morava em
uma casa anexa a própria escola, tinha dois filhos pequenos, a propriedade era
de um tio meu. Até completar os dezoito anos trabalhei na lavoura. Eu e meus
irmãos, conforme ia crescendo ia pegando na enxada. O guatambu por ser muito utilizado na confecção de cabos de enxada
motivou o povo a criar a expressão “pegar no guatambu” como sinônimo de
“trabalhar com a enxada”. Com 18 anos fui morar em Sorocaba, meu primeiro
emprego foi ser porteiro do Hotel Vicente, hoje não existe mais. Ficava no centro
de Sorocaba, próximo da ponte da Avenida São Paulo. Eu dormia no alojamento do
hotel e lá mesmo tomava minhas refeições. Eu trabalhava no período noturno, das
dez horas da noite até as seis horas da manhã. Permaneci aproximadamente um ano
trabalhando no hotel. Nesse hotel tinha um hospede que era engenheiro da
Companhia Nacional de Estamparia, a Cianê. Ele me convidou para trabalhar na
Cianê, fui, trabalhava a noite.
O
senhor foi trabalhar em que setor?
Eu não conhecia nada de
tecelagem, quando cheguei me colocaram em um trabalho chamado de “grupamento de
fios”, era a emenda dos fios. O técnico em tecelagem foi me ensinando e logo
aprendi a fazer a emenda dos fios, era feita através de uma máquina. Permaneci
na Cianê por um ano mais ou menos. Tinha um colega que morava no mesmo bairro,
Vila Progresso, eu morava na casa da minha irmã mais velha, a Lazara, seu
marido era motorista da Santa Lucinda, faculdade de medicina de Sorocaba. Esse
meu colega da Cianê disse-me: “-Vamos para São Paulo!”. Perguntei o que iríamos
fazer lá, ele disse que tínhamos que aventurar. De repente poderíamos arrumar
um emprego em São Paulo.
SÃO PAULO EM 1943 - 46 - HAGOP GARAGEM.wmv
Os táxis antigamente eram das
marcas Ford e Chevrolet, eram carros pretos, importados. Naquele tempo não
havia táxis de frota. Os motoristas de táxi trabalhavam na parte da manhã, às
vezes até as duas horas da tarde. Eles arrumavam sempre um empregado, sem
registro, para trabalhar o resto da tarde e algumas horas da noite. Era tudo
provisório, não tínhamos curso de motorista de praça. Só tínhamos a carteira de
motorista. Os taxistas usavam gravata, quepe, os empregados nem sempre usavam. Tinha
que ter um guia das ruas de São Paulo, o Guia Levi era o mais usado. Dava até
multa se não tivesse o guia no carro.
"ENTRE RIOS" - a urbanização de São Paulo
Trabalhávamos a noite e durante o dia íamos para São
Paulo, com o ônibus do Rápido Brasil. Naquele tempo em São Paulo não havia
rodoviária, ficávamos no inicio da Avenida Ipiranga. Ali era o ponto de ônibus
da Cometa, do Rápido Brasil. Isso foi em 1960.SÃO PAULO EM 1943 - 46 - HAGOP GARAGEM.wmv
SÃO PAULO EM 1943 - 46 - HAGOP GARAGEM.wmv
História Secreta de São Paulo - 1.wmv
História Secreta de São Paulo 2
História Secreta de São Paulo 3
História Secreta de São Paulo 4
História Secreta de São Paulo 5
"São Paulo tem História" (Estação da Luz)
Nessa época o senhor trabalha a
partir de que horas?
Pegava o carro às duas horas e
trabalhava até as dez, onze horas da noite. Fui morar em uma pensão na Rua
Tamandaré, próximo ao então Hospital Modelo, depois denominado Hospital Samcil.
Eu disse ao meu colega: “- Vamos fazer o curso de motorista de praça na
prefeitura para legalizarmos a nossa vida. Fizemos uma semana de cursinho na
Avenida Prestes Maia, obtivemos o certificado, começamos a pagar o INSS como
motorista de praça.
O senhor chegou a presenciar
cenas de violência?
Não. Em 1965 houve uma balançada
em São Paulo com o assalto do Banco Moreira Salles pelos gregos. Até então São
Paulo era tranqüilidade. (Em 27 de
janeiro de 1965 cinco homens roubaram Cr$ 500 milhões (US$ 274 mil) de uma perua
do Banco Moreira Salles, Unibanco, em São Paulo. Na ação, mataram o bancário
José Pepe. Os gregos Evangelos Demetrius Flengas, Garyfalous Nicolau Krassas,
Michel Basile Nikolaides, Gerasimos Andreas Tsolias e Georges Andreas
Tsantilas, autores do "Assalto dos 500 milhões" foram presos um mês
depois, graças à denúncia de um guarda que havia multado Michel no dia do
assalto. Na época foi considerado o assalto do século. A mídia internacional
teve sua atenção voltada para o fato.)
Como o senhor adquiriu o seu
próprio taxi?
Naquele tempo foram lançados os
carros da Volkswagen, da linha Gol 1.000, fabricaram muitos carros e não tinha
procura, o pátio da Volkswagen estava cheio, o governo federal financiou e
tirou taxas para motorista de praça. Compramos o carro a fiado. Era o famoso
Gol BX refrigerado a ar, não tinha radiador, a cor era verde. Fiquei
trabalhando, só que não tinha ponto fixo, só ficava rodando. Naquele tempo taxi
não tinha uma cor padrão, era a vontade.
Já tinha o taxímetro?
Já! Como era taxi comum tinha
bandeira 1 e 2 só. Quando comecei a trabalhar, ainda era empregado, não tinha
taxímetro, era apenas uma tabela. Mas logo veio o taxímetro, tinha as bandeiras
1,2,3 e 4. Conforme o numero de passageiros conduzidos era o número da bandeira
e aumentava o preço. Um passageiro era bandeira um três passageiros era
bandeira 3, era mais caro.Logo depois isso caiu, entrou um novo prefeito que
acabou com essa lei.
Como funciona a bandeira 2?
Até as dez horas da noite era
bandeira 1. Das dez horas da noite até as seis horas da manhã era bandeira 2.
Sábado era bandeira normal. Domingos e feriados era bandeira 2. Em São Paulo se
você rodar pega passageiros, e há um ditado que diz: “Cobra que não caminha não
engole sapo”. Entrou um prefeito que começou a criar pontos livres, ou seja,
tinha os pontos dos motoristas antigos, um ponto numerado credenciado. No ponto
livre o taxista poderia parar, fosse onde fosse o lugar. Depois para conseguir
um ponto tinha que pagar uma taxa anual, na hora de licenciar o veículo.
O senhor tinha ponto fixo?
Quando isso começou, eu
requisitei um ponto na Rua Tamandaré, próximo ao Hospital Modelo. Lá permaneci
até 2007. Quando completei 35 anos de trabalho requisitei a aposentadoria. Do
meu tempo até 2007 foi mudando tanto o conceito de motorista de taxi, o
conceito de trabalho, o sistema de taxi que cada prefeito que entrou foi
regulamentando, inclusive as cores do taxi, impondo certas condições, foi
havendo uma profissionalização, dando uma espécie de transparência, houve uma
valorização maior do motorista de taxi.
O senhor transportou alguém
famoso?
Uma pessoa famosa que conversei
bem com ele foi o Garrincha. Eu peguei-o na Rua Brigadeiro Luiz Antonio, ele
estava hospedado no Hotel Danubio. Ele deu abertura, conversamos bastante.
Outro que transportei foi Roberto
Guilherme da Silva ator e humorista brasileiro. Seu personagem mais popular é o
Sargento Pincel do programa Os Trapalhões.
O passageiro geralmente gosta de iniciar uma conversa com o
motorista?
Gosta! Principalmente mulher! Às vezes é uma espécie de
desabafo. O tema preferido delas são problemas particulares. Já saiu uma
matéria em um jornal de São Paulo onde comparavam o motorista de taxi a um
padre ou psicólogo, onde as pessoas desabafavam. Choravam. Fumavam demais. Eu
tinha que procurar aconselhar. Em alguns casos acredito que deve ter dado algum
resultado. Aconteceu com um colega, ele pegou um passageiro para levar até o
Aeroporto de Cumbica, era um executivo de uma empresa multinacional, já estava
cansado desse trabalho. Entrou de mau humor no taxi, o motorista puxou conversa
com ele. Em outra ocasião esse mesmo executivo tomou meu taxi e disse-me o
quanto aquele motorista o tinha ajudado com suas palavras e atenção. Tem um
caso que ocorreu comigo, uma mulher entrou no meu taxi, perguntou-me se ela
podia fumar. Disse-lhe que pela lei é proibido, mas pelo seu nervosismo, é
melhor que fume. Só não queime o banco do carro. Andamos um trecho, ela começou
a desabafar, ela tinha saído do emprego, havia acontecido uns problemas. Ele
pediu que a deixasse na casa da sua mãe. Foi um caso bem marcante. Outro foi de
uma parturiente, quando cheguei à porta do Hospital do Servidor Público, no
Ibirapuera, a criança começou a nascer! Chamei o guarda, ele imediatamente
chamou uns enfermeiros que estavam por perto. Colocaram-na em uma maca e a
criança nasceu ali mesmo. Uma vez eu peguei uma moça no Ibirapuera para levar
em Perdizes. Ela entrou no taxi, sentou-se, imediatamente a presença dela me
aliviou, é o tipo da pessoa que tem uma aura muito agradável. Perguntei-lhe se
era de alguma religião. Ela disse-me que era budista. Ela me explicou muita
coisa interessante sobre o budismo. Outra vez eu estava no ponto, uma mulher dirigiu-se
até o meu carro, estava com uma vestimenta diferente, um vestido meio azulado,
um turbante na cabeça, era uma figura muito diferente. Ela pediu-me que a
levasse a um lugar que nem me lembro mais, ela era muito quieta. Minha
curiosidade foi maior, delicadamente perguntei-lhe qual era a sua religião. Ela
muito gentil, disse-me que era maometana. Era uma pessoa muito fina. Espalhou
uma energia positiva. Pensei que se alguém carregasse em seu taxi dez pessoas
como aquela por dia sairia abençoado.
O senhor segue alguma religião?
Sou Católico Apostólico Romano. Praticante.
O que mais desgasta o motorista
de taxi?
Eu trabalhei durante 33 anos como
motorista de praça. Nos últimos três anos eu já não estava agüentando mais. O
trânsito. O barulho. Tinha rádio dentro do carro sempre ao gosto do passageiro.
Ligado ou desligado. E no tipo de música que o mesmo queria ouvir.
Em média quantas pessoas o senhor
transportava por dia?
É muito difícil dizer. Às vezes
pegava uma corrida muito longa que um passageiro apenas ocupava um período
todo. Às vezes pegava o que os taxistas chamam de “pescoço”, são corridas muito
curtas, o que compensa é a bandeirada, que é zerar o taxímetro e iniciar
novamente com outro passageiro.
O senhor sentia que as pessoas
carregam suas próprias energias, positivas ou negativas?
Sentia na hora a energia emanada
pela pessoa, tanto positiva como negativa.
Há taxistas que se especializam
em um tipo de cliente ou lugar?
Tem motorista de todo jeito. Tem
uns que só trabalham a noite, são especialistas em transportarem os
freqüentadores da noite: bares, boates, e tudo que a noite oferece. Outros
faziam ponto na rodoviária. Eu trabalhava só durante o dia, quando chegava umas
cinco horas da tarde parava de trabalhar. Com o tempo ganhei experiência,
muitos colegas passavam suas experiências. Quais eram os locais onde se corria
mais riscos, que tipo de corrida recusar. Conforme o destino da corrida a
chance de sofrer um assalto era praticamente certa. O passageiro poderia ser um
assaltante ou naquele destino iria encontrar facilmente algum outro passageiro
que poderia ser assaltante.
O senhor foi assaltado alguma
vez?
Não. Mas percebi que um
passageiro estava com a intenção de me assaltar. Disse-lhe: “Você está mal com
Deus!” Ele afirmou e perguntou-me como eu sabia? Fiz-lhe ver que estava atento
ao seu comportamento. Ele tinha saído da prisão, queria ir até a rodoviária,
levei-o sem cobrar nada.
A antiga rodoviária de São Paulo,
o Terminal Rodoviário da Luz
era um bom lugar para pegar passageiros?
Era bom, muito movimentado,
central, quando ainda funcionava a Estrada de Ferro Sorocabana. Quando acabou a
Sorocabana foi minguando, o lugar decaiu muito, tornou-se perigoso. Quando
tinha as Feiras do Anhembi eu estava lá, o movimento era bom. Antes as feiras
eram no Parque Ibirapuera.
E as famosas enchentes, alguma o
pegou?
Logo no começo peguei algumas,
depois quem conhece São Paulo fica esperto com as enchentes. Quando via que o
céu escurecia e ia vir àquela tromba d água eu ia embora. Lembro-me de uma
enchente na Avenida Pacaembu, os carros rodando, eu com passageiro, entrei em
uma rua na contramão e consegui escapar da enchente. No chamado popularmente
como Buraco do Adhemar, em uma referencia ao túnel que existe no Vale do
Anhangabaú, construído pelo governador Adhemar de Barros, ali eu peguei
enchente, não tem para onde sair.
Essa sensibilidade do motorista
com relação ao passageiro é fundamental?
Com o tempo ganha-se
conhecimento, pelo modo como a pessoa dá o sinal para o taxi parar já se tem
uma idéia do tipo do passageiro. Se tivesse um mínimo de desconfiança passava
direto. Sempre fiz isso. Lembro-me de um senhor, de terno e gravata, que
parecia ser um executivo. Deu-me o sinal, entrou no taxi, no meio da nossa
conversa ele revelou que era general reformado. O modo de a pessoa dar o sinal,
seu jeito, já diz alguma coisa. A pessoa irradia o que ela é. O que sou
internamente transpira para fora. A idade, um pouco de leitura, a atenção, vai
deixando-nos experientes.
A relação do taxista com outros
motoristas, com motociclistas gera muita tensão?
Principalmente com motocicleta
tem que se tomar muito cuidado. É Um perigo. Vi muitos acidentes terríveis
envolvendo motocicletas
Em que bairro o senhor morava em
São Paulo?
Moramos sempre na Liberdade,
bairro dos japoneses. Na Praça Almeida Júnior. Acostumamos tanto com os
japoneses que o mecânico era japonês, o médico era japonês, eles são muito
dedicados no que fazem. Um mecânico japonês mudou-se para o Jabaquara, eu ia
até lá, sabia que o seu serviço era perfeito.
E como era o lazer do senhor?
Geralmente viajava muito em
excursões. Ia para locais turísticos, religiosos, culturais.
O senhor fazia viagens como
taxista?
Fui para Atibaia, Águas de
Lindóia, Varginha. Geralmente ia levar e já deixava acertado para depois ir
buscar a pessoa.
Na década de 70 os postos de gasolina ficavam fechados
durante o final de semana determinação do governo para economizar combustível o
que os taxistas faziam?
Ficava só uma companhia de petróleo para
abastecer, sabíamos que determinado posto em tal lugar estava autorizado a
fornecer combustível. Só taxi que podia abastecer. Sempre enchíamos o tanque
com antecedência como prevenção.
Além do Gol, quais carros o senhor
utilizou para trabalhar?
Primeiro tive um Fusca, era um veículo
que tinha que ser tirado o banco do passageiro ao lado do motorista, ficava só
o banco de trás. Depois comprei o Gol, mais tarde comprei um carro russo, o
Lada. Depois tive uma Paraty, daquelas antigas, quadradona. Depois comprei um
Santana.
Fusca Taxi - BRASIL 1988 - TV aleman
Otávio e as Letras - Trailer - Taxi Fusca 68
Fusca Taxi - BRASIL 1988 - TV aleman
Otávio e as Letras - Trailer - Taxi Fusca 68
Como o senhor veio morar em Piracicaba?
Tenho muitas pessoas amigas, parentes,
em Piracicaba. Em 2007 viemos morar no Lar dos Velhinhos. Temos muitos amigos em São Paulo que nos
telefonam. Alguns já vieram nos visitar.
O senhor acessa a internet?
Uso para enviar e receber e-mails ou
pesquisar alguma coisa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário