sexta-feira, setembro 25, 2015

NOÉ BATISTA DE CARVALHO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 26 de setembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO:  NOÉ BATISTA DE CARVALHO





Noé Batista de Carvalho nasceu a 23 de outubro de 1939 em Pilar do Sul, região de Sorocaba. É o segundo filho dos onze tidos pelos seus pais João Batista Sobrinho e Maria Emília Vieira que tiveram os filhos: Lazara, Noé, Antonio, Benedita, Gabriel, Maria Alice, Joana, Maria José, João Pedro, Conceição e Paulo. Seu pai era lavrador em uma região de pequenos sitiantes que cultivavam milho, mandioca, feijão arroz, cultura de subsistência. Tinha a criação de animais, como gado, suínos, aves.
                                                       Conheça Pilar do Sul


O senhor freqüentou a escola rural?
Freqüentei a Escola Mista, eram três turmas na mesma classe. Ficava a uma distância de uns cinco quilômetros, íamos a pé, descalços, com o piquá (Bolsa com alça de ombro para carregar. Sacola simples, rudimentar.). A professora chamava-se Maria José Vaglio. Ela morava em uma casa anexa a própria escola, tinha dois filhos pequenos, a propriedade era de um tio meu. Até completar os dezoito anos trabalhei na lavoura. Eu e meus irmãos, conforme ia crescendo ia pegando na enxada. O guatambu por ser muito utilizado na confecção de cabos de enxada motivou o povo a criar a expressão “pegar no guatambu” como sinônimo de “trabalhar com a enxada”. Com 18 anos fui morar em Sorocaba, meu primeiro emprego foi ser porteiro do Hotel Vicente, hoje não existe mais. Ficava no centro de Sorocaba, próximo da ponte da Avenida São Paulo. Eu dormia no alojamento do hotel e lá mesmo tomava minhas refeições. Eu trabalhava no período noturno, das dez horas da noite até as seis horas da manhã. Permaneci aproximadamente um ano trabalhando no hotel. Nesse hotel tinha um hospede que era engenheiro da Companhia Nacional de Estamparia, a Cianê. Ele me convidou para trabalhar na Cianê, fui, trabalhava a noite.





O senhor foi trabalhar em que setor?
Eu não conhecia nada de tecelagem, quando cheguei me colocaram em um trabalho chamado de “grupamento de fios”, era a emenda dos fios. O técnico em tecelagem foi me ensinando e logo aprendi a fazer a emenda dos fios, era feita através de uma máquina. Permaneci na Cianê por um ano mais ou menos. Tinha um colega que morava no mesmo bairro, Vila Progresso, eu morava na casa da minha irmã mais velha, a Lazara, seu marido era motorista da Santa Lucinda, faculdade de medicina de Sorocaba. Esse meu colega da Cianê disse-me: “-Vamos para São Paulo!”. Perguntei o que iríamos fazer lá, ele disse que tínhamos que aventurar. De repente poderíamos arrumar um emprego em São Paulo. 
                                    "ENTRE RIOS" - a urbanização de São Paulo
Trabalhávamos a noite e durante o dia íamos para São Paulo, com o ônibus do Rápido Brasil. Naquele tempo em São Paulo não havia rodoviária, ficávamos no inicio da Avenida Ipiranga. Ali era o ponto de ônibus da Cometa, do Rápido Brasil. Isso foi em 1960.




                                    SÃO PAULO EM 1943 - 46 - HAGOP GARAGEM.wmv

 


                      SÃO PAULO EM 1943 - 46 - HAGOP GARAGEM.wmv






                               História Secreta de São Paulo - 1.wmv


                                                                                  História Secreta de São Paulo 2   



                                                                          História Secreta de São Paulo 3   


                                                                                 História Secreta de São Paulo 4



                                         História Secreta de São Paulo 5   


                                                                               "São Paulo tem História" (Estação da Luz)

Os táxis antigamente eram das marcas Ford e Chevrolet, eram carros pretos, importados. Naquele tempo não havia táxis de frota. Os motoristas de táxi trabalhavam na parte da manhã, às vezes até as duas horas da tarde. Eles arrumavam sempre um empregado, sem registro, para trabalhar o resto da tarde e algumas horas da noite. Era tudo provisório, não tínhamos curso de motorista de praça. Só tínhamos a carteira de motorista. Os taxistas usavam gravata, quepe, os empregados nem sempre usavam. Tinha que ter um guia das ruas de São Paulo, o Guia Levi era o mais usado. Dava até multa se não tivesse o guia no carro.
Nessa época o senhor trabalha a partir de que horas?
Pegava o carro às duas horas e trabalhava até as dez, onze horas da noite. Fui morar em uma pensão na Rua Tamandaré, próximo ao então Hospital Modelo, depois denominado Hospital Samcil. Eu disse ao meu colega: “- Vamos fazer o curso de motorista de praça na prefeitura para legalizarmos a nossa vida. Fizemos uma semana de cursinho na Avenida Prestes Maia, obtivemos o certificado, começamos a pagar o INSS como motorista de praça.
O senhor chegou a presenciar cenas de violência?
Não. Em 1965 houve uma balançada em São Paulo com o assalto do Banco Moreira Salles pelos gregos. Até então São Paulo era tranqüilidade. (Em 27 de janeiro de 1965 cinco homens roubaram Cr$ 500 milhões (US$ 274 mil) de uma perua do Banco Moreira Salles, Unibanco, em São Paulo. Na ação, mataram o bancário José Pepe. Os gregos Evangelos Demetrius Flengas, Garyfalous Nicolau Krassas, Michel Basile Nikolaides, Gerasimos Andreas Tsolias e Georges Andreas Tsantilas, autores do "Assalto dos 500 milhões" foram presos um mês depois, graças à denúncia de um guarda que havia multado Michel no dia do assalto. Na época foi considerado o assalto do século. A mídia internacional teve sua atenção voltada para o fato.)


Como o senhor adquiriu o seu próprio taxi?
Naquele tempo foram lançados os carros da Volkswagen, da linha Gol 1.000, fabricaram muitos carros e não tinha procura, o pátio da Volkswagen estava cheio, o governo federal financiou e tirou taxas para motorista de praça. Compramos o carro a fiado. Era o famoso Gol BX refrigerado a ar, não tinha radiador, a cor era verde. Fiquei trabalhando, só que não tinha ponto fixo, só ficava rodando. Naquele tempo taxi não tinha uma cor padrão, era a vontade.
Já tinha o taxímetro?
Já! Como era taxi comum tinha bandeira 1 e 2 só. Quando comecei a trabalhar, ainda era empregado, não tinha taxímetro, era apenas uma tabela. Mas logo veio o taxímetro, tinha as bandeiras 1,2,3 e 4. Conforme o numero de passageiros conduzidos era o número da bandeira e aumentava o preço. Um passageiro era bandeira um três passageiros era bandeira 3, era mais caro.Logo depois isso caiu, entrou um novo prefeito que acabou com essa lei.
Como funciona a bandeira 2?
Até as dez horas da noite era bandeira 1. Das dez horas da noite até as seis horas da manhã era bandeira 2. Sábado era bandeira normal. Domingos e feriados era bandeira 2. Em São Paulo se você rodar pega passageiros, e há um ditado que diz: “Cobra que não caminha não engole sapo”. Entrou um prefeito que começou a criar pontos livres, ou seja, tinha os pontos dos motoristas antigos, um ponto numerado credenciado. No ponto livre o taxista poderia parar, fosse onde fosse o lugar. Depois para conseguir um ponto tinha que pagar uma taxa anual, na hora de licenciar o veículo. 
O senhor tinha ponto fixo?
Quando isso começou, eu requisitei um ponto na Rua Tamandaré, próximo ao Hospital Modelo. Lá permaneci até 2007. Quando completei 35 anos de trabalho requisitei a aposentadoria. Do meu tempo até 2007 foi mudando tanto o conceito de motorista de taxi, o conceito de trabalho, o sistema de taxi que cada prefeito que entrou foi regulamentando, inclusive as cores do taxi, impondo certas condições, foi havendo uma profissionalização, dando uma espécie de transparência, houve uma valorização maior do motorista de taxi.
O senhor transportou alguém famoso?
Uma pessoa famosa que conversei bem com ele foi o Garrincha. Eu peguei-o na Rua Brigadeiro Luiz Antonio, ele estava hospedado no Hotel Danubio. Ele deu abertura, conversamos bastante. Outro que transportei foi Roberto Guilherme da Silva ator e humorista brasileiro. Seu personagem mais popular é o Sargento Pincel do programa Os Trapalhões.
O passageiro geralmente gosta de iniciar uma conversa com o motorista?
Gosta! Principalmente mulher! Às vezes é uma espécie de desabafo. O tema preferido delas são problemas particulares. Já saiu uma matéria em um jornal de São Paulo onde comparavam o motorista de taxi a um padre ou psicólogo, onde as pessoas desabafavam. Choravam. Fumavam demais. Eu tinha que procurar aconselhar. Em alguns casos acredito que deve ter dado algum resultado. Aconteceu com um colega, ele pegou um passageiro para levar até o Aeroporto de Cumbica, era um executivo de uma empresa multinacional, já estava cansado desse trabalho. Entrou de mau humor no taxi, o motorista puxou conversa com ele. Em outra ocasião esse mesmo executivo tomou meu taxi e disse-me o quanto aquele motorista o tinha ajudado com suas palavras e atenção. Tem um caso que ocorreu comigo, uma mulher entrou no meu taxi, perguntou-me se ela podia fumar. Disse-lhe que pela lei é proibido, mas pelo seu nervosismo, é melhor que fume. Só não queime o banco do carro. Andamos um trecho, ela começou a desabafar, ela tinha saído do emprego, havia acontecido uns problemas. Ele pediu que a deixasse na casa da sua mãe. Foi um caso bem marcante. Outro foi de uma parturiente, quando cheguei à porta do Hospital do Servidor Público, no Ibirapuera, a criança começou a nascer! Chamei o guarda, ele imediatamente chamou uns enfermeiros que estavam por perto. Colocaram-na em uma maca e a criança nasceu ali mesmo. Uma vez eu peguei uma moça no Ibirapuera para levar em Perdizes. Ela entrou no taxi, sentou-se, imediatamente a presença dela me aliviou, é o tipo da pessoa que tem uma aura muito agradável. Perguntei-lhe se era de alguma religião. Ela disse-me que era budista. Ela me explicou muita coisa interessante sobre o budismo. Outra vez eu estava no ponto, uma mulher dirigiu-se até o meu carro, estava com uma vestimenta diferente, um vestido meio azulado, um turbante na cabeça, era uma figura muito diferente. Ela pediu-me que a levasse a um lugar que nem me lembro mais, ela era muito quieta. Minha curiosidade foi maior, delicadamente perguntei-lhe qual era a sua religião. Ela muito gentil, disse-me que era maometana. Era uma pessoa muito fina. Espalhou uma energia positiva. Pensei que se alguém carregasse em seu taxi dez pessoas como aquela por dia sairia abençoado.
O senhor segue alguma religião?
Sou Católico Apostólico Romano. Praticante.
O que mais desgasta o motorista de taxi?
Eu trabalhei durante 33 anos como motorista de praça. Nos últimos três anos eu já não estava agüentando mais. O trânsito. O barulho. Tinha rádio dentro do carro sempre ao gosto do passageiro. Ligado ou desligado. E no tipo de música que o mesmo queria ouvir.
Em média quantas pessoas o senhor transportava por dia?
É muito difícil dizer. Às vezes pegava uma corrida muito longa que um passageiro apenas ocupava um período todo. Às vezes pegava o que os taxistas chamam de “pescoço”, são corridas muito curtas, o que compensa é a bandeirada, que é zerar o taxímetro e iniciar novamente com outro passageiro.
O senhor sentia que as pessoas carregam suas próprias energias, positivas ou negativas?
Sentia na hora a energia emanada pela pessoa, tanto positiva como negativa.
Há taxistas que se especializam em um tipo de cliente ou lugar?
Tem motorista de todo jeito. Tem uns que só trabalham a noite, são especialistas em transportarem os freqüentadores da noite: bares, boates, e tudo que a noite oferece. Outros faziam ponto na rodoviária. Eu trabalhava só durante o dia, quando chegava umas cinco horas da tarde parava de trabalhar. Com o tempo ganhei experiência, muitos colegas passavam suas experiências. Quais eram os locais onde se corria mais riscos, que tipo de corrida recusar. Conforme o destino da corrida a chance de sofrer um assalto era praticamente certa. O passageiro poderia ser um assaltante ou naquele destino iria encontrar facilmente algum outro passageiro que poderia ser assaltante.
O senhor foi assaltado alguma vez?
Não. Mas percebi que um passageiro estava com a intenção de me assaltar. Disse-lhe: “Você está mal com Deus!” Ele afirmou e perguntou-me como eu sabia? Fiz-lhe ver que estava atento ao seu comportamento. Ele tinha saído da prisão, queria ir até a rodoviária, levei-o sem cobrar nada.
A antiga rodoviária de São Paulo, o Terminal Rodoviário da Luz era um bom lugar para pegar passageiros?
Era bom, muito movimentado, central, quando ainda funcionava a Estrada de Ferro Sorocabana. Quando acabou a Sorocabana foi minguando, o lugar decaiu muito, tornou-se perigoso. Quando tinha as Feiras do Anhembi eu estava lá, o movimento era bom. Antes as feiras eram no Parque Ibirapuera.
E as famosas enchentes, alguma o pegou?
Logo no começo peguei algumas, depois quem conhece São Paulo fica esperto com as enchentes. Quando via que o céu escurecia e ia vir àquela tromba d água eu ia embora. Lembro-me de uma enchente na Avenida Pacaembu, os carros rodando, eu com passageiro, entrei em uma rua na contramão e consegui escapar da enchente. No chamado popularmente como Buraco do Adhemar, em uma referencia ao túnel que existe no Vale do Anhangabaú, construído pelo governador Adhemar de Barros, ali eu peguei enchente, não tem para onde sair.
Essa sensibilidade do motorista com relação ao passageiro é fundamental?
Com o tempo ganha-se conhecimento, pelo modo como a pessoa dá o sinal para o taxi parar já se tem uma idéia do tipo do passageiro. Se tivesse um mínimo de desconfiança passava direto. Sempre fiz isso. Lembro-me de um senhor, de terno e gravata, que parecia ser um executivo. Deu-me o sinal, entrou no taxi, no meio da nossa conversa ele revelou que era general reformado. O modo de a pessoa dar o sinal, seu jeito, já diz alguma coisa. A pessoa irradia o que ela é. O que sou internamente transpira para fora. A idade, um pouco de leitura, a atenção, vai deixando-nos experientes.
A relação do taxista com outros motoristas, com motociclistas gera muita tensão?
Principalmente com motocicleta tem que se tomar muito cuidado. É Um perigo. Vi muitos acidentes terríveis envolvendo motocicletas
Em que bairro o senhor morava em São Paulo?
Moramos sempre na Liberdade, bairro dos japoneses. Na Praça Almeida Júnior. Acostumamos tanto com os japoneses que o mecânico era japonês, o médico era japonês, eles são muito dedicados no que fazem. Um mecânico japonês mudou-se para o Jabaquara, eu ia até lá, sabia que o seu serviço era perfeito.







E como era o lazer do senhor?
Geralmente viajava muito em excursões. Ia para locais turísticos, religiosos, culturais.
O senhor fazia viagens como taxista?
Fui para Atibaia, Águas de Lindóia, Varginha. Geralmente ia levar e já deixava acertado para depois ir buscar a pessoa.
Na década de 70 os postos de gasolina ficavam fechados durante o final de semana determinação do governo para economizar combustível o que os taxistas faziam?
Ficava só uma companhia de petróleo para abastecer, sabíamos que determinado posto em tal lugar estava autorizado a fornecer combustível. Só taxi que podia abastecer. Sempre enchíamos o tanque com antecedência como prevenção.
Além do Gol, quais carros o senhor utilizou para trabalhar?
Primeiro tive um Fusca, era um veículo que tinha que ser tirado o banco do passageiro ao lado do motorista, ficava só o banco de trás. Depois comprei o Gol, mais tarde comprei um carro russo, o Lada. Depois tive uma Paraty, daquelas antigas, quadradona. Depois comprei um Santana.

                            Fusca Taxi - BRASIL 1988 - TV aleman



                                   Otávio e as Letras - Trailer - Taxi Fusca 68



Como o senhor veio morar em Piracicaba?
Tenho muitas pessoas amigas, parentes, em Piracicaba. Em 2007 viemos morar no Lar dos Velhinhos.  Temos muitos amigos em São Paulo que nos telefonam. Alguns já vieram nos visitar.
O senhor acessa a internet?
Uso para enviar e receber e-mails ou pesquisar alguma coisa.



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