sábado, dezembro 05, 2015

JOAO BUENO DE OLIVEIRA FILHO



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de novembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: JOAO BUENO DE OLIVEIRA FILHO

Nascido a 10 de janeiro de 1924, na cidade de Piracicaba. “Nasci no prédio que mais tarde veio a ser a Loja do Zequita, esquina com a Rua Moraes Barros”. Filho de João de Oliveira Bueno e Francisca Vaz de Melo Castanho Bueno. Ela era natural de Jaú. Tiveram doze filhos, sendo que cinco faleceram ainda muito novos. Entre os sete que cresceram estão: João, Nelson, Ilka, Themis, Cecília, Ceres e Celso.
Qual era a atividade profissional do pai do senhor?
Meu pai era comerciante. Trabalhou com diversas mercadorias, tendo se especializado
em ferragens.
O primário o senhor estudou em qual grupo escolar?
Fiz o primário no Grupo Escolar Moraes Barros. Ia de manhã, à  pé, algumas ruas eram calçadas com paralelepípedo, a maior parte era de ruas de terra. Minha primeira professora foi Dona Mimi. Ela era idosa, aposentou-se. Entrou sua filha em seu lugar: Dona Odila, que não ficou muito tempo. Veio Dona Helena Elias, que permaneceu menos tempo ainda. A seguir veio Dona Antonieta, que permaneceu bastante tempo.  Ela era esposa do Sr. José de Assis que era proprietário da Livraria Americana, situada na Rua Moraes Barros próxima a Rua Governador Pedro de Toledo, ao lado do Jornal de Piracicaba.
O ginásio em qual escola o senhor estudou?
Fui estudar na Escola Normal Oficial de Piracicaba, que mais tarde recebeu o nome de Instituto Sud Mennucci. Na época o diretor era Fausto Lex. Lá tive aulas com Thales Castanho de Andrade, que não só deu aulas, como foi o diretor da escola. Erotides de Campos foi meu professor de química, eu gostava muito dele. Fui aluno dos irmãos Dutra: Benedito, João e Arquimedes. Lamartine Coimbra foi diretor da escola após Thales Castanho de Andrade.
Qual era o uniforme utilizado pelos alunos na época?
Só as meninas utilizavam uniforme, saia azul e blusa branca, os meninos iam de roupa normal. A Escola Normal foi uma referência no ensino do Estado de São Paulo, para ingressar havia um exame seletivo que era prestado pelo aluno. Era o chamado “Exame de Admissão”. Havia na cidade diversos cursos preparatórios para fazer esse exame. Eu não fiz curso preparatório, a situação econômica familiar estava difícil. Meu pai conseguiu um livro de nome “Exame de Admissão”, Estudei pelo livro. O exame de admissão, na época, era composto por prova escrita e oral. O primeiro ano ginasial tinha onze matérias, inclusive francês e latim. Inglês era na segunda série. O curso ginasial era composto por cinco anos de estudo. Ai poderia escolher se queria fazer o Curso Normal ou seguir os estudo e prestar o vestibular, nesse caso tinha que fazer o curso preparatório fora de Piracicaba. Eu tinha o desejo de estudar Engenharia Mecânica. Só que as nossas condições estavam difíceis financeiramente. Fiquei um ano sem estudar, ajudando o meu pai. No ano seguinte decidi fazer o Curso Normal, saia com o título de professor primário.  E Fiz. Foram dois anos.
Após concluir o curso o senhor foi lecionar?
Não. O professor primário ganhava muito pouco. Acho que na época era o tempo do cruzeiro, um professor primário ganhava 380 cruzeiros. Eu ficava no balcão com o meu pai. Lá era vendido material agrícola especialmente, arados, ferramentas.
Essa loja ficava em que local?
Ficava na Rua Governador Pedro de Toledo, 1.195. Chamava-se Casa Bueno.
Os clientes compravam e pagavam a vista ou deixavam para pagar na época da safra?
Não havia fiado! A maior parte da clientela era da zona rural, eles vinham com a carrocinha, comprava enxada, machado, arame farpado, peças de arado, tintas, material para construção.
Esse material era adquirido pela loja de que forma?
Comprava-se em São Paulo, vinha transportado por trem, pela Companhia Paulista ou pela Estrada de Ferro Sorocabana. Mais pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Os carroceiros que ficavam fazendo o ponto na estação traziam até a loja. Na Estação Sorocabana havia vários carroceiros, pediam para retirar, eles retiravam. Os carroceiros ficavam mais na Estação Sorocabana, as compras que meu pai fazia vinham mais pela Companhia Paulista. Eles iam até lá, carregavam e traziam. Eram aquelas carroças com raios de madeira e aro de ferro em volta. Quando era um volume pequeno, que dava para trazer na mão eu mesmo ia buscar, ia e voltava a pé. Vendia-se de tudo, inclusive navalha, havia a navalha Solingen, era uma navalha alemã muito conceituada. Havia que dissesse que a navalha feita com aço sueco era superior. Nessa época eu tinha uns dezessete a dezoito anos. Eu nem pensava em dar aula para o curso primário. Sempre fui muito bom aluno de física, tinha sido aluno do “Dudu” de Almeida Prado. O professor catedrático de física era o Hélio Penteado de Castro, só que ele estava comissionado ocupando altos cargos na capital. O “Dudu” era o professor assistente. Apareceu um piracicabano, morador de Penápolis, ele tinha vindo à Piracicaba para visitar alguém da família, veio também com a missão de encontrar um professor de física, que estava faltando em Penápolis. Falou com um amigo nosso, um farmacêutico, perguntou-lhe se conhecia alguém que poderia dar aulas de física. Ele foi falar com o meu pai que me perguntou se queria dar aulas de física. Disse-lhe que queria. Veja a diferença, o professor primário ganhava 380 cruzeiros, o professor secundário ganhava 2.200 cruzeiros. Logo depois passou para 2.600 cruzeiros. Era um salário bom.
Qual condução o senhor usava para ir à Penápolis?
Fui residir lá. Ia de trem pela Companhia Paulista até Bauru, lá embarcava na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Era mais ou menos 16 horas de viagem.
Lá o senhor foi morar em pensão?
Fiquei morando em um hotelzinho. Tinha outro professor, Luciano, que estava em um hotel mais caro, disse-lhe que eu iria ficar no hotel que era mais barato. Eu queria guardar dinheiro para casar. No dia seguinte o Luciano veio falar comigo, disse-me: “- João, eu acho que você tem razão!” Falei com o dono do hotel, não tinha mais quarto disponível, Ele fez um desconto, ficamos os dois no mesmo quarto.
Quanto tempo o senhor ficou lecionando lá?
Fiquei uns quatro anos. Até hoje me envaideço, sempre fui um bom professor, recebi e recebo muitas visitas de ex-alunos. Eu os motivava a gostarem de estudar física. Se o aluno gostar da matéria ele aprende.
Qual é o segredo para aprender física?
Não tem nenhum segredo. Tem que gostar da matéria e estudar. A física envolve muita matemática. Até hoje eu gosto! As quatro operações eu faço através de calculo mental, não preciso escrever. Os cálculos pequenos eu faço rapidamente. Após quatro anos em Penápolis fiz o concurso para lecionar física e passei. Fui dar aulas em Tietê, na Escola Estadual Plínio Rodrigues de Morais, fiquei alguns anos lá. Eu ia de ônibus,  diariamente para Tietê, meu pai estava precisando de mim aqui em Piracicaba, por comodidade me transferi para Capivari, ia e voltava todos os dias pela Estrada de Ferro Sorocabana. Prestei concurso e vim dar aulas em Piracicaba, no Sud Mennucci. Isso foi pro volta de 1960. Fui aluno, professor e diretor do Sud Mennucci. Muitos daqueles que haviam sido meus professores ainda estavam lá.  Erotides de Campos ainda estava lecionando. Antonio Maria Sampaio o “Atonello”. Arlindo Ruffatto era o diretor. Quando ele tirou férias me indicou e o substitui por 30 dias. Achei que precisava melhorar meu salário, e em Capivari havia sobra de aulas de matemática, eu poderia assim ter um salário maior. Nessa época eu já tinha três filhos: João, Marilia e Célia. Eu me casei no dia 12 de fevereiro de 1946 com Marília Zita Pedroso. Em Piracicaba morei um bom tempo na Rua São João perto da Rua D.Pedro I.
O senhor prestou mais algum concurso no Estado?
Fiz três concursos para diretor, fui aprovado nos três. O que achei mais interessante foi em Matinópolis. Fui para lá com a família. Permaneci uns cinco ou seis anos. Fui me removendo, queria voltar à Piracicaba. Não me lembro mais a ordem, mas entre as cidades em que fui diretor, uma delas foi São Sebastião, no litoral. Muito marcante foi uma escola que dirigi em uma cidade denominada São Bento do Sapucaí. Permaneci lá uns sete ou oito meses. Gostei muito de lá. Fui para Martinópolis. Fiz concurso para supervisor de ensino.  Fui Supervisor de Ensino em Mogi das Cruzes. Depois me removi para Guarulhos. Em Guarulhos tornei-me Delegado de Ensino. Permaneci por vários anos lá. Guarulhos já era uma cidade importante. Em 1980 aposentei-me, como Supervisor, Delegado de Ensino era um cargo feito por nomeação. O secretário da educação era José Bonifácio Coutinho Nogueira.
O senhor conheceu algum Governador de Estado?
Conheci quando era menino. Meu pai não era político, mas tinha boas relações, houve um banquete no Clube Coronel Barbosa, em homenagem a Armando Salles de Oliveira, meu pai disse-me: “Vou levá-lo para você ver o governador!” . Fui.  Vi o homem entrar, ele me abraçou, era alto, magro.
Em 1980 o senhor aposentou-se, qual foi sua próxima iniciativa?
Quando faltavam quatro anos para me aposentar, pesei: “- O que vou fazer quando aposentar-me?”. Fui fazer a Faculdade de Direito em Mogi das Cruzes, na Faculdade Brás Cubas. Aposentei-me e fui advogar, atuei na área civil, publiquei três livros na área de direito. Advoguei por quase 20 anos.
O senhor deve ter muitos casos curiosos que ocorreram em sua atuação como advogado.
Tive uns três ou quatro casos em que fiz a conciliação do casal apenas aconselhando-s a refletir um pouco mais sobro o que de fato desejavam. Se deixei de perceber honorários ganhei em ver que meus conselhos foram proveitosos.
Qual é a maior dificuldade encontrada no direito?
É o português! A redação. Algumas vezes o juiz não sabe exatamente o que a pessoa quer, a redação é feita de forma incompreensível.
Os artigos que o advogado cita em uma petição ele tem que saber de memória?
O advogado não precisa decorar todos os artigos e parágrafos. Sempre tive boa memória e guardava o número do artigo e a que ele se referia. Eu tinha uma boa biblioteca. E lia.
Em que ano o senhor parou de advogar?
Mais ou menos em 2000.
Os clientes dão preferência aos jovens advogados?
Já pensei dessa forma, hoje já não penso mais assim. O advogado com mais tempo de experiência pode levar vantagens.
O senhor também é luthier?
Eu faço. Às vezes sai muito bom.
Que instrumentos musicais os senhor fabrica?
Instrumentos de corda: viola, violão. Pego a madeira crua, trabalho, corto.
Que madeira o senhor usa?
A que aparece, não dá para escolher. Não se acha mais cedro, jacarandá. Compro a tábua, grossa, tem que ir afinando.
Quanto tempo o senhor leva para fazer uma viola?
É difícil responder, posso levar uma semana ou um mês. Depende de uma série de fatores, da minha disposição, do que eu tenho pronto, do estado da madeira. 
Som de viola é como impressão digital, nenhum som é igual ao de outra viola?
É exatamente isso. Eu tinha duas harpas, o restaurante “Coisas di Buteco” que fica na Rua Alferes José Caetano, 1232 ficou sabendo, interessou-se por uma delas e adquiriu uma harpa mais para efeito decorativo. Fui muito amigo do Sebastião Rodrigues Pinto, proprietário da Casa Edson, eu tinha conhecimento técnico de rádio, às vezes dava uma mão para ele quando algum técnico, daí surgiu uma grande amizade, ele é pai da Cidinha Mahle. Perguntei-lhe: “Será que o seu marido quer uma harpa de presente?”. Ela disse que sim.
Quantas cordas tem uma harpa?
A que eu fiz tem 36.
Como o senhor aprendeu a fazer instrumentos musicais?
Não aprendi, fui vendo.
O que senhor sente quando termina um instrumento musical?
Sempre gostei de mexer com ferramentas. Para se fazer uma idéia, quando fui completar cinco anos meu pai perguntou-me qual era o presente que eu desejava. Disse-lhe: “-Um martelo!” Meu pai sugeriu que eu pedisse um brinquedo, eu respondi-lhe que com o martelo eu poderia fazer meus próprios brinquedos. No dia do meu aniversário ele trouxe um martelo, eu recusei. Não era um martelo de sérico, era um enfeite, não era um martelo de orelha daqueles que se tira o prego. Passado um tempo ele disse-me: “-Troquei o martelo para você!”
Qual é o segredo para ter a sua disposição física e mental?
É ter uma vida com frugalidade!

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