PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de novembro de 2015.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de novembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADA: JOAO BUENO DE OLIVEIRA FILHO
ENTREVISTADA: JOAO BUENO DE OLIVEIRA FILHO
Nascido a 10 de janeiro de 1924, na
cidade de Piracicaba. “Nasci no prédio que mais tarde veio a ser a Loja do
Zequita, esquina com a Rua Moraes Barros”. Filho de João de Oliveira Bueno e
Francisca Vaz de Melo Castanho Bueno. Ela era natural de Jaú. Tiveram doze
filhos, sendo que cinco faleceram ainda muito novos. Entre os sete que
cresceram estão: João, Nelson, Ilka, Themis, Cecília, Ceres e Celso.
Qual era a atividade profissional do pai do
senhor?
Meu pai era comerciante.
Trabalhou com diversas mercadorias, tendo se especializado
em ferragens.
O primário o senhor estudou em qual grupo
escolar?
Fiz o primário no Grupo Escolar
Moraes Barros. Ia de manhã, à pé,
algumas ruas eram calçadas com paralelepípedo, a maior parte era de ruas de
terra. Minha primeira professora foi Dona Mimi. Ela era idosa, aposentou-se.
Entrou sua filha em seu lugar: Dona Odila, que não ficou muito tempo. Veio Dona
Helena Elias, que permaneceu menos tempo ainda. A seguir veio Dona Antonieta,
que permaneceu bastante tempo. Ela era
esposa do Sr. José de Assis que era proprietário da Livraria Americana, situada
na Rua Moraes Barros próxima a Rua Governador Pedro de Toledo, ao lado do Jornal
de Piracicaba.
O ginásio em qual escola o senhor estudou?
Fui estudar na Escola Normal
Oficial de Piracicaba, que mais tarde recebeu o nome de Instituto Sud Mennucci.
Na época o diretor era Fausto Lex. Lá tive aulas com Thales Castanho de
Andrade, que não só deu aulas, como foi o diretor da escola. Erotides de Campos
foi meu professor de química, eu gostava muito dele. Fui aluno dos irmãos
Dutra: Benedito, João e Arquimedes. Lamartine Coimbra foi diretor da escola
após Thales Castanho de Andrade.
Qual era o uniforme utilizado pelos alunos na
época?
Só as meninas utilizavam
uniforme, saia azul e blusa branca, os meninos iam de roupa normal. A Escola
Normal foi uma referência no ensino do Estado de São Paulo, para ingressar
havia um exame seletivo que era prestado pelo aluno. Era o chamado “Exame de
Admissão”. Havia na cidade diversos cursos preparatórios para fazer esse exame.
Eu não fiz curso preparatório, a situação econômica familiar estava difícil. Meu
pai conseguiu um livro de nome “Exame de Admissão”, Estudei pelo livro. O exame
de admissão, na época, era composto por prova escrita e oral. O primeiro ano
ginasial tinha onze matérias, inclusive francês e latim. Inglês era na segunda
série. O curso ginasial era composto por cinco anos de estudo. Ai poderia
escolher se queria fazer o Curso Normal ou seguir os estudo e prestar o
vestibular, nesse caso tinha que fazer o curso preparatório fora de Piracicaba.
Eu tinha o desejo de estudar Engenharia Mecânica. Só que as nossas condições
estavam difíceis financeiramente. Fiquei um ano sem estudar, ajudando o meu
pai. No ano seguinte decidi fazer o Curso Normal, saia com o título de
professor primário. E Fiz. Foram dois
anos.
Após concluir o curso o senhor foi lecionar?
Não. O professor primário ganhava
muito pouco. Acho que na época era o tempo do cruzeiro, um professor primário
ganhava 380 cruzeiros. Eu ficava no balcão com o meu pai. Lá era vendido
material agrícola especialmente, arados, ferramentas.
Essa loja ficava em que local?
Ficava na Rua Governador Pedro de
Toledo, 1.195. Chamava-se Casa Bueno.
Os clientes compravam e pagavam a vista ou
deixavam para pagar na época da safra?
Não havia fiado! A maior parte da
clientela era da zona rural, eles vinham com a carrocinha, comprava enxada,
machado, arame farpado, peças de arado, tintas, material para construção.
Esse material era adquirido pela loja de que
forma?
Comprava-se em São Paulo, vinha
transportado por trem, pela Companhia Paulista ou pela Estrada de Ferro
Sorocabana. Mais pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Os carroceiros
que ficavam fazendo o ponto na estação traziam até a loja. Na Estação
Sorocabana havia vários carroceiros, pediam para retirar, eles retiravam. Os
carroceiros ficavam mais na Estação Sorocabana, as compras que meu pai fazia
vinham mais pela Companhia Paulista. Eles iam até lá, carregavam e traziam.
Eram aquelas carroças com raios de madeira e aro de ferro em volta. Quando era
um volume pequeno, que dava para trazer na mão eu mesmo ia buscar, ia e voltava
a pé. Vendia-se de tudo, inclusive navalha, havia a navalha Solingen, era uma navalha alemã muito conceituada.
Havia que dissesse que a navalha feita com aço sueco era superior. Nessa época
eu tinha uns dezessete a dezoito anos. Eu nem pensava em dar aula para o curso
primário. Sempre fui muito bom aluno de física, tinha sido aluno do “Dudu” de
Almeida Prado. O professor catedrático de física era o Hélio Penteado de
Castro, só que ele estava comissionado ocupando altos cargos na capital. O
“Dudu” era o professor assistente. Apareceu um piracicabano, morador de Penápolis,
ele tinha vindo à Piracicaba para visitar alguém da família, veio também com a
missão de encontrar um professor de física, que estava faltando em Penápolis.
Falou com um amigo nosso, um farmacêutico, perguntou-lhe se conhecia alguém que
poderia dar aulas de física. Ele foi falar com o meu pai que me perguntou se
queria dar aulas de física. Disse-lhe que queria. Veja a diferença, o professor
primário ganhava 380 cruzeiros, o professor secundário ganhava 2.200 cruzeiros.
Logo depois passou para 2.600 cruzeiros. Era um salário bom.
Qual condução
o senhor usava para ir à Penápolis?
Fui residir lá. Ia de trem pela Companhia Paulista até Bauru, lá
embarcava na Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil. Era mais ou menos 16 horas de viagem.
Lá o
senhor foi morar em pensão?
Fiquei morando
em um hotelzinho. Tinha outro professor, Luciano, que estava em um hotel mais
caro, disse-lhe que eu iria ficar no hotel que era mais barato. Eu queria
guardar dinheiro para casar. No dia seguinte o Luciano veio falar comigo,
disse-me: “- João, eu acho que você tem razão!” Falei com o dono do hotel, não
tinha mais quarto disponível, Ele fez um desconto, ficamos os dois no mesmo
quarto.
Quanto
tempo o senhor ficou lecionando lá?
Fiquei uns
quatro anos. Até hoje me envaideço, sempre fui um bom professor, recebi e
recebo muitas visitas de ex-alunos. Eu os motivava a gostarem de estudar
física. Se o aluno gostar da matéria ele aprende.
Qual é
o segredo para aprender física?
Não tem nenhum
segredo. Tem que gostar da matéria e estudar. A física envolve muita
matemática. Até hoje eu gosto! As quatro operações eu faço através de calculo
mental, não preciso escrever. Os cálculos pequenos eu faço rapidamente. Após
quatro anos em Penápolis fiz o concurso para lecionar física e passei. Fui dar
aulas em Tietê, na Escola Estadual Plínio Rodrigues de Morais, fiquei alguns anos lá. Eu ia de
ônibus, diariamente para Tietê, meu pai
estava precisando de mim aqui em Piracicaba, por comodidade me transferi para
Capivari, ia e voltava todos os dias pela Estrada de Ferro Sorocabana. Prestei
concurso e vim dar aulas em Piracicaba, no Sud Mennucci. Isso foi pro volta de
1960. Fui aluno, professor e diretor do Sud Mennucci. Muitos daqueles que haviam
sido meus professores ainda estavam lá.
Erotides de Campos ainda estava lecionando. Antonio Maria Sampaio o
“Atonello”. Arlindo Ruffatto era o diretor. Quando ele tirou férias me indicou
e o substitui por 30 dias. Achei que precisava melhorar meu salário, e em
Capivari havia sobra de aulas de matemática, eu poderia assim ter um salário
maior. Nessa época eu já tinha três filhos: João, Marilia e Célia. Eu me casei
no dia 12 de fevereiro de 1946 com Marília Zita Pedroso. Em Piracicaba morei um
bom tempo na Rua São João perto da Rua D.Pedro I.
O senhor
prestou mais algum concurso no Estado?
Fiz três concursos para diretor, fui aprovado nos três. O que achei
mais interessante foi em Matinópolis. Fui para lá com a família. Permaneci uns
cinco ou seis anos. Fui me removendo, queria voltar à Piracicaba. Não me lembro
mais a ordem, mas entre as cidades em que fui diretor, uma delas foi São
Sebastião, no litoral. Muito marcante foi uma escola que dirigi em uma cidade
denominada São Bento do Sapucaí. Permaneci lá uns sete ou oito meses. Gostei
muito de lá. Fui para Martinópolis. Fiz concurso para supervisor de ensino. Fui Supervisor de Ensino em Mogi das Cruzes.
Depois me removi para Guarulhos. Em Guarulhos tornei-me Delegado de Ensino.
Permaneci por vários anos lá. Guarulhos já era uma cidade importante. Em 1980
aposentei-me, como Supervisor, Delegado de Ensino era um cargo feito por
nomeação. O secretário da educação era José Bonifácio Coutinho Nogueira.
O senhor
conheceu algum Governador de Estado?
Conheci quando era menino. Meu pai não era político, mas tinha boas
relações, houve um banquete no Clube Coronel Barbosa, em homenagem a Armando
Salles de Oliveira, meu pai disse-me: “Vou levá-lo para você ver o governador!”
. Fui. Vi o homem entrar, ele me
abraçou, era alto, magro.
Em 1980 o
senhor aposentou-se, qual foi sua próxima iniciativa?
Quando faltavam quatro anos para me aposentar, pesei: “- O que vou
fazer quando aposentar-me?”. Fui fazer a Faculdade de Direito em Mogi das
Cruzes, na Faculdade Brás Cubas. Aposentei-me e fui advogar, atuei na área
civil, publiquei três livros na área de direito. Advoguei por quase 20 anos.
O senhor deve
ter muitos casos curiosos que ocorreram em sua atuação como advogado.
Tive uns três ou quatro casos em que fiz a conciliação do casal apenas
aconselhando-s a refletir um pouco mais sobro o que de fato desejavam. Se
deixei de perceber honorários ganhei em ver que meus conselhos foram
proveitosos.
Qual é a
maior dificuldade encontrada no direito?
É o português! A redação. Algumas vezes o juiz não sabe exatamente o
que a pessoa quer, a redação é feita de forma incompreensível.
Os artigos
que o advogado cita em uma petição ele tem que saber de memória?
O advogado não precisa decorar todos os artigos e parágrafos. Sempre
tive boa memória e guardava o número do artigo e a que ele se referia. Eu tinha
uma boa biblioteca. E lia.
Em que ano o
senhor parou de advogar?
Mais ou menos em 2000.
Os clientes
dão preferência aos jovens advogados?
Já pensei dessa forma, hoje já não penso mais assim. O advogado com
mais tempo de experiência pode levar vantagens.
O senhor
também é luthier?
Eu faço. Às vezes sai muito bom.
Que
instrumentos musicais os senhor fabrica?
Instrumentos de corda: viola, violão. Pego a madeira crua, trabalho,
corto.
Que madeira o
senhor usa?
A que aparece, não dá para escolher. Não se acha mais cedro, jacarandá.
Compro a tábua, grossa, tem que ir afinando.
Quanto tempo
o senhor leva para fazer uma viola?
É difícil responder, posso levar uma semana ou um mês. Depende de uma
série de fatores, da minha disposição, do que eu tenho pronto, do estado da
madeira.
Som de viola
é como impressão digital, nenhum som é igual ao de outra viola?
É exatamente isso. Eu tinha duas harpas, o restaurante “Coisas di
Buteco” que fica na Rua Alferes José Caetano, 1232 ficou sabendo, interessou-se
por uma delas e adquiriu uma harpa mais para efeito decorativo. Fui muito amigo
do Sebastião Rodrigues Pinto, proprietário da Casa Edson, eu tinha conhecimento
técnico de rádio, às vezes dava uma mão para ele quando algum técnico, daí
surgiu uma grande amizade, ele é pai da Cidinha Mahle. Perguntei-lhe: “Será que
o seu marido quer uma harpa de presente?”. Ela disse que sim.
Quantas
cordas tem uma harpa?
A que eu fiz
tem 36.
Como o senhor aprendeu a
fazer instrumentos musicais?
Não aprendi,
fui vendo.
O que senhor sente
quando termina um instrumento musical?
Sempre
gostei de mexer com ferramentas. Para se fazer uma idéia, quando fui completar
cinco anos meu pai perguntou-me qual era o presente que eu desejava. Disse-lhe:
“-Um martelo!” Meu pai sugeriu que eu pedisse um brinquedo, eu respondi-lhe que
com o martelo eu poderia fazer meus próprios brinquedos. No dia do meu
aniversário ele trouxe um martelo, eu recusei. Não era um martelo de sérico,
era um enfeite, não era um martelo de orelha daqueles que se tira o prego.
Passado um tempo ele disse-me: “-Troquei o martelo para você!”
Qual é o segredo para
ter a sua disposição física e mental?
É ter uma
vida com frugalidade!
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