PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 06 agosto de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos: tp://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: MARIANA CANCILIERO VALENTINI
Mariana Canciliero Valentini
nasceu em Piracicaba a 4 de agosto de 1928, na Avenida Independência, em frente
ao Seminário Seráfico São Fidélis, Seu pai
trabalhava na reforma do Seminário, moravam em uma casa em frente ao Seminário.
Seus pais são Ludovico Canciliero e Maria Virginia Casonato Canciliero. Foram
pais dos filhos: Raul, Cecília, Adelina, Ângelo, Evaristo, Filomena, Mariana,
Terezinha, Roselis.
Qual era a
profissão do pai da senhora?
Era ferreiro, ele trabalhava na empresa Krahenbuhl,
fazia todo tipo de ferragem, A Krahenbuhl é uma empresa que
tem uma tradição centenária. A sua história tem início no ano de 1870, data da
sua fundação. A empresa começou como uma pequena oficina de troles e carroças e
com o passar dos anos conseguiu crescer e ganhar prestígio através da
construção de veículos de tração animal premiados que tinham fama a nível
nacional. Meu pai passou a ter uma oficina no quintal, fazia desde a roda até a
montagem completa da carroça.Minha mãe, para ajudar o meu pai, no começo lavou
roupa.
Em que escola a senhora estudou?
No Grupo Escolar Barão do Rio
Branco. Minha primeira professora foi Dona Orlandina Sodero Pousa, foi minha
professora no primeiro e segundo ano, no terceiro foi Dona Gessy, no quarto ano
eu tive três professoras: Dona Maria José Aguiar Ayres que faleceu no meio do
ano, ai ficou Dona Jocila e depois veio Dona Otilia.
Após concluir o grupo escolar
qual foi a sua próxima atividade?
Minha cunhada Benedita, conhecida
como Tica, faleceu, ela era esposa do Raul. Ela deixou duas crianças: Raquel e
Rutênio, a Raquel foi ao médico pela manhã, era o Dr. Tito, a tarde ela faleceu
de gastrenterite. Como eu era pequena mamãe disse-me que era para tomar conta
do Rutênio, por dois anos ele e a Raquel ficou morando em casa. Ao completar 13
anos fui aprender costura com a minha irmã Adelina. Eu queria usar a máquina de
costura, ela dizia-me que eu deveria primeiro aprender a fazer hachuras ou
popularmente “achuriar”, fazer barra, pregar botão, essas coisas. Eu a ajudava
muito nas tarefas domésticas. Ela sempre foi um sonho de irmã. Lá permaneci até
meus 15 anos. Minha irmã Ângela trabalhava na loja “A Porta Larga”, eu disse â
minha mãe que queria trabalhar também na “A Porta Larga”. Com a interferência
de um irmão meu, aos 15 anos fui ser balconista da “A Porta Larga”.
Quem eram os proprietários na
época?
Seu Phelipe, Salum, Adib, Jamil,
Carlito. Na loja eu trabalhava na seção de miudezas, linha, botão, novelo.
Éramos três mocinhas trabalhando em um balcão. Ela já era grande, considerada a
maior loja da cidade. Funcionava no prédio onde hoje está a loja Torra-Torra.
Quando completei 18 anos fui fazer a minha carteira profissional em Campinas,
em Piracicaba ainda não tinha como fazer. Lembro-me que fomos eu e a Terezinha
Azevedo. Nós duas trabalhávamos na “A Porta Larga”. Fomos de trem pela Companhia
Paulista de Estadas de Ferro. Estava trabalhando na loja, mas queria melhorar.
Tentei entrar na loja Singer. E consegui! Ficava na Rua Governador Pedro de
Toledo. Sempre fui uma lutadora, nunca tive medo.
Em que local ficava a loja
Singer?
Ficava na Rua Governador, próxima
a Casas Pernambucanas. A Terezinha e a Hilda Braga trabalhavam lá. Um dia li no
jornal que no Colégio Piracicabano estavam precisando de uma secretária. Fui
ver o que era. Fiz uma prova e fui aprovada. Passei a trabalhar lá. Meu serviço
era calcular as médias das notas dos alunos da quarta série, o diretor do
Colégio Piracicabano era o Professor Josaphat de Araújo Lopes. Eu tive uma oferta de emprego, um
serviço bem diferente. Dr. Raul Machado era médico pediatra, Minha mãe conhecia
Da. Lourdes Bacchi, esposa do Dr. Irineu Bacchi, Dr. Raul havia dito que
precisava de uma pessoa para ajudar no laboratório, ser atendente no
consultório. O Dr. Raul procurou-me na minha casa. Minha mãe recomendou-me que
eu fosse com a minha irmã Cecília que morava na Rua Governador Pedro de Toledo,
o meu cunhado Elpidio, era gerente da loja “O Rei das Roupas Feitas”.O Elpidio
era uma pessoa maravilhosa, faleceu relativamente moço, faleceu contando
dinheiro obtido em óbolo ofertados para a Catedral. Fui com a Cecília para ver
o que o Dr. Raul queria. O Dr. Raul contratou-me com um salário que era quase o
dobro do que eu ganhava como atendente na loja. Eu fui não sabia nada do novo
trabalho, em um ano aprendi tudo.
Fazia
exames de urina, fezes, sangue, bacterioscopia. (Por exame bacterioscópico compreendemos o exame microscópico do
material)
Após
feitos os procedimentos, normais, o Dr. Raul verificava, acompanhava, via se
estava tudo sendo feito da forma correta, fazíamos exame de tuberculose, tinha
que coletar, colocar em uma lamina, curar, secar, colocava óleo de cedro e
verificava através do microscópio de tinha bacilo. Fazia exame de olho, para
saber se o paciente poderia operar se não tinha bacteroscopia. Urina fazia
exame do tipo 1.
A
senhora fazia coleta de sangue?
Coletava! Ia à casa do doente
para coletar sangue. Antes de começar a trabalhar no laboratório do Dr. Raul,
ele me mandou para a Santa Casa onde fiquei um mês trabalhando e aprendendo. Lá
aprendi a fazer injeção, a coletar sangue, a fazer exame de urina mais
rudimentar. Pesquisa de albumina, glicose.
Já havia problema de altas taxas de glicose na
época?
Já!
Estamos falando de
aproximadamente 1948?
Eu tinha uns 20 anos de idade.
Trabalhei no laboratório seis anos quando era solteira e seis anos depois de
casada. Quando tinha quatro filhos o Dr. Raul achou que seria melhor eu
dedicar-me a família.
Como se chamava o marido da
senhora?
Era Willians Antônio Harry
Valentini. Era mecânico de tratores, meu sogro, Gabriel Valentini, tinha uma
oficina para conserto de tratores e máquinas agrícolas na Rua Alferes José
Caetano, 2170, entre a Rua Joaquim André e a Avenida Dr. Paulo de Moraes.
Chamava-se “Mecânica Irval” (Irval tem a origem em Irmãos Valentini). Eram
quatro moços, quatro filhos, que trabalhavam lá. O setor passou por uma crise.
Meu marido foi trabalhar como concursado na Escola de Agronomia, consertava
tratores e quando o professor ia dar aulas de máquinas e equipamentos meu
marido era o assistente do professor.
Quantos filhos vocês tiveram?
Tivemos oito filhos: Willians,
Wilson, Maria Clara, Marcos, Walter, Maria Aparecida, Maria de Lourdes (Ude) e
Maria Virginia.
Como a senhora conheceu o seu
marido?
Eu era Filha de Maria, na Igreja
dos Frades, a Silvia, minha cunhada era minha amiga, ela namorava o irmão do
Willians, o Wilson, eles eram muito bonitos. Altos, tinham 1,80, naquele tempo
usava-se paletó e chapéu. Na saída da Igreja dos Frades, encontramo-nos e o
Willians veio conversar comigo. Naquele tempo íamos até o centro, quadrar o
jardim. Um dia eu estava quadrando ele veio falar comigo. Passamos a namorar,
quando fazia um mês de namoro um dia perguntei-lhe a idade, ele disse que tinha
18 anos. Eu disse-lhe: “-Então vamos terminar, eu tenho vinte anos!”. Ele
apenas disse que dois anos não significava diferença. Continuamos namorando por
mais de quatro anos, meu pai dizia: “-Moça tem que casar até 25 anos, senão não
casa mais!”. Eu não queria ficar solteirona! Casamos no dia 26 de setembro de
1953, na Igreja dos Frades, acho que foi Frei Estevão quem nos casou. Passamos
duas semanas em lua-de-mel em Santos. Fomos morar em uma casa na Rua Madre Cecília,
o fogão era a lenha. A casa era novinha, fomos os seus primeiros moradores.
E para almoçar como fazia?
Ia comer em casa, comia de
marmita. O consultório onde eu trabalhava era na Rua Rangel Pestana, próximo ao
Colégio Piracicabano.
Quando nasceu o meu primeiro
filho eu disse ao Dr. Raul que iria sair.
Ele perguntou-me porque eu queria
sair, disse-lhe que era para olhar o meu filho. A coisa mais maravilhosa do
mundo é ser mãe! Eu olhava-o no bercinho e chorava de dó em ter que deixá-lo
para ir trabalhar. O Dr. Raul perguntou-me: “-Se a Lazinha for trabalhar para
você?” Ela era empregada da esposa do Dr. Raul, Dona Helena. Ele mandou a
Lazinha ir trabalhar em casa, e eu permaneceria trabalhando no laboratório. A
Lazinha era uma cabocla muito boazinha, trabalhou quatro anos comigo. Quando
meu primeiro filho saiu do primário, pensei agora ele vai trabalhar. Fui ver
emprego para ele na Sapataria Santos, situada na Rua Governador Pedro de
Toledo. Tinha falecido meu cunhado,
Líbio Duarte, ele era aviador, tinha taxi aéreo, um dia ele foi levar um
passageiro que ia a um casamento, era um fiscal do INPS, o Abreu, o tempo
estava nublado, houve um acidente, morreu ele, o Abreu e o filho do fotografo
Lacorte. Minha irmã Rosélis era esposa do Líbio, estava grávida. A Zaira
Bottene, que também era aviadora, a noite inteira não dormiu, para que ninguém
fosse dar a noticia a Rosélis. Quem foi avisar foi o meu cunhado Elpideo,
chegou lá umas sete e meia, era dia primeiro de maio. A Roselis era uma menina
muito boa, tinha trabalhado uns cinco ou seis anos na Livraria Brasil.
Após residir na casa da Rua Madre
Cecília a senhora mudou-se para que local?
Fui morar perto da minha mãe,
achava uma falta dela! Fomos morar na Rua José Pinto de Almeida. Com
financiamento da Caixa construímos uma casa de 7 por 30 metros na Rua Santa
Cruz, 1756.
A senhora tornou-se uma
cozinheira cujos pratos eram muito requisitados. Como isso aconteceu?
Criança quando vai estudar acaba
perdendo o amor a escola, com isso a preocupação maior deles foi sempre
estudar. O pai é quem trabalhou. E a mãe. Após sair do consultório passei a
fazer bolos, Terezinha Azevedo me ajudou muito com os salgados. Eu não sabia
fazer coxinhas, croquetes. Uma das primeiras encomendas feitas por uma amiga
foi de 100 croquetes, eles dançavam no prato! Eu fazia esfirra, foi o meu forte
no trabalho no fogão. Fazia para a Escola de Música, lá eu tinha meus filhos
estudando. Hoje tenho dois filhos que são músicos profissionais, o Walter que
toca contrabaixo, com pós-graduação nos Estados Unidos. A Maria Virginia foi à
Itália para complementar seus estudos de viola barroca.
Qual é o seu sentimento em ver
seus filhos todos com curso superior, médico, engenheiros, jornalista?
Faria tudo de novo! Os oito têm
curso superior completo, para uma mãe é uma tranqüilidade.
Como os filhos tratam essa
super-mãe?
Cada um se manifesta da sua
forma. Já fui duas vezes para a Itália.
O que a senhora faz para passar o
tempo?
Rezo! Meu santo
de devoção é Jesus Misericórdia e Santa Faustina. Uma pessoa trou-me um folheto
sobre Santa Faustina, quem era devota dela era Dona Maria Figueiredo, que foi
proprietária da Rádio Difusora de Piracicaba e que viveu mais de um século com
muita saúde e lucidez.
A senhora tem uma psicologia
muito apurada!
Sabe o que é? Conviver com oito
filhos, estar sempre no ambiente de juventude.
Nessa vida de muitas lutas e
vitórias o que a marcou muito?
A Providência Divina! Chiara
Lubich fundadora do Movimento
dos Focolares, um
movimento que tem como finalidade a construção de um mundo unido, o "que
todos sejam Um" foi uma pessoa muito importante em minha vida. Eu cheguei
a escrever para ela. Eu acredito que se devem educar os filhos em Deus. Hoje
muitas dificuldades existem pela ausência de Deus na vida da pessoa.
A vida simples de algumas décadas passadas tinha suas
compensações?
Lógico! Hoje a humanidade tem
maiores recursos material, e menos espiritualidade, humanismo.
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