terça-feira, março 04, 2014

MARCO PELLEGRINO (PAULISTINHA)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado11 de janeiro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/




ENTREVISTADO: MARCO PELLEGRINO (PAULISTINHA)

Marco Pellegrino nasceu no dia 4 de agosto de 1925, na Rua Cipriano Barata, 1088, Bairro Ipiranga, São Paulo. Filho primogênito de Francisco Pelegrino e Ida Gumiero Pellegrino, são seus irmãos Concheta Pellegrino, Maria Pellegrino, Eugênio Pellegrino, Odila Pellegrino e Norberto Pellegrino. Casou-se com Adélia Zambom Pellegrino com quem teve quatro filhos: Marco Antonio, Márcia, Francisco Carlos e Paulo Roberto. Em 1938 juntamente com seus pais e irmãos mudou-se para Piracicaba.  Nesse mesmo ano participa da fundação de uma fábrica de carretel e entra para o time de futebol Clube Palmeiras Cidade Alta de Piracicaba. Com o passar dos anos tem participação em diversas empresas como a Serraria e Carpintaria Gobeth e Pellegrino, Olaria Pelegrino, Granja Nova Suiça, Exploração de Madeira Barreiro Rico, Covadis Comércio de Assessórios para Usina. Dedicou-se por mais de 70 anos ao carnaval da cidade, tornando-se membro da Diretoria da Escola de Samba Ekypelanka e fundador da Escola de Samba Caxanga. Em 2009 recebeu o Premio de Honra ao Mérito oferecido pela Prefeitura Municipal de Piracicaba – Secretaria Municipal do Turismo, como carnavalesco mais antigo. Por Decreto Legislativo de 10 de fevereiro de 2011 recebeu o título de Cidadão Piracicabano. 

Quando sua família mudou-se para Piracicaba foram morar em que bairro?

Tínhamos a fábrica de carretel em São Paulo, ao chegarmos em Piracicaba fomos morar na Rua José Pinto de Almeida, próximo a Casa Periañes. Fabricávamos carretéis para linha de costura e artefatos de madeira, pincéis, cabo de broxa. A madeira utilizada era a guatamurana, havia em torno de Piracicaba, era mandada daqui para São Paulo. Fomos morar na Rua Otávio Teixeira Mendes, a fábrica era na Rua José Pinto de Almeida. Fazia fundo com a Serraria do Paschoal Guerrini.

 
Quantos anos você tinha nessa época?

Tinha treze anos, estudava na antiga Escola Normal. Em São Paulo estudei no Grupo José Bonifácio, na antiga Rua Viação, no Ipiranga.

O seu pai tinha um apelido?

Ele era conhecido como Chico Carretel, todo mundo tinha medo dele no Campo do XV, se falassem mal do XV perto dele apanhavam. Ele batia mesmo. Os sócios, Gobeth, Romeu Gerds, já avisavam: “-Não falem mal do XV perto do Chico!”.

Você acompanhava seu pai nos dias de jogo?

Ia algumas vezes, era no Estádio Roberto Gomes Pedrosa. Em 1947 assistimos quase todos os jogos do XV. Em 1948 assistimos todos os jogos do XV. Tínhamos um automóvel coupe ano 1947, cor de vinho, que meu pai comprou do Gianetti, íamos em todos os lugares, Taubaté, Batatais. Mais tarde eu fui até diretor do XV. Nunca quis jogar no XV. Jogava no Paulista de graça e não jogava no XV.

Você era bom de bola?

Quando cheguei de São Paulo onde é o Colégio Dom Bosco o Independência treinava lá. Para baixo quem jogava era o Sorocabano.  Estavam treinando, um jogador me perguntou: “-Menino! Você não quer pegar umas bolas no gol?”. Eu peguei todas as bolas. Ai começou a história, diziam, “- Tem um paulista bom de bola!”. A turma do Palmeirinha veio lá e me levou para disputar o primeiro campeonato infantil em 1938. Ficamos campões e fui o melhor jogador do torneio. O Dino Corazza não sabia o que fazer para mim. Do Palmeirinha vim para o Paulista, ficava no início da Avenida São Paulo, o Heitor Pompermayer jogava de zagueiro. Tive proposta do Fluminense do Rio de Janeiro, do Guarani de Campinas, um monte de time. Meu primo Osvaldo Genari era o maior atleta do Palmeiras naquela época, meu tio foi presidente do Palmeiras em 1942, eu fiquei no Palmeiras para fazer testes. Quando chego na Praça da Sé encontrei com o Marcos da Luiz de Queiroz, e ele me disse: “- Amanhã o Paulista vai jogar com o XV!”. É feriado, dia 13 de Maio. Sem falar nada para ninguém peguei o trem e vim embora. Quando eu cheguei o Rocha Netto começou a anunciar na rádio; “-Chegou o Porta de Aço!”. Entrei em campo, 19 minutos de jogo me deram um chute que quebrou a clavícula, foi o Otacílio, centro-avante do Rio Claro. O Juca Mattos era farmacêutico, aplicou uma injeção de cibalena eu joguei até o fim com a clavícula quebrada. Eu tinha 18 anos. Ganhamos o jogo de 3X2, fui o melhor homem em campo. Nesse tempo meu primo veio me buscar para jogar no Botafogo, o Mario Vizioli queria me levar para o Guarani de Campinas. Meu tio Hygino Pellegrini era presidente do Palmeiras.

Nessa época você trabalhava?

Trabalhava na fábrica de carretel.

Como se faz carretel?

É feito utilizando uma ferramenta chamada torno copiativo. Pegava-se uma árvore redonda, cortava-se em fatias, depois em uma serra tubular saia o bloquinho furado, a seguir colocava-se esse bloquinho no torno de carretel e puxava. O trono fazia 100 grosas por dia. (14.400 carretéis). A produção da fábrica era de 60.000 carretéis por dia. Nossos clientes eram Assad, Fungali, e outra fábricas de linhas, geralmente localizadas em São Paulo.

O seu pai só fazia carretel ou produzia outra coisa?

Nós fizemos sociedade com o Romeu Gerds, Gobeth, Pelegrini e Companhia Ltda. ficava na Avenida Dr. João Conceição, próximo a Morlet. Fazia carretel, carroceria, móveis, portas, janelas. (Marco Pelegrino faz questão de mostrar os móveis do seu quarto, uma obra prima feita por Eugenio Nardin em madeira chamada caviúna. Ele explica que é uma madeira tão rara que em 200 alqueires de terra é possível encontrar de quatro a cinco arvores de caviúna. Ele explica que tirou as árvores do mato, serrou e um italiano que veio da Itália fez os demais móveis. São peças raríssimas, de grande valor). Isso é de 1947. Eu me casei em 4 de dezembro de 1948 na Igreja dos Frades onde fiz as bodas de prata e as bodas de ouro.

Como você ganhou o apelido de Paulistinha?

Quando eu cheguei de São Paulo faltou alguém para treinar entre Belarba, Fogo Verde, eu entrei e “abafei”, estava com 12 para 13 anos. Fiz quatro ou cinco treinos no Palmeirinha, já passei a titular. No campeonato de 1938 ficamos invictos. Ganhamos de todo o mundo: 2x0 do XV; 6 do Paulista, 4 do Atlético, ganhamos de todos.

Naquele tempo o futebol era visto de outra forma?

O Campeonato Piracicabano era disputadíssimo, a Luiz de Queiroz com um time que tinha Maninho, Helio, Totó, Pirumbá, era uma estudantada boa de bola. Nós que quebramos a invencibilidade da Luiz de Queiroz, depois de quase três anos, foi no campo do Atlético, ganhamos de 3x0. Tufi Coury jogava, o Natin de Rio das Pedras era bom goleiro.

Como se deu a sucessão comercial da empresa em que eram sócios?

A sociedade permaneceu até 1950, quando saímos,  com meu pai montamos a serraria, carpintaria e olaria, na Avenida Dr. Paulo de Moraes esquina com a Rua José Pinto de Almeida, onde hoje é a Toninho Lubrificantes. A olaria ficava onde hoje é a Walmart,

O barro de lá tinha boa qualidade?

Não era grande coisa, mas tinha outra olaria na Água Branca. Nessa serraria fazíamos o desdobramento da madeira, fabricávamos carroceria de caminhão, fazíamos portas, janelas, esquadrias. Tínhamos cerca de 20 funcionários. Permanecemos lá até 1964. Nesse ano fui para a Covadis, com o Scarpari, permaneci lá até 1974. Lá eu era sócio, a Covadis fornecia material para usina de açúcar. No Início era na Rua D. Pedro, mudou-se para a Avenida Armando Salles e foi para a Avenida Rui Barbosa. Em 1974 me aposentei.

Qual é a sua ligação com as escolas de samba?  

Sempre gostei do carnaval. Tudo começou quando eu tinha de 10 a 11 anos e sai no Bloco dos Pão Duros no Ipiranga, em São Paulo. Daí surgiu o Flôr do Ipiranga. O Bloco dos Pão Duros era formado pelo Nenê, Bibi, tínhamos uma palheta, cada uma tinha uma letra, foi fundado por Eduardo Leite. O Nenê e eu estudávamos na Escola José Bonifácio, tinha o Parque Infantil do Ipiranga, ao lado, crescermos todos juntos. Depois vim para Piracicaba, quando fomos campões da turma do infantil tinha a Turma do Leão do Bairro Alto, tempo do Genio Martinão, Toninho Pimenta, Avelino. Como não tinha isopor fizemos um leão de cimento armado. Para sair com ele precisamos quebrar o muro do sobradinho do Pedro Cobra, na Rua Visconde de Rio Branco. Colocamos o leão em cima de um caminhão. O desfile era de três dias, no primeiro dia começou a chover o pessoal dizia: “- O Leão está com medo de sair na rua!”. Saímos e “abafamos”.  Naquele tempo a Rádio PRD-6 dava um troféu para quem fizesse a melhor marchinha. No fim foram lá na rádio o Corinto, Tatá, João do Pandeiro, que tinha uma perna só. Começamos a cantar: “- Hurra, hurra, meu leão!/ Hurra, hurra sem parar!/ Sem o urro do Leão/ Sem o urro do Leão não alegra o carnaval. A noite vem caindo/ Vem surgindo a lua/ Está chegando a hora do Leão sair na rua/ Abre alas minha gente/ pois não será o primeiro que o leão devorou”. Ou seja, não será o primeiro ano que o Leão havia ganhado o carnaval. Sai muitos anos lá.

Quem desfilava usava fantasia?

Até a pouco tempo eu tinha fantasia daquilo ali. Era vermelha e branca, com um chapelão. Era um bloco com cerca de 100 pessoas. Quando o Palmeirinhas ia jogar fora íamos com dois ônibus, em um ia a batucada e no outro iam os jogadores.

 Depois do Leão qual foi a sua próxima participação no carnaval?

Passou um tempo, o carnaval morreu em Piracicaba. Surgiram as famosas gincanas. Fui para a Equypelanka. Ganhamos a gincana. Fomos ver quem era o bom no carnaval. A Ekypelanca formou escola de samba, a Zoon-Zoon, a Ekyperalta, Equipexato, Equypelanka, ai não parei mais. Recentemente faleceu um dos fundadores da Eqypelanca, o Ito. Fizemos um carro alegórico para a Império Serrano, junto com o Carlão ABC. Dia 9 de março de 1979 fundei a Escola de Samba, junto com o Capitão Gomes, Massao, Zé Maria, Jussara Sansigolo, montei a Caxangá. No primeiro ano saímos no segundo grupo. No ano seguinte queríamos nos colocar no primeiro grupo, disse que iríamos sair no segundo grupo, pulamos para o primeiro grupo, e em seguida ficamos campeões. Era uma briga com a Zoon-Zoon e com a Portela. A Caxangá sempre levou a melhor.

Quem eram os jurados?

Vinham de São Paulo. Décio Pecinini, Zé Batuquinho, Jangada.

O desfile era na Avenida Armando Salles?

Primeiro era na Rua Boa Morte, depois na Rua Governador, depois na Armando Salles. Depois foi na Estação da Paulista.

Onde era o melhor lugar?

O melhor lugar no começo era na Avenida Armando Salles de Oliveira. Piracicaba infelizmente não tem carnaval. Em 1980 dei uma entrevista onde afirmei que para levantar novamente o carnaval de Piracicaba irá levar uns 30 anos. E já faz trinta anos que eu disse isso! Na década de 80 em Piracicaba era o melhor carnaval do interior, dois dias antes já tinha caminhões na avenida. Piracicaba não tem nada. Não tem uma avenida adequada, não tem uma escola de samba. Só vemos promessas. É uma das culturas mais legitimas que temos é o carnaval.

No seu ponto de vista falta o que?

Falta tudo! Falta quadra, faltam elementos, quantos elementos formei na Caxangá, começam a namorar, casam e vão embora.

Casais se dão bem em carnaval?

Eu tinha uma ala de 20 médicos, casais. Nossos desfiles envolviam pessoas de alto nível social e cultural. As filhas de uma importante personalidade piracicabana, já falecido, queriam desfilar, ele não queria deixá-las, como pai zeloso preocupava-se com elas, até que ele viu em loco no ensaio da escola, e permitiu que elas saíssem desfilando. Os desfiles de carnaval dos anos 80 em Piracicaba atraia muitos turistas de São Paulo, era de alto nível. Muitos se hospedavam em Águas de São Pedro e vinham assistir o carnaval em Piracicaba.  A Célia, filha do fotografo Cícero dos Santos, foi a maior porta-bandeira que tivemos, era uma maravilha. Teve um ano que a Caxangá não saiu eu trabalhei na Zoon-Zoon. Fizemos 18 carros alegóricos.

Carro alegórico dá problemas por quê?

É duro fazer um carro alegórico! Fiz um carro que tinha uma fonte luminosa, deu um trabalho! Não dormia dia e noite! Fiz soltando 15 jatos de água subindo cerca de 15 metros, com todas as cores de água. Funcionava com bomba d água. Fiz um dragão com duas cabeças, soltando fumaça e serpentina. A fumaça era de gelo seco.  Fiz a catedral de São Paulo que girava no carro. Fiz o teatro, o salto do Rio Piracicaba.

Quanto tempo você levava para fazer uma peça dessas?

Levava mais de um mês. A verba que a prefeitura dá hoje, se for fazer um carro alegórico não dá. Nunca tivemos lugar apropriado para realizar os ensaios, realizávamos ensaios onde hoje é o Walmart, era uma briga com os vizinhos.

Quem adquiria os instrumentos?

A Escola! Nós fazíamos promoções, jantares. Faziamos junto com o Lions, dividíamos em três partes, uma parte para a escola, uma para o Lions e outra parte para uma casa de caridade.

Hoje você liga a televisão e vê durante três dias a transmissão exaustiva de carnaval. É uma indústria?

Tanto no Rio como em São Paulo são os bicheiros que patrocinam o carnaval.

A população tem interesse em carnaval?

Não há. Infelizmente o povo piracicabano não tem espírito carnavalesco. Tratam do carnaval um mês antes. Fevereiro é carnaval, nos anos 80 rádios, jornais, estavam visitando as escolas. O então repórter Roberto Moraes não deixava de visitar as escolas de samba. Todos os dias das 14 às 18 horas tinha programa carnavalesco.

E a Banda do Bule?

Eu saia! O Paulinho Fioravante e Alceu Marozzi Righetto  é que foram fundadores! De todas as escolas saia gente na Banda do Bule. A Banda do Bule saia da Estação da Paulista descia a Rua Governador Pedro de Toledo. No inicio era muito gostoso, depois virou anarquia eu não sai mais.

O que você acha da Banda da Sapucaia?

Acho boa! Todas as escolas desfilam lá. Caxangá, Ekyperalta, União Porto.

A Sociedade Treze de Maio tinha tradição de desfile?

Tinha. Belarba tomava conta, era um crânio. Tinha o Ditão. Nizio de Moura. Eles eram bons lá pelos anos 39, 40.

Você conheceu o Cordão Chinês?

Tinha o Cometa e o Chinês. O Zego começou no Chinês eu comecei no Chinês. O Cometa era da Fábrica de Tecidos Boyes, o Buriol tinha um bar, era muito rico,ele era do Cordão do Chinês, no ano em que eles ficaram campeões eu estava na Turma do Leão. A reunião era na Tabacaria Tupã, no lado do jardim central. A Taça era para nós, o Buriol queria a taça para ele. O Genio Maquinão, um sujeito muito forte que tocava cuíca, meteu a cuíca na cabeça do Buriol. Subimos a Rua Moraes Barros, tomando cerveja na taça, pinga na taça, até chegar no bosque. (Onde hoje é o Estádio Barão de Serra Negra). O Bebeto era puxador de samba, puxou para mim na Equypelanka, para a União do Porto.

Quem foi o melhor puxador de samba de Piracicaba?

Para mim foi o Cali, um negro da Rua do Porto.

Entre os bairros havia uma forte rivalidade?

Havia sobre os mais diversos aspectos: futebol, namoro. O Leão da Paulicéia era um cordão. A Vila Bacchi era da Vila Boyes. O Palmeirinha saiu um ano, os Irmãos Pavanelli que promoveram. Uma vez perdi um carnaval por causa de uma moça, era para usar sapato branco, estourou, ela não falou nada e foi com um azul. O Dr. Jussiê Siqueira, médico, foi fundador comigo da Caxanga, ele é pai da Jussara. Dr. Jussiê era um excelente diretor de harmonia.

Qual é o segredo para ser um bom diretor de harmonia?

Tem que entender do carnaval. Tem que ter ensaio. A harmonia para ter nota máxima tem que ter o som da bateria com o canto dos elementos. Tem que estar constantemente de ala em ala para ver se o samba não está atravessando. O jurado nota tudo isso ai.

Quantos elementos têm uma bateria?

A minha saia com 100.

O carnaval de clube também acabou?

Acabou! Não tem mais nada. Sou veterano do Cristóvão Colombo. Quantas vezes fiz o grito de abertura do carnaval do Cristóvão com o samba enredo da Caxangá!

O que você sentia quando saia desfilando na avenida?

Vida nova! O carnaval me deixava novo!

Sua esposa ia junto?

Ia! Foi uma das baianas mais lindas dos desfiles, o Jornal de Piracicaba sempre falava.

Piracicaba era uma família?

Até os anos 60 era uma família. Antigamente a amizade era outra. Você tem como exemplo o Natal. Você passava e via todos os lugares iluminados, hoje você não vê nada. O povo não quer mais sair na rua.

LUIZ DARCI CUCOLO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 04 de janeiro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 
 
 
 

ENTREVISTADO: LUIZ DARCI CUCOLO

 

Luiz Darci Cucolo é filho de Felício Cucolo e Duzolina Regazzo, nasceu a 6 de setembro de 1938, no Bairro São Bento na fazenda do seu pai, tendo sido registrado no então distrito de Saltinho. A propriedade rural pertencia a família, seu avô era Luis Cucolo. A lavoura na época era plantação de fumo. No inicio era fabricado açúcar batido, depois passou a plantação de fumo. Felicio e Duzolina tiveram sete filhos: Zenide, Liete, Inês, Luiz, Edelardo, Geraldo e Vilma. Luiz Darci Cucolo é casado com Maria Alice Rosa da Silva com quem tem um casal de filhos: Júnior e Ana.

Sua família mudou-se para Piracicaba?

Quando eu tinha de cinco para seis anos de idade nossa família mudou-se para a cidade. Moramos na Rua Benjamin Constant em frente a indústria de Vicente Orlando, que adquiriu a casa onde morávamos. Eu passava na frente da fábrica de bebidas e ficava admirando aquilo tudo.  Tomávamos a famosa gengibirra. No primeiro quarteirão da Rua Governador Pedro de Toledo, junto a Avenida Dr. Paulo de Moraes existia a selaria de Artur Gobbo. Lembro-me do primeiro asfalto feito em Piracicaba, o prefeito Luiz Dias Gonzaga asfaltou a Avenida Independência da Rua Governador até a Santa Casa de Misericórdia. Onde é o Teatro Municipal Dr. Losso Neto, havia um córrego onde pegávamos cascudo. Fomos morar na Rua São Francisco de Assis, quase esquina com a Rua Governador Pedro de Toledo, na esquina tinha uma casa antiga onde funcionava uma pensão de propriedade da família Ometto, hoje no local há um edifício. Na frente havia a fábrica de balas Lider. Eu estudava no Grupo Escolar Barão do Rio Branco.

Com quantos anos você começou a trabalhar?

Aos oito anos comecei a trabalhar, em frente a Estação da Paulista, de costas para a estação, do lado esquerdo, havia um salão onde engraxavam-se sapatos. Eram três lugares para serem ocupados por clientes. Quando chegava o trem eu largava tudo e ia correndo até a estação, ajudava os passageiros a levarem suas malas até o seu destino final. Tanto o passageiro como eu íamos a pé.

As cores de sapatos que predominavam na época quais eram?

Era o preto e o marrom.




Dali qual foi seu próximo trabalho?

Fui aprender ofício, na selaria de Artur Gobbo situada na Rua Governador Pedro de Toledo entre a Avenida Dr. Paulo de Moraes e Rua Joaquim André. Morávamos ao lado. Ao lado tinha um terreno vazio onde ficavam dois caminhões que eram utilizados pela lenhadora de propriedade da nossa família. Eram entregues carvão e lenha. Ainda na fazenda onde fazíamos fumo fabricávamos também o carvão. Em Piracicaba a fábrica de carvão ficava atrás de onde hoje é o Colégio Dom Bosco na Cidade Alta. Ainda na fazenda meus tios derrubavam árvores enormes, eram toras de madeira carregadas em carros de bois, chegava a ter 16 bois puxando um carro com três toras de madeira. O primeiro automóvel que vi na minha vida pertencia a um médico, era movido a gasogênio, tinha dois tubos como dispositivo para o funcionamento. Ele ia buscar carvão para abastecer o carro.

Com o Artur Gobbo qual foi a sua atividade?

Fui fazer arreio, eu tinha uns 10 anos. A linha tinha que ser fabricada para fazer a costura. Passava cera, enrolava ela. Era um trabalhão danado. Eu estudava no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, ao lado tinha uma lavanderia, me convidaram para ir trabalhar lá pagando cinco mil réis por mês. Eu retirava as roupas usadas nas casas dos clientes, depois as levava prontas. Eu tinha uma bicicleta marca Júpiter, gostava de entregar roupas no Hotel Lago, lá eu ganhava uma gorjeta. Praticamente entregava só terno, se fosse linho branco era engomado. Na Rua José Pinto de Almeida tinha um mecânico, eu fui trabalhar lá para aprender, isso na época que tinha muito Fordinho 1929, no começo lavava peças. Meu tio, Durval Lavoranti, era vendedor do Café Morro Grande, ele me levou para a torrefação do Café Morro Grande, eu era ensacador de café,  colocava o saquinho vazio na máquina, pisava em um pedal, dava o peso certo. Eu pesava de 1.500 a 1.600 quilos por dia. Dali fui trabalhar no Clube Coronel Barbosa, conheci Enio Graner Mortati, que era diretor do clube, fui trabalhar no escritório, eu tinha de 15 a 16 anos. Eu tomava conta da secretaria, preenchia os recibos dos associados. Quando eu trabalhava na torrefação tinha um cheiro forte de café impregnado, o Enio arrumou umas roupas bonitas, possivelmente usadas, fiquei muito elegante. Eu estava feliz. Com o Enio, Dr. Raul Coury, Dr. Salim Simão e alguns investidores, começamos a tomar conta de uma fazenda localizada na Volta Grande, plantamos 40.000 pés de goiaba. O projeto de um dos engenheiros agrônomos era adquirir uma máquina para transformar as frutas em pó. Era só adicionar água e o suco estaria pronto. Quando foram à Suíça para adquirir a máquina o investimento mostrou-se inviável. A fazenda foi vendida, quem a adquiriu colocou gado naquela área. Nessa localidade formei muda de árvores, umas 15.000 mudas. Quando Luciano Guidotti foi prefeito trabalhei na prefeitura, comecei como ajudante de topógrafo, com o passar do tempo comecei a observar os desenhistas a fazerem plantas. Um deles, muitas vezes se ausentava, eu comecei a riscar, com isso aprendi. O engenheiro Dr. Zimolamy disse que eu iria trabalhar com ele, colocou uma mesa na sala dele, passei a tomar conta da obra que a prefeitura estava fazendo na Rua Prudente de Moraes, aonde veio a funcionar a Gráfica Municipal e a Biblioteca Municipal. Fiz um mapa com dois metros por um metro e pouco, dei busca na prefeitura e fui colocando os loteamentos que não existiam no mapa. Cássio Paschoal Padovani foi quem assinou o mapa. Foi criada a seção de planejamento da prefeitura, entre os cinco ou seis desenhistas eu fui um dos escolhidos. O Arquiteto Dr. João Chaddad estava com o Dr. Geraldo Quartim Barbosa realizando o loteamento do bairro Nova Piracicaba. O João Chaddad me citou. Fui para ganhar quase quatro vezes o meu salário. Comecei a ajudar o João Chaddad a projetar o bairro Nova Piracicaba. Ruas, lotes, área verde. Dr. Geraldo Quartim Barbosa ficou sabendo que eu sabia fazer mudas de árvores, disse-me que iria fazer mudas para a Nova Piracicaba. Fiz 40.000 mudas de árvores. Eu tomava conta do pessoal que plantava as árvores, davam manutenção às ruas. Eram 18 a 19 funcionários.

Você considera certo plantar árvores frutíferas?

Não. Se parar um veículo embaixo da árvore a fruta irá cair sobre ele. O fato de ter fruta no pé irá trazer incomodo aos moradores próximos. É uma questão cultural.

Quanto tempo você permaneceu no loteamento da Nova Piracicaba?

Fiquei por seis anos. Lá havia a colônia de casas que pertenceu ao Engenho Central, foram demolidas, com muito tato negociei com cada morador para desocuparem essas casas em troca de outras em lugar que escolheram. Foi realizado um grande trabalho de terraplanagem. Juntamente com o Lino Vitti colocamos o monumento que deverá ser aberto em breve quando completar 50 anos. Ali estão documentos, jornal, fotografia, peças e moedas da época. Na época tive que conseguir quatro placas de mármore de Carrara. Ao lado tinha outro loteamento que pertenceu ao Mário Arêas Wittier.

Como você tornou-se proprietário de uma loja de molduras?

Eu estava muito bem colocado junto a companhia que realizou o loteamento da Nova Piracicaba, era uma empresa com atividades em outras cidades e eu já estava assumindo algumas funções nesses locais. Um convite para iniciar uma atividade que aparentemente iria dar melhores resultados acabou por me trazer grandes decepções. Essa atividade com molduras começou em 1980. Eu pintava quadros, tinha adquirido dois quadros de Maria Cecília Neves.  Fiz cursos de pintura. Ao terminar um quadro levava em uma loja de molduras, até que um dia decidi fazer a moldura. Contratei um senhor de nome Vitório, ele trabalhava em uma loja situada na Rua do Rosário, fomos para São Paulo comprar molduras. Todo mundo que tinha aula com a Maria Cecília levava as obras para que eu colocasse a moldura. Quando montei a loja éramos quatro lojas de molduras.

Como surgiu o nome Molduras Juana?

A minha esposa é a responsável por ter esse nome, ela chamava meus filhos Junior, Ana, para almoçar. Dizia: “Ju, Ana! Vamos almoçar!”. Ficou Juana!

É comum as pessoas trazerem obras para enquadrar e não voltarem para buscarem?

Tenho um local onde tem mais de quinhentas obras, certificados, diplomas, fotografias,  enquadrados e os donos não vem buscar. Com isso perco o vidro que não dá a medida certa para outra aplicação e a moldura é a mesma coisa. Muitas vezes a moldura já saiu fora de linha depois de tanto tempo aqui.

Moldura tem moda?

Se tem! Hoje a moda é branca e preta.

Moldura de gesso é muito usada?

Aqui não entra gesso. É uma moldura extremamente frágil.

Qual é o maior quadro que você já fez até hoje?

Fiz dois quadros de cinco metros por seis metros, sem vidro.

Você faz restauração de quadros?

Restauro quadros. Já apareceu quadro de Joaquim Dutra, furado pelo cabo de vassoura de uma empregada descuidada.

Um casal pode ter divergência quanto a permanência de um quadro em casa?

Isso existe. Geralmente um deles traz o quadro até a loja e diz: “-Vê se vende isso ai que não quero saber dessa coisa na minha casa!”. Eu só pego se for quadro de artista famoso.

Se a pessoa muda de crença religiosa ela pode querer se desfazer de toda obra que relembre sua crença anterior?

Isso pode ocorrer, só que esse tipo de arte eu não comercializo. Quando se trata de gravura nem pego para vender.

No caso de um quadro de notável valor artístico qual é o procedimento padrão?

Ele fica na minha reserva, só será mostrado aos colecionadores.

Piracicaba tem muitos colecionadores de arte?

Tem. Há um que tem mais de 2.000 quadros. Além de ter a fazenda, aluga uma casa só para expor seus quadros. São colocados no chão, nem chegam a ser dependurados.

Quadro não é um item de fácil comercialização?

Se for de um pintor famoso torna-se fácil sua comercialização, principalmente para quem atua no ramo.

Pessoas de baixo poder aquisitivo apreciam arte?

Alguns gostam, mas não tem o fascínio próprio do colecionador. Para admirar um quadro há a necessidade de entender a arte. As pessoas mais humildes gostam de gravuras.

O que é uma gravura?

É a uma reprodução em papel. Ele acha mais bonito. Vai gostar de imagens de veículos, fotos, e são quadros relativamente caros.

Um modismo são as fotos antigas da cidade, isso pegou?

Há uma procura muito grande. Geralmente alguém vai abrir um restaurante, uma pizzaria e coloca uma foto antiga da cidade.

Você sente-se realizado com a sua atividade?

Em parte sim. Trabalhamos muito. As coisas mudaram, a economia do país mudou. Eu sentia muita alegria em trabalhar, levantava as três horas da manhã e ia para a loja, trabalhando com afinco e esperando os funcionários chegarem. Eu queria entregar as encomendas. Ainda procedo da mesma forma, entregar rapidamente o serviço. 

A procura de quadros de arte aumentou ou diminuiu?

Diminuiu. O enquadramento de diplomas, certificados, gravuras, aumentou.

Você já fez algum trabalho para cemitério?

Já! A pessoa trouxe a fotografia do finado, coloquei a moldura de alumínio com vidro em ambas as faces, tudo muito bem vedado com uma fina mangueira plástica. Já fiz inclusive com a fotografia de um cão, cujo dono o estimava muito e colocou a foto do animal junto ao seu tumulo no cemitério dos animais. Outro caso foi uma pedra que trouxeram da Rússia, foi feito um trabalho especial onde a mesma foi colocada em uma moldura. É comum as pessoas trazerem tigelas, pratos de valor sentimental e colocar em molduras. Um dos fatos marcantes foi um alemão que não mora mais em Piracicaba, ele trouxe 30 moedas de ouro maciço para serem colocadas em uma moldura. O grau de confiança que ele depositou em mim foi muito grande, aquilo tinha um alto valor financeiro.

Você tem algum hobby?

Adoro pescar. Fui diversas vezes com o Jorge Martins para o Mato Grosso. Gosto de sentar no barco e ficar pescando com sondal.

Você conheceu sua esposa em que cidade?

Eu a conheci em Cerquilho, namoramos onze anos, casamos a 25 de janeiro. Morei em Cerquilho, o Graner Mortati me levou para lá, eu desenhei a praça em frente a igreja.  Fui locar o desenho no chão.

Quantos prêmios você já ganhou em pintura?

Ganhei três menções honrosas, um prêmio em Araras, um prêmio em Limeira. Juntamente com Eugenio Nardin, João Chaddad, Manoel Martho criamos o Salão Almeida Junior. Eu era o primeiro secretário, como não tinha sede, não tinha nada, ficava aqui na minha loja, eu transportava em uma caminhonete os quadros que iam para serem expostos. Organizamos tudo, a partir do nada. Consegui um lugarzinho na Pinacoteca para transformar em sede do Salão Almeida Junior. Com o passar do tempo deixei para que outras pessoas tomassem a frente na manutenção do Salão Almeida Junior.

 

 

domingo, dezembro 29, 2013

TAIS HELENA MARTINS LACERDA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de dezembro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADA: TAIS HELENA MARTINS LACERDA

 

Tais Helena Martins Lacerda nasceu a 24 de janeiro de 1964 em Piracicaba. Filha de Bento Lacerda Neto oriundo de Torrinha, estudou na ESALQ, e Maria Helena Martins Lacerda, metodista, professora do ensino fundamental no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, trabalhou também na UNIMEP. Bento Lacerda Neto casou-se em primeiras núpcias, dessa união nasceram três filhos. Ficou viúvo, casou-se em segundas núpcias com Maria Helena Martins Lacerda, nascendo desse matrimônio mais três filhos, sendo que Tais Helena é a primogênita, realizou seus primeiros estudos no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, sendo sua primeira professora Dona Abigail. O ginásio estudou no Ginásio Estadual Dr. Jorge Coury, na Rua Alferes José Caetano, ao lado da Igreja dos Frades. Tais casou-se, é mãe de Ramon Benatti.

Ao ingressar no Ginásio Dr. Jorge Coury em que local era a sua residência?

Eu morava na Rua São Francisco de Assis entre a Rua Boa Morte e a Rua Governador Pedro de Toledo. Éramos vizinhos do Comendador Romano, Érica Stolf e sua família, Família Almeida Prado, Solange Amâncio e Família, Hilda e Dr. Noedy Krähenbühl Costa eles eram compadres dos meus pais. Nessa casa em que morávamos tinha uma jabuticabeira, as crianças pulavam o muro para ir apanhar jabuticaba, uvaia. Os pães eram adquiridos na Padaria Jacareí, de propriedade do Seu Adão. Na Rua São Francisco, entre a Rua Governador Pedro de Toledo e a Rua Benjamin Constant morava a Família Mahle, a Dona Carminha Guimarães de Souza. Nessa mesma rua, logo após atravessar a Rua do Rosário, na Chácara Nazareth, residia a Família Piacentini, a Marly Piacentini que estudou comigo, a Sarita Sturion, da Casa Sturion, estudei no Jorge Coury com essa turma toda.

Ao concluir o ginásio você continuou estudando no então Colégio Dr.Jorge Coury?

Não, fui fazer o Colégio Técnico Universitário - CTU na UNIMEP. O curso foi no Colégio Piracicabano, após três anos conclui o curso de Histologia. Formávamos uma turma de alunos bem animados, entre eles estava Alice Strocca, Beto Mesanelli, Roberto Machado, a Magic Paula. Eu cantava no coral do Colégio Piracicabano. O Dr. Senn era o reitor e Dona Noêmia que era sua esposa tinha o Conjunto Jovem Som, eu era meio soprano.

Após concluir o curso técnico qual foi sua próxima atividade?

Fui cursar Química Industrial na UNIMEP, campus de Santa Bárbara D`Oeste. Ainda no primeiro ano de faculdade já comecei a lecionar a noite no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, eu tinha 18 anos, meus alunos com 14 anos e fazia estágio na ESALQ no departamento de Química, na área de fertilizantes.  O Professor Alcarde era o chefe do departamento. Eu ia até a ESALQ de ônibus, era a linha Panorâmica. Eu não tinha carro, um amigo, o Gilberto Furlan, era quem nos dava carona em seu Chevette cinza, cotizávamos em quatro, a Solange Amâncio, o Gilberto Furlan e o Amaury Malia e eu. O Gilberto por volta das seis e meia da manhã passava em todas as casas, o Amaury não era de Piracicaba, morava em uma república. Quando eu voltava não dava nem tempo de parar em casa para almoçar, a uma hora da tarde almoçava no bandejão da ESALQ, permanecia no Departamento de Química até as cinco e meia da tarde, ia para casa, tomava um banho e ia dar aula no Barão do Rio Branco.

Após formar-se em química o que aconteceu?

Após quatro anos no Departamento de Química o Professor Alcarde me recomendou para ir trabalhar no IPT- Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Eu queria fazer um mestrado. Procurei o Professor Joaquim de Oliveira, da área de fermentação, trabalhava com leite. Foi lá que comecei uma carreira acadêmica, de pesquisadora. Em 1985 entrei na ESALQ de onde sai em outubro de 1988, fiz o mestrado em Tecnologia de Alimentos, mas trabalhei sempre com geração de energia a partir de resíduos, do resíduo da agroindústria eu gerava energia, meu trabalho foi nessa área, junto com o Professor Joaquim. Depois prestei concurso para doutorado na Unicamp e em Botucatu, na Unesp. Entrei na Unicamp, mas não ia trabalhar nessa área, fui para Botucatu, foi o primeiro doutorado em agro energia no Departamento de Engenharia Rural, e a primeira tese defendida foi a minha sobre a Digestão Anaeróbia.

Você passou a morar em Botucatu?

Quando eu estava terminando o meu mestrado prestei concurso para uma disciplina na UNIMEP, era Tecnologia de Alimentos. Em 1987 fui lecionar na UNIMEP, no Centro de Tecnologia situado no campus de Santa Barbara D`Oeste, é uma área que presta serviços para outros cursos. Para Botucatu ia de ônibus, não dava certo ir por São Manoel, ia por Anhembi, era estrada de terra, em época de pagamento os pontos de paradas eram as porteiras, iam parando de porteira em porteira para o passageiro embarcar ou desembarcar. A viagem começava às duas horas da tarde e chegava em Botucatu as seis horas. Para mim foi um ensinamento. Eu ia para Botucatu duas vezes por semana. Em 1991 conclui esse curso. Eu tinha 26 anos quando recebi o título de Doutora em Engenharia Rural na Área de Concentração Energia na Agricultura – Agro Energia. Era um curso que trabalhava com biomassa, com química dos combustíveis. Eram nove homens e eu era a única mulher da turma. A escola em Bauru era uma fundação e estava sendo englobada pela UNESP, quase todos os professores de Bauru vieram estudar em Botucatu, para fazerem o doutorado.

Após concluir o doutorado você continuou na UNIMEP?

Eu estava na UNIMEP, por 17 anos fui coordenadora de cursos, fui presidente de comissão de pesquisas, por oito anos membro de comitê de ética em pesquisa, trabalhei muito na gestão universitária, no processo de ensino acadêmico. A UNIMEP permitiu que eu conhecesse a universidade. Em sala de aula se conhece o aluno. Participei do processo de construção de políticas da pesquisa, como organizar os processos, por 15 anos eu participei da Comissão de Pesquisas. Representei a UNIMEP no Pira-21. Tenho um histórico de estar dentro da presidência do Conselho de Ciência e Tecnologia. Por dois anos fui presidente do Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia de Piracicaba. No Conselho permaneci por quase sete anos. O Conselho foi criado para assessorar o poder público. Existe uma lei municipal voltada a Ciência e Tecnologia, desde 1998. Nós a assessoramos emitimos parecer, para a prefeitura. Existe outra lei referente ao Parque Tecnológico. Hoje dou consultoria na área de inovação. Participei de projetos da UNIMEP com a Secretaria de Turismo. Conheci o SEBRAE, o atual diretor do SEBRAE em Piracicaba, o Dr. Henrique Vianna de Amorim fundador da Fermentec, que me viram nesses locais.  Na UNIMEP trabalhamos muito forte o conceito de transferir o que aprendemos para a comunidade.

 

Como podemos dar um exemplo prático de inovação?

Em comunicação, como eu me comunicava anteriormente? Não existia o telefone, a carta era uma forma de comunicação, quando chegou o telefone foi uma inovação. Depois apareceu o telefone móvel, é um tipo de inovação no produto. Você está se comunicando, o produto é diferente, você se desloca, está inovando na área do produto. Quando você pega o iPhone, que é móvel, você já está na geração 5, tem inovações que são radicais, outras são incrementais. Temos inovações radicais e incrementais. Além das inovações em produtos temos em serviços também. Como você vai inovar o seu processo oferecendo serviço? Quando faço a comida de um jeito e ofereço a comida ali, vou oferecer a comida do mesmo jeito, mas a faço diferente. O “fazer diferente” é uma forma que pode inovar.  Muitas vezes você vai fazer diferente para economizar energia, água, que são recursos necessários à humanidade e que temos que cuidar deles. Temos que trabalhar com um conceito mais limpo dentro do ambiente empresarial, para economizar, trabalhar de uma forma mais enxuta, oferecendo a mesma coisa ou com melhor qualidade. Muitas vezes isso tem que ser feito para atender mercados. Se não fizer estará fora do mercado.

O nível de exigências dentro do mercado é cada vez maior?

Há três anos tive uma empresa que junto com a Faculdade de Engenharia da USP em São Carlos, detectou que a Petrobrás precisava de válvulas industriais, temos uma lei que estabelece que sessenta por cento dos fornecedores sejam brasileiros, só que o fornecedor brasileiro não tem o perfil para dar com qualidade essa válvula.  Tem que ser qualificado o fornecedor brasileiro. A Petrobrás abriu um edital para qualificar fornecedor. Fiz o projeto, após ser entregue, demorou uma ano e meio para sair o resultado, a conseqüência é que um bom número de empresas de válvulas faliu. Hoje esses instrumentos de inovação com quais eu trabalho estão mais ágeis, minha empresa dá consultoria nessa área. Faço diagnósticos, sou como uma tutora dos proprietários que querem atingir esses instrumentos.

A responsabilidade dessa demora era de quem?

A Presidente Dilma colocou que a FINEP demorava de um ano a um ano e meio para passar esses resultados, agora está saindo em um mês. Um dos instrumentos é a Lei do Bem, a semelhança da Lei de Incentivo à Cultura, popularmente chamada de Lei Rouanet. A empresa tem que submeter projetos ao Ministério da Ciencia e Tecnologia e Inovação (MCTI), para atingir esse benefício. No Censo de 2011 apontou que cerca de 1.000 empresas brasileiras estão usando a Lei do Bem. A empresa com lucro presumido não pode utilizar os benefícios dessa lei. A inovação tem que estar dentro da cultura do ambiente empresarial. Dentro do ambiente do serviço. Ou não se consegue fazer. É algo que tem que mexer na cultura da empresa. A minha consultoria trabalha mais com esses instrumentos. Saiu uma linha que se chama INOVA, eles dividiram em áreas, aonde acham estratégico fomentar o desenvolvimento. A FINEP pegou parte dos recursos desse INOVA e disponibilizou para as agencias estaduais, o pequeno emprendedor não irá buscar recursos na esfera federal e sim nas agências estaduais. Trabalho com financiamento com carências grandes e taxas baixas. Trabalho também com fomento a título de fundo perdido. Trabalho no ciclo de vida do projeto, preparo o empresário e a empresa, capacito a empresa, posso até acompanhar mas o trâmite será feito por ele. A empresa deve estar organizada constantemente para atender os editais, sem atropelos de ultima hora. Eu organizo a empresa para ela atingir esses instrumentos. Se você produz algo novo irá atingir mercados, irá sobreviver, gerar empregos, gerar renda para o municipio.

Você iniciou um trabalho junto a empresas em Piracicaba?

Esse processo se deu em um período que iniciei o desenvolvimento de um projeto para a Fermentec durante um ano. O Professor Amorim é também presidente do Apla (Arranjo Produtivo Local do Álcool). Existem no país alguns arranjos, em Americana existe um arranjo produtivo voltado para a área têxtil, em Franca existe o arranjo produtivo do calçado, esses arranjos estão sendo estruturados no país. O SEBRAE participa, esses arranjos são de alcance nacional. Quando se fala desse arranjo produtivo em Piracicaba, está sendo falado da cadeia produtiva do álcool. Ele é muito forte no setor metal-mecânico. É um setor que fornece soluções para o setor sucroenergético mas também para a indústria automobilística. Se olhar para as empresas que trabalham no setor metal-mecânico verá que elas atuam em muitas áreas. Vendem produtos para muitas áreas. Principalmente para setores automobilísticos. Quando se fala em arranjo local produtivo isso envolve toda a cadeia. Desde as pessoas que fazem máquinas para levar para a agricultura, máquinas para dentro das usinas, tudo isso está dentro desse arranjo.

Como surgiu seu envolvimento com o setor gastronômico de Piracicaba? 

Acredito que isso tem origem na minha infância, a casa em que eu morava na Rua São Francisco de Assis, e que ainda é da família, tem fogão a lenha, minha mãe fazia bolos, balas de coco, o meu pai cozinhava muito bem.

Você cozinha bem?

Cozinho. Gosto muito de moqueca de peixe. De Vitória trouxe as panelas de Goiabeiras (Panelas de barro das Paneleiras de Goiabeiras, um bairro de Vitória, no Espírito Santo).  Gosto muito de peixe, de fazer comidinhas para receber convidados. Fiz Tecnologia de Alimentos no mestrado, além de muitas disciplinas voltadas a área de alimentos. Comecei dando aulas na Nutrição da UNIMEP, na Química Industrial de Alimentos, aula de Alimentos na Faculdade de Farmácia, na Gastronomia, curso que ajudei a montar.  Ajudei a elaborar o curso de Engenharia de Alimentos, fui coordenadora desse curso por quase sete anos. O professor Davi Barros, reitor da UNIMEP me indicou para representar a universidade junto a Secretaria do Turismo, o secretário era Omir Lourenço. Isso foi a sete anos. Para o aniversário de Piracicaba a secretaria estava procurando algum projeto novo. Minha sugestão foi de fazer um concurso gastronômico na Rua do Porto. O primeiro concurso gastronômico nós fizemos em agosto de 2007, era um concurso gastronômico restrito a Rua do Porto. Durava um final de semana.

Em 2013 quantos restaurantes participaram do Concurso Gastronômico de Piracicaba?

Participaram 41 restaurantes. O evento expandiu para a cidade toda já faz três anos.

Como se realiza esse concurso?

Há uma época em que são divulgados os restaurantes que participarão do evento, esse ano as inscrições foram feitas eletronicamente, on-line. Isso se dá até julho. Uma equipe do Jornal de Piracicaba vai conhecer o estabelecimento, o prato que foi inscrito, quem elaborou esse prato. Além do documentário é feito o registro fotográfico. O festival tem a duração de 30 a 45 dias. Os restaurantes pleiteiam que esse prazo seja maior, para que o público possa conhecer melhor o prato eleito para concorrer no festival.

Depois de feita a inscrição e o registro documental e fotográfico qual é próximo passo?

É feita uma avaliação para ver se os concorrentes se enquadram nas diretrizes do festival. Até o ano passado tínhamos quatro categorias, 1º, 2º, 3º e 4° lugares, neste ano de 2013 nós trabalhamos com mais categorias e tivemos destaques em cada categoria, não trabalhando mais com a referência de 1º, 2º, 3º e 4º lugares. O festival não é uma competição e sim uma participação, uma divulgação da gastronomia local. Estou escrevendo o livro “A Cozinha Regional de Piracicaba - Receitas do Lugar Onde o Peixe Para” onde divulgo a gastronomia da nossa cidade. O primeiro capitulo aborda a pamonha, cachaça o peixe, peguei doze receitas que incluem esses ingredientes. Por exemplo, a Sani fez “Pamonhinha de Piracicaba” com melado e sorvete de canela. A “Caipirinha  Caipira” feita pela “On The Rocks”  onde colocou da cana cinco ou seis ingredientes,  usou  até o talinho de cana, colocou o melado, o gelo ele fez com garapa, cachaça, açúcar e limão. Procurei trabalhar em um capítulo abordando alguns ingredientes que são regionais: o milho, o peixe, a cachaça, a mandioca. Os negros trouxeram o cuscuz, os portugueses trouxeram a sardinha que era colocada dentro do cuscuz, os pescadores colocam o cascudo no lugar da sardinha. Na época foi uma inovação. Tive uma coluna em um jornal local onde escrevia abordando esses aspectos.

O restaurante pode se inscrever com quantos pratos?

Existem deis categorias, o estabelecimento poderá escolher três categorias e uma carta de bebidas. Se o restaurante for só de carnes, ele poderá concorrer apenas com um tipo de carne. Os concorrentes podem apresentar os mais diversos tipos de pratos: comidinha de boteco, pizza, peixe. Pode ser o melhor peixe no prato, melhor peixe na brasa. Procuramos destacar qual foi o estabelecimento que fez o prato mais inovador. A criatividade é diferente da inovação. Você pode ser criativo, mas terá que vender para ser inovador. A idéia nova tem que atingir o mercado. Se for inovador e colocar no cardápio aquela criatividade ela irá entrar no mercado. Em Piracicaba existem três locais que fazem chope artesanal, um deles faz cinco tipos de chope.

Como é feita a analise para classificação dos restaurantes que participam?

Existe um corpo de jurados, parte desse júri é representado pela mídia e a outra parte por pessoas da área. Alguns fazem pratos novos outros procuram divulgar pratos que já fazem sucesso e constam do cardápio. A Secretaria de Ação Cultural disponibiliza o meio de transporte para os avaliadores, o estabelecimento previamente informado irá apresentar um item que está sendo avaliado. Temos um professor que está acostumado a avaliar, chega a fazer a avaliação de quarenta pratos em um dia. É feita a degustação, não é a ingestão de todo esse alimento. Começa às 11 horas da manhã e termina às 11 horas da noite. Chegamos a avaliar em um só dia 11 restaurantes. O festival cresceu, há a perspectiva de ser regional, abrangendo municípios limítrofes.

Você é a “mãe” do festival gastronômico?

Falam isso!

Esse festival alavanca a freqüência aos restaurantes?

As informações que nos chegam é de que aumenta muito a freqüência  do público junto aos restaurantes que participam do festival. Há uma grande divulgação desse trabalho que é feito. A gastronomia mudou bastante em Piracicaba. O Pirajé é um acarajé piracicabano, a base de milho, o recheio com camarão. Foi feito no ano passado lá no restaurante Mão de Vaca. Quem trouxe à Piracicaba o bolinho de feijoada foi o restaurante Senhor Caneca. Neste ano ele fez Toquinha de Cascudo, com isso resgatou o uso do cascudo, um peixe que não estava sendo explorado. Fez uma massinha de mandioquinha recheada com cascudo. Outro restaurante fez com batata doce. É importante frisar que temos duas escolas de gastronomia, uma é em Piracicaba, na UNIMEP e outra em Águas de São Pedro, do SENAC. Isso acaba fomentando para que a nossa região ofereça produtos com notável qualificação.

sábado, dezembro 07, 2013

ISMAEL BARBOSA DE LIMA (LILLO)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de dezembro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: ISMAEL BARBOSA DE LIMA (LILLO)

 

Ismael Barbosa de Lima ainda no berço ganhou do seu pai o apelido que muitos conhecem: Lillo. Do alto dos seus mais de 80 anos de vida trabalha regularmente em uma empresa no Distrito Industrial Leste (Unileste) em Piracicaba. Ali ele é uma espécie de coringa, cuida do almoxarifado, confere produtos que entram e saem da indústria. Dinâmico, carismático, com uma disposição invejável, com sua vivacidade fala entusiasmado do seu trabalho. Seus olhos brilham quando fala da sua família e da sua dedicação à inúmeras obras sociais que realizou na Igreja dos Frades e na Paróquia São José. É músico, ainda se apresenta em um conjunto onde executa violão elétrico, já foi cantor, hoje diz que a pigarra não deixa soltar a voz. Como artista amador apresentou-se em teatro animando a platéia com seus quadros cômicos. Segundo ele, para chegar a essa idade com tanta disposição é preciso antes de tudo estar bem com a vida. Lillo nasceu em Piracicaba, no bairro rural da Volta Grande a 10 de março de 1933. É filho de Joaquim Barbosa de Lima, natural de Minas Gerais e de Ercília Danelon Barbosa que além de Lillo tiveram a filha Rosalina, a primogênita. Lilo é casado com Dirce Zeffa Barbosa de Lima.

O sítio onde seus pais moravam pertencia a eles?

Logo que se casou papai alugou uma casinha no bairro Volta Grande, ele trabalhou como barbeiro, frangueiro. Mesmo depois que mudou para a cidade ainda “frangueirava”. O frangueiro vendia miudezas, nas férias escolares eu ia com ele no carrinho de tração animal. Levavam tamancos, colorau, pó de café, sabão, linha de costura, botão, guarda-chuva, era quase um mercadinho sobre rodas. Levava ainda muitas encomendas, naquele tempo o pessoal de sítio não tinha muito acesso a cidade. Algumas noites meu pai chegava da cidade com toda a mercadoria, ficava até as nove ou déis horas da noite, junto com a mamãe, fazendo a separação de encomendas das pessoas. Duas vezes por semana ele levava o pão, um filãozão de duzentos réis, no sítio havia o pão feito em casa, por incrível que pareça o pessoal do sítio estava tão acostumado com aquele pão queriam o da cidade. Eram panhoconas feitas em casa, uma delícia.  A condução motorizada era escassa. O carrinho do meu pai era tracionado por dois animais, tinha roda de madeira com um aro de ferro. Embaixo do carrinho havia duas gaiolas grandes onde eram colocados os frangos que ele adquiria.  Ele tinha ainda um jacá de bambu que imitava um covo, era colocado na parte posterior do carrinho, em cima do caixão do carrinho, aquilo também vinha lotado de frangos e galinhas. Ele passava no moinho do Filetti, situado na Avenida Dr. Paulo de Moraes, enchia o “caixão de querosene” com palha de arroz para calçar os ovos, não ter o perigo de quebrarem, ali vinha quatro ou cinco dúzias de ovos. Esses ovos eram vendidos em um remetente, que era quem pegava os ovos de vários frangueiros e mandava para São Paulo, para Campinas, eram vendidos no atacado, em Piracicaba ficava muito pouco. Lembro-me dos remetentes Fernando Gutierrez e Família Sanches constituída pelo casal e vários filhos, a empresa situava-se na Rua do Rosário quase esquina com a Rua Ipiranga.

Por quantos anos o seu pai trabalhou como frangueiro?

 Ele trabalhou de oito a nove anos, a linha dele era enorme, logo depois que eu nasci meus pais mudaram-se para a casa dos meus avós paternos, no bairro rural Pau Queimado. Meus avós paternos chamavam-se Ezequiel Barbosa de Lima e Ana Luiza Amaral. Meus avós maternos eram Luiz Danelon e Luiza Pessatti Danelon. Quando eu tinha três anos e meio meus pais mudaram do bairro Pau Queimado para o bairro Campestre, papai foi formar uma linha do Campestre para frente, ele frangueirava durante a semana e aos sábados e domingos atendia como barbeiro.  Fiz o curso primário no Grupo Escolar de Campestre, naquela época existiam muitas colônias: Colônia do Mineiro, Colônia da Fazenda Bela Vista conhecida também por Fazenda Dona Antonia, a Família dos Mellegas que faziam açúcar batido, a Família Schiavolin, ali era quase um vilarejo. Minha primeira professora foi Dona Nena, parece que ela era esposa de Sebastião Rodrigues Pinto, proprietário da Casa Edson, situada em frente a Catedral. Depois tive aula com Dona Helena de Almeida Dutra, essa me marcou muito, foi ela quem me ensinou a fazer versos, a recitar, ela era nossa fã incondicional, eu cantava, recitava, fazia diálogo com outra menina da escola a Ivani Meneghetti, já falecida. Fazíamos os diálogos, uma espécie de teatrinho, para as crianças era uma maravilha.  Para que eu representasse um personagem era só ter uma oportunidade. No terceiro e quarto ano primário a professora foi Olívia Valério, nós a chamávamos de Dona Vica, era irmã do diretor do grupo, Alberto Valério. Dona Vica nos ensinou também religião.  Papai comprou um terreno de um alqueire de terra e construiu uma casa. Ele atendia tanto como frangueiro ou barbeiro. Aos sábados por volta do meio dia ou uma hora da tarde já começava a chegar o pessoal da roça que vinha para cortar o cabelo, fazer a barba. Nessa época eu estava com oito ou nove anos de idade, tocava uma violinha, aprendi a afinar sozinho. Papai tinha uma viola, ele era mineiro que gostava da viola, da catira, de função de viola. Ele ia frangueirar eu pegava a violinha dele e ficava tentando tocar alguma coisa. Desde pequeninho, quando me senti por gente, andando, eu já pegava a viola do meu pai e saía arrastando.

O rádio era comum nas residências rurais?

Naquela época morávamos no mato, não havia rádio, nem energia elétrica. Usava-se lamparina de querosene e água de poço. Conclui o primário aos onze anos, papai saia para franguear eu cuidava da criação, ia “catar pontas”, naquele tempo os Mellega e os Schiavolin faziam açúcar batido íamos buscar pontas de cana-de-açúcar no canavial, trazíamos na carroça, para dar aos animais que voltavam a tarde da frangueação, picava as pontas no cocho junto com farelo, milho. Esse era o meu serviço, ia também cortar um pouco de capim, brincava bastante.

Você ia buscar essas pontas com carrinho de tração animal?

Eu mesmo engatava no carrinho a égua de nome Ruzia. Tinha outra égua de nome Surpresa. Esse nome ela recebeu pelo fato que deu origem a sua aquisição. Papai estava atravessando uma fase difícil no aspecto financeiro, naquela época havia o jogo de bicho, ele fez uma porção de números, pegou o boné da minha cabeça, jogou aqueles papeizinhos dentro do boné, chacoalhou e disse-me; “- Lillo, tire um papelzinho desses ai!”. Tirei, Ele veio para a cidade, vinha trazer ovos. Jogou no bicho, a tarde viu que ganhou o primeiro prêmio. Ele estava precisando de um animal para o carrinho, para poder continuar a franguerar, comprou uma éguinha muito esperta e colocou o nome de Surpresa, pela surpresa que ele teve ao ganhar no jogo do bicho. Tinha ainda duas mulas que ele usava, eram mais reforçadas, a égua é mais para carrinho que não leva muito peso. Para carga pesada tinha que usar burro ou mula. Uma mula chamava-se Amazonas e a outra Menina, esta foi adquirida muito novinha ainda, teve que ser dado um tempo para ela depois começar a trabalhar. O que não faltava no sítio era cachorro. Entre eles tinha um que era um viralatão. Certo dia papai estava retornando para casa, esse cachorro entrou na sombra do caixão do carrinho e cheirava os frangos que estavam na gaiola, além do pão naquele dia papai tinha uns biscoitos, ele jogou um biscoito para o cachorro. Ele acompanhou papai até em casa. Nunca ficamos sabendo quem era o dono desse cachorro, de onde ele tinha vindo, deve ter vindo da Fazenda Milhã, ou da Fazenda Vai-e-Vem, daqueles fundos lá. Era um cachorrão grande, ficou um mestre, chamava-se Avião. Tinha outro cachorro de tamanho médio, era fraco, colocamos o nome de Malandro nele, ele não fazia nada, era folgado. E tinha uma cachorrinha chamada Saa (Com dois a). Depois vieram outros cachorros.

 

Quando sua família veio para a cidade?

Logo que terminei o primário meu avô paterno faleceu, ele tinha um Box no Mercado Municipal onde comercializava fumo. Meu pai acabou adquirindo da minha avó esse box. Mudamos para a Rua Floriano Peixoto, 558. A casa era alugada por Batista Rapetti. Ele permaneceu um bom tempo ali, mas não se adaptou, resolveu frangueirar de novo, adquiriu um caminhãozinho, um Chevrolet 1928. Esse caminhão só lhe deu dor de cabeça. Vendeu o Chevrolet e comprou um Ford. As despesas eram bem maiores do que era no tempo em que trabalhava com carrinho de tração animal. Surgiu uma vaga para trabalhar como motorista no Lar dos Velhinhos de Piracicaba era para dirigir uma caminhonete zero quilometro. Luciano Guidotti era o provedor do Lar dos Velhinhos, ele que falou com papai, eram muito amigos. Papai trabalhou lá até falecer, ele era motorista, fazia a barba, cortava o cabelo, ele dava banho, fazia curativos. Foi muito útil para o Lar dos Velhinhos. 

Nesse período qual era a sua atividade?

Alguns dias após mudarmos para a cidade fui trabalhar na casa de loucas e utilidades de propriedade de Batista Rapetti, ficava na Rua Governador Pedro de Toledo, 1512, esquina com a Rua Ipiranga, em frente ao Grupo Escolar Barão de Rio Branco. Por dois anos trabalhei lá. Aos onze anos e meio eu era balconista. O Batista Rapetti saia, ia caçar, junto ia seu amigo, dono do Café Triângulo. Na loja ficava a esposa dele, eu e um sobrinho dele chamado Adolfo Beismann, que era um pouco mais velho de que eu. Nós vendíamos e muitas vezes a patroa estava lá dentro da casa nós a chamávamos: “- Dona Carmem!” O nome dela era Carmem Vitória. Ela e seu marido moravam no fundo da loja, ela cuidava da casa, nós dois atendíamos o cliente, vendíamos, sabíamos o preço de tudo. Quando a venda estava feita nós a chamávamos, dizíamos o que o freguês estava levando. Ela aprovava a venda, nós então embrulhávamos as compras. Naquele tempo era tudo no barbante. Não existia durex. Tinha dois rolos de barbante preso e um suporte giratório, ficava em cima do balcão. Embrulhávamos a compra em um jornal, passávamos o barbante cruzando um fio sobre o outro. Não existia sacola plástica, alguns fregueses traziam uma sacolinha de pano com duas bocas, era o chamado “piquá”. As louças eram colocadas em um lado e outros materiais em outra boca do piquá, para não ter perigo de quebrar a louça.

Vendia muitos presentes para casamento?

Vendia! Na época de maio, junho, quando eram celebrados bastantes casamentos vendia-se muito. O Rapetti tinha grande variedade de presentes. Estavam em moda as licoreiras. Um escolhia com alça, outro escolhia com bandeja, o presente para casamento era embrulhado com papel de presente, mas preso com barbante.

As mercadorias vinham pela estrada de ferro?

Vinha pela Companhia Paulista e pela Estrada de Ferro Sorocabana. Eles entregavam na loja. Não sei por quais cargas d’água ele liquidou a loja. Acredito que seja porque estava bem de vida, tinha várias casas de aluguel, sítio em Santa Maria. Com isso perdemos o emprego. Naquela época ganhávamos cento e cinquenta mil réis por mês, eu já estava com 14 anos. No último dia Batista Rapetti nos chamou, pagou nosso salário e deu uma gratificação de duzentos mil réis. Para nós foi como ganhar na loteria esportiva. Meu pai construiu uma casa na Avenida João Conceição, onde por muito tempo foi a Alvarco. Era um terrenão enorme, papai foi um dos primeiros a comprar terreno ali, era do Pacheco Chaves.

Qual foi o seu novo emprego?

Quando o Batista Rapetti parou de trabalhar consegui um emprego no bar em frente a Estação da Paulista. Naquele sobrado que existe até hoje, na esquina da Rua Boa Morte com a Avenida Dr. Paulo de Moraes. Era do Augusto Amstalden, meu tio e padrinho. A esposa do Augusto era irmã da mamãe. O bar fica embaixo e ele morava na parte superior. Quanto sorvete eu fiz ali! Sou de estatura pequena, para servir o sorvete tinha que me debruçar com a barriga sobre o primeiro corpo para alcançar o butijão de sorvete que ficava no segundo corpo. Trabalhei dois anos e meio lá, sem férias, funcionava sem parar, de segunda a segunda.

Qual era o sorvete mais requisitado?

Saía de tudo! Um tio meu, Francisco Danelon, conhecido na cidade por “Tio Chico”,  não media para fazer o sorvete, calculava pela vasilha, às vezes não dava certo. Eu dizia:

  “Tio precisa medir, precisa pesar o açúcar, o senhor está colocando a vontade!”. Como balconista ele era um espetáculo. A limpeza do bar, ele fazia tudo. Ali era servido café, sorvete, lanches. O lanche daquele tempo era uma bengala cortada com a faca, colocava mortadela, salaminho ou queijo. Estava pronto! Não existia chapa, não aquecia. Era lanche frio. Vendia demais! Naquele tempo não existia a Viação Piracicabana, existia a empresa Atilio Gianetti que era carro de praça (Taxi) que levava clientes para São Paulo.  Não existia a AVA que ligava Santa Bárbara, Americana e Campinas a Piracicaba. O trem era o único meio de locomoção, o pessoal de Santa Bárbara e Americana vinha fazer compras em Piracicaba, essas duas cidades eram muito pequenas. Dá para imaginar o movimento que tinha o bar em frente a estação.

Quais eram os horários de partidas e chegadas dos trens?

O primeiro trem saia as 6:35, não sei porque não saía as 6:30 ! Às 9:50 ou 9:55 chegava o trem que vinha de São Paulo, era feita a baldeação em Nova Odessa. Às 14:25 saía outro trem para São Paulo, era o hora que tinha o maior movimento, o pessoal não queria ir embora muito tarde, tinham vindo fazer compras em Piracicaba. O trem das duas e vinte cinco era uma loucura. Eu chegava a ficar com o guarda pó melando de sorvete, de leite. Era servido café, leite, sorvete, lanche, tudo de uma vez só. E o pessoal tinha pressa, queria pegar um lugarzinho no trem, sentar. Às vezes ia gente até no estribo do trem. O Augusto Amstalden ganhou muito dinheiro. As 21:50 chegava um trem de São Paulo, a tarde não vinha trem, a não ser que fosse algum trem especial, algum acontecimento extra. O Augusto não me chamava de Lillo nem Ismael, ele dirigia-se a mim dizendo Jéi. Esse era o apelido do Joel, outro sobrinho. Ele dizia: “-Jéi! O trem está chegando! Pega o bule de café, pega o leite!” O pessoal saía do trem morto de fome. Eles tinham saído de São Paulo em um horário que não tinha como jantar. Quando esse pessoal ia embora o Tio Augusto me dizia: “-Jéi! Abaixa as portas, precisa lavar o salom!”. Embora fosse descendente de suíços ele conviveu com os italianos da Nova Suíça, onde noventa por cento era de descendentes de italianos. Eles tinham o sotaque então diziam: canecom, rojom, cachorrom, tudo com “om”. Às vezes estava na metade da lavagem do salão, batiam na porta, diziam: “- Dá para servir um lanche?”.  O freguês entrava, aquela água do chão ia enxugando, tinha que jogar mais água. Eu saía do bar a meia noite, uma hora da manhã.

Você morava onde?

Morava na casa em que resido até hoje. Meu pai que a construiu, ele adquiriu o terreno de José Passari, que foi proprietário do Posto de Gasolina do Pampaluche (Panfiglio Passari), situado no inicio da Avenida São Paulo. Hoje conhecido como Posto Sabadim. Pelo cálculo que fiz faz 65 anos que moro aqui, nesta avenida, neste número. Essa casa foi reformada por três vezes. Ampliada. Posso afirmar que meia Piracicaba conhece o Lillo. (CONTINUA)

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