PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de novembro de 2015.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de novembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO:FRANCISCO AJUDARTE LOPES ( LELO)
ENTREVISTADO:FRANCISCO AJUDARTE LOPES ( LELO)
Francisco Ajudarte Lopes é mais conhecido como Lelo, um apelido que
recebeu ainda na infância. Nascido a 16 de fevereiro de 1948,em Piracicaba,
filho de Antonio Ajudarte Lopes e Maria Encarnação Baiestero, são brasileiros
de ascendência espanhola. Tiveram oito filhos: João, Pedro, Antonio, José,
Benedito, Terezinha, Francisco e Domingos. Seu pai trabalhava na lavoura no
bairro rural Pau Queimado. Plantava cebola, alho, vassoura. Francisco Ajudarte
Lopes casou-se em 1994 na Igreja dos Frades, dessa união nasceu seu filho
Francisco Ajudarte Lopes Junior. Acometido de deficiência visual total, em
decorrência da diabetes, Lelo é uma pessoa de bem com a vida, muito estimado
por todos que o conhece, tem como fiel companheiro o seu rádio. Ouve televisão,
mas dá preferência ao rádio.
Quando sua família mudou-se para a cidade qual era a sua idade?
Eu deveria ter uns três a quatro anos. Moramos inicialmente na Rua
Baroneza de Rezende, travessa da Avenida Madre Maria Teodora, depois fomos para
a Rua Botucatu, em seguida fomos morar na Avenida Edgar Conceição, entre as
Ruas Santos e Rua Campinas, em uma casa onde mais tarde foi construído nos
fundos um boche, conhecido como “Boche do Espanhol”, nós moramos na casa que
mais tarde veio a ser a residência desse espanhol, dono do boche. Em seguida
fomos residir na Rua da Palma, em uma casa aonde mais tarde vieram a residir a
família da Maria José, casada com Zico Detoni, fundadores da Loja Detoni. Um
dos rapazes, o Paulo, irmão da Mazé (Maria José), na época foi cadete da
Academia de Agulhas Negras, seguindo a carreira militar com grande êxito. Mudamos
novamente, para a Rua Conselheiro Costa Pinto. Em seguida fomos residir próximo
ao barracão da MAUSA, no bairro Higienópolis.
Quando vocês foram residir no bairro Higienópolis não havia ainda a
Avenida 31 de Março?
Era tudo chão de terra, tempo da nascente Olho da Nhá Rita, íamos pegar
guaruzinho no Ribeirão Itapeva. Passávamos pela linha do trem, por cima do
pontilhão. Lembro-me da Bica do Morlet, que ficava junto a linha do trem.
Naquele tempo era comum existir na Paulista água de poço?
Era comum a água de poço no bairro da Paulista. Enchia o reservatório de
água usando uma bomba no poço e uma mangueira. As ruas eram todas de terra.
Você estudou em qual escola?
Estudei até o quarto ano primário no Grupo Escolar Dr. João Conceição,
na Rua Alferes José Caetano, ao lado da Igreja dos Frades. Era escola mista.
Entravamos em fila. Em 1959 conclui o quarto ano. Lembro-me que na Rua São
Francisco de Assis, esquina com a Rua Alferes José Caetano, havia um prédio
pequeno antes de construírem o prédio de vários andares onde funciona a Assistência
Social Mariana. Em frente a Igreja dos Frades existe uma praça, do lado
esquerdo há um salão onde eram projetados filmes. Fui cordigero. Uma vez por
mês tinha uma procissão que dava a volta no quarteirão. Tinha a procissão de
Santo Antonio, a banda ia tocando. Cheguei a conhecer Frei Liberato, Frei
Crispin. Ao lado da Igreja dos Frades,havia um local onde eram realizadas as
quermesses. Havia o campo dos cordigeros, a trave ficava próxima ao muro da Rua
Alferes José Caetano. Havia um bambuzeiro no fundo. Na Avenida Dr. João
Conceição existia a Madeireira do Galesi, que pegou fogo. O Morro do Enxofre (Atual Avenida Madre Maria
Teodora) era terra, demorou em asfaltarem. Ali subiam os caminhões carregados
de cana-de-açúcar, a molecada fazia uma festa. Onde hoje é a Avenida Nove de
Julho também subiam caminhões carregados com cana. Subia pelo campo do Jaraguá
Futebol Clube, passavam pela casa do Lovadini, lembro-me bem de um Ford 1946
que sempre fazia esse caminho. De vez em quando o motorista parava e saia
correndo atrás da criançada, mas não conseguia pegá-los. Ele voltava ao
caminhão. Para sair era difícil. Nós corríamos atrás do caminhão, chegávamos
até a subir sobre a carga para tirar feixes de cana. Era fácil tirar a cana,
ela escorregava, nós íamos tirando e jogando, quando o caminhão chegava à Rua
da Palma nós descíamos do caminhão e íamos coletando as canas. Lembro-me dos
irmãos Alcides, Hélio e José Saipp. A família Saipp até hoje é proprietária da
tradicional Casa dos Presentes, na Rua do Rosário, entre a Avenida Dr. Edgar
Conceição e Avenida do Café. O Hélio Saipp iniciou suas atividades comerciais
com uma casa de ferragens na Rua do Rosário esquina com a Avenida Edgard
Conceição. Na esquina oposta havia a beneficiadora de arroz de propriedade de
Augusto Grella e João Sabino Barbosa. Na esquina da Rua do Rosário com a
Avenida do Café havia o armazém do Gasparotti, atravessando a rua havia o
moinho de fubá e beneficiamento de arroz, era de propriedade de Ernesto e
Antonio Grella. Onde hoje é a Loja do Italiano era um comércio de propriedade
do Vecchini que faleceu de forma trágica sob as rodas de um caminhão. Na
esquina da Avenida do Café com a Rua do Rosário existia o açougue do Rubens
Zillio, pais do Tite, da Rosinha, Valmir e um filho mais novo. Na Paulista
tinha tanta figura! Lembro-me do Geep, dono de um bar, fabricava sorvetes. Na
esquina da Avenida Dona Jane Conceição, esquina com a Rua do Rosário, havia um
terreno, onde mais tarde foi a Angemar, hoje é uma série de lojas. Naquele
local era colocado o pau de sebo com o Judas na ponta. Era uma tradição no
bairro. Era também onde se armavam os circos e parques que vinham para o
bairro. Na esquina oposta, onde hoje é a
farmácia Drogal havia o Bar Serenata, de propriedade de Miguel Fernandes. Antes
o bar dele era no sobrado que fica em frente a Estação da Paulista, existe até
hoje, é uma escola de inglês.Uma quadra abaixo na esquina da Rua Boa Morte com
Rua Joaquim André havia o Hotel Paulista. O Miguel havia sido motorista de jardineira.
Entre as figuras folclóricas do bairro, havia o mecânico Miltinho Novello. Ele
teve um acidente, perdeu quatro dedos de uma das mãos. Havia um japonês que
tinha uma quitanda onde atualmente é a Padaria Takaki. Era muito cuidadoso com
o produtos que vendia, tinham que ter uma excelente qualidade. O Miltinho
colocou a mão que tinha os dedos amputados sobre um mamão e disse ao
proprietário: “ Eh Seu João! Este mamão está podre!”. O japonês ficou muito
bravo com ele, imaginou que o mesmo havia enfiado os dedos dentro do mamão. Foi
quando o Miltinho mostrou-lhe a mão sem os dedos, acompanhado de uma sonora
gargalhada. O Miltinho era um tremendo brincalhão. Na Rua do Rosário, quase em
frente a atual Original Calçados, havia a Farmácia Nossa Senhora da Penha. O
proprietário era Miguel Victória Sobrinho, que tinha um pequeno problema de
audição. Era um homem alto, magro, ágil. O Miltinho arrumou uma boneca grande,
do tamanho de um bebê. Vestiu a boneca, colocou um xale na mesma, tinha todas
as características de um recém-nascido. O Miltinho disse ao farmacêutico:
“Miguel! Miguel! A criança está com febre!”. A princípio pelo tom de voz de
Miltinho, falando baixo, o farmacêutico estava tentando entender o que se
passava com a criança. Aproximou-se da mesma para poder vê-la melhor. Miltinho
propositalmente soltou a boneca dos braços. Em um salto olímpico Miguel tentou
segurar a “criança” que foi ao chão. Desesperado, achou que a “criança” poderia
sofrer danos irreversíveis. Miltinho ria a não poder mais da cena inusitada. São
fatos que os moradores mais antigos do bairro até hoje lembram.
Com que idade você começou a trabalhar?
Comecei a trabalhar em 1960, aos doze anos. Trabalhei um pouquinho
também na fábrica de doces do Natalin Stenico. Lembro-me dele, dos seus irmãos:
Aurélio, Agapito, Sabino. Lá eu fazia doces como paçoquinha, pé-de-moleque,
doce de leite, fazia umas chupetinhas de açúcar, O Natalin inventou e fez uma
máquina de descascar amendoim, era um rolete com aqueles pregos de prender
arame, jogava o amendoim em casca e ia girando uma manivela. A casca ia
quebrando, depois passava em uma peneira. Para moer o amendoim e fazer
paçoquinha era socado no pilão. Mais tarde é que apareceu uma maquininha de
moer. Eles faziam muitos tipos de doces, um deles eram as “velas” de doce. Toda
colorida. Dali fui trabalhar em um armazém em frente ao Colégio Assunção, ao
lado do Bazar do Tola, era uma espécie de filial da Casa Munhoz. Ali fiquei uns
três meses. Na Avenida Dr. Paulo de Moraes, em frente a casa onde morou o
advogado Dr. Jacob Dhiel Neto, havia uma enorme bebedouro de água, próprio para
cavalos, com um cano curvo jorrando água continuamente. Havia um furo na parte
superior desse cano, de tal forma que se tampando com a mão a saída da água
pelo cano a mesma saia pelo furo, permitindo que as pessoas matassem sua sede.
Ao lado passava o bonde. Nós esperávamos o bonde passar, apertavamos a ponta do
cano e a água saia pelo furo molhando os passageiros. Fazíamos isso e saiamos
correndo. Coisas de moleque. A criançada passava pelo pontilhão do trem sobre a
Rua Benjamin Constant, bem mais na frente havia outro pontilhão, perto da hoje
Avenida 31 de Março, embaixo passava a Estrada de Ferro Sorocabana.
Você andou muito de bonde?
Andei muito! Andava no estribo, subia ali próximo a Igreja dos Frades,
quando chegava próximo ao centro pulava do bonde. Tive um tio, o Zuza Morato
que trabalhava no bonde. Era vizinho do Neco Cardoso, pedreiro famoso.
Após o armazém você foi trabalhar com o que?
Fui trabalhar em uma serralheria de propriedade de Alfredo Matiussi e
Rodolfo Hoff. Isso foi em 1960. Lembro-me que o primeiro serviço que eu fiz foi
um vitrô pequeno. Com o tempo fui aprendendo. Quando ia soldar usava a mascara
de proteção. Naquela época não havia a policorte, cortava com um tesourão, eu
mesmo ia cortar um ferro redondo de 5 e 1/8 nem conseguia balançar. Tinha que
fazer muita força.
Em que local ficava a serralheria?
Onde hoje existe a Casa de Calçados Annabella, o Hélio Saipp tinha a
oficina, ele vendeu para o Hoff e para o Alfredinho, dividiu o prédio pela
metade e montou a casa de ferragens em uma das metades do prédio. Posteriormente
essa oficina mudou para o Aliberti, na esquina da Rua do Rosário com a Avenida
Madre Maria Teodora. Ali era o armazém do Silvio e do Domingos Aliberti, tinha
um boche. Eles pararam com o boche, acertaram o piso e alugaram para o
Alfredinho.
Ao lado havia uma sorveteria?
Era o Bar da China. O proprietário era o Seu Zico. Era o melhor sorvete
da Paulista, em muitos lugares da cidade não achava um sorvete como aquele. O
sorvete de coco branco era feito com leite.
Trabalhei em serralheria com o Jacob Forti e o outro parceiro dele, o
Romanini. O Antonio Forti trabalhava na ESALQ, era irmão do Jacob.A sobrinha do
Jacob casou-se com o Nazareno Filizolla, mais conhecido como “Sonrisal”. Lá fiquei de 1967 até 1974, de lá fui
trabalhar com Antonio Capputo, conhecido como “Italiano”. O Alfredo Matiussi
era meio sócio. O Italiano fazia peças mais elaboradas, tudo martelado, eram
peças artísticas. Permaneci por uns quatro ou cinco anos trabalhando lá. Voltei
a trabalhar com o Jacob que tinha mudado para o bairro Caxambu. Sai de lá e fui
trabalhar com o filho do Augusto Grella, o José Augusto Grella.
O ramo de serralheria mudou?
Hoje está mais pesada, antigamente faziam grades baixas. Hoje fazem
portões enormes, basculantes. Há mais ferramentas, quem tiver a prensa faz
muitos tipos de serviço, uma porta de aço, por exemplo, basta levar a medida
que fornecem tudo cortado.
Dentro da sua realidade, quando teve a noticia da deficiência visual
total, foi um choque muito intenso?
Foi tudo muito rápido. No inicio encarei com muita coragem, depois que a
poeira abaixou, senti bem. Busquei todos os recursos possíveis, aqui e em
outras cidades. Quando recebi a noticia de que a minha doença era irreversível
já fazia algum tempo que não enxergava mais nada.
Você conseguiu ter forças para superar?
Não tive nenhuma reação de revolta. É obvio que gostaria de voltar a
enxergar.
Em algum momento você pensou em alguma medida extrema?
Jamais isso passou pela minha cabeça. Continuei a ser a mesma pessoa que
sempre fui. Tive muito apoio da minha família.
Você sonha quando dorme?
Sonho! E geralmente comigo mesmo trabalhando na oficina! Tem tanta coisa
boa para sonhar eu só sonho com serralheria!
Você era bom de futebol?
Não! Quando jogava no juvenil era meio-esquerda. O uniforme do Jaraguá
Futebol Clube era verde e branco. Nosso maior adversário era o Atlético da Vila
Rezende. O Palmeirinha era um time bom também. O Náutico. Tinha time bom, a
bola era de capotão, um peso danado. Meu pai não deixou fazer duas coisas:
subir em pau de sebo para tirar o Judas e nem deixou que eu engraxasse sapatos,
mesmo eu tendo feito uma caixa.
Você conheceu a família Canale?
O João Canele era meu padrinho de batismo.
Você freqüentou Cine Paulistinha,
situado na Rua Benjamin Constant, aonde hoje funciona a Freio Tec?
Quantas vezes fui ao Paulistinha! Teve um dia que passou o filme
“Marcelino Pão e Vinho”, teve uma hora em que o barco pegava fogo, nesse exato
momento, o aviso de saída de emergência do cinema deu um curto circuito, foi
uma correria naquele cinema! Do lado do Cine Broadway havia uma casa, na
esquina, nós abríamos o portão e pulávamos o muro saindo no banheiro do cinema.
Entrava no cinema sem pagar ingresso.
Você conheceu a Padaria Cruzeiro na Avenida Dr.Paulo de Moraes?
Quando morei no bairro Higienópolis continuava a sair com a minha
turminha da Praça Takaki. Ia para o centro, para o cinema, depois voltava, eu
ia para casa sozinho, para ir até o bairro Higienópolis atravessava o
pontilhão. Passava na Padaria Cruzeiro, comprava uma bengala, duas bengalas e
ia comendo. A Avenida Dr. Paulo de Moraes terminava na Rua do Rosário, onde havia
dois barracões, um era sede do Jaraguá, com mesa de snooker, e no outro havia
um salão grande, eles mexiam com café ali.
Onde hoje está tudo construído tinha mangueiras, pés de abacate
manteiga, aqueles abacatinhos pequenos. Tinha um tal de “Segundinho” que arrendava
a parte que tinha frutas.
Você desfilou em carnaval alguma vez?
Não. Mas tem uma música “Quando Eu Me Chamar Saudade” retrata bem a realidade. Gosto dessa
música.